SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE LETRAS E LINGUÃSTICA MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS MARCELA CRISTIANE DA SILVA CONTOS, ROTEIROS E CURTAS-METRAGENS: UMA PROPOSTA DE ENSINO PARA A EJA UBERLÂNDIA-MG 2020 MARCELA CRISTIANE DA SILVA CONTOS, ROTEIROS E CURTAS-METRAGENS: UMA PROPOSTA DE ENSINO PARA A EJA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Letras (Profletras) da Universidade Federal de Uberlândia como requisito parcial para obtenção do tÃtulo de Mestre em Letras. Ãrea de concentração: Linguagens e Letramentos. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Resende Ottoni. UBERLÂNDIA-MG 2020 _____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Cláudia Goulart Morais (ESEBA/UFU) – Videoconferência AGRADECIMENTOS A Deus, pelas bênçãos que me deram força, saúde e disposição durante a realização desta pesquisa. Ele é bom o tempo todo! À minha mãe maravilhosa, minha heroÃna, que sempre esteve em cena comigo, todo o brilho é e sempre será seu. Obrigada, por continuar segurando a minha mão para que eu brilhe! Ao meu pai (in memoriam), que embora não esteja mais em cena, deixa as marcas de uma linda história! Aos meus filhos Marlon, Eduardo, Arthur, por compreenderem as minhas ausências e serem em todas as horas, o meu porto seguro. Ao meu esposo João Batista, companheiro de todas as horas, que proporcionou a tranquilidade e o conforto de que tanto precisava para seguir em frente. À minha orientadora, Professora Cida, por me indicar os caminhos e dar a confiança necessária para concluir todas as etapas. Os vÃnculos afetivos que constrói com os/as /as orientandos/as não está nos manuais e, para mim, fez toda a diferença. Obrigada por respeitar as minhas limitações. À Conceição Guisardi, pelo apoio, colaboração, generosidade e altruÃsmo: sem me conhecer, me deu o melhor de si, abriu as portas da sua casa e ofereceu valorosas reflexões e contribuições para o meu trabalho. Terá sempre a minha admiração. Às professoras Claudia Goulart e Maria CecÃlia pelas pertinentes contribuições na banca de qualificação. Às professoras Claudia Goulart e Claudia Almeida por aceitarem participar da banca de defesa com prontidão e compromisso. Aos professores do mestrado: Adriana, Biella, Cida, Eliana, Elizete, Marisa, Marlúcia e Simone, pelo ensino primoroso, diferenciado e compromissado que por certo mudou a minha prática de ensino. À Coordenadora do Profletras, Marlúcia Maria e ao secretário do Profletras, Andson, pela educação, disponibilidade e agilidade diante das minhas necessidades. Aos meus amigos cúmplices de sempre: Elisangela, Sandra Leite, Ângela, Samantha, Justina, Marli, Alexsandra, Wilda, Ilma, Marisley, Mauro e Sueli que são fundamentais na minha vida, que me ensinam, me fazem rir e que emprestam o ombro amigo nas boas e más situações da vida. Às minhas parceiras da Transufu, Andreia, Iveliny, Sônia, Sunamita e Tayza, colegas da turma e da Secretaria de Educação do Distrito Federal, amigas que ganhei para a vida e que, entre as idas e vindas, incontáveis foram os risos e as confissões. A partir desse encontro, conversas longas, agradabilÃssimas sob os cuidados do discreto Messias. Às minhas irmãs e irmãos Regis, Silvana, Luciana, Marcelo e Guilherme por fazerem parte da minha vida e darem apoio incondicional. À Lurdinha, pelas acolhidas aconchegantes em Uberlândia. Aos colegas, amigos/as da turma do Profletras que participaram da realização do sonho de um dia ser mestre/a, pelas emoções, partilhas, desabafos e cumplicidade. À direção e aos colegas da escola onde realizei a pesquisa, os quais deram total apoio para a aplicação da proposta interventiva. Especialmente Izabel e Fernanda. Muito obrigada! Alguns querem um texto (uma arte, uma pintura) sem sombra, cortada da “ideologia dominanteâ€; mas é querer um texto sem fecundidade, sem produtividade, um texto estéril (vejam o mito da Mulher sem Sombra). O texto tem necessidade de sua sombra: essa sombra é um pouco de ideologia, um pouco de representação, um pouco de sujeito: fantasmas, bolsos, rastos, nuvens necessárias; a subversão deve produzir seu próprio claro-escuro (BARTHES, 1996, p. 44). RESUMO Esta dissertação é resultado de uma pesquisa centrada na elaboração e aplicação de uma proposta interventiva de leitura e na análise crÃtica de contos, na produção de roteiros e de curtas-metragens, destinada ao público da Educação de Jovens e Adultos (EJA). O estudo tem como objetivos especÃficos: ler e produzir textos seguindo as convenções de diferentes gêneros, levando em conta a multissemiose e a integração das tecnologias digitais de forma reflexiva, significativa e crÃtica; ler contos da literatura brasileira, analisar e discutir as representações discursivas e identificações dos personagens neles construÃdas por meio de recursos linguÃstico/semióticos; investigar as representações e identificações de si construÃdas pelos discentes e relacioná-las à s representações e à s identificações dos personagens nos contos, articulando culturas, o lido e o vivido, estimular os/as estudantes ao protagonismo durante a realização das atividades propostas. Para atingir esses objetivos, apoiamo-nos em pressupostos da Análise de Discurso CrÃtica FAIRCLOUGH, 2001, 2003, 2008; CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999; BATISTA JUNIOR; SATO; MELO, 2018; MAGALHÃES; MARTINS; RESENDE, 2017) , em estudos sobre os gêneros discursivos (BAKHTIN, 2015), sobre o ensino de LÃngua Portuguesa na EJA (FREIRE, 2002, 2005; OLIVEIRA, 2002), sobre o letramento crÃtico (FREIRE, 2005; MENEZES DE SOUZA, 2011; DUBOC, 2015) e multiletramentos ((ROJO; MOURA, 2012; SOARES, 2012; KLEIMAN, 2008), sobre os gêneros conto (CANDIDO, 1989; COSSON, 2012; CORTÃZAR, 2004; GOTLIB, 1988; VIEIRA, 2009), sobre o gênero roteiro (COMPARATO, 1983; FIELD, 2001) e sobre o gênero curta-metragem (ALCÂNTARA, 2014; ASSIS BRASIL, 2001; MIQUELANTE; MARSON; LANFERDINI, 2018). Desenvolvemos uma pesquisa qualitativa, ética, colaborativa, fortalecedora e de cunho etnográfico (THOMAS, 1993; GEERTZ, 1978; HAMMERSLEY; ATKINSON, 1995; CAMERON ET AL., 1992; GIEVE; MAGALHÃES, 1994; MAGALHÃES; GIEVE, 1998; IVANIC, 1998). Os dados foram gerados por meio de questionários, de relatos orais e escritos, de gravações, de produção de um portfólio e de textos diversos em consonância com as convenções de diferentes gêneros e por meio de registros em diário de campo. Como resultado, pudemos perceber que o trabalho constituiu-se como uma oportunidade de protagonismo dos/as estudantes participantes, de reflexão sobre os usos da lÃngua e de outros modos semióticos na leitura e na escrita, de análise crÃtica das representações e identificações construÃdas nos contos e de articulação do lido com o vivido, promovendo uma maior aproximação dos/as leitores/as da EJA do texto literário. Palavras-chave: Contos. Roteiro. Curta-metragem. EJA. Leitura, análise e produção textual. ABSTRACT This dissertation is the result of a research centered on the elaboration and application of an interventionist reading proposal and in the critical analysis of short stories, in the production of scripts and short films, aimed at the Public of Youth and Adult Education (EJA). The study has as specific objectives: to read and produce texts following the conventions of different genres, taking into account multisemiosis and the integration of digital technologies in a reflective, meaningful and critical way; reading tales from Brazilian literature, analyzing and discussing the discursive representations and identifications of the characters built on them through linguistic / semiotic resources; to investigate the representations and identifications of themselves constructed by the students and to relate them to the representations and identifications of the characters in the stories, articulating cultures, the read and the lived, to stimulate the students to the protagonism during the performance of the proposed activities. To achieve these objectives, we rely on assumptions of the Critical Discourse Analysis FAIRCLOUGH, 2001, 2003, 2008; CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999; BATISTA JUNIOR; SATO; MELO, 2018; MAGALHÃES; MARTINS; RESENDE, 2017), in studies on discourse genres (BAKHTIN, 2015), on the teaching of Portuguese Language at EJA (FREIRE, 2002, 2005; OLIVEIRA, 2002), on critical literacy (FREIRE, 2005; MENEZES DE SOUZA, 2011; DUBOC, 2015) and multi-tools ((ROJO; MOURA, 2012; SOARES, 2012; KLEIMAN, 2008), about the short story genres (CANDIDO, 1989; COSSON, 2012; CORTÃZAR, 2004; GOTLIB, 1988; VIEIRA, 2009) , about the script genre (COMPARATO, 1983; FIELD, 2001) and about the short film genre (ALCÂNTARA, 2014; ASSIS BRASIL, 2001; MIQUELANTE; MARSON; LANFERDINI, 2018). We developed a qualitative, ethical, collaborative, strengthening and ethnographic (THOMAS, 1993; GEERTZ, 1978; HAMMERSLEY; ATKINSON, 1995; CAMERON ET AL., 1992; GIEVE; MAGALHÃES, 1994; MAGALHÃES; GIEVE, 1998; IVANIC, 1998). The data were generated through questionnaires, oral and written reports, recordings, portfolio production and various texts in line with the conventions s of different genres and through records in a field diary. As a result, we were able to perceive that the work constituted itself as an opportunity for protagonism of the participating students, for reflection on the uses of language and other semiotic ways in reading and writing, for a critical analysis of the representations and identifications built in the tales and articulation of the read with the lived, promoting a greater approximation of the readers of the EJA to the literary text. Keywords: Tales.Script. Short film. EJA. Reading, analysis and textual production. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Concepção Tridimensional do discurso em Fairclough (2001) ......................... 41 FIGURA 2 – O tripé da obra de Fairclough (2003) ................................................................ 46 FIGURA 3 – A relação dialética e de internalização entre os tripés de Fairclough (2003) .... 47 FIGURA 4 – Apresentação dos resultados da sondagem ........................................................ 72 FIGURA 5 – Dinâmica para motivar a leitura do conto “A cartomante†............................... 84 FIGURA 6 – Cópia das questões antes de saÃrem em duplas .................................................. 93 FIGURA 7 – Diferença ente conto, novela e romance ............................................................ 95 FIGURA 8 – Leitura oral compartilhada do conto “Tchau†................................................... 96 FIGURA 9 – Imagem da capa do livro de contos “Tchau†..................................................... 98 FIGURA 10 – Slides explicativos sobre o gênero conto ........................................................ 100 FIGURA 11 – Fotos dos/as contistas fixadas na parede ........................................................ 102 FIGURA 12 – Colocação das placas dos nomes dos/as escritores/as à s figuras no Cine Clube ........................................................................................................................ 104 FIGURA 13 – Atividade sobre os tÃtulos das obras: “A caolha†........................................... 105 FIGURA 14 – Atividade sobre os tÃtulos das obras: “A terceira margem do rio†................. 106 FIGURA 15 – Atividade sobre os tÃtulos das obras: “ClÃnica de Repouso†.......................... 107 FIGURA 16 – Leitura compartilhada do conto “A caolha†................................................... 109 FIGURA 17 – Respostas da atividade contendo os trechos dos temas .................................. 116 FIGURA 18 – Avaliação da sociedade atual .......................................................................... 117 FIGURA 19 – Imagem do conto “A caolha†......................................................................... 118 FIGURA 20 – “A caolha†está de acordo com a descrição dada a ela no corpo do texto? Justifique. ....................................................................................................... 119 FIGURA 21 – “Como você lê a imagem?†............................................................................ 120 FIGURA 22 – “O que mais lhe chama a atenção nessa imagem? Por quê?†......................... 121 FIGURA 23 – Palestra realizada com a mãe/professora de pessoa com deficiência ............. 123 FIGURA 24 – Leitura do conto “A terceira margem do rio†................................................. 125 FIGURA 25 – Sequência de uma narrativa visual ................................................................. 126 FIGURA 26 – Etapa de interpretação e de análise do conto “A terceira margem do rio†..... 127 FIGURA 27 – Imagem do conto “A terceira margem do rio†............................................... 134 FIGURA 28 – Interpretação da imagem do conto “A terceira margem do rio†..................... 134 FIGURA 29 – Palestra com o conselheiro tutelar Lucas........................................................ 137 FIGURA 30 – Registro de Diário de campo .......................................................................... 139 FIGURA 31 – Imagem do conto “ClÃnica de Repouso†........................................................ 143 FIGURA 32 – Interpretação da imagem do conto “ClÃnica de repouso†............................... 143 FIGURA 33 – Análises do gênero em grupos ........................................................................ 146 FIGURA 34 – Análise das especificidades do gênero conto feita pelo grupo 1 .................... 147 FIGURA 35 – Análise das especificidades do gênero conto feita pelo grupo 2 .................... 148 FIGURA 36 – Análise das especificidades do gênero conto feita pelo grupo 3 .................... 149 FIGURA 37 – Análise das especificidades do gênero conto coletivamente .......................... 150 FIGURA 38 – Registro da análise das especificidades do gênero conto ............................... 151 FIGURA 39 – Explicando o gênero Roteiro .......................................................................... 153 FIGURA 40 – Produção do Roteiro ....................................................................................... 154 FIGURA 41 – Uso dos computadores para a produção do Roteiro ....................................... 154 FIGURA 42 – Familiarização com o gênero curta-metragem ............................................... 156 FIGURA 43 – Apresentação do programa Filmora Wondeshare .......................................... 158 FIGURA 44 – Escolha do fundo musical do curta-metragem................................................ 158 FIGURA 45 – Produção e edição do curta-metragem ............................................................ 159 FIGURA 46 – Folder do festival do curta-metragem ............................................................ 161 FIGURA 47 – Organização do evento ................................................................................... 161 FIGURA 48 – Exibição do curta-metragem ........................................................................... 162 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 – Categorias analÃticas propostas no modelo tridimensional .............................. 43 QUADRO 2 – Arcabouço de Chouliaraki e Fairclough (1999) ............................................... 44 QUADRO 3 – Esquema de roteiro inspirado na proposta de Field (2001) .............................. 53 QUADRO 4 – Idade dos/as participantes da pesquisa ............................................................. 68 QUADRO 5 – Contexto de produção e constituição do gênero ............................................ 145 QUADRO 6 – Avaliação dos/as convidados/as sobre os curtas-metragens ........................... 163 QUADRO 7 – Avaliação dos/as participantes sobre os curtas-metragens ............................. 165 LISTA DE GRÃFICOS GRÃFICO 1 – Das leituras feitas dentro e fora da escola, do que você mais gosta? ............... 74 GRÃFICO 2 – Você vê relação entre o que lê nos textos dentro da escola com aquilo que você vive? ........................................................................................................ 75 GRÃFICO 3 – Você tem o costume de falar de si mesmo dentro da escola? .......................... 77 GRÃFICO 4 – Você tem o costume de falar de si mesmo fora da escola? .............................. 77 GRÃFICO 5 – Você tem o hábito de escrever sobre a sua vida? ............................................. 79 SUMÃRIO 1 CONTEXTUALIZAÇAO DA PESQUISA, OBJETOS, JUSTIFICATIVAS ..... 15 2 REVISÃO DOCUMENTAL, FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO- METODOLÓGICA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..................... 25 2.1 Histórico e desafios da EJA............................................................................................... 25 2.1.1 Histórico da EJA ................................................................................................................. 25 2.1.2 Desafios da EJA .................................................................................................................. 27 2.2 Letramento Literário .......................................................................................................... 30 2.3 A Pedagogia dos Multiletramentos .................................................................................. 34 2.4 Letramento crÃtico .............................................................................................................. 36 2.5 Análise de Discurso CrÃtica (ADC) .................................................................................. 39 2.6 Gêneros discursivos ........................................................................................................... 48 2.6.1 O conto ................................................................................................................................ 50 2.6.2 O roteiro............................................................................................................................... 52 2.6.3 O curta-metragem ............................................................................................................... 54 2.7 Fundamentos metodológicos ............................................................................................. 56 2.8 Procedimentos metodológicos, contexto de pesquisa e participantes ........................... 62 2.8.1 A triangulação na pesquisa ................................................................................................ 66 2.8.2 O contexto de pesquisa: a escola participante ................................................................. 67 2.8.3 Os participantes do estudo ................................................................................................. 68 3 RELATO E ANÃLISE DA APLICAÇÃO DA PROPOSTA .................................. 70 3.1 Relato da aplicação da proposta, análise dos dados e discussão dos resultados.......... 70 3.1.1 Bloco 1: relato, análise e avaliação .................................................................................. 71 3.1.2 Aplicação do Bloco 2 ......................................................................................................... 84 3.1.3 Aplicação do Bloco 3 ......................................................................................................... 93 3.1.4 Bloco 4 - Leitura e interpretação .................................................................................... 108 3.1.5 Bloco 5 - Avaliação .......................................................................................................... 165 3.2 Reflexão sobre a pesquisa ............................................................................................... 169 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 171 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 175 APÊNDICES ................................................................................................................... 185 APÊNDICE A – Questionário – diagnóstico inicial..................................................... 186 APÊNDICE B – Roteiro de entrevista semiestruturada ............................................... 187 APÊNDICE C – Roteiro criado pelos/as participantes ................................................ 188 APÊNDICE D – Avaliação do curta - metragem ......................................................... 197 APÊNDICE E – Avaliação pelos/as participantes da pesquisa sobre a produção do curta-metragem ................................................................................................................. 198 ANEXOS .......................................................................................................................... 199 ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido para responsável legal por menor de 18 anos .............................................................................................................. 200 ANEXO B – Termo de Assentimento para o menor entre 12 e 18 anos incompletos ............................................................................................................................................ 202 ANEXO C – Termo de Consentimento livre e esclarecido ......................................... 204 ANEXO D – “A cartomante†de Machado de Assis .................................................... 206 ANEXO E – “Tchau†de Lygia Bojunga ....................................................................... 212 ANEXO F – “A caolha†de Júlia Lopes de Almeida ................................................... 218 ANEXO G – “A terceira margem do rio†de Guimarães Rosa ................................... 222 ANEXO H – “ClÃnica de Repouso†de Dalton Trevisan ............................................. 225 ANEXO I – Termo de autorização de uso de imagem ................................................ 228 ANEXO J – Parecer Consubstanciado do CEP .......................................................... 229 ANEXO K – Convenções do PETEDI para transcrição de Material Oral ................. 230 15 1 CONTEXTUALIZAÇAO DA PESQUISA, OBJETOS, JUSTIFICATIVAS A Educação de Jovens e Adultos, doravante EJA, é uma modalidade de ensino diferenciada que atende alunos provenientes de inúmeras demandas e frustrações, sejam de ordem escolar (são vários alunos retidos, repetentes e evadidos) ou de ordem familiar (quando ocorre o abandono por causa de gravidez precoce, necessidade de trabalho para ajudar/sustentar a famÃlia) e/ou ainda de ordem social (desemprego ou remuneração muito baixa). E, para agravar o quadro, há, entre os alunos, disparidade entre as idades que interferem no ensino e aprendizagem. Nesse contexto, temos adolescentes de 15 anos (a quarta maior parcela de estudantes da EJA, de acordo com o Inep/Censo, 2016) e senhores e/ou senhoras de mais de 40 anos (a segunda maior parcela de estudantes da EJA de acordo com o Inep/Censo, 2016). Surgem, então, anseios e mudanças de comportamento, tal como o amadurecimento desse público, e, na posição de docentes, temos de lidar com toda essa diversidade em sala de aula. Todavia, inegavelmente, todos esses estudantes querem apenas dar continuidade e concluir os estudos que outrora, não tiveram a oportunidade de cursar. Destacamos também como um problema, os livros didáticos disponÃveis ao público da EJA que não contemplam as reais necessidades desses alunos: ou propõem atividades descontextualizadas e distantes da realidade dos estudantes, ou seguem os mesmos modos do Ensino Regular, sem a preocupação com a adequação curricular para a EJA. Tal constatação é evidenciada por Queiroz (2012, p. 125) que afirma “Nas escolas os alunos são condicionados a trabalhar com um livro didático descontextualizados distante de suas realidades.†e por Oliveira et al. (2014): Através da observação e da análise do livro didático alfabetização da EJA, verifica-se que na maioria das vezes, as propostas de atividades de compreensão textual e os exercÃcios de avaliação não condizem com a realidade vivenciada pelos educandos, tão defendida por Paulo Freire. Por meio desta análise, verificou-se que o livro didático não contempla a necessidade de aprendizagem dos alunos da EJA, pois os processos de ensino-aprendizagem nem sempre ocorrem com a participação do aluno, além de considerar as diferentes realidades e formas de aprendizagem (OLIVEIRA et al. 2014, p. 10). Esses livros, destinados ao público EJA, fazem parte do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) desde 2009, e já foram distribuÃdas duas edições, em 2011 e em 2014, mas já se encontram defasadas em relação ao Parecer CNE/CEB nº 1/2016 que, dentre outros aspectos, trata dos eixos integradores, devendo estes enlaçar-se com os saberes do trabalho. Os livros didáticos entregues aos alunos são também consumÃveis, ou seja, o aluno pode realizar as 16 tarefas e fazer anotações no material e, devido à ausência de reposição deles pelo MEC, muitas turmas que foram sendo formadas não possuem o livro. Em 2018, a terceira edição do LD deveria ter sido entregue aos alunos, o que não ocorreu, pois, segundo o informe 46/2017 – COARE/FNDE, os marcos legais que norteiam a EJA estavam em revisão para adequação dos LD no ano de 2018. Há de se considerar ainda que vários estudantes retornam à escola depois de muitos anos fora dela e chegam cheios de esperança e expectativas de mudança de vida, nesse regresso. Assim, cabe a proposta de um currÃculo que seja organizado, a fim de atender aos anseios desses educandos. Mas, quando isso não acontece, o aluno evade da escola. Sobre a desistência, Catelli Júnior, da Organização não Governamental (ONG) Ação Educativa, em entrevista à revista Educação (2017), apresenta as seguintes considerações: A desistência tem a ver com três coisas, pelo menos: problemas de trabalho, de moradia ou de localização da escola, e o próprio currÃculo. No caso do currÃculo, à s vezes porque a escola tem um horário extenso demais, ou um modelo de aula em que o aluno não acredita. AÃ, ele simplesmente vai embora (CATELLI JÚNIOR, 2017, s/p). As ponderações desse especialista combinam com a opinião dos docentes dessa modalidade da educação básica e são facilmente percebidas no decorrer do ano letivo, das escolas que oferecem a EJA. Além disso, há outro desafio imposto aos professores da EJA: como trabalhar as habilidades socioemocionais desses alunos para que lidem com as próprias emoções e para que possam estabelecer relações com o próximo dentro e fora da sala de aula? Primeiramente, é preciso compreender que a EJA não é uma mera tentativa de recuperar conteúdos que não foram estudados em anos anteriores; oferecer uma oportunidade de concluir os estudos a esse público é além de tudo, uma questão social. As necessidades desses alunos vão muito além de simplesmente ler e escrever e, como ensina Paulo Freire (2002), são estudantes que retornam à escola cheios de saberes. Considerar tais saberes, que foram sendo adquiridos, ao longo da história de cada um, é possibilitar que eles se sintam ouvidos e isso parte do processo de ensino e aprendizagem. Nesse decurso, não vale um ensino universal que desconsidere as individualidades, mas um ensino que possibilite o protagonismo desses estudantes e dialogue com a realidade e expectativa deles. Sendo assim, as aulas de LÃngua Portuguesa devem estar voltadas para essa perspectiva, com leituras que busquem tanto a reflexão quanto o desejo de manifestar o que viveram, o que sonham, o que sabem, é libertar-se da posição de oprimido, 17 como bem defenderia Paulo Freire: “O importante é que a luta dos oprimidos se faça para superar a contradição em que se acham. Que esta superação seja o surgimento do homem novo - não mais opressor, não mais oprimido, mas homem libertando-se†(FREIRE, 2005, p. 58). Enfim, escutar o que esses estudantes têm a nos dizer. Para tal, sugerimos inserir obras literárias adequadas à s diversas idades que compõem a EJA e criar estratégias que levem o aluno a pesquisar, elaborar, ler, analisar e produzir. Dessa forma, poderemos auxiliar o estudante a assumir o papel de protagonista, no processo de aprendizagem, de um sujeito produtor, abandonando a postura passiva e oprimida, tão comum a muitos. Ao pensarmos em uma proposta com obras literárias, vale salientar que não consideramos a literatura como apêndice da LÃngua Portuguesa. Não ignoramos o fato de que a literatura se encontra em estado de falência, porque não tem sido trabalhada como deveria ser. Cosson (2012, p. 23) defende que “estamos diante da falência do ensino da literatura. Seja em nome da ordem, da liberdade ou do prazer. O certo é que a literatura não está sendo ensinada para garantir a função essencial de construir e reconstruir a palavra que nos humanizaâ€. Isso não significa que, se trabalharmos qualquer texto, resgataremos o ensino significativo da literatura. Cosson (2012, p. 23) alerta para o fato de que “aqueles que acreditam que basta a leitura de qualquer texto, estão equivocados, pois essa experiência poderá ser ampliada com informações especÃficas do campo literário e até fora deleâ€. Tendo em vista essa perspectiva, nesta dissertação, propomos um trabalho de leitura e de análise crÃtica de histórias narradas em contos, no qual o aluno foi motivado a relacioná-las com a realidade em que vive e pode apresentar alternativas para as situações conflitivas dessas histórias. Na seleção de contos, foram incluÃdas histórias que provavelmente se assemelham aos dramas vividos pelos estudantes, tais como falta de qualificação para o trabalho, separação de casais, abandono dos pais etc. Por conseguinte, fomentamos a leitura e estimulamos os alunos ao hábito de ler para que pudesse ser uma prática cotidiana do estudante em qualquer série, dentro ou fora da escola. Ressaltamos que, além do conto, a proposta foi voltada para a produção do gênero roteiro e curta-metragem. Para o trabalho com curta-metragem, foram realizadas oficinas, no laboratório de informática. Nessas oficinas, foram ensinados aos alunos como criar os curtas-metragens, usando um programa de animação e exploramos, também, os elementos constituintes desse gênero, para que os alunos fossem capazes de produzir o gênero solicitado. 18 Para a produção desse trabalho, apoiamo-nos em pressupostos da Análise de Discurso CrÃtica (FAIRCLOUGH, 2001, 2003, 2008; CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999; BATISTA JUNIOR; SATO; MELO, 2018; MAGALHÃES ; MARTINS; RESENDE, 2017), em estudos sobre os gêneros discursivos (BAKHTIN, 2015), sobre o ensino de LÃngua Portuguesa na EJA (FREIRE, 2002, 2005; OLIVEIRA, 2002), sobre o letramento crÃtico (FREIRE, 2005; MENEZES DE SOUZA, 2011; DUBOC, 2015) e multiletramentos (ROJO; MOURA, 2012; SOARES, 2012; KLEIMAN, 2008), sobre o gênero conto (CANDIDO, 1989; COSSON, 2012; CORTÃZAR, 2004; GOTLIB, 1988; VIEIRA, 2009), sobre o gênero roteiro (COMPARATO, 1983; FIELD, 2001) e sobre o gênero curta-metragem (ALCÂNTARA, 2014; ASSIS BRASIL, 2001; MIQUELANTE; MARSON; LANFERDINI, 2018). Participaram desta pesquisa discentes de uma turma de 8ª série1, do Segundo Segmento da EJA, de uma escola distrital da cidade de BrasÃlia, no Bairro de Samambaia, na qual ministramos aulas2. Em um levantamento que fizemos, em diferentes bases de dados, identificamos que havia alguns trabalhos que foram desenvolvidos sobre os gêneros conto e curta-metragem, como estratégia de ensino e aprendizagem em diferentes áreas e anos, como Maiolini (2013), Moretto (2013), Fortes (2011), Oliveira (2015) e Cavalcante (2016), que dissertaram sobre contos sob diferentes perspectivas, Alcântara (2014), Venturini (2017), Hennig e Medeiros (2011) e Freitas (2017), cujo enfoque foi o curta-metragem. Maiolini (2013) propôs investigar e discutir as práticas de letramento, tendo como público-alvo os alunos de 7º e 9º ano do Ensino Fundamental. O autor também observou e investigou como o gênero discursivo conto apareceu na coleção de Livro Didático “Viva Portuguêsâ€; Moretto (2013) investigou a cultura (e os contos orais) e a influência da fotografia na comunicação das histórias de vida, no bairro de Santa Cruz dos Navegantes, no municÃpio do Guarujá em São Paulo; Fortes (2011) apresentou o conto literário como estratégia de ensino e divulgação da lÃngua portuguesa; Oliveira (2015) apresentou uma proposta pedagógica, a partir do conto de Vladimir Souza Carvalho, “Lugar na missa,†e que passou à produção de um curta-metragem - o produto final também foi a criação de um Caderno Pedagógico. Cavalcante (2016), por sua vez, escolheu quatro contos da obra “Com certeza tenho amorâ€, de Marina 1 A professora pesquisadora foi docente nesta turma no semestre anterior e, acredita que melhores resultados junto aos /à s participantes da pesquisa podem ser alcançados devido a esse convÃvio entre as partes. 2 Em conformidade com as normas do Profletras, o aluno deve elaborar uma proposta de intervenção e aplicá-la em turma do Ensino Fundamental, na qual ministra aulas. 19 Colasanti. Os contos lidos versam sobre a condição feminina e a partir da leitura, a estudiosa propôs uma sequência básica (COSSON, 2012). Alcântara (2014) propôs investigar, por meio de relatos dos professores de lÃngua portuguesa de Cuiabá, Mato Grosso, como esses educadores utilizaram os curtas-metragens do programa “Curta na escolaâ€, acompanhados de uma sequência didática, desenvolvido pela Petrobrás, desde 2006, além de tentar compreender como ocorre a produção de sentidos, por meio da linguagem audiovisual. Nessa pesquisa, ele buscou amparo nas ideias de Bakhtin (1987). Venturini (2017) desenvolveu uma pesquisa voltada para os alunos de 3º ao 5º ano do Ensino Fundamental com deficiência intelectual, em horário de contraturno, no interior do Rio Grande do Sul. Os estudantes tiveram oficinas, organizadas com o passo a passo, para a produção de um curta-metragem. Em seguida, escolheram dois temas transversais e produziram o roteiro e as filmagens. O material produzido foi disponibilizado no You tube. Hennig e Medeiros (2011) apresentaram um artigo sobre a realização de uma proposta de trabalho, para alunos do 2 º ano do Ensino Médio, que consistiu na leitura de 6 obras literárias (A moreninha, O Guarani, Memórias de um sargento de milÃcias, Dom Casmurro, Luzia-Homem e O Cortiço) para lerem e produzirem, em grupos, 10 (dez) curtas-metragens dessas obras. Freitas (2017), professor de Geografia, desenvolveu uma proposta interventiva junto aos alunos do 9 º ano do Ensino Fundamental de Santa Catarina, cujo assunto motivador foi sobre a Ãfrica. Após as aulas sobre o continente africano, os alunos criaram 9 (nove) curtas-metragens, com diferentes temas a partir do assunto trabalhado e, posteriormente, foi realizado um festival de cinema na escola. Por esse levantamento, evidenciamos que nenhum dos trabalhos elencados tem como proposta trabalhar a leitura e a análise crÃtica de contos na EJA, a produção de roteiros e de curtas-metragens, na perspectiva da Pedagogia dos multiletramentos, do letramento crÃtico e da Análise de Discurso CrÃtica, como objetivamos fazer em nosso estudo. Assim sendo, essa pesquisa mostra-se necessária e relevante. Isso posto, a escolha da pesquisa voltada para o público EJA ocorreu pelo fato de ser uma parcela educacional com diversos problemas e que precisavam ser pesquisados, sendo o principal deles, a evasão. O abandono escolar, acreditamos que estivesse, entre outras razões, ligado à s práticas educativas desvinculadas das necessidades dessa parcela de estudantes. Conforme Laibida e Pryjma (2013) asseveram: Outro questionamento revela que quando as estratégias de ensino adotadas pelos professores não atendem à s necessidades dos alunos, elas podem acarretar a evasão 20 escolar dos alunos demonstrando que aquele docente que não inova, que insiste em aulas expositivas ou usa inadequadamente outras metodologias (vÃdeos muito extensos, pesquisas sem contextualização, laboratório sem finalidade e outros) amplia o fator de frustração e descontentamento pelo processo de ensino e aprendizagem (LAIBIDA ; PRYJMA, 2013, p. 10). A partir dessas reflexões, a nossa proposta teve por objetivo um fazer pedagógico diferenciado e voltado para as discussões e conflitos que permeiam a sociedade, por meio de histórias literárias. A pesquisa é também relevante porque propôs a produção de curtas-metragens, para que os estudantes da EJA pudessem se expressar, por meio da escrita, suas impressões, reflexões ou experiências vividas após o trabalho com os contos, o que é coerente com os pressupostos do letramento crÃtico (FREIRE, 2005; MENEZES DE SOUZA, 2011; DUBOC, 2015) e com a pedagogia de multiletramentos (COPE; KALANTZIS, 2000, 2009; ROJO, 2012). Isso porque, por meio do trabalho com os contos, foi possÃvel conhecer diferentes culturas neles representadas e a cultura dos alunos (cultura local), associando-as e refletindo sobre elas, assim como, por meio da produção de curtas-metragens, foi possÃvel levar em conta essas culturas e contemplar a abordagem de diferentes semioses3: o multissemiótico4. Além disso, a proposta constituiu uma oportunidade importante de protagonismo dos alunos da EJA, por meio da produção de curtas-metragens, de reflexão sobre os usos da lÃngua e de outros modos semióticos na leitura e na escrita, enfim, de uma análise crÃtica e de produção criativa. São vários os contos de diferentes escritores que trazem histórias com personagens centrais ou secundários que se assemelham à s histórias dos estudantes da EJA. Autores como Machado de Assis, Lygia Bojunga, Guimarães Rosa, Júlia Lopes de Almeida, Dalton Trevisan são contistas que costumam apresentar, em suas histórias criadas, personagens que, de alguma forma, trazem alguma representatividade a determinados leitores. Isso ocorre devido ao perÃodo histórico vivido pelos escritores, cujas caracterÃsticas literárias são a denúncia social e crÃtica à s instituições, desde o final do século XIX (igreja, sociedade, famÃlia etc.). Esses estilos de 3 No artigo de Fairclough (2012, p. 308), traduzido por Iran Melo, ele explica: “A semiose inclui todas as formas de construção de sentidos - imagens, linguagem corporal e a própria lÃngua. Vemos a vida social como uma rede interconectada de práticas sociais de diversos tipos (econômicas, polÃticas, culturais, entre outras), todas com um elemento semiótico.†4 Rojo e Barbosa (2015) afirmam que “texto multimodal ou multissemiótico é aquele que recorre a mais de uma modalidade de linguagem ou a mais de um sistema de signos ou sÃmbolos (semiose) em sua composição. LÃngua oral e escrita (modalidade verbal), linguagem corporal (gestualidade, danças, performances, vestimentas – modalidade gestual), áudio (música e outros sons não verbais – modalidade sonora) e imagens estáticas e em movimento (fotos, ilustrações, grafismos, vÃdeo, animações – modalidades visuais) compõem hoje os textos da contemporaneidade, tanto em veÃculos impressos como, principalmente, nas mÃdias analógicas e digitais. (ROJO e BARBOSA, 2015, p. 108). 21 épocas, que apresentam tais caracterÃsticas, iniciaram, no Realismo5, permanecendo até os dias atuais e possui como cânone o escritor Machado de Assis, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, negro, pobre, epilético, segundo Vasconcelos (2015). Esse escritor possui uma história de superação que mereceu ser conhecida pelos alunos da EJA, pois serviu de inspiração e muitos puderam se identificar com sua história de vida, por ter conseguido vencer, apesar de todas as adversidades. Nesse mesmo sentido, aponta Fernandes (2009, p. 19): “uma vez compreendido que a obra literária é uma manifestação de arte que atua sobre o indivÃduo, entendemos que a literatura possibilita o contato dele com o universo que o cerca e que sua força reside na capacidade de formação do homemâ€. Condizente com Fernandes (2009), sobre a obra literária, os contos escolhidos puderam possibilitar aos leitores reflexões crÃticas sobre si mesmos e sobre a sociedade a qual fazem parte e sobre as situações que lhes são impostas e os mantêm como marginalizados. Dito de outro modo, as preocupações com a voz dos personagens, nessas produções literárias, tanto podem simbolizar o silêncio como instigar o leitor a questioná-la quanto à marginalização de certos tipos humanos como a mulher negra, o nordestino, o pobre, o analfabeto, o idoso, o deficiente e vários outros tipos humanos. Cosson e Souza (2011) defendem também que a escola deve promover o letramento literário, que vai muito além do acesso à literatura. Trata-se de “uma experiência de dar sentido ao mundo por meio de palavras que falam de palavras, transcendendo os limites de tempo e espaço.†(COSSON; SOUZA, 2011, p. 103). Nessa mesma direção, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) enumera como uma das competências a serem desenvolvidas pelos alunos a prática de leitura literária: Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a literatura e outras manifestações artÃstico- culturais como formas de acesso à s dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura (BRASIL, 2018, p. 89). A literatura, dessa forma, com tantos tipos e histórias, é uma excelente fonte para diminuir preconceitos e demonstrar o funcionamento da sociedade por meio da ficção e pode despertar, nos leitores, a compreensão e tolerância aos indivÃduos que possuem diferentes culturas, crenças e valores. Coube ao professor, como mediador, instigar, despertar, trazer à 5“[...] o realismo em literatura (mesmo quando o termo é omitido) é um ideal: o da representação fiel do real, o do discurso verÃdico, que não é um discurso como os outros, mas a perfeição para a qual todos os discursos devem encaminhar-se†(TODOROV, 1984, p. 9). 22 tona o que não estava evidente na obra literária aos seus alunos, daà a sua importância nesse processo. Em outras palavras, sobre a literatura, Candido (1989) revela que: [...] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercÃcio da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 1989, p. 117). A leitura de obras ficcionais também permitiu reflexões que foram além de debates e foram levadas em conta para demonstrar a evolução ou não de determinados aspectos da sociedade. A proposta deste projeto tentou também explicar como os sujeitos, enquanto personagens, podem ser também representações de tipos reais de humanos, que sofrem por serem quem são, dentro da obra ficcional. Dalcastagnè (2004) trata do assunto da seguinte forma: O silêncio dos grupos marginalizados – entendidos em sentido amplo, como todos aqueles que vivenciam uma identidade coletiva que recebe valoração negativa da cultura dominante, sejam definidos por sexo, etnia, cor, orientação sexual, posição nas relações de produção, condição fÃsica ou outro critério – é coberto por vozes que se sobrepõem a ele, vozes que buscam falar em nome desses grupos, mas também, embora raramente, pode ser quebrado pela produção literária de seus próprios integrantes (DALCASTAGNE, 2004, p. 15). Ademais, acreditamos que uma pesquisa fundamentada na ADC e centrada na leitura e análise de contos literários de diversos autores pôde colaborar para que os estudantes da EJA encontrassem sentido nas leituras e pudessem se posicionar de maneira mais crÃtica e reflexiva sobre diferentes temáticas como as apresentadas nos contos. Essa pesquisa pôde possibilitar aos participantes construir sentidos diferentes acerca daquilo que eles leem, além de ampliar a visão de mundo. Foi possÃvel, também, a contribuição em fazer com que o aluno sentisse como protagonista do seu próprio processo de aprendizagem. A produção de roteiros e de curtas-metragens justificou-se por possibilitar que os alunos agissem ativamente sobre a linguagem tecnológica e lidassem com diferentes ferramentas, programas e recursos disponÃveis nos computadores. Acreditamos que ao transformar os contos lidos em outro gênero, pudemos proporcionar, aos alunos da EJA, um desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita, o acesso aos meios tecnológicos, a possibilidade de construir sentidos diante dos textos que leram. Esse trabalho com os contos pôde proporcionar aos alunos 23 da EJA, despertar o prazer pela leitura, facilitar a compreensão de textos que circulam socialmente, proporcionar o acesso à tecnologia e sentimento de empoderamento, pois muitos desses alunos também se sentem excluÃdos digitais e incapazes de lidar com os computadores, mas, por meio das oficinas no Laboratório de Informática, com vistas à produção audiovisual dos contos lidos os alunos puderam aspirar a superação dessa dificuldade. Considerando o exposto, o objetivo geral deste estudo foi: elaborar e aplicar uma proposta interventiva destinada à EJA e centrada na leitura e na análise linguÃstica/semiótica crÃtica de contos e na produção (escrita e multissemiótica) dos gêneros roteiro e curta- metragem, que possa contribuir para a ampliação dos letramentos, de forma a possibilitar a participação significativa e crÃtica dos alunos da EJA em diversas práticas sociais constituÃdas por diferentes linguagens e possa levá-los a estabelecer relações entre o que leem e o que vivem. Para o alcance do objetivo geral, listamos a seguir os objetivos especÃficos: a) Ler e produzir textos seguindo as convenções de diferentes gêneros, levando em conta a multissemiose e a integração das tecnologias digitais de forma reflexiva, significativa e crÃtica. b) Ler contos da literatura brasileira, analisar e discutir as representações discursivas e identificações dos personagens neles construÃdas por meio de recursos linguÃstico/semióticos. c) Investigar as representações e identificações de si construÃdas pelos discentes e relacioná-las à s representações e à s identificações dos personagens nos contos, articulando culturas, o lido e o vivido. d) Estimular os/as estudantes ao protagonismo durante a realização das atividades propostas. Consoante ao que se propõe no Profletras e à proposta de Chouliaraki e Fairclough (1999), nós partimos de um problema social, com uma faceta discursiva, identificado na sala de aula ou na escola, relacionado ao ensino de LÃngua Portuguesa. Nessa perspectiva, consideramos que para obter bons resultados na EJA, o professor deve estar disposto a ouvir seus alunos e tentar torná-los protagonistas de suas histórias. Para que isso ocorresse, seria preciso criar situações em que houvesse uma escuta sensÃvel6. Porém, tal prática raramente era aplicada em sala de aula. Na maioria das vezes, os alunos precisam ler e escrever longe da 6 “A escuta sensÃvel é o modo de tomar consciência e de interferir próprio do pesquisador ou educador que adote essa lógica de abordagem transversal†(BARBIER, 1998, p. 172). A escuta sensÃvel é aquela que se apoia na empatia, é aquela que permite que o educador, o pesquisador, sinta o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro para poder entender suas atitudes, comportamentos, ideias, valores, mitos, etc. (BARBIER, 2002). 24 realidade em que vivem e distante de seus interesses. Como resultado, os alunos apresentam dificuldades com a leitura e a escrita e acabam se distanciando dos textos lidos, quando a intenção seria contrária. Além disso, raramente, conseguem se ver e se identificar nos textos ou discutir qualquer representação de personagens. Desse modo, apresentamos uma proposta de intervenção aplicada em sala de aula, estabelecendo um caminho possÃvel para minimizar o problema abordado. Tendo isso em vista, elencamos as seguintes questões de pesquisa: Como uma proposta interventiva centrada na leitura e na análise linguÃstica/semiótica crÃtica de contos e na produção (escrita e multissemiótica) dos gêneros roteiro e curta-metragem pode contribuir para a ampliação dos letramentos, de forma a possibilitar a participação significativa e crÃtica dos discentes da EJA em diversas práticas sociais constituÃdas por diferentes linguagens, para levá-los a estabelecer relações entre o que leem e o que vivem, aproximando-os do texto literário, e para a exploração da multissemiose e a integração das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) ao ensino? À vista do exposto, esta dissertação, vinculada à linha de atuação Leitura e Produção Textual: diversidade social e práticas docentes e subsumida ao projeto “Gêneros, discursos e identidades na sociedade brasileiraâ€, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Resende Ottoni encontra-se estruturada em cinco seções, além desta primeira. Na seção 2, realizamos uma revisão documental, discorremos sobre os fundamentos teórico-metodológicos da pesquisa desenvolvida, fazemos uma exposição sobre os instrumentos de geração de dados usados, o contexto de pesquisa, os/as participantes e os procedimentos metodológicos. Na seção 3, relatamos a sua aplicação, analisamos e discutimos os resultados obtidos com a aplicação e produzimos uma reflexão sobre a análise, sobre a proposta e sobre a pesquisa. Na seção 4, apresentamos as considerações finais de nosso estudo. A proposta interventiva, parte constitutiva da pesquisa, é apresentada em um “caderno suplementarâ€, organizado à parte, considerando as necessidades dos/as docentes que, muitas vezes buscam apenas o material de apoio para aplicar na sala de aula. 25 2 REVISÃO DOCUMENTAL, FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Tendo em vista nossos objetivos e questões de pesquisa, nesta seção, apresentamos 8 subseções. A primeira subseção apresenta um breve histórico e alguns desafios da EJA, discorremos em seguida, sobre o Letramento Literário, logo após, sobre a pedagogia de multiletramentos. Depois, sobre o Letramento CrÃtico e sobre a perspectiva da Análise de Discurso CrÃtica. Na parte seguinte, apresentamos as caracterÃsticas e definições do Gênero Discursivo e, dentro dessa subseção abordamos sobre o conto, o roteiro e o curta-metragem. A outra subseção é destinada aos fundamentos metodológicos. E na última, explicitamos os procedimentos, contexto de pesquisa e participantes. 2.1 Histórico e desafios da EJA Nesta seção, dividida em duas subseções, apresentamos um breve histórico da EJA no paÃs até os dias atuais e, em seguida, os desafios para garantir à EJA um ensino de qualidade. 2.1.1 Histórico da EJA A EJA teve inÃcio durante os tempos coloniais, quando os jesuÃtas exerciam ações educativas, para catequizar os adultos e, para ter êxito, era necessário antes alfabetizá-los (STRELHO, 2010). Em 1759, os jesuÃtas foram expulsos do Brasil e a população adulta ficou sem amparo educativo, inclusive durante o perÃodo imperial, pois se acreditava que a educação era direito apenas das elites. Além disso, até então, sequer cogitava-se o ensino para negros e mulheres. Segundo a Proposta Curricular para a EJA, legalmente, somente ocorreu durante a Constituição de 1824 Sob forte influência europeia, a Constituição Brasileira de 1824 formalizou a garantia de uma “instrução primária e gratuita para todos os cidadãosâ€. Tal definição foi sendo semeada e se tornou presente nas sucessivas constituições brasileiras (BRASIL, 2002, p. 13). Porém, nada, efetivamente, foi feito, ficando apenas as determinações no papel. De acordo com estudos da UNESCO: 26 O primeiro recenseamento nacional brasileiro foi realizado durante o Império, em 1872, e constatou que 82,3% das pessoas com mais de cinco anos de idade eram analfabetas. Essa mesma proporção de analfabetos foi encontrada pelo censo realizado em 1890, após a proclamação da República (UNESCO, 2008, p.24). A seguir, na década de 40, a EJA ganhou destaque como PolÃtica Nacional, instituindo, a partir daÃ, várias campanhas nacionais contra o analfabetismo e, além disso, foi criado o Fundo Nacional para o Ensino Primário (1942). Até que, finalmente, na década de 60, a Lei nº4024/61 estabeleceu que após os exames de madureza os maiores de 16 anos poderiam obter certificado de conclusão de colegial, e os maiores de 19, certificado de curso colegial (BRASIL, 2002). Foi na década de 60, que um novo método, empreendido por Paulo Freire, trouxe uma inovação que tanto se fazia necessária para o público de jovens e adultos. A proposta era levar em conta a realidade dos alunos, utilizando para alfabetizar os instrumentos do dia a dia deles. Freire (1987) cita, por exemplo, o tijolo como tema gerador, e pretende não só alfabetizar, mas também despertar a consciência crÃtica dos alunos, com questionamentos, tal como: “por que nem todos têm uma moradia para si?â€. Tal método conseguiu alfabetizar, na região de Angicos, no sertão do Rio Grande do Norte, mais de 300 adultos, até então analfabetos, em apenas 40 horas de aulas (LYRA, 1996). Mas, após o golpe militar de 64, tal trabalho foi interrompido e o educador exilado. Durante esse perÃodo, outras ações foram criadas, como a Cruzada de Ação Básica Cristã (ABC), de 1965 a 1971. De 1967 até o inÃcio dos anos 80, surgiu o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), com vistas à alfabetização. O programa existiu em todo o paÃs e passou por várias reformulações. Porém, foi muito criticado por não atender as reais necessidades dos estudantes e por acusações de corrupção, uma vez que geria seus próprios recursos. Por fim, com a extinção da ditadura militar, findou também o programa. A Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional (LDBEN) nº5692/71 implantou o ensino supletivo que poderia: Ser ministrado a distância, por correspondência ou por outros meios adequados. Os cursos e os exames seriam organizados dentro dos sistemas estaduais, de acordo com seus respectivos Conselhos de Educação. Já nesse perÃodo se afirmava a necessidade de adequar o ensino ao “tipo especial de aluno a que se destinaâ€, resultando daà uma grande flexibilidade curricular (BRASIL, 2002, p. 16). Após o perÃodo militar, foi implantada a Fundação Nacional de Jovens e Adultos - Fundação Educar (extinta em 1990) e, no mesmo ano, promoveu-se a Conferência Mundial de Educação para Todos, na Tailândia, Jomtien, onde todos os paÃses participantes assumiram o 27 compromisso de expandir e melhorar o atendimento ao público EJA (BRASIL, 2002). Em 1994, concluiu-se o Plano Decenal, fixando metas e a LDBEN n.º 9.394/96 dedicou uma seção para a EJA e alterou a idade mÃnima de 15 anos para o Ensino Fundamental e 18 anos para o ensino médio. Finalmente, em 1997, em Hamburgo, Alemanha, ocorreu a V Confitea (Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos), liderada pela Unesco, que viabilizou a construção da Declaração de Hamburgo e uma agenda para o futuro que propõe ao segmento ações e polÃticas (PAULA; OLIVEIRA, 2011). Nessa conferência, ampliou-se também o conceito de EJA para uma educação ao longo da vida. Parte do artigo 2 e o artigo 3, da Declaração de Hamburgo, sintetizam bem o novo entendimento da EJA: A educação de adultos pode modelar a identidade do cidadão e dar um significado à sua vida. A educação ao longo da vida implica repensar o conteúdo que reflita certos fatores, como idade, igualdade entre os sexos, necessidades especiais, idioma, cultura e disparidades econômicas. A educação de adultos engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou informal, onde pessoas consideradas "adultas" pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade. A educação de adultos inclui a educação formal, a educação não-formal e o espectro da aprendizagem informal e incidental disponÃvel numa sociedade multicultural, onde os estudos baseados na teoria e na prática devem ser reconhecidos (UNESCO, 2007, p. 40-38). São inúmeras as ações mundiais desde o inÃcio da década de 90 que procuram consolidar e tornar a EJA um ensino significativo e com dados como a evasão, menos negativos. Em 2009, por exemplo, a UNESCO, em conjunto com o governo brasileiro, realizou, em Belém do Pará, a VI Confitea. Nesse evento, publicou-se o documento Marco de Ação em Belém, que considera a aprendizagem ao longo da vida “uma filosofia, um marco conceitual e um princÃpio organizador de todas as formas de educação baseada em valores inclusivos, emancipatórios, humanistas e democráticos, sendo abrangente e parte integrante da visão de uma sociedade do conhecimento (UNESCO, 2010, p. 3-4). Isso mostra que a EJA, ao contrário do que se esperava, vem ganhando importância e é parte relevante da educação, que necessita de ações, estudos, conferências, leis, congressos, debates, fóruns para que os problemas até aqui averiguados sejam amenizados. 2.1.2 Desafios da EJA Embora tenham ocorrido, ao longo dos anos, várias ações, com o intuito de amparar melhor esse segmento da Educação Básica, pensar em educação para essa parcela de estudantes 28 é ainda, nos dias de hoje, mais que um desafio: é preciso assumir um compromisso responsável e condizente com as reais necessidades desse público; possibilitar a aprendizagem por meio de práticas de multiletramentos, proporcionar autonomia e maior senso crÃtico a cada um deles. É com esse propósito que realizamos o trabalho interventivo, voltado para leitura e análise crÃtica de contos e a produção de curtas-metragens na turma de EJA de 8ª série, na perspectiva da pedagogia dos multiletramentos, o que pode contribuir para a valorização da multiplicidade cultural presente na sala de aula e da multiplicidade semiótica constitutiva de uma variedade de gêneros, para o desenvolvimento da competência discursiva dos estudantes e para a prática de ensino de outros profissionais da área. Concordamos com Paula e Oliveira (2011) quando afirmam: Considerando que a EJA deva se constituir a partir das identidades e culturas dos sujeitos que a integram, abrindo, assim, possibilidades de construção de propostas educativas relevantes e significativas, entendemos ser necessário o desenvolvimento de uma abordagem capaz de mapear e compreender a complexidade de suas realidades, desvelando, principalmente, os mecanismos desiguais que situam homens e mulheres em condições determinadas pela exclusão (PAULA; OLIVEIRA, 2011, p. 47). Enveredados nesses dizeres, acreditamos que a pesquisa proposta no caderno suplementar que acompanha esta dissertação deverá interligar as histórias ficcionais lidas, à s vidas reais dos alunos da EJA, pois os contos escolhidos tratam de problemas que ocorrem em várias famÃlias, tais como separação de pais, dificuldades financeiras, abusos, depressão, dentre outros. Esses temas, presentes nos contos literários, muitas vezes, não encontram espaço na modalidade EJA, devido ao menor tempo de duração da série cursada. Entretanto, são fundamentais para os alunos da EJA, por possibilitarem a discussão crÃtica sobre tais assuntos e uma forma de empoderamento por meio da linguagem. Ao longo dos anos, os educadores e a sociedade têm fortalecido as discussões sobre diferentes tipos de discriminação: racial, gênero, idade, condição social e várias foram as ações polÃticas e sociais para tentar acabar com as discrepâncias que ocorriam em diferentes situações e lugares, cujo direito à educação de qualidade era constantemente tirado dos cidadãos. Como se sabe, de acordo com a Constituição de 1988: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no PaÃs a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritÃvel, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (BRASIL, 1988, p. 17). 29 Entretanto, ainda existem vários desafios que devem ser enfrentados, para assim fazer valer a igualdade entre todos os cidadãos. Dentre os indivÃduos mais oprimidos encontram-se os estudantes da EJA, talvez a parte mais frágil da Educação Básica. São, por exemplo, estudantes mulheres que, como se não bastassem as obrigações domésticas que lhes são impostas pelos familiares, muitas vezes são conjuntamente mantenedoras das despesas familiares. Ademais, essas mulheres sofrem violências de todos os tipos: são vÃtimas de seus companheiros ou até dos filhos, quando esses se encontram na fase jovem ou adulta. Há, inclusive, jovens que tiveram que abandonar os estudos, para darem conta de suprir as necessidades financeiras da famÃlia e estudantes que não conseguiram acompanhar as aulas, no ensino regular, e foram reprovados mais de uma vez. Assim, é comum os estudantes chegarem à EJA com impressões negativas de si mesmos, como apontado na Proposta Curricular para a EJA: Na educação de jovens e adultos, é comum os alunos afirmarem que são ruins para escrever, que não conseguem entender como usar corretamente os sinais gráficos e a pontuação. Muitas vezes, esse tipo de dificuldade com relação aos processos de aprendizagem da escrita é consequência de mal sucedidas experiências anteriores. Por isso, investir na mudança de postura do aluno diante de suas dificuldades, fazendo-o incorporar uma visão diferente da palavra ao associar o trabalho de escrita com suas necessidades mais urgentes, seria uma primeira meta (BRASIL, 2002, p. 16). A partir dessas afirmações, é preciso repensar as ações educativas voltadas para esse público, no sentido de não só resgatar a autoestima dos alunos da EJA como também dar oportunidade a eles de serem ouvidos por meio da reflexão, da análise e da produção textual, tendo como condutor, o texto. Ensinar, nessa perspectiva, de maneira contextualizada e próxima à realidade dos alunos é dar oportunidade para eles se sentirem parte do processo de construção do conhecimento. Todas essas propostas estão concordantes, também, com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017, e que trata o texto literário como um elemento fundamental para a construção do conhecimento: Para que a função utilitária da literatura – e da arte em geral – possa dar lugar à sua dimensão humanizadora, transformadora e mobilizadora, é preciso supor – e, portanto, garantir a formação de – um leitor-fruidor, ou seja, de um sujeito que seja capaz de se implicar na leitura dos textos, de “desvendar†suas múltiplas camadas de sentido, de responder à s suas demandas e de firmar pactos de leitura. Para tanto, as habilidades, no que tange à formação literária, envolvem conhecimentos de gêneros narrativos e poéticos que podem ser desenvolvidos em função dessa apreciação e que dizem respeito, no caso da narrativa literária, a seus elementos (espaço, tempo, personagens); à s escolhas que constituem o estilo nos textos, na configuração do tempo e do espaço e na construção dos personagens; aos diferentes modos de se contar uma história (em primeira ou terceira pessoa, por meio de um narrador personagem, 30 com pleno ou parcial domÃnio dos acontecimentos); à polifonia própria das narrativas, que oferecem nÃveis de complexidade a serem explorados em cada ano da escolaridade; ao fôlego dos textos (BRASIL, 2017, p. 136). Dessa forma, a pesquisa alinha-se à BNCC também por propor textos literários que serão lidos e explorados de diversas formas: interpretação textual, inferências, gêneros, multiletramentos, multimodalidade e produção de gênero audiovisual. Na seção a seguir, abordaremos sobre o Letramento Literário. 2.2 Letramento Literário Inicialmente, é preciso diferenciar o texto literário do texto não literário, para que possamos compreender o Letramento Literário. O texto literário apresenta uma linguagem conotativa e polissêmica, podendo, por essas razões, ter várias interpretações. Há também um valor maior na estética do texto e, para isso, o autor do texto literário recorre a recursos diversos, tais como o uso de figuras de linguagem, o uso de diferentes modos semióticos. Podemos considerar como texto literário, os poemas, os romances, as músicas, os contos, as fábulas, as novelas etc. Podemos citar, como exemplo, poemas, romances, crônicas, letras de músicas, contos, fábulas, novelas etc. Os textos não literários, por sua vez, de acordo com Barreto (2009), são aqueles que objetivam fornecer informações ao leitor. Possui predominância do sentido denotativo sem tantas brechas para outras interpretações. Podemos citar, como exemplo, cartas comerciais, artigos cientÃficos, bulas e receitas médicas. Ambos os textos circulam na escola e estão presentes nos livros didáticos de LÃngua Portuguesa. Entretanto, comumente, esses textos acabam sendo trabalhados como pretextos para estudos da gramática. Como resultado, diversos estudantes associam a leitura ao ato de cumprir tarefas gramaticais e se afastam dos textos, especialmente os literários, cuja consequência é ter alunos que afirmam nunca ter lido uma obra literária por não gostar ou falta de interesse, contrariando o papel formador que a escola possui. Por isso, vários estudiosos buscam soluções capazes de fomentar a leitura de diversos gêneros. Cosson (2012) sugere o letramento literário. Em relação ao termo letramento, de acordo com Soares, “é aquilo que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e escrita, em um contexto especÃfico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais†(SOARES, 2012, p. 72). Ou seja, 31 podemos afirmar que um indivÃduo que alcançou o letramento, fora dos muros da escola, é capaz de ler, e, a partir dessa leitura, agir com autonomia de acordo com as suas necessidades. E quanto ao letramento literário, Cosson (2012) acredita que ele deve ocorrer na sala de aula, para que haja uma “educação literária†e que vá além da escola, “pois fornece a cada aluno e ao conjunto deles uma maneira própria de ver e viver o mundo†(COSSON, 2012, p. 12). Esse autor afirma que a literatura tem valor e possui uma função social na sociedade e propõe caminhos metodológicos sistematizados para tornar a literatura significativa aos alunos: a sequência básica e a estendida. Explicaremos a sequência básica, uma vez que a utilizaremos como proposta interventiva nesse projeto. Cosson (2012) afirma que a sequência básica é “constituÃda por quatro passos: motivação, introdução, leitura e interpretação†(COSSON, 2012, p. 51). Uma sequência básica pode ser conceituada como uma sistematização da leitura literária na escola, elaborada a partir de perspectivas metodológicas que podem contribuir, de maneira significativa e prática, no direcionamento e fortalecimento do ensino de literatura oferecido aos alunos e alunas (COSSON, 2012). Executar essa sequência requer um preparo cuidadoso pelo professor que vai desde a seleção das leituras até os ambientes que serão usados. A seguir, explicaremos os quatro passos conforme a sequência do autor: motivação, introdução, leitura e interpretação. Cosson (2012) defende que a primeira etapa chamada motivação, prepara o aluno para o trabalho que irá ocorrer: As motivações que propusemos sempre foram bem recebidas pelos alunos. Acreditamos que o elemento lúdico que elas contém ajudaram a aprofundar a leitura da obra literária [...] É preciso lembrar que a motivação prepara o leitor para receber o texto, mas não silencia o texto nem o leitor... Naturalmente, a motivação exerce uma influência sobre as expectativas do leitor, mas não tem o poder de determinar sua leitura. (COSSON, 2012, p. 56). Nessa etapa, podemos por meio de estratégias motivacionais resgatar o que os alunos sabem, memórias, lembranças que muitas vezes permanecem guardadas e raramente são acionadas durante as aulas. Ao fazer isso, provavelmente os alunos estarão mais envolvidos com a tarefa e, melhor ainda, com a leitura. Cosson (2012) alerta que a motivação, que serve também para influenciar, deve ser bem-vinda e desejada e não o contrário para ambos: professor e aluno. Para o autor, quando a estratégia de motivação produz efeitos negativos, é conveniente que o professor intervenha. No caso de nossa proposta, levaremos o conto “A cartomante†de Machado de Assis (ANEXO D) como estratégia de motivação, pois, além de ser um conto intrigante, possui 32 elementos do misticismo devido à presença de uma das personagens que parece, numa primeira leitura, interferir no destino dos personagens. Organizaremos uma dinâmica para que os participantes da proposta relembrem fatos que remetem a essa temática. Além disso, o contista, Machado de Assis, possui história pessoal de superação que pode servir de inspiração aos estudantes da EJA. A próxima etapa é chamada de introdução e diz respeito à apresentação do autor e da obra que será trabalhada. Embora pareça ser simples, Cosson (2012) enumera alguns cuidados: Um primeiro é que a apresentação do autor não se transforme em longa e expositiva aula sobre a vida do escritor [...] Na fase da introdução é suficiente que se forneçam informações básicas sobre o autor e, se possÃvel, ligadas à quele texto. O outro cuidado (está) na apresentação da obra [...] Quando se está em um processo pedagógico o melhor é assegurar a direção para quem caminha com você. Por isso, cabe ao professor falar da obra e da sua importância naquela fase, justificando assim sua escolha. (COSSON, 2012, p. 57). Tais cuidados são fundamentais para o professor, pois muitas vezes o exagero na leitura sobre a biografia do autor pode vir a se tornar negativo, afetando posteriormente a leitura da obra. Para Cosson, a capa, as apreciações crÃticas como as que constam nas orelhas, nas contracapas e outros elementos paratextuais podem ser importantes para a interpretação e ajudam no levantamento de hipóteses feitos pelos alunos que poderão ser confirmadas ou recusadas depois de finalizada a leitura. Nessa fase, como propomos o trabalho com cinco contos de cinco escritores diferentes, centraremos na apresentação breve de cada um dos escritores e na apresentação dos tÃtulos de cada um dos contos aguçando a curiosidade e/ou expectativas dos alunos sobre o que possivelmente será a história dos contos a serem trabalhados. Dedicaremos, também, uma aula para o conhecimento sobre o conto. Considerando que esse gênero, que contém o pré-gênero (tipo textual), predominantemente narrativo, configurado em prosa, e que possui especificidades e caracterÃsticas próprias como a concisão, a existência de um único conflito, poucos personagens e, capaz de causar impactos nos leitores devido aos temas dos enredos, propomos o estudo sobre o gênero conto, o que o diferencia ou o aproxima de outros gêneros como crônicas, fábulas, novelas e romances. Inserimos o conto “Tchau†de Lygia Bojunga (ANEXO E) para que leiam e percebam com essa leitura o que é um conto e o que é literário. A etapa de leitura, nesse caso escolar, precisa de acompanhamento porque tem uma direção, um objetivo a cumprir, e esse objetivo não deve ser perdido de vista (COSSON, 2012, p. 62). No caso dos contos, acreditamos que, dentre os outros gêneros como romance e novela, 33 se encontra em vantagem por ter como uma de suas caracterÃsticas a brevidade do enredo. Assim, poderá ser lido em uma aula. Uma “experiência estética†que, neste caso, ao contrário das leituras mais extensas, é capaz de suprir o interesse do leitor pelo desfecho em menor tempo. Acreditamos que a seleção criteriosa dos contos que têm temas que “dialogam†com o dia a dia dos alunos é fundamental para que eles se sintam atraÃdos pelos enredos. Lembramos que a EJA é constituÃda de uma diversidade de alunos com diferentes histórias, idades e, com o trabalho com os contos, além de buscarmos despertar o prazer na leitura, objetivamos que os alunos consigam estabelecer uma relação de aproximação entre o lido e o vivido. Por isso, para essa fase, escolhemos os contos “A caolha†de Júlia Lopes de Almeida (ANEXO F), “A terceira margem do rio†de Guimarães Rosa (ANEXO G) e “ClÃnica de Repouso†de Dalton Trevisan (ANEXO H). Dentre esses autores, temos a escritora Júlia Lopes de Almeida, que raramente é lembrada como escritora do Realismo e que publicou contos e romances que trazem personagens mulheres que fugiam aos padrões impostos pela época e até mesmo a biografia da escritora que, embora tivesse lutado na época para fazer parte da Academia Brasileira de Letras, não conseguiu. Suas personagens são complexas, marginalizadas e fortes como a Caolha. Outro escritor, canônico, Guimarães Rosa, cujos contos quase sempre possuem uma linguagem poética e inovadora e os enredos possuem personagens também complexos e cheios de problemas não resolvidos, como o caso do narrador-personagem do conto “A terceira margem do rioâ€: um filho que não consegue compreender as razões pelas quais o pai abandonou a famÃlia. A biografia do escritor geralmente atrai o público por ter exercido várias profissões, falar várias lÃnguas e ter viajado por vários lugares do mundo. “ClÃnica de Repouso†é uma obra que trata das relações familiares, cuja personagem principal é uma idosa que acaba sendo abandonada pela filha em um asilo. Os estudantes da EJA possuem histórias de abandono de diferentes naturezas e, por isso, essa obra possui enredo que deve instigá-los a pensar sobre esse tema. Além disso, o autor, Dalton Trevisan, vai na contramão dos valores contemporâneos: é avesso à s exposições públicas, fotos tanto na mÃdia como na própria cidade onde mora. Nessa fase, os contos serão lidos em sala de aula com diversas estratégias de leitura, além disso, após a leitura de cada um deles iremos incluir a etapa da interpretação. Durante a etapa de interpretação, segundo Cosson é imprescindÃvel que: Após a leitura da obra, o processo de leitura literária precisa ser complementado com práticas que levem a uma maior interação com o texto, uma exploração de q’suas caracterÃsticas, uma explicitação da construção de seus sentidos, uma compreensão de 34 sua constituição estética, uma interpretação, enfim, que garanta a apropriação daquele texto como parte do letramento literário. (COSSON, 2012, p. 126). É nessa fase que o aluno irá realizar as inferências, as interpretações do que leu e tentar estabelecer uma conexão com situações do dia a dia ou como as situações lidas nos contos ocorrem na vida real. Cosson (2012) cita algumas atividades de escrita tais como maquetes, diários, resenhas, júri simulado, produção de cenários, produção de poemas e feiras culturais. O escritor ressalta que é importante haver algum registro após a leitura que seja coerente com o letramento literário. Nesta proposta, além das atividades de interpretação, inserimos a produção de roteiros e de curtas-metragens. A sugestão de trabalho com esses gêneros rompe com algumas tradições escolares no trabalho com gêneros e alia-se ao trabalho com as TDIC. Ela será composta de 9 fases para que possa contemplar o planejamento e os propósitos dessa fase, pois, conforme Cosson (2012) é preciso compartilhar a interpretação e ampliar os sentidos construÃdos individualmente. A razão disso é que, por meio do compartilhamento de suas interpretações, os leitores ganham consciência de que são membros de uma coletividade e de que essa coletividade fortalece e amplia seus horizontes de leitura. (COSSON, 2012, p. 66). Na próxima seção, discorremos sobre a pedagogia dos Multiletramentos. 2.3 A Pedagogia dos Multiletramentos Com o advento das tecnologias, a sociedade contemporânea tem mudado as relações sociais. Tanto as culturas quanto as linguagens foram afetadas de alguma forma, emergindo cada dia mais conflitos e casos de intolerâncias em várias partes do mundo. Diante desse cenário, um grupo de estudiosos dos letramentos - Grupo de Nova Londres (GNL) - se reuniram, em 1996, e publicaram o manifesto “Uma pedagogia dos multiletramentos - desenhando futuros sociaisâ€. Nele, segundo Rojo (2012), o GNL apontava para a necessidade de a escola se responsabilizar pelos novos letramentos. Além disso, segundo os autores do manifesto, a escola também deveria “levar em conta e incluir nos currÃculos a grande variedade de culturas já presentes nas salas de aula de um mundo globalizado e caracterizada pela intolerância na convivência com a diversidade cultural, com a alteridade†(ROJO, 2012, p. 12). 35 Rojo (2012), principal estudiosa sobre o assunto no Brasil, também traz as seguintes considerações sobre os multiletramentos: o conceito de multiletramentos - é bom enfatizar - aponta para dois tipos especÃficos e importantes de multiplicidade presentes em nossas sociedades, principalmente urbanas, na contemporaneidade: multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de construção dos textos por meio dos quais ela informa e se comunica. (ROJO, 2012, p. 13). Como argumenta Rojo (2012), o conceito de multiletramentos compreende a abordagem da multiplicidade cultural e semiótica. Cabe destacar que, como consequência da globalização, não existe mais fronteira entre as culturas e, mais especificamente no caso do Brasil, há uma variedade de culturas locais que têm sido ignoradas pela escola, durante muitos anos. Considerar esse formato social inclui mudar as práticas pedagógicas, uma vez que, nessa perspectiva, a diversidade encontrada na sala de aula passa a ser componente importante para promover maior interação entre todos. O público da modalidade EJA pode ser estimulado, pelos seus professores, a apreciar a “bagagem†histórica dos colegas - pessoas de diferentes lugares, costumes e idades - por meio de um trabalho voltado para o respeito, tolerância e apreciação pela cultura do outro possibilitando, também, integrar, nas atividades de sala de aula, a multiplicidade existente que envolve tanto as culturas locais, ricas e significativas aos alunos quanto as demais culturas, que, há muito tempo, estão integradas no currÃculo. Ensinar pelos multiletramentos requer o abandono das abordagens tradicionais e indica um novo caminho para o ensino. No tocante à multiplicidade semiótica, (ROJO, 2012, p.18-19) que diz respeito à multiplicidade de linguagens, modos ou semioses nos textos em todas as suas formas de circulação social e por diferentes meios, Rojo (2012) destaca também algumas caracterÃsticas presentes no texto na pedagogia dos multiletramentos: eles são interativos; mais que isso, colaborativos; (b) eles fraturam e transgridem as relações de poder estabelecidas, em especial as relações de propriedade (das máquinas, das ferramentas, das ideias, dos textos [verbais ou não]); (c) eles são hÃbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mÃdias e culturas). (ROJO, 2012, p. 23). Para ela, tais caracterÃsticas estão presentes nos hipertextos e hipermÃdias das redes (ROJO, 2012), sendo eles interativos tanto quanto os multiletramentos. Nessa direção, Rojo propõe ensinar “pela introdução de novos e outros gêneros de discurso - ditos por Canclini 36 “impuros†-, de outras e novas mÃdias, tecnologias, lÃnguas, variedades, linguagens†(ROJO, 2012, p. 16). Há também outras linguagens que a escola pode e deve incorporar ao ensino, como as linguagens corporais, gestuais, musicais, visuais, braile etc., que são tão importantes quanto a linguagem verbal e fazem parte do dia a dia das pessoas. Sobre a multiplicidade de linguagens, Kress e van Leeuwen (1996) reforçam: Um texto falado não é apenas verbal, mas também visual, combinando-se com "não- verbal†modos de comunicação, como expressão facial, gestos, postura e outros formas de auto apresentação. Um texto escrito, da mesma forma, envolve mais de linguagem: está escrito em alguma coisa, em algum material [...] e está escrito com alguma coisa [...]; com letras formadas em sistemas influenciados por considerações estéticas, psicológicas, pragmáticas e outras; e com um layout imposto sobre a substância material, seja na página, na tela do computador ou em uma placa de latão polido. (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996, p. 39). A partir dessas informações, para trabalhar com os contos, propomos uma análise discursiva e a produção de curtas-metragens, junto à EJA, na perspectiva dos multiletramentos e do Letramento CrÃtico. Ressaltamos que a pedagogia dos multiletramentos poderá conduzir os estudantes à consciência da existência das multiculturas e das multilinguagens nas obras lidas e na vida das pessoas. Quanto ao Letramento CrÃtico, ele poderá possibilitar/contribuir para que o aluno compreenda a formação da sua identidade, numa perspectiva histórica e filosófica e com isso tornando também possÃvel a sua transformação social. Discorremos a seguir sobre o Letramento CrÃtico. 2.4 Letramento crÃtico O termo letramento foi citado pela primeira vez na obra de Mary Kato em 1986 e em 1998 por Magda Soares. Para Soares (1998, p. 18) “Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivÃduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociaisâ€. Quando o indivÃduo se apropria da leitura e da escrita, ele torna-se capaz de resolver situações do dia a dia com autonomia, como ir ao mercado e escolher as mercadorias conforme queira, lendo, por exemplo, as informações do produto. Kleiman (2008) acrescenta ao conceito, a capacidade do indivÃduo em usar tecnologias diante de objetivos especÃficos. O modelo ideológico de letramento considera que o letramento varia de acordo com o contexto e que seus significados não são apenas ‘individuais’ ou ‘cognitivos’, mas derivados 37 de processos culturais. Dessa forma, os significados especÃficos que a escrita assume para um grupo social dependem das instituições em que ela tiver sido adquirida; daà se falar em letramentos (no plural), dos quais o letramento escolar é apenas um tipo. Tavares (2009) também aponta diversos tipos de letramento: digital, computacional, informacional, visual, midiático e outros. Para a autora, cada um destes letramentos faz referência a um grupo de habilidades que são mobilizadas pelos indivÃduos em práticas discursivas especÃficas de letramento. Ela também ressalta que, embora esses letramentos sejam acionados especificamente, direta ou indiretamente, eles englobam os outros nas situações de uso. Os novos letramentos, termo que iniciou na década de 1990, surgiram a partir de estudos realizados em diferentes áreas do conhecimento e trouxeram a ideia de linguagem como prática social. Por essa vertente, Brandt e Clinton (2002) sugerem que os professores desenvolvam o senso crÃtico dos/as estudantes proporcionando por meio das aulas, análises, questionamentos, reflexões e que eles/as sejam também capazes de contestar as relações de poder com vistas a uma mudança social. Gee (2008, p. 67), importante teórico desses estudos, afirma que os novos letramentos “começaram a substituir a noção tradicional de letramento por uma abordagem sociocultural.†Ou seja, “conjunto plural de práticas sociaisâ€. Segundo Duboc e Ferraz (2011) o Letramento CrÃtico (LC) surgiu das contribuições da pedagogia de Paulo Freire ao buscar um ensino que levasse os indivÃduos ao empoderamento social. Freire (2005) destaca que o leitor deve ser um sujeito crÃtico e, portanto, capaz de construir significados e sair do senso comum. Para isso, o indivÃduo deve perceber-se no outro, o não-eu, coletivo. Isso significa que para que seja um indivÃduo crÃtico precisa exercitar a escuta. Para Menezes de Souza (2011, p. 2) é dessa forma, que o indivÃduo se dará conta de que “Ao aprender a escutar, o aprendiz pode perceber que seu mundo e sua palavra – ou seja, seus valores e seus significados - se originam na coletividade sócio histórica na qual nasceu e à qual pertence.†Partindo das concepções de Freire (2005) e de Menezes de Souza (2011), nos deparamos com um sujeito (leitor/a e autor/a) socialmente e historicamente constituÃdo. Segundo Menezes de Souza (2011, p. 2) “A tarefa de letramento crÃtico seria então a de desenvolver essa percepção e entendimentoâ€. A partir dessas ideias, tanto a identidade quanto o sentimento de pertencimento passam a fazer sentido, além de uma consciência histórica. Por essa linha de pensamento, ao mesmo tempo em que lemos um texto e procuramos compreendê-lo, escutamos não somente o texto, mas também a nós como leitores. No mesmo sentido, Menezes de Souza (2011, p. 3) acrescenta “Isso quer dizer que ao mesmo tempo em 38 que se aprende a escutar, é preciso aprender a se ouvir escutando.†O estudioso ressalta que escutar e se ouvir são atos simultâneos e inseparáveis e por isso essa prática altera o tempo presente do leitor/autor. Não é somente o autor que produz significação, mas ambos, em iguais condições como produtores de significação: autor e leitor. Dado o exposto, recorremos à proposta de trabalho pedagógico do LC pela perspectiva de Duboc (2015): A proposta de letramento crÃtico consiste em trabalhar a leitura e a produção de sentido dos alunos de forma que estes compreendam a teia de privilégios e apagamentos nas práticas sociais. [...] o letramento crÃtico possibilita que o aluno compreenda sua construção histórico –filosófica, permitindo ou aumentando as chances da transformação de sua situação se ele desejar. (DUBOC, 2015, p. 219) A autora sugere que o LC seja um trabalho realizado nas brechas que podem surgir durante as aulas. Para Duboc (2015), os professores podem aproveitar as questões que podem surgir durante as aulas para expandir os sentidos e as interpretações. Por essa perspectiva, as aulas podem mudar o enfoque, pois existem momentos não previstos e não planejados pelo professor: o “agora†da questão suscitada e o “agora†do aluno podem fazer mais sentido para a turma do que a continuidade do planejamento daquela aula. Essa estratégia leva em conta o contexto local, a voz reflexiva e crÃtica daquele/s aluno/s e pode ser também um momento de tensão que para Alencar (2017, p. 48) o professor deve estar preparado para lidar com elas. Enfrentar essa tensão pode ajudar a desconstruir valores rÃgidos, fixos, tradicionais e que excluem muitos dos que não se enquadram na rigidez dos padrões e daquelas cujas singularidades não entram na tradição, em geral, imposta nas escolas. Assim, o LC é uma perspectiva que deve vir acompanhada de outras abordagens e nunca sozinha, como é o caso de nossa proposta que, além de se pautar nos pressupostos do LC, também se apoia nos fundamentos da ADC, da Pedagogia dos Multiletramentos e do letramento literário. Luke e Freebody (1997) conceituam o Letramento CrÃtico como uma série de princÃpios educacionais para o desenvolvimento de práticas discursivas de construção de sentidos. Práticas de letramento crÃtico “incluem uma consciência de como, porque, e segundo os interesses de quem, textos em particular podem funcionar. Ensinar letramento crÃtico, assim, encoraja o desenvolvimento de posições e práticas de leitura alternativas para questionar e criticar textos e suas formações sociais e assunções sociais afiliadas. Também pressupõe desenvolver estratégias para se falar sobre, reescrever e contestar textos da vida cotidiana. (LUKE; FREEBODY, 1997, p. 218, apud Wielewicki e Jordão) 39 À luz do LC, não basta ler os contos. É preciso que os estudantes sejam capazes de refletir sobre o que leram numa perspectiva histórica e filosófica. Para isso, durante a aplicação da proposta, após as leituras dos contos, além de considerarmos que perguntas e reflexões espontâneas possam surgir, inserimos questões de interpretação e análise que, além de suscitarem discussões sobre o que foi lido, também poderão promover inquietações nos alunos diante das temáticas levantadas. O entrecruzamento entre o lido e o vivido poderá ser inevitável, assim como a prática situada, tratada por Duboc (2015) como “brechasâ€. Isso porque não conseguimos prever quais serão as percepções e reflexões crÃticas que poderão surgir. Com isso, esperamos que os estudantes se tornem mais engajados, mais crÃticos e sensÃveis ao mundo que os cerca, levando em conta também o contexto local. Além disso, pela perspectiva do LC, o sujeito ativo, conforme aponta Pinheiro (2015, p. 8) “adota uma postura crÃtica diante de um texto com o intuito de compreender os privilégios e os apagamentos nas práticas sociaisâ€. Por isso, quando o professor adota essa abordagem, considera qualquer momento da aula uma oportunidade para promover a reflexão crÃtica por meio da linguagem. Salientamos que desenvolver um trabalho com base nos pressupostos do LC é uma maneira de tornar a aula mais instigante, atraente e contempla um dos objetivos especÃficos desse trabalho: proporcionar o protagonismo aos /à s estudantes da EJA. O LC aliado à ADC, poderão contribuir para a transformação de problemas que acometem os alunos da EJA. Acreditamos que tanto o LC quanto a ADC nos fornecerão subsÃdios para explorarmos temas que possuem relação com esse público. Temas esses que são inescapáveis quando se pretende discutir aspectos sobre as representações, as relações, as interações e as identificações. Sobre a ADC, discorremos a seguir. 2.5 Análise de Discurso CrÃtica (ADC) Esta pesquisa tem ancoragem, também, na ADC, que é um modelo teórico metodológico legatária de uma teoria criada nos anos 70, denominada LinguÃstica CrÃtica (LC), na qual os linguistas Kress, Trew e Fowler defendiam que há um vÃnculo entre sociedade e linguagem. Essa, capaz de exercer papel importante nas relações de poder, cujas escolhas sintáticas e lexicais revelam segundo eles, ideologias (MAGALHÃES, 2005). Posteriormente, em 1985, a ADC, termo criado pelo britânico Norman Fairclough, da Universidade de Lancaster, apareceu, pela primeira vez, em um artigo publicado no Journal of 40 Pragmatics e, desde então, Fairclough vem contribuindo com os estudos da ADC, juntamente com Wodak e Van Dijk (BATISTA JUNIOR; SATO; MELO, 2018). Segundo Ottoni (2007): A ADC constitui um modelo teórico-metodológico que estabelece um diálogo entre a Ciência Social CrÃtica e a LinguÃstica, especificamente a LSF. Uma das caracterÃsticas que define esse modelo é o fato de que, na tentativa de compreender os problemas sociais, não fica estagnado dentro de um único campo disciplinar (OTTONI, 2007, p. 28). Conforme expõem Resende e Ramalho (2006), em 1991, houve a consolidação da ADC, a partir da realização de um Simpósio em Amsterdã. Os linguistas Teun A. van Dijk, Norman Fairclough, Gunther Kress, Theo van Leeuwen e Ruth Wodak resolveram criar um método com o objetivo de analisar a linguagem, de forma crÃtica, aliando as teorias linguÃsticas à s ciências sociais e, embora esses teóricos participantes do Simpósio tivessem divergências, em alguns pontos, possuÃam também vários aspectos em comum, o que permitiu um intercâmbio desses linguistas, durante três anos. Esses linguistas acreditavam que havia, até então, no campo linguÃstico, uma preocupação com o texto e com a interação no campo do discurso e a prática social não era levada em conta. Desde então, passaram a analisar criticamente como se davam as relações de poder no discurso durante o uso da lÃngua. A ADC estabelece um diálogo com outras teorias e métodos tais como de Foucault (1997, 2003) e de Bakhtin (2006, 2015). Segundo Batista Júnior; Sato e Melo (2018), a análise do discurso acolhe também diferentes abordagens e perspectivas: [...] como a linguÃstica sistêmico-funcional, a análise de discurso multimodal ou multimodalidade, a análise de narrativa, a análise de discurso mediada, a análise de conversação, a análise de discurso baseada em corpus, dentre outros. [...] possui diferentes vertentes, como a abordagem cognitiva, de Van Dijk, e a perspectiva histórica, de Wodak, além da abordagem de Fairclough sobre o capitalismo (BATISTA JUNIOR; SATO; MELO, 2018, p. 8). Todas essas vertentes têm em comum a preocupação social e utilizam a pesquisa para desvelar as relações de poder e a transdisciplinaridade, segundo Batista Júnior; Sato e Melo (2018). No caso da pesquisa em questão, escolhemos a abordagem dialético relacional, defendida por Norman Fairclough, maior expoente em ADC. Ele propõe, nesse método de estudo, a investigação da linguagem como prática social vinculada à s transformações sociais contemporâneas que estão ocorrendo na sociedade, incluindo também o campo ideológico (MAGALHÃES, 2005). 41 Para melhor compreender a abordagem dialético-relacional, proposta por Fairclough, é necessário discorrer sobre as suas obras que consideramos fundamentais, a saber: Fairclough (2001- tradução da obra de 1992); Chouliaraki e Fairclough (1999); e Fairclough (2003) e sobre alguns conceitos basilares como o de discurso, de prática social, de ordem do discurso e de prática discursiva. Na obra traduzida e publicada em 2001, Fairclough retoma muito do que havia exposto em obra anterior (FAIRCLOUGH, 1989), na qual ele já havia esboçado uma proposta de abordagem tridimensional do discurso. Essa abordagem compreende três dimensões: a do texto, a da prática discursiva e a da prática social, que se complementam e são indispensáveis para a análise do discurso, na perspectiva desse autor (MAGALHÃES; MARTINS; RESENDE, 2017). Nessas duas obras, Fairclough concebe o discurso como uma prática social e apresenta três aspectos dos efeitos construtivos do discurso: ele contribui para a construção de identidades sociais, de relações sociais e também para a “construção de sistemas de conhecimento e crençaâ€. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91). Estabelecendo um diálogo com a LinguÃstica Sistêmico-Funcional (LSF), o autor afirma que esses três efeitos “correspondem respectivamente a três funções da linguagem e a dimensões de sentido que coexistem e interagem em todo discurso [...] identitária, relacional e ideacional†(FAIRCLOUGH, 2001, p. 92). O discurso é, para esse linguista, “um modo de ação†que possibilita aos indivÃduos tanto agir sobre o mundo como sobre os outros, além de ser um modo de representação e que se consolida pelo uso da linguagem (FAIRCLOUGH, 2001, p. 90). Com relação à abordagem tridimensional mencionada, reproduzimos, a seguir, uma Figura 1, que a representa: FIGURA 1 – Concepção Tridimensional do discurso em Fairclough (2001) Fonte: Fairclough (2001, p. 101). 42 Na dimensão do texto, a análise se volta mais para o vocabulário, a gramática, a coesão e a estrutura textual. É a análise no nÃvel micro. A segunda dimensão, a da prática discursiva, envolve “processos de produção, distribuição e consumo textual, e a natureza desses processos varia entre diferentes tipos de discurso de acordo com fatores sociais.†(FAIRCLOUGH, 2001, p. 106-107). Ela contribui tanto para “reproduzir a sociedade (identidades sociais, relações sociais, sistemas de conhecimento e crença) como é, mas também para transformá-laâ€. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 92). A terceira dimensão é a da prática social e focaliza aspectos em nÃvel macro, como a ideologia e a hegemonia. O autor esclarece: A conexão entre o texto e a prática social é vista como mediada pela prática discursiva: de um lado, os processos de produção e interpretação são formados pela natureza da prática social, ajudando também a formá-la e, por outro lado, o processo de produção forma (e deixa vestÃgios) no texto, e o processo interpretativo opera sobre ‘pistas’ no texto. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 35-36). Fairclough (2001, p. 123-124) defende que a concepção de luta hegemônica “em termos da articulação, desarticulação e rearticulação de elementos está em harmonia†com a “concepção dialética da relação entre estruturas e eventos discursivos†e que a prática discursiva é “uma faceta da luta hegemônica que contribui [...] para a reprodução ou transformação não apenas da ordem de discurso existente [...], mas também das relações sociais e assimétricas existentesâ€. A ordem do discurso é considerada como “a faceta discursiva do equilÃbrio contraditório e instável que constitui uma hegemonia, e a articulação e a rearticulação de ordens de discurso são, consequentemente, um marco delimitador na luta hegemônica†(FAIRCLOUGH, 2001, p. 123). Nessa perspectiva, “as ordens do discurso podem ser consideradas como facetas discursivas das ordens sociais, cuja articulação e rearticulação interna têm a mesma natureza†(FAIRCLOUGH, 2001, p. 99). Para a análise de cada dimensão, Fairclough (2001) elenca algumas categorias, as quais foram organizadas em um quadro por Resende e Ramalho (2019), o qual reproduzimos a seguir: 43 QUADRO 1 – Categorias analÃticas propostas no modelo tridimensional TEXTO PRÃTICA DISCURSIVA PRÃTICA SOCIAL Vocabulário Produção Ideologia Gramática Distribuição Sentidos Coesão Consumo Pressuposições Estrutura textual Contexto Metáforas Força Hegemonia Coerência Orientações econômicas, Intertextualidade PolÃticas, culturais, ideológicas Fonte: Resende e Ramalho (2019, p. 29). É importante afirmar, após o estudo do modelo tridimensional de Fairclough (2001), que a escola é um espaço privilegiado para que ocorra a distribuição e circulação dos textos, fundamental para promover as mudanças sociais, além de constituir-se de uma comunidade multicultural e multilinguÃstica e que pode também propiciar profundas reflexões e análises, por meio da mediação dos professores. Nela, a linguagem oral ou escrita é a principal prática social entre os indivÃduos e significa também uma forma de práxis, além de, por meio da mediação dos educadores, possibilitar abordagens transdisciplinares e interdisciplinares, como defende Fairclough (2001). No enquadre da ADC, Chouliaraki e Fairclough (1999) defendem que o mundo contemporâneo passou por diversas transformações que alteraram a maneira como as pessoas veem a si mesmas, os outros e o mundo. A essa nova fase social eles chamaram de “Modernidade tardiaâ€. Nessa obra, o discurso deixa de ser visto como prática social e passa a ser concebido como um dos elementos da prática social. Esses autores buscaram apoio teórico no Realismo CrÃtico (RC) de Bhaskar (1998). O RC sustenta que a vida natural e social é um sistema aberto que pode ser governado por mecanismos e estruturas geradores de poder em um sentido complexo, e que é constituÃda de redes interconectadas de práticas sociais (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 19). Assim, argumentam em favor da análise das práticas sociais. Eles acreditam que as mudanças sociais, econômicas e culturais ocasionaram também mudanças no uso social da linguagem. As práticas sociais são compreendidas como “maneiras habituais, em tempos e espaços particulares, pelas quais pessoas aplicam recursos – materiais ou simbólicos – para agirem juntas no mundo†(CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 21). A ADC, nessa fase, propõe estudo “sobre discurso em práticas sociais da modernidade tardia, perÃodo em que a linguagem ocupa o centro do modo de produção do capitalismo†(RAMALHO, 2005, p. 288). Ottoni (2007, p. 21) explica que 44 O conceito de práticas sociais, como explicam Chouliaraki e Fairclough, é trazido do materialismo histórico-geográfico de Harvey (1996). Este autor identifica seis elementos das práticas: relações sociais, poder, práticas materiais, crenças/valores/desejos, instituições/rituais e discurso. Chouliaraki e Fairclough, ao trazerem tal conceito para a ADC, operam uma mudança, identificando apenas quatro elementos das práticas: atividade material, relações sociais e processos (relações sociais, poder, instituições), fenômenos mentais (crenças, valores, desejos) e discurso/semiose. Desse modo, o discurso é compreendido como um dos elementos da prática social e não como a prática social. Ainda na obra de 1999, Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 60) apresentaram um arcabouço para o desenvolvimento da pesquisa em ADC, o qual apresentamos no Quadro 2 a seguir: QUADRO 2 – Arcabouço de Chouliaraki e Fairclough (1999) 1. Um problema (atividade, reflexividade). 2. Obstáculos para a a) análise da conjuntura superação do problema: b) análise da prática (i) a(s) prática(s) é relevante para o da qual o discurso é problema? um momento: (ii) Relações do discurso com outros momentos da prática c) análise de - análise estrutural (ordem do discurso: discurso). - análise interacional. - análise interdiscursiva. - análise linguÃstica e semiótica. 3. Funcionamento do problema na prática. 4. PossÃveis maneiras de superar ou minimizar os obstáculos. 5. Reflexão sobre a análise. Fonte: Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 60). No artigo de Fairclough (2012, p. 312), traduzido por Iran Melo, o autor explica: O estágio 1 mostra como essa abordagem da ACD é baseada em problemas. A ACD é [...] projetada para mostrar problemas enfrentados pelas pessoas em razão das formas particulares de vida social, fornecendo recursos para que se chegue a uma solução. É claro que isso leva a uma pergunta: um problema para quem? [...] a ACD tem objetivos emancipatórios e focaliza os chamados “perdedores†dentro de certas formas de vida social – os pobres, os excluÃdos socialmente, aqueles que estão sujeitos a relações opressivas de raça e sexo, e assim por diante. Mas isso não nos dá uma um conjunto de problemas sociais claramente definidos e incontroversos. Os assuntos problemáticos e que requerem mudança são inerentemente controversos e contestáveis, e a ACD estará inevitavelmente envolvida em debates e controvérsias sociais quando enfatizar certas caracterÃsticas da vida social como problema. 45 Nesta pesquisa, consideramos que o problema está na prática durante as aulas de LÃngua Portuguesa, à qual são propostas leituras de textos desvinculados dos interesses dos alunos e, consequentemente, sem sentido para os alunos da EJA. Além disso, os estudantes encontram também dificuldades em realizar leituras literárias com autonomia, e, dificilmente, conseguem estabelecer conexão entre o que leem ao que vivem ou de construir sentidos sobre aquilo que leem. Isso pode acontecer com os textos não literários e, especialmente, com os textos literários; uma vez que este tipo de texto geralmente possui vocabulários, figuras de linguagens, inversões sintáticas não usuais, distantes da linguagem cotidiana dos alunos e dos textos não literários. Com isso, dentro e fora da escola, esses alunos têm dificuldades para perceberem que a leitura e a escrita são práticas sociais que ocorrem cotidianamente, principalmente com o advento das novas tecnologias e interações por meio das redes sociais. Investigar criticamente os textos, tendo como base teórica a ADC, significa se deparar com inúmeros aspectos essenciais da vida social, como as relações capitalistas entre as classes, a discriminação e preconceitos diversos. Por essa análise, é indispensável que o sujeito reconheça que as transformações linguÃsticas estão atadas a sistemas sociais e culturais. Em conformidade com o arcabouço apresentado, neste estudo, faremos uma análise da conjuntura, uma análise das relações do discurso com outras fases da prática social de ensino de LÃngua Portuguesa na EJA e uma análise das ordens de discurso atreladas à ordem social da educação, uma análise interdiscursiva, linguÃstica e semiótica. Tais análises constituirão nossa proposta e serão feitas em relação aos dados gerados. O que propomos nesta dissertação representa um caminho para minimizar o problema exposto. Também em consonância com o arcabouço de Chouliaraki e Fairclough, a análise será uma constante no desenvolvimento do estudo e, ao final, apresentaremos uma reflexão, sobre a proposta e seu desenvolvimento junto aos alunos, sobre seus resultados, sobre a análise e sobre os efeitos do Profletras na nossa constituição identitária. Dentre as obras que consideramos fundamentais para a compreensão da abordagem dialético-relacional de ADC, está a de Fairclough (2003), Analysing Discourse. Nela, seu principal interesse está na análise linguÃstica de textos, entretanto, ressaltamos que essa é somente uma parte da pesquisa que desenvolve sobre a ADC. Os textos são compreendidos, por Fairclough (2003), como componentes de eventos sociais, capazes de transformar “[...] modificar ou para sustentar, assimetricamente, identidades, conhecimentos, crenças, atitudes, valores ou mesmo para alterar relações†(FAIRCLOUGH, 2003, p. 8). O estudioso acredita que os textos podem repercutir sobre as pessoas, as ações, as relações sociais e sobre o mundo 46 material. Tais repercussões são mediadas pela construção do significado e pelo contexto. Nesse sentido, Batista Júnior; Sato e Melo (2018) definem o texto como “unidade mÃnima de análises em ADC†(BATISTA JÚNIOR; SATO; MELO, 2018, p. 49). Para Fairclough (2003), o discurso atua conjuntamente de três modos: ação, representação e identificação, ou melhor, por meio da linguagem, agimos (ação), manifestamos a nossa perspectiva de mundo (representação), e nos assumimos enquanto indivÃduos (identificação). Esses elementos se relacionam, na mesma ordem, com as categorias gênero, discurso e estilo, como pode ser observado na Figura 02, que representa o tripé da obra de Fairclough (2003): FIGURA 2 – O tripé da obra de Fairclough (2003) Fonte: Ottoni (2014, p. 31). Nessa obra, Fairclough (2003) aproxima mais a ADC da LSF de Halliday (1994) e sugere a conexão entre as macrofunções linguÃsticas de Halliday existente nos textos: textual, ideacional e interpessoal7 e as concepções de gênero, discurso e estilo. Com isso, a cada maneira de interação entre discurso e prática social, Fairclough apresenta uma relação dialética entre eles. Essa relação dialética e de internalização é representada por Ottoni (2014) da seguinte forma: 7 De acordo com o artigo de De Sousa e DionÃsio (2012) “A metafunção ideacional representa ou constrói os significados de nossa experiência do mundo exterior ou interior por meio do sistema de transitividade. A interpessoal expressa as interações e os papéis assumidos pelos usuários, revelando as atitudes desses usuários para com o interlocutor e para com o tema abordado por meio do sistema de modo e modalidade. A metafunção textual está ligada ao fluxo de informação e organiza a textualização por meio do sistema de tema.†47 FIGURA 3 – A relação dialética e de internalização entre os tripés de Fairclough (2003) Fonte: Ottoni (2014, p. 32). Na Figura 3, percebemos que, embora cada campo esteja em um lugar especÃfico, há uma relação dialética entre eles tanto no seu próprio cÃrculo quanto entre eles. Nesta pesquisa, levaremos em conta esses três modos como o discurso figura na prática social de ensino de LÃngua Portuguesa na EJA: o discurso como ação (gêneros); o discurso como representação (discursos) e o discurso como identificação (estilos). Na proposta, contemplamos o discurso como ação, por meio do trabalho com os gêneros conto, roteiro e curta-metragem, o discurso como representação (os discursos) e como identificação (estilos/identidades), ao analisar e discutir com os alunos as representações discursivas e identificações dos personagens nos contos, ao investigar como os alunos se representam e se identificam e representam o mundo e ao estimular os alunos a relacionarem as representações e identificações dos personagens nos contos com as representações e identificações de si construÃdas pelos discentes, articulando culturas, o lido e o vivido. O texto, como parte das práticas sociais, baseia-se numa “visão funcionalista da linguagem, que a entende como um recurso de que as pessoas lançam mão em sua vida diária para interagir e se relacionar, para representar aspectos do mundo assim como para ‘ser’, para identificar a si e aos outros†(VIEIRA; RESENDE, 2016, p. 180). Nesta pesquisa, propomos a leitura de contos que possuem temas capazes de despertar nos alunos da EJA, após um trabalho com a ADC, a percepção de que existem ideologias e discursos que os mantêm nas condições, muitas vezes, de submissão e conformismo, diante da realidade que os cerca. Dessa forma, a ADC propõe que os textos – materializações do discurso – possam promover junto aos estudantes, nesse caso da EJA, a consciência de desvantagem 48 social, dos discursos presentes nas narrativas e despertar nesses indivÃduos o desejo de mudança social. Sendo assim, o trabalho com contos permitirá dar atenção ao papel da linguagem e as relações dos personagens dentro da história. Esses textos, materialização dos discursos, são vistos como fenômenos sociais e levando-se em conta o contexto social podem “descrever, explicar, revelar e interpretar os diferentes discursos nas práticas sociais†(BATISTA JÚNIOR; SATO; MELO, 2018, p. 49), durante a análise dos textos. O texto passa, por essa perspectiva, a ser uma interação, representação de mundo e identificação de si mesmo. No caso desse estudo, os contos enquanto textos são capazes de revelar relações “transparentes ou veladas, de discriminação, de poder e de controle manifestas no discurso†(BATISTA JÚNIOR; SATO; MELO, 2018, p. 49). Cabe salientar também, que a prática social de leitura na escola constitui-se como uma ação concreta que, além de promover interações entre os alunos e entre os professores, ainda é capaz de alterar e alcançar as relações familiares, posto que, ao perceberem-se como vozes silenciadas, ou vÃtimas de um processo de marginalização ou cativos nas mesmas condições por meio de ideologias impostas pelas classes dominantes, poderão tentar tirar a si e aos familiares dessas situações. A partir da leitura e análise dos contos, pretendemos promover reflexões sobre diversos temas que constituem o cotidiano desses alunos à luz da ADC. 2.6 Gêneros discursivos O ensino de LÃngua Portuguesa tem se tornado um desafio para nós professores, tanto no que diz respeito à seleção de conteúdo, quanto contribuir a fim de que o aluno desenvolva sua capacidade de ler, interpretar e produzir textos com autonomia. Com o propósito de reverter esse quadro, é preciso adotar, como prática de ensino, o estudo dos gêneros discursivos que estão disponÃveis na sociedade. Não só reconhecê-los, mas também saber utilizá-los são habilidades fundamentais aos falantes, com o fito de que possam transitar por eles e usá-los conforme a necessidade ou intencionalidade. Tais ideias são sustentadas pelo reconhecido pesquisador da linguagem, Mikhail Bakhtin (2015). Para compreender os gêneros do discurso, é necessário recorrer à abordagem sociodiscursiva de gêneros de Bakhtin, pela sua importância no estudo dos gêneros e pelo fato de que Fairclough, filiado à abordagem sociossemiótica, dialoga com Bakhtin, no que diz respeito aos gêneros. De acordo com Bakhtin (2015) 49 os gêneros constituem formas relativamente estáveis de enunciados, disponÃveis na cultura, caracterizados por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. As intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, geram usos sociais que determinam os gêneros que darão forma aos textos. (BAKHTIN, 2015, p. 279). Segundo ele, a linguagem é social e a interação dos sujeitos se dá por meio do diálogo. Este sujeito, na concepção de Bakhtin, é histórico, cultural e situacional. Dessa forma, ele considera que todo dizer possui outros dizeres, ou seja, não há vozes individuais porque somos o que somos pela cultura, linguagem, história e situação a qual fazemos parte. Com efeito, sobre o discurso, Bakhtin (2015, p. 274) afirma que “O discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso. O discurso sempre está fundido em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não pode existirâ€. Outro documento importante que norteia a prática pedagógica dos professores e trata sobre os gêneros, são os Parâmetros Curriculares Nacionais de LÃngua Portuguesa para o Ensino Fundamental (PCNLP) que apresentam em seu texto as ideias de Bakhtin é preciso que as situações escolares de ensino de LÃngua Portuguesa priorizem os textos que caracterizem os usos públicos da linguagem. Os textos a serem selecionados são aqueles que, por suas caracterÃsticas e usos, podem favorecer a reflexão crÃtica, o exercÃcio de formas do pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição dos usos artÃsticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada. (BRASIL, 1998, p. 21). Viabilizar o acesso aos textos que estão circulando na sociedade e favorecer a reflexão crÃtica dos alunos, de forma que possam interpretá-los e conduzi-los a uma escolha autônoma do gênero e que corresponda à s suas necessidades em diversas situações sociais, é dar ao aluno condições de empoderamento pessoal e social. Ancorados nessas reflexões, vale ressaltar que o ensino voltado para os gêneros discursivos também apontam para a relação entre os indivÃduos, cujos discursos passam a ser vistos como interacionais, conforme a concepção de Bakhtin (2015): A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo o discurso. Trata- se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa. (BAKHTIN, 2015, p. 88). 50 Nesse contexto, Bakhtin (2006) afirma que todas as pessoas estão cheias de pensamentos e palavras e tem algo a dizer, mesmo aqueles que teimam em permanecer em silêncio: Aquele que apreende a enunciação do outro não é ser mudo, privado de palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua atividade mental, o que se pode chamar de “fundo perceptivoâ€, é mediatizado para ele pelo discurso interior e é por aà que se opera a junção com o discurso apreendido no exterior. A palavra vai à palavra. É no quadro do discurso interior que se efetua a apreensão da enunciação, isto é, a orientação ativa do falante. (BAKHTIN, 2006, p. 153-154). O autor ainda separa os gêneros do discurso em primários e secundários. São primários, as situações interacionais simples como um diálogo do dia a dia e secundários (complexos) os romances, contos, teatro, discurso cientÃfico etc. Dessa forma, trabalhar na EJA com os gêneros discursivos envolverá a possibilidade de interação entre os estudantes, por intermédio do diálogo a partir da leitura dos contos, a reflexão de vários temas abordados nos enredos das histórias lidas, a construção de sentidos ao levar em conta as experiências de vida dos estudantes bem como as suas culturas ao relacionar aos contos e a produção de curtas-metragens de certa forma entrelaçada à s histórias lidas. Todas essas ações pedagógicas implicam em ajudar o aluno a se tornar protagonista da própria história. 2.6.1 O conto A contação de histórias à s crianças é uma prática tradicional nas famÃlias e ocorre enquanto elas são ainda bem pequenas, antes que entrem na escola. Geralmente, as histórias escolhidas para a contação são os contos infantis – mais especificamente os contos de fadas – histórias capazes de produzir encantamento e a emoção ao ouvinte enquanto narradas (MASSUIA, 2011). Curiosamente, o conto de fadas, seguido do conto maravilhoso, também contado oralmente, está presente nas escolas de educação infantil e também na tradição familiar, ou seja, faz parte da cultura familiar contar breves histórias e estas têm o poder de despertar diferentes sentimentos, reflexões e consciência de mundo. Geralmente, essas histórias são tão marcantes que, mesmo após adultos, não são esquecidas. Além disso, o conto envolve diversos tipos e pode ser lido por diferentes idades. Fiorussi (2003, p. 103) apresenta para esse gênero o seguinte conceito “O conto é uma narrativa curta. Não faz rodeios: vai direto ao assunto. No conto tudo importa: cada palavra é uma pista. Em uma descrição informações valiosas; cada adjetivo é 51 insubstituÃvel; cada vÃrgula, cada ponto, cada espaço – tudo está cheio de significadoâ€. Cortázar (2004) ressalta que o conto em toda a sua brevidade precisa ser envolvente desde o inÃcio. Segundo ele: Um escritor argentino, muito amigo do boxe, dizia-me que nesse combate que se trava entre um texto apaixonante e o leitor, o romance ganha sempre por pontos, enquanto que o conto deve ganhar por knock-out. É verdade, na medida em que o romance acumula progressivamente seus efeitos no leitor, enquanto um bom conto é incisivo, mordente, sem trégua desde as primeiras frases. (CORTAZAR, 2004, p. 152). Durante a leitura dos contos, à s vezes, o leitor pode pensar que o enredo é um relato de algo verdadeiro, mas Gotlib (1988) afirma que “O conto, no entanto, não se refere só ao acontecido. Não tem compromisso com o evento real [...] é literatura.†(GOTLIB, 1988, p.12- 14). A mesma autora aponta, em sua obra, várias definições de conto como a do escritor Edgar Alan Poe que define o conto como aquela narrativa que pode ser lida de “uma só assentada, para se conseguir esta unidade de efeito†(POE, apud GOTLIB, 1998, p. 32). Gotlib (1998) apresenta também a definição de conto, segundo o escritor Brander Matthews, “o conto é o que lida com um só elemento: personagem, acontecimento, emoção e situação.†(MATTHEWS, apud GOTLIB, 1998, p. 59). Partindo dos conceitos sobre os contos dos diferentes teóricos, a autora realiza um apanhado das principais acepções sobre o gênero: E é este também o segredo do conto, que promove o sequestro do leitor , prendendo- o num efeito que lhe permite a visão em conjunto da obra, desde que todos os elementos do conto são incorporados, tendo em vista a construção deste efeito (Poe); neste sequestro temporário, existe toda uma força de tensão , num sistema de relações entre os elementos do conto e em que cada detalhe é significativo (Cortazar). O conto centra-se num conflito dramático, em que cada gesto e olhar são até mesmo teatralmente utilizados pelo narrador (E. Bowen). Não lhe falta a construção simétrica, de um episódio, num espaço determinado (B. Matthews). Trata-se de um acidente da vida (José Oiticica), cercado, neste caso, de um ligeiro antes e depois (José Oiticica). De tal forma que esta ação parece ter sido mesmo criada para um conto, adaptando- se a este gênero e não a outro, por seu caráter de contração (N. Friedman) (GOTLIB, 1988, p. 81). Dessa forma, os contos lidos, em menor tempo e centrado em um único conflito, são eficazes para capturar o interesse do leitor. Embora, vale salientar, nem sempre eles caem no gosto do ouvinte/leitor. Pode haver aqueles cujo enredo não produza a emoção ou a curiosidade pelo desfecho da história. Para Cortázar (2004, p. 152), “um conto é ruim quando é escrito sem tensão que se deve manifestar desde as primeiras palavras ou desde as primeiras cenasâ€. Outra caracterÃstica comum aos contos é a preocupação com um determinado tema. São diversos assuntos, dirigidos a qualquer idade. De acordo com Cortázar (2004): 52 Um mesmo tema pode ser profundamente significativo para um escritor, e anódino para outro; um mesmo tema despertará enormes ressonâncias num leitor e deixará indiferente a outro. Em suma, pode-se dizer que não há temas absolutamente significativos ou absolutamente insignificantes. O que há é uma aliança misteriosa e complexas entre certo escritor e certo tema num momento dado, assim como a mesma aliança poderá logo entre certos contos e certos leitores. (CORTAZAR, 2004, p. 155). Vieira (2009, p. 72) afirma que um conto pode terminar de três maneiras: “O protagonista vence; o protagonista perde; o antagonista vence.†O autor também salienta que há diversos tipos de contos como “os contos de humor, fantásticos, de mistério e terror, realistas, psicológicos, sombrios, cômicos, religiosos, minimalistas, estruturados de acordo com a narrativa†(VIEIRA, 2009, p. 115). No caso desta proposta que apresentamos, os contos selecionados são dos tipos realistas e psicológicos, uma vez que mesmo sendo ficcionais, apresentam histórias que contêm enredos possÃveis de terem acontecido ou que possam vir a acontecer e os personagens são apresentados de forma complexa, simulam personalidades, sentimentos e comportamentos reais, embora fictÃcios. Além do gênero conto, o roteiro também fará parte da nossa proposta. Sobre o roteiro discorremos na próxima seção. 2.6.2 O roteiro O roteiro é um gênero que deve ser escrito para orientar a todos os envolvidos no processo de produções dramáticas que tanto podem ser teatrais quanto cinematográficas. Field (2001, p. 2) define o roteiro como “uma história contada em imagens, diálogos e descrições, localizada no contexto da estrutura dramática.†Essas histórias podem ser criadas para uma produção audiovisual ou podem ser feitas a partir de uma adaptação de uma obra, de qualquer outro gênero como um romance, um conto, um poema, uma novela. Com outras palavras, Comparato (1983, p. 15) afirma que o roteiro “é a forma escrita de qualquer espetáculo áudio e /ou visual.†Maciel (2017) aponta que a origem do roteiro veio da peça de teatro da Grécia Antiga, sendo Aristóteles quem definiu as três partes da ação dramática: tempo, espaço e ação (FIELD, 2001). Tais partes ainda se mantêm como fundamentais na construção do roteiro e outras foram acrescentadas com o passar dos anos. Segundo Field (2001, p. 2) em um roteiro “Uma história é um todo, e as partes que a compõem – a ação, personagens, cenas, sequencias, Atos I, II, III, 53 incidentes, episódios, eventos, música, locações etc. são o que a formam. Ela é um todo.†Esses elementos compõem a estrutura que sustenta a história para se tornar única. Podemos representar o paradigma(esquema) do roteiro da seguinte forma: QUADRO 3 – Esquema de roteiro inspirado na proposta de Field (2001) Ato I Ponto de Ato II Ponto de Ato III InÃcio virada I Meio virada II Fim Apresentação Confrontação Resolução Apresenta-se o Episódio, É a fase que o Episódio ou Solução da personagem incidente ou personagem incidente que história que principal, sobre o evento que principal enfrenta impulsiona a pode ser que se trata, quais impulsiona a obstáculos, mostra ação para que a favorável ou são as ação para que a os seus desejos, as história se não ao circunstâncias em história se necessidades. direcione à personagem torno da ação. direcione ao Enfim, o conflito. resolução da principal. próximo ato. história Fonte: Quadro formulado pela pesquisadora a partir da leitura da obra de Field (2001, p. 1-7). Outro aspecto importante a ser abordado é o assunto (De que se trata?), nesse caso envolve ação e personagem. Segundo Field (2001, p. 11) “a ação é o que acontece; o personagem, a quem acontece.†Esse personagem possui caracterÃsticas e personalidade que deve ser revelado visualmente. Field (2001) orienta que o roteirista classifique o personagem sob três componentes: profissional, pessoal (solteiro, viúvo, amigos etc.), privado (o que ele faz quando está sozinho) – explorar as relações que esse personagem tem com os outros. E, a partir daà definir qual é a necessidade do seu personagem e o ponto de vista que ele tem sobre tudo o que envolve o enredo. Outro item a ser considerado são os diálogos que estão relacionados com a necessidade do personagem, segundo Field (2001, p. 24) e que deve “mover a história adiante.†Para iniciar um roteiro é preciso que se faça uma sinopse. Comparato (1983, p. 78-79) revela que “é a primeira forma textual de um roteiro. É preciso especificar de maneira clara e concreta os acontecimentos da história. Uma boa sinopse é o guia perfeito para se obter o roteiro.†No caso dessa proposta, a sinopse não será necessária, pois já temos o gênero conto que é uma narrativa concisa. Assim, os contos lidos na escola, serão adaptados conforme a vontade dos participantes da pesquisa e transformados no gênero roteiro e posteriormente, produzidos os curtas- metragens. Sobre o curta-metragem discorremos na próxima seção. 54 2.6.3 O curta-metragem As mudanças na sociedade estão ocorrendo de maneira acelerada e, cotidianamente, deparamo-nos com o velho e o novo. Na escola, não é diferente. O uso dos livros didáticos, dos livros literários, de revistas e de jornais enquanto materiais fÃsicos disponÃveis, mesmo que de forma precária, concorrem com inúmeros outros artefatos tecnológicos como computadores, smartphones, que disponibilizam novos gêneros discursivos, novas formas de interação e de acesso tanto dos alunos quanto dos professores. Tomando como exemplo, um indivÃduo pode abrir várias janelas durante a navegação na internet e ler textos que contêm apenas imagens, apenas escrita, apenas áudio ou todas as formas juntas, ou seja, são inúmeros textos multimodais e multissemióticos à disposição de pessoas de qualquer idade. Entretanto, nem sempre esses acessos são feitos de maneira crÃtica e reflexiva, muitos indivÃduos podem estar, por meio desses recursos tecnológicos, promovendo ideologias que massificam e impõem a dominação de uns sobre os outros, incentivam ao consumismo e a um comportamento cada vez mais homogêneo e passivo. A BNCC (2017) aborda sobre esses novos gêneros da seguinte forma: As práticas de linguagem contemporâneas não só envolvem novos gêneros e textos cada vez mais multissemióticos e multimidiáticos, como também novas formas de produzir, de configurar, de disponibilizar, de replicar e de interagir. As novas ferramentas de edição de textos, áudios, fotos, vÃdeos tornam acessÃveis a qualquer um a produção e disponibilização de textos multissemióticos nas redes sociais e outros ambientes da Web. Não só é possÃvel acessar conteúdos variados em diferentes mÃdias, como também produzir e publicar fotos, vÃdeos diversos, podcasts, infográficos, enciclopédias colaborativas, revistas e livros digitais etc. Depois de ler um livro de literatura ou assistir a um filme, pode-se postar comentários em redes sociais especÃficas, seguir diretores, autores, escritores, acompanhar de perto seu trabalho; podemos produzir playlists, vlogs, vÃdeos-minuto, escrever fanfics, produzir e-zines, nos tornar um booktuber, dentre outras muitas possibilidades. (BRASIL, 2017, p. 66). Tudo isso leva o professor a repensar sobre as ações pedagógicas e o conduz a novas práticas para que outros letramentos sejam possÃveis, como o letramento digital e o letramento crÃtico. Assistir filmes, séries, novelas, clipes, resenhas e vários outros gêneros audiovisuais são as preferências dos internautas, segundo pesquisa realizada pelo IBGE (2016), 76,4%. Portanto, a produção de curtas-metragens, pelos alunos da EJA, neste projeto, parece ser uma proposta viável, uma vez que o professor pesquisador pretende fomentar o uso de tecnologias por meio das redes da internet e o uso de programas para a produção dos curtas-metragens. Nesse mesmo sentido, a BNCC (2017) busca nortear os professores: 55 Refletir sobre as transformações ocorridas nos campos de atividades em função do desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação, do uso do hipertexto e da hipermÃdia e do surgimento da Web 2.0: novos gêneros do discurso e novas práticas de linguagem próprias educacional. Obviamente tais mudanças impactam no ambiente escolar e provocaram a da cultura digital, transmutação ou reelaboração dos gêneros em função das transformações pelas quais passam o texto (de formatação e em função da convergência de mÃdias e do funcionamento hipertextual), novas formas de interação e de compartilhamento de textos/ conteúdos/informações, reconfiguração do papel de leitor, que passa a ser também produtor, dentre outros, como forma de ampliar as possibilidades de participação na cultura digital e contemplar os novos e os multiletramentos. (BRASIL, 2017, p. 70). De acordo com o dicionário de Cegalla (2005, p. 263), o curta-metragem é um “filme de curta duração, mais ou menos dez minutos, rodado para fins artÃsticos, educativos ou comerciais.†Esse tipo de produção, segundo Assis Brasil (2001), foi incentivada por intermédio da Lei do Curta “Criada em 1974, implantada em 1977, reformulada em 1985 e inviabilizada em 1990.†Graças a essa lei, criou-se, a partir dela, “um mercado para a produção e distribuição de filmes de curta-metragem no paÃsâ€, mas com a sua inviabilização, nos anos 90, Assis Brasil (2001) assevera que existe hoje em dia pouca boa vontade polÃtica para a valorização e exibição de curtas no paÃs. Longe das pretensões de mercado, acreditamos que a produção de curtas- metragens na escola, como estratégia de ensino, seja importante para os alunos, pois serão acionados diversos conhecimentos que não se comportam apenas na disciplina de LP, mas em diversas outras áreas, ou seja, produzir curtas-metragens são ações transdisciplinares e interdisciplinares. Além disso, a produção desse gênero discursivo é capaz de promover interações entre os alunos, estimular a criatividade e a troca de conhecimentos que eles já possuem, proporcionando a eles o protagonismo. Nessa proposta, os alunos deverão transformar os contos lidos e analisados em curtas-metragens procurando fazer as adaptações dos enredos, por meio de um roteiro, conforme o planejamento e, assim, produzirem os curtas-metragens. Na sequência, disponibilizar no You tube e inscrevê-los no festival de curtas a ser promovido na escola no final do trabalho. Os alunos poderão também fazer a inscrição dos curtas-metragens produzidos, no 5º Festival de Curtas-metragens das escolas públicas do Distrito Federal, caso o tema esteja de acordo com a produção dos estudantes. 56 2.7 Fundamentos metodológicos A escola pode e deve ser um ambiente favorável à s diversas pesquisas, uma vez que a instituição está inserida na sociedade e, como parte da sociedade, é um ambiente propÃcio a inúmeros eventos sociais. Ou seja, a escola não está isenta aos eventos externos a ela. Se a violência, por exemplo, torna-se maior na comunidade, essa se manifestará dentro do ambiente escolar de alguma forma. Além disso, os sujeitos que dela fazem parte são propensos a levar para dentro da instituição inúmeras vivências, conflitos e angústias. Mas, a própria escola, na maioria das vezes, não consegue resolver os próprios problemas que ela deveria dar conta, tais como: a não aprendizagem dos estudantes, indisciplina, convivência, repetência, evasão e inúmeras outras agruras. Portanto, é bastante relevante que os professores, atores sociais importantes do sistema educacional, coloquem-se como pesquisadores e que façam “recortes†desses inúmeros problemas para, mediante o uso de diferentes estratégias, serem capazes de tentar explicar a realidade a qual fazem parte e intervir nesse espaço do qual fazem parte. Encontrar soluções para os problemas, por meio da pesquisa, é fundamental para a escola contemporânea e toda a sociedade. Pela pesquisa, novas descobertas podem ajudar diversos indivÃduos e abrir caminhos para outras investigações. Segundo Prodanov e Freitas (2013): Pesquisa é, portanto, um conjunto de ações, propostas para encontrar a solução para um problema, as quais têm por base procedimentos racionais e sistemáticos. A pesquisa é realizada quando temos um problema e não temos informações para solucioná-lo. A pesquisa procura respostas! Podemos encontrá-las ou não. As chances de sucesso certamente aumentam à medida que enfocarmos a pesquisa como um processo e não como uma simples coleta de dados. (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 44). Gil (2008, p. 8) afirma que o principal objetivo da ciência é procurar a veracidade dos fatos e “o que torna, porém, o conhecimento cientÃfico distinto dos demais é que tem como caracterÃstica fundamental a sua verificabilidade.†Para isso, segundo Gil, deve-se determinar o método que levou a determinado conhecimento. Contudo, não há métodos universais e únicos. Eles deverão ser escolhidos conforme o objeto da pesquisa, a área e principalmente a que propósito e conhecimento se quer chegar. O método é “o caminho para chegarmos a determinado fim†(PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 24) e, embora pareça ser exclusividade da ciência, não é. Marconi e Lakatos (2007) afirmam que o método pode ser usado em qualquer situação do cotidiano e o fazemos, à s vezes, 57 até mesmo automaticamente, como o preparo de um café, cuja receita é sempre a mesma. Há um caminho escolhido para ter o mesmo sabor da bebida. Esses esclarecimentos são válidos para mostrar que os métodos, especialmente os cientÃficos, podem durante a sua verificação chegar a conhecimentos inesperados. E como pesquisadores devemos estar atentos a isso. Vale ressaltar que as pesquisas cientÃficas se caracterizam quanto à abordagem, à natureza, aos objetivos e aos procedimentos, conforme apontam Silveira e Córdova (2009). No tocante à abordagem, pode ser qualitativa, quantitativa ou quantiqualitativa, A pesquisa representada neste projeto é qualitativa, a qual é conceituada por Prodonov e Freitas (2013) como: Pesquisa qualitativa: considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vÃnculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Esta não requer o uso de métodos e técnicas estatÃsticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. Tal pesquisa é descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem (PRODONOV; FREITAS, 2013, p. 70). É importante salientar a relação da pesquisa qualitativa com a ADC. De acordo com Magalhães, Martins e Resende (2017): O método desenvolvido pela ADC situa-se na tradição da pesquisa qualitativa, em virtude do foco da análise detalhada de textos e discursos. [...] trata-se de um método que conjuga o estudo textual discursivo à crÃtica social. Dessa forma, a ADC volta-se para o debate de um determinado problema social, contribuindo para a reflexão sobre ele (MAGALHAES; MARTINS; RESENDE, 2017, p. 33). Quanto à natureza, as pesquisas podem ser básicas ou aplicadas. Nosso estudo tem natureza aplicada, pois “objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática, dirigidos à solução de problemas especÃficos†(SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009, p. 35). No que concerne aos objetivos, as pesquisas cientÃficas podem ser classificadas em três grupos: a exploratória, a descritiva e a explicativa (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009) e nossa pesquisa enquadra-se no grupo da pesquisa explicativa, a qual preocupa-se em identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos (GIL, 2007). Ou seja, este tipo de pesquisa explica o porquê das coisas através dos resultados oferecidos. Segundo Gil (2007, p. 43), uma pesquisa explicativa pode ser a continuação de outra descritiva, posto que a identificação de fatores que determinam um fenômeno exige que este esteja suficientemente descrito e detalhado (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009, p. 35). 58 No que diz respeito aos procedimentos, uma pesquisa cientÃfica pode ser classificada como: experimental, bibliográfica, documental, de campo, ex-post-facto, de levantamento, com survey, estudo de caso, participante, pesquisa-ação, etnográfica e etnometodológica (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009). Tendo em vista isso, compreendemos que nosso estudo, no tocante aos procedimentos, pode ser classificado como uma pesquisa de campo, participante, uma pesquisa-ação tendo também um cunho etnográfico. A pesquisa de campo, se caracteriza “pelas investigações em que, além da pesquisa bibliográfica e/ou documental, se realiza coleta de dados junto a pessoas, como recurso de diferentes tipos de pesquisa†(SILVEIRA E CÓRDOVA, 2009, p. 37). Assim, em nossa pesquisa, geramos dados8 junto a alunos com o recurso da pesquisa- ação e participante. De acordo com Fonseca (2002, p. 34-5), a pesquisa-ação pressupõe uma participação planejada do pesquisador na situação problemática a ser investigada. O processo de pesquisa recorre a uma metodologia sistemática, no sentido de transformar as realidades observadas, a partir da sua compreensão, conhecimento e compromisso para a ação dos elementos envolvidos na pesquisa [...] O investigador abandona o papel de observador em proveito de uma atitude participativa e de uma relação sujeito a sujeito com os outros parceiros. O pesquisador quando participa na ação traz consigo uma série de conhecimentos que serão o substrato para a realização da sua análise reflexiva sobre a realidade e os elementos que a integram. A reflexão sobre a prática implica em modificações no conhecimento do pesquisador. Thiollent (1998, p. 17-19), grande teórico nos estudos sobre pesquisa-ação reforça que “[...] pela pesquisa-ação é possÃvel estudar dinamicamente os problemas, decisões, ações, negociações, conflitos e tomadas de consciência que ocorrem entre os agentes durante o processo de transformação de situação.†Considerando que a pesquisa participante “caracteriza-se pelo envolvimento e identificação do pesquisador com as pessoas investigadas†(SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009, p. 40), compreendemos que também desenvolvemos uma pesquisa participante. Além disso, ela tem cunho etnográfico, posto que, de acordo com Laplantine (2000, p. 75), a pesquisa etnográfica “só começa a existir a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador 8 Em consonância com Mason (1997) preferimos falar em geração de dados à coleta de dados, porque na pesquisa qualitativa o pesquisador é visto como alguém que não encontra os dados à sua espera para serem coletados, mas trabalha de forma a gerá-los a partir dos instrumentos que escolheu. “Isso implica reconhecer que o processo de geração de dados é um processo participativo, analÃtico e interpretativo marcado tanto pela perspectiva ontológica do pesquisador acerca da realidade social quanto pela sua perspectiva epistemológica de como a realidade pode ser conhecida†(REES; MELO, 2011, p. 34-5) 59 deve ele mesmo efetuar no campo sua própria pesquisa, e que esse trabalho de observação direta é parte integrante da pesquisaâ€. Como professoras e pesquisadoras, nós efetuamos no campo nossa própria pesquisa e desenvolvemos um trabalho de observação direta. Além disso, nossa descrição dos eventos e atores sociais é interpretativa e buscamos interpretar o que dizem os sujeitos participantes da pesquisa, o que também caracteriza a pesquisa etnográfica, conforme Geertz (1978). Ademais, em nosso estudo pautamo-nos em pressupostos da etnografia crÃtica, que “reconhece como seu ponto de partida o compromisso com a teoria crÃtica†(OTTONI, 2007, p. 100). Tal perspectiva é, conforme Ottoni (2007) explica, consoante com os propósitos da Análise de Discurso CrÃtica porque a etnografia crÃtica, semelhante à ADC, vale-se de “um enquadre explÃcito que, ao modificar a consciência ou convidar para ação, esforça-se para usar o saber na transformação social†(THOMAS, 1993, p. 4). Com base em Hammersley e Atkinson (1995) e em Thomas (1993), Ottoni (2007) trata de um tema central nas discussões sobre o desenvolvimento da etnografia crÃtica: a habilidade para refletir criticamente sobre o processo de pesquisa, a reflexividade: Ela não é entendida como mera autorreflexão do/a pesquisador/a. Mais propriamente, ela envolve um complexo diálogo entre pesquisador/a, participantes, o processo de pesquisa e os resultados da pesquisa. A reflexividade, de acordo com Berg (2001: 139) implica mais uma mudança na forma como entendemos os dados e a coleta dos mesmos. Essa caracterÃstica reflexiva implica que o/a pesquisador/a entende que é parte do mundo social que investiga. Ele/a ainda tem que estar sempre pronto/a a modificar suas crenças, teorias se os dados exigirem. A questão não é provar nada, mas ver se o problema identificado inicialmente de fato existe. E quando nossas visões mudam, o foco de nosso estudo muda, porque novas visões abrem novos horizontes a partir dos quais produzimos questões e tentativas de respostas. Começamos, então, a fazer diferentes perguntas, reorganizar os dados para corresponderem à s novas ideias, e redefinimos a natureza do problema original (Thomas, op. cit.: p. 67) (OTTONI, 2007, p. 101). Essa reflexividade foi uma marca na elaboração do nosso projeto de pesquisa, na elaboração da proposta didática, na sua reconfiguração quando do trabalho em campo, no desenvolvimento da proposta, no relato, na análise e na discussão dos dados. Um outro ponto importante relacionado à pesquisa pautada nos pressupostos da etnografia crÃtica, que também foi levado em conta em nosso estudo, diz respeito à “ruptura na concepção assimétrica da pesquisa baseada na captação de informações†(OTTONI, 2007, p. 101). Segundo a autora, a etnografia crÃtica (THOMAS, 1993) e a pesquisa colaborativa (IVANIC, 1998), democrática (MAGALHÃES; GIEVE, 1998); e fortalecedora (CAMERON et al., 1992) supõem essa ruptura: 60 Ao transformar o/a participante em interlocutor/a e em sujeito participante da pesquisa, uma nova modalidade de relacionamento e de produção do conhecimento pode surgir. A relação dialógica pesquisador/a-participante é, portanto, um elemento fundamental para uma pesquisa colaborativa. Com essa posição metodológica, então, busca-se uma conexão entre a reflexão e a ação. (OTTONI, 2007, p. 101). Nessa perspectiva, é fundamental que o pesquisador leve em conta questões relacionadas a poder, à ética e à validade na relação com os participantes (GIEVE; MAGALHÃES, 1994) e adote três atitudes com relação aos seus colaboradores: ética, defesa e fortalecimento. A atitude ética é referente à atitude do pesquisador, ético, que procura minimizar o máximo possÃvel os danos aos participantes da pesquisa, tomando o cuidado para que as suas identidades sejam preservadas utilizando pseudônimos e outros recursos para que quando os dados forem divulgados, não sejam expostos. Além disso, também reconhece as contribuições desses participantes. Ottoni (2007, p. 102) afirma que esse tipo de pesquisa é caracterizado como “PESQUISA SOBREâ€. A defesa diz respeito ao compromisso assumido pelo pesquisador em prol dos participantes indo além da pesquisa. Como no caso dos professores que realizam a pesquisa de campo que se valem de suas habilidades e conhecimentos para conseguir algo necessário aos participantes, como por exemplo, campanhas e bazar para aqueles que revelam essa necessidade. Ottoni (2007, p. 102) ressalta que essa pesquisa é caracterizada como “PESQUISA SOBRE E PARA os sujeitos.†Magalhães e Gieve (1994) e Cameron et al. revelam que, algumas pessoas tratam, metaforicamente, o poder como uma propriedade e que, em determinados contextos, os impõe sobre os outros. Por outro lado, Foucault (1995, p. 248) afirma que “não há relação de poder sem resistênciaâ€, essa relação de poder e resistência durante a pesquisa pode prejudicar ou mascarar os dados gerados. Por isso, sustentamos que a pesquisa seja democrática, dando espaço para o diálogo, honestidade e a negociação. E buscar maneiras de dar fortalecimento a quem nesse espaço social geralmente não tem poder, os participantes da pesquisa. No caso da EJA, percebemos que se encaixam como grupo marginalizado, oprimido, cujo conhecimento e consciência crÃtica servirá como fortalecimento para a própria libertação e para realizar as próprias escolhas e como resistência. Magalhães e Gieve (1994) afirmam que devemos enquanto pesquisadores “dar a voz ao sujeitoâ€, fazer com que ela apareça e evitar imposições ideológicas. 61 Além do já exposto, nosso estudo é também construÃdo com base nos aportes da ADC, que é tanto uma teoria quanto um método. Nessa perspectiva, a pesquisa foi construÃda em consonância com arcabouço empreendido por Chouliaraki e Fairclough (1999) para o desenvolvimento de pesquisas em ADC apresentado na seção 2.5, no Quadro 02. De acordo com esse arcabouço, a pesquisa parte da identificação de um problema social com faceta semiótica. Nesta pesquisa, como já dissemos nas seções 1 e 2.1, consideramos que há um problema na prática de leitura, de análise e de produção de textos nas aulas de LÃngua Portuguesa da EJA. Nessas aulas, em geral, são propostas leituras de textos desvinculados dos interesses dos alunos e, consequentemente, sem sentido para os alunos da EJA. Além disso, os estudantes encontram também dificuldades em realizar leituras literárias com autonomia, e, dificilmente, conseguem estabelecer conexão entre o que leem e o que vivem e construir sentidos sobre aquilo que leem. Isso pode acontecer com os textos não literários e, especialmente, com os textos literários; uma vez que estes geralmente possuem vocabulários, figuras de linguagens, inversões sintáticas não usuais, distantes da linguagem cotidiana dos alunos e dos textos não literários. Da mesma forma, isso ocorre também com a análise e a produção de textos. Além de essas análises conterem questões superficiais e sem qualquer compromisso para que o que tenha sido lido pelos alunos torne-se profundo e rompa com situações hegemônicas, por exemplo. Sem dúvidas, esse é papel do professor que ensina na perspectiva do Letramento CrÃtico e na ADC. Outro problema, encontra-se nas produções textuais, quase sempre malvistas e temidas pelos estudantes, pois na maioria das vezes essas produções são feitas sem a mediação do professor durante a produção. Geralmente a correção e sugestões são feitas depois, numa devolutiva do professor, à s vezes, cheia de cortes e correções com o uso de caneta vermelha que assusta o aluno e quase sempre quando solicitado a produzir há uma repulsa generalizada. Com isso, dentro e fora da escola, esses alunos têm dificuldades para perceberem que a leitura e a escrita são práticas sociais que ocorrem cotidianamente, que o que se tem nos textos é uma representação de parte da realidade, construÃda por meio de recursos linguÃstico/semióticos, e que o que se tem nos textos pode ter relação com o que vivem. Tudo isso acaba constituindo um problema que é também social e que tem uma faceta discursiva importante. Ainda em conformidade com o arcabouço apresentado, neste estudo, para identificarmos os obstáculos a serem superados, fazemos uma análise da conjuntura ( seção 2.1), elaboramos e aplicamos uma proposta didática com o intuito de minimizar o problema 62 identificado e analisamos a relação do discurso com outros elementos da prática social de ensino de lÃngua portuguesa na EJA, as ordens de discurso articuladas, fazemos ainda, a partir dos dados gerados em campo, uma análise interdiscursiva, linguÃstica e semiótica. Também em consonância com o arcabouço de Chouliaraki e Fairclough (1999), fazemos uma reflexão sobre a proposta, seu desenvolvimento junto aos alunos, seus resultados, sobre a análise e sobre os efeitos do Profletras na nossa constituição identitária. 2.8 Procedimentos metodológicos, contexto de pesquisa e participantes Este trabalho, pensado e executado conforme estudos realizados no Profletras, iniciou- se com a verificação de problemas quanto à apropriação da leitura e da escrita presentes em meio aos estudantes em todas as modalidades de ensino, não sendo diferente na EJA. Percebemos que quando os/as estudantes, especialmente da EJA, não conseguem ler, escrever e interpretar adequadamente, essa dificuldade repercutirá na vida pessoal de cada um deles, proporcionando a exclusão e a marginalização desse grupo, por isso afirmamos que esse problema é também social. Assim, delimitado o tema, iniciamos a revisão bibliográfica que se deu durante todo o estudo. A partir dessa revisão, elaboramos o projeto de pesquisa e o apresentamos à direção da escola, onde pretendemos desenvolver a investigação, para sabermos do interesse da direção da instituição coparticipante. Após a produção do projeto e a explicitação do interesse da direção dessa instituição, submetemos o projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal de Uberlândia. Em seguida, elaboramos uma primeira versão de nossa proposta didática de intervenção, centrada na leitura de contos e na produção de curtas- metragens, com o intuito de promover o desenvolvimento da competência discursiva dos alunos, tendo em vista o problema do qual partimos, as questões de pesquisa propostas e os objetivos apresentados. Para a elaboração da proposta, depois de identificar o problema, pensamos numa proposta que pudesse minimizá-la. Percebemos que as turmas de EJA, especialmente do noturno, além de ter altos Ãndices de desistência durante o semestre letivo, também são bastante faltosas. Assim, precisarÃamos de um gênero literário cujo texto fosse curto e pudesse ocorrer a leitura em um único dia. É por esse motivo que decidimos trabalhar com os contos: pela brevidade das histórias. O próximo passo seria selecionar quais os contos que fariam parte do repertório a ser lido. Partimos da experiência de um projeto desenvolvido na escola, durante o 63 dia, onde se daria a pesquisa, junto aos alunos do ensino médio, intitulado por “Quem conta um contoâ€. Nesse projeto, são estudados anualmente 10 contistas e cerca de 50 contos e produzidas fotonovelas. Portanto, como professora criadora do projeto e leitora de centenas de contos, ficou fácil selecionar aqueles que pudessem despertar nos estudantes da EJA o gosto e a fruição pelos contos. Inicialmente, selecionamos 12 contos e, após as orientações da professora, permanecemos com 5, cujas histórias poderiam despertar o interesse do público EJA, contendo temas como abandono, preconceito, conflitos familiares, velhice. A partir daÃ, estudamos os gêneros discursivos e com as orientações da professora pudemos chegar aos teóricos que poderiam embasar e orientar para a elaboração da proposta. Sem dúvidas, a proposta começou pela perspectiva da ADC de Fairclough e, como é uma teoria e metodologia que se articulam à s outras, percebemos que a sequência básica de Cosson seria a melhor maneira de organizar o planejamento para o desenvolvimento de práticas de letramento literário. Devido ao perfil do público atendido, de múltiplas idades, histórias, culturas, linguagens, buscamos como apoio teórico/metodológico a pedagogia dos Multiletramentos e o LC, cujas bases dialogam com a ADC. Consideramos que o trabalho norteado por essas bases poderia contribuir para que os alunos desenvolvessem a habilidade de posicionar-se diante das inquietações, de analisar como os usos que fazemos da linguagem têm efeitos sociais e constroem diferentes representações de mundo e identificações. Após a construção da proposta interventiva, ela foi avaliada por uma banca, durante o exame de qualificação. E, a partir das considerações feitas por essa banca, realizamos as alterações necessárias para posterior aplicação em sala de aula. Após a aprovação do projeto pelo CEP9, o trabalho foi desenvolvido pela professora pesquisadora na sala de aula, em uma escola que oferece Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos do primeiro e segundo segmentos do Ensino Fundamental da rede pública de BrasÃlia do Distrito Federal sobre a qual falamos na seção 2.8.1. Antes de começar o desenvolvimento do estudo, foi feita a apresentação da proposta aos professores da escola, para que a conhecessem, aos alunos do 8ª série da EJA, na qual a professora pesquisadora ministra aulas, e aos responsáveis pelos alunos menores de 18 (dezoito) anos da turma, para que manifestassem o interesse ou não na participação na pesquisa. A apresentação aos responsáveis foi feita em reunião de pais prevista em calendário escolar e, aos estudantes, no espaço da sala de aula. Depois da manifestação de interesse, foi 9 Projeto aprovado pelo CEP em 29 de março de 2019, número do Parecer n.º 3.234.339. 64 apresentado, aos responsáveis pelos alunos menores de 18 anos, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para responsável legal por menor de 18 anos (ANEXO A); aos alunos menores de 18 anos, o Termo de Assentimento para o Menor entre 12 e 18 anos incompletos (ANEXO B) e, para os alunos maiores de 18 anos, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO C). Deixamos claro a todos/as também que haveria a geração de dados por meio de entrevista, de questionário, de registro de respostas dos alunos participantes, da produção de textos e das atividades realizadas. Além disso, foram também informados de que a identidade dos/as participantes seria mantida em sigilo, de que os dados comporiam o corpo de análise, sem identificação e de que a participação do aluno iria ocorrer somente após a assinatura dos dois termos citados. Garantimos a eles/as que o sigilo seria garantido mesmo com a publicação dos resultados alcançados. Esses termos foram lidos conjuntamente e esses sujeitos tiveram o prazo de uma semana para releitura dos termos e para decidirem se concordavam ou não com a participação no estudo. Todos concordaram, assinaram e devolveram os termos à professora-pesquisadora. PrevÃamos 43 (quarenta e três) aulas que correspondem a 7 (sete) semanas letivas para a realização da pesquisa. Entretanto, foram necessárias 52 (cinquenta e duas) aulas. A pesquisa foi desenvolvida nos horários previstos da escola e contempla os conteúdos da Proposta Curricular para a EJA. Para a coleta e geração de dados, durante a aplicação da proposta de leitura e de produção de textos, foram utilizados os seguintes instrumentos: entrevista semiestruturada10 (ver roteiro no apêndice B), questionário (apêndice A), gravação de aulas e diário de campo. Além disso, confeccionamos uma pasta portfólio que contém tanto as ações planejadas, quanto as dúvidas, questionamentos, atividades, reflexões, fotos e análises do material coletado. Após a gravação das aulas, o material foi transcrito seguindo as convenções de transcrição construÃdas pelo Grupo de Pesquisa sobre Texto e Discurso (PETEDI), disponÃveis no Anexo K, as quais foram adaptadas, tendo em vista o nosso propósito nesta pesquisa. Avaliamos a participação dos alunos durante as leituras, interpretações, análises por meio dos questionários aplicados, da produção de textos, seguindo as convenções de diferentes gêneros como o roteiro e o curta-metragem, e da divulgação do curta-metragem ao final. 10 A entrevista semiestruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes à s circunstâncias momentâneas à entrevista. Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas. (MANZINI ,1990/1991, p. 154). 65 Durante o desenvolvimento da proposta com os colaboradores, fomos organizando os materiais gerados para iniciarmos o relato da aplicação, a análise e a discussão dos dados. A análise se deu à luz dos pressupostos da ADC e de tudo sobre o que discorremos na revisão documental e na fundamentação teórica. Na análise, para que as identidades fossem resguardadas, utilizamos como códigos, letras e números, de A1 a A24, seguindo a ordem da chamada daqueles/as que são frequentes e/ou faltosos/as. A partir de várias leituras do material gerado e considerando nossas questões de pesquisa e objetivos, identificamos como produtivas as seguintes categorias de análise da ADC: intertextualidade, vocabulário, interdiscursividade e avaliação. Fizemos também uma reflexão sobre a análise e sobre a prática de pesquisa, na seção 3, em consonância com o arcabouço de Chouliaraki e Fairclough (1999). Para contemplar os objetivos da pesquisa, no decorrer da aplicação da proposta, organizamos e analisamos os dados, sustentados pelos aportes teóricos estudados. Analisamos e revisamos as seções que tratam das abordagens teóricas e metodológicas e organizamos o caderno suplementar (DisponÃvel como material didático aos professores em caderno especÃfico que acompanha esta Dissertação). A fim de facilitar a compreensão, elencamos a seguir os passos referentes à análise: 1º passo: Seleção do corpus a ser analisado. 2º passo: Identificação de categorias no corpus. 3º passo: Análise e interpretação do corpus. Para o primeiro passo, reunimos todo o material gerado durante a aplicação da proposta, transcrevemos os áudios das gravações, preservando as identidades dos participantes, lemos as produções escritas e o diário de campo e, observando os objetivos da pesquisa, definimos o corpus. No segundo passo, definimos as categorias de análise mais evidentes no corpus: intertextualidade, vocabulário, interdiscursividade e avaliação. As marcas linguÃsticas observadas para a categoria intertextualidade foram as relações que os participantes estabeleceram entre os contos lidos a diversas outras “vozes†escritas ou orais. Evidenciamos o vocabulário como categoria importante, ao trabalharmos com a linguagem do conto, enquanto texto literário, inclusive a recorrência de uso de atributos nos contos e as outras linguagens utilizadas pelos participantes durante a aplicação da proposta. Na categoria interdiscursividade, escolhemos os trechos que evidenciam a maneira como os participantes interpretam os discursos presentes nos contos. A avaliação, também se sobressaiu como uma categoria de 66 análise, pois além das afirmações avaliativas (os juÃzos de valor) também apresentaram afirmações com verbos de processo mental afetivo (“eu gostei...â€, “isso é erradoâ€) em diversos materiais coletados. Em seguida, no terceiro passo, realizamos a análise e interpretação dos dados considerando as categorias mais frequentes e observando os aportes teóricos e metodológico. 2.8.1 A triangulação na pesquisa A triangulação, segundo Cohen e Manion (1983, p. 254), consiste no “uso de dois ou mais métodos no estudo de algum aspecto do comportamentoâ€. Essas possibilidades de combinação estão sendo utilizadas nas ciências sociais por entender que o ser humano se constitui de comportamentos complexos e, por isso, pode demandar mais de uma metodologia para serem explicados. Esses autores trazem os seguintes tipos de triangulação: de tempo, espacial, nÃveis combinados de triangulação, teórica, do investigador e metodológica. Dentre esses tipos, utilizamos a triangulação teórica e a metodológica. A abordagem teórica baseia-se em teorias alternativas ou concorrentes, em vez de utilizar apenas um ponto de vista e que, segundo Ottoni (2007, p. 99), trata-se do uso de uma diversificação “relevante para alcançar uma maior veracidade nos dados coletados e nas interpretações.†Kelle (2001) considera que o uso de uma triangulação metodológica pode alcançar um resultado do objeto em estudo mais completo do que quando usamos um único método e Morse (1994) acredita que “o pesquisador pode obter uma visão mais holÃstica do cenário†(Morse,1994, p. 224). Logo, o uso de vários métodos funciona como um conjunto de forças que se somam para explicar uma mesma pesquisa. São combinações de perspectivas e de métodos de pesquisas levando em conta uma série de aspectos, que numa única abordagem, poderiam ficar de fora. A nossa pesquisa propõe uma triangulação teórica, envolvendo a ADC, estudos sobre gêneros discursivos e sobre alguns gêneros especÃficos (como os contos, os roteiros e os curtas- metragens), o letramento crÃtico, a pedagogia dos multiletramentos; e faz uma triangulação teórica e metodológica, envolvendo a ADC e a proposta da sequência básica de Cosson e diferentes procedimentos de geração de dados, tais como: diário de campo, questionário, aulas gravadas em vÃdeo, textos produzidos pelos/as alunos/as. 67 2.8.2 O contexto de pesquisa: a escola participante A escola pública, onde desenvolvemos a pesquisa, encontra-se na periferia do Distrito Federal e atende alunos do Ensino Médio regular nos três turnos e EJA primeiro e segundo segmento no noturno. Ao todo, são cerca de 2000 alunos matriculados, distribuÃdos em 55 turmas de sala de aula. Sobre o Gráfico de pessoal são 138 professores efetivos, 19 professores temporários,13 servidores do SAE, 6 cantineiras de empresa terceirizada, 6 agentes de limpeza de empresa terceirizada, 4 agentes de segurança de empresa terceirizada e 10 servidores readaptados. A escola, comparada à realidade de inúmeras outras, possui ótimas instalações: 1 laboratório de informática (com 30 computadores), 1 cine clube, 1 sala de multimÃdias, 1 Biblioteca escolar/comunitária, 20 salas de aula, 1 laboratório de FÃsica, 1 laboratório de QuÃmica, 1 laboratório de Biologia, 1 sala de recurso, 1 sala de orientação, 2 salas de professores, 1 sala bem ampla de secretaria, 1 sala de mecanografia, 1 sala de administração, 1 sala de coordenadores, 1 sala de direção, 1 sala de servidores, 1 cozinha, 1 cantina, 2 quadras de esportes ( 1 coberta e a outra não), 2 guaritas para os vigilantes, 1 horta (frutas e hortaliças) ,1 lanchonete (recentemente fechada pela Secretaria de Educação),1 sala de rádio, amplo estacionamento e 1 bosque. E é também muito bem equipada com quadros brancos em todas as salas de aula, além de Datashow, sons e ventiladores. 3 bebedouros modernos nas áreas externas, câmeras instaladas em diversos locais, 6 computadores para os alunos (disponÃveis na Biblioteca), 6 computadores para os professores (disponÃveis em uma das salas de coordenação). Todos os banheiros da escola foram reformados, assim como a quadra de esportes e a boa iluminação tornou-se o destaque neste ano. A instituição recebe verbas que são bem aplicadas e satisfaz todas as demandas da comunidade escolar. Quanto aos recursos pedagógicos e demais materiais, não existe limitações para o trabalho pedagógico dos professores (como pincéis para Gráfico branco, tintas para pincéis, apagadores, cópias etc.). Todo esse aparato torna a escola em destaque tanto pela comunidade escolar quanto pelos profissionais lotados nela. Boa parte desses servidores atuam nela há mais de 20 anos. 68 2.8.3 Os participantes do estudo O público participante é do 8ª série da EJA. São 37 alunos matriculados. Entretanto, desses, 13 não compareceram à escola desde o inÃcio do ano letivo e não foram considerados em nenhuma fase da pesquisa. Dos 24 alunos restantes, 8 são faltosos, ou seja, possuem mais faltas do que presença nas aulas, mas, mesmo assim, participaram da pesquisa, nas fases em que estiveram presentes. Realizamos a pesquisa com os 24 alunos, sendo 15 mulheres e 9 homens, desses, 8 menores de idade. Os participantes possuem idades bastante heterogêneas como pode ser verificado no quadro abaixo: QUADRO 4 – Idade dos/as participantes da pesquisa Fonte: Quadro criado pela pesquisadora. Dos/as 37 estudantes matriculados, 21 eram frequentes no semestre anterior e desses, 4 não retornaram durante esse semestre por incompatibilidade com o horário de trabalho. Desse total, dos/as 24 participantes da pesquisa, das 15 mulheres, onze são mães e dentre elas, 3 são avós. Dentre os 9 homens, 4 são pais e entre esses, um é avô. 6 são estudantes da escola desde a EJA primeiro segmento. Os/as outros/as matricularam posteriormente no decorrer de alguma série do segundo segmento. 9 estudantes trabalham, sendo que dentre esses, 2 são autônomos (possuem comércio de vendas), 1 cozinheira, 3 são domésticas /diaristas, 1 lanterneiro, 1 69 auxiliar de pedreiro, 1 que presta atendimento ao público em uma empresa terceirizada do Detran/DF. Observamos pelo tempo de atuação na EJA (7 anos), que as prioridades dos/as estudantes são as demandas da famÃlia e do trabalho. Logo, caso surja algum problema em alguma dessas esferas, geralmente eles/as abandonam os estudos e podem retomá-lo posteriormente. Isso pode ser observado na turma participante, tendo 4 estudantes que não continuaram os estudos devido ao horário de trabalho, segundo alegam. 70 3 RELATO E ANÃLISE DA APLICAÇÃO DA PROPOSTA Esta seção constitui-se do relato, da análise e da avaliação da aplicação da proposta em uma turma da 8ª série da EJA do ensino fundamental da rede pública do Distrito Federal, durante as aulas de LP. Constitui-se, ainda, de uma reflexão sobre a proposta, sobre sua aplicação e sobre a pesquisa como um todo. O caderno suplementar encontra-se disponÃvel como material didático aos/à s professores/as em caderno especÃfico que acompanha esta Dissertação. Utilizamos as seguintes categorias de análise da ADC: intertextualidade, vocabulário, interdiscursividade e avaliação conforme explicitadas nas subseções 2.5 e 2.8. 3.1 Relato da aplicação da proposta, análise dos dados e discussão dos resultados Conforme exposto na seção anterior, nós prevÃamos 43 (quarenta e três) aulas para a aplicação da proposta de intervenção. Entretanto, devido à s demandas da proposta que foram surgindo como as discussões11 e a realização das atividades sugeridas que demoraram mais tempo que o planejado, além da alteração do calendário como saÃdas de campo, provas externas (OlimpÃada de matemática e provas diagnósticas), festa junina e imprevistos tais como sinal de internet ruim, laboratório de informática indisponÃvel, o tempo de aplicação ficou maior. E ainda, devido à falta de ônibus em horários após as 23 horas e o medo dos/as estudantes da violência fora dos muros da escola até que cheguem aos lares, todos/as eles/as saÃam da escola à s 22h 30min. Assim, as duas últimas aulas ficaram bem menores que o previsto. Como a turma participante possui os dois últimos horários uma vez na semana, isso também repercutiu para que a aplicação da proposta ficasse maior que o esperado. Dessa forma, foram necessárias 52 aulas para a realização de toda a aplicação. As subseções seguintes foram organizadas em consonância com os blocos que compõem a proposta de intervenção. 11 As discussões que surgiram durante a aplicação da proposta são consideradas essenciais, pois a ADC propõe que os sujeitos reflitam sobre a relação entre a linguagem e a sociedade e esses momentos de reflexão foram constituÃdos de ditos, gestos e até mesmo silêncios. Assim, é natural que, dependendo da temática do conto, as aulas se estendam mais que o previsto. 71 3.1.1 Bloco 1: relato, análise e avaliação Na primeira aula da proposta, entregamos uma folha impressa resumida com informações sobre todos os blocos que compõem a proposta e sobre quantas aulas seriam necessárias para cada um deles. Revimos os objetivos e informamos aos /à s estudantes que utilizarÃamos codinomes para nos referirmos a eles/as, a fim de garantir o sigilo quanto à identidade de cada um/a. Conforme a chamada dos/as estudantes frequentes, utilizamos a letra A seguida do número do/a discente na chamada: de A1 a A24, dispostos. A seguir, aplicamos um questionário com o propósito de fazer uma sondagem sobre o que os alunos/as leem dentro e fora da escola, sobre seus gostos de leitura, sobre a percepção dos alunos/as de alguma relação entre o que leem e o que vivem, sobre o gosto pela leitura de textos literários, sobre as oportunidades que eles/as têm de falar e de escrever sobre eles/as mesmos. Utilizando duas aulas, aplicamos esse questionário para a sondagem inicial, entregue em uma folha ofÃcio a cada estudante. Orientamos que se empenhassem em responder as questões com sinceridade e comprometimento. Como a turma é composta de estudantes mais velhos (que demoram mais tempo para realizar cada atividade) e outros muito jovens que tendem a realizar tarefas rapidamente, além de alguns/as trabalharem e chegarem à escola mais tarde, a aplicação do questionário foi feita no decorrer dos dois primeiros horários. Percebemos que essa diferença de entrada na sala de aula comprometeu em parte as respostas dadas pelos/as participantes, pois as orientações ocorreram no primeiro momento, mas também à medida que os/as participantes chegavam à sala de aula de maneira mais resumida para não atrapalhar aqueles/as que já respondiam. Posteriormente, em outra aula, com as respostas dos questionários, apresentamos aos/à s estudantes os resultados da sondagem, por meio de gráficos, em Power Point, no Datashow da sala de aula, conforme Figura 4. Antes de dar inÃcio, explicamos quantos/as participantes responderam ao questionário, como o gráfico foi concebido e porque seria importante eles/as conhecerem esses resultados. 18 participantes responderam e entregaram os questionários e, a partir das respostas, elaboramos os gráficos para apresentar os resultados aos/à s participantes da proposta. 72 FIGURA 4 – Apresentação dos resultados da sondagem Fonte: Acervo pessoal. Nós apresentamos aos/à s discentes os resultados referentes a cada pergunta contemplada no questionário, separadamente, mas, aqui, tecemos considerações sobre algumas questões separadamente e, sobre outras, em conjunto, para melhor articulação das informações e fluidez do texto. Com relação à primeira e à segunda perguntas: “O que você costuma ler durante a semana fora da escola?†e “O que você costuma ler durante a semana dentro da escola?â€, o Quadro 5 a seguir representa os resultados: QUADRO 5 – Sondagem sobre as leituras dentro e fora da escola Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir dos resultados do questionário de sondagem. As respostas dadas pelos/as participantes no quadro 5 evidenciam que o que leem fora da escola, são leituras que eles/as concebem como necessárias/importantes no dia a dia e, por isso fazem sentido. Notamos que eles/as buscam essas leituras, numa atitude ativa. Para as leituras dentro da escola, os/as participantes listaram textos que chegam a eles/as como conteúdo, de certa forma, impostos pelos/as docentes, nesse caso, sentem-se passivos/as. E por isso, há um distanciamento de olhar sobre essas leituras. Ao percebermos que os/as 73 participantes listaram os livros e os romances como lidos fora da escola, mesmo tendo uma biblioteca com inúmeros livros à disposição da turma, inclusive com a presença de 2 bibliotecários e funcionamento no turno noturno, pudemos falar sobre a importância de frequentá-la e a liberdade que é dada a eles/as de escolherem os livros e levarem para a casa. No gráfico apresentado na sala de aula, 27% dos participantes responderam não ler nada dentro e fora da escola. Ao serem perguntados sobre essa afirmação, os/as participantes não discorreram sobre. Talvez uma explicação possÃvel para essa resposta seja que, esses/as 27% de discentes têm dificuldade de perceber que a leitura é parte do dia a dia da maioria das pessoas e que podem não ter clareza do que se concebe como leitura. Aproveitamos esse momento para mostrar que a leitura, embora se apoie na maioria das vezes na grafia das letras, também pode ser feita em gráficos, em sÃmbolos, em desenhos etc. Outro motivo para essas respostas, pode estar ligado à maneira como as atividades são realizadas pelos/as estudantes/as da EJA no dia a dia. Em geral, os/as professores/as auxiliam os/as estudantes individualmente para que possam ler, escrever e interpretar, acompanhando- os/as a cada passo dado. Diferente disso, para não alterar ou comprometer as respostas à sondagem, as questões foram apenas lidas pela professora pesquisadora para que respondessem e sem demais auxÃlios enquanto formulavam as respostas. Observamos, comparando os dois resultados, que devemos trabalhar na perspectiva do letramento literário, de acordo com as Orientações Curriculares Nacionais, OCEM, “como estado ou condição de quem não é apenas capaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropria efetivamente por meio da experiência estética, fruindo-o.†(BRASIL, 2006, p. 55). Pinto (2014) nos revela que a leitura muitas vezes pode não ser prazerosa, mas conduzirá o leitor à fruição. Fenômeno que “advém da crise a que a obra é capaz de fazer abater sobre o leitor, de colocá-lo em choque com o seu universo até então conhecido, podendo daà o leitor derivar ou não prazerâ€. (PINTO, 2014, p. 78). No tocante à terceira questão “Dessas leituras feitas dentro e fora da escola, do que você mais gosta?â€, chamou-nos a atenção o fato de a maior parte dos/as participantes afirmar que gosta mais dos textos que lê na escola, conforme Gráfico 1: 74 GRÃFICO 1 – Das leituras feitas dentro e fora da escola, do que você mais gosta? NotÃcias PolÃtica Novelas 11% 11% 5% 6% Jogar 5% 5% Nada 5% 5% textos da escola 5% 5% Sobrenatural Legend. 5% Whatsapp 32% em branco BÃblia Fora da escola Livros de literatura Fonte: Dados da pesquisa. Como mostra o gráfico, 32% dos/as participantes da pesquisa revelaram que a leitura que eles/as mais gostam é de textos da escola, seguidos de 11% que disseram gostar de ler notÃcias e outros 11% que gostam de ler livros de literatura. Assim como as respostas do quadro 5, os textos de escola parecem estar associados aos conteúdos e atividades desenvolvidas na escola. O fato de não serem especificados, reforça a ideia de que não sentem que o que leem dentro da escola, seja importante e que pode estar associado ao que vivem fora dela. Na ocasião, aproveitamos para perguntar o que estavam estudando em algumas disciplinas como História e Ciências e eles não se lembraram. Isso mostra que, precisamos, enquanto docentes, refletir e organizar estratégias de ensino e projetos para a EJA de forma que sintam a relevância desses aprendizados. Percebemos também que entre esses/as participantes é bem comum a não especificação até mesmo quando se trata dos/as professores/as. Eles/as dizem “o professor de matemáticaâ€, “o professor de ciênciasâ€, sem o cuidado de aprender os nomes dos/as docentes. Ao elencarem o Whatsapp, como um suporte, por onde circulam diversos gêneros, não esclarecem quais gêneros são por eles/as mais usados. As únicas especificações foram da série “Sobrenaturalâ€, em que o/a participante se declarou fã da série e a BÃblia. Consideramos que o trabalho com a proposta pedagógica possa ajudá-los a dar importância à s especificações, pois isso ocorre quando existe algum tipo de vÃnculo afetivo. Quanto à quarta questão “Você vê relação entre o que lê nos textos dentro da escola com aquilo que você vive?â€, a maioria estabelece uma relação entre o que lê dentro da escola com o que vive. Vejamos os dados: 75 GRÃFICO 2 – Você vê relação entre o que lê nos textos dentro da escola com aquilo que você vive? Sim. 5%5% 11% Não. 58% Algumas vezes. 21% Em branco Nunca li dentro da escola Fonte: Dados da pesquisa. Para essa pergunta obtivemos 58% dos/as participantes afirmando que o que se lê dentro da escola tem a ver com aquilo que vivemos e, como justificativa fizeram uma paráfrase da pergunta, ou não justificaram, respondendo apenas que sim. 11% dos participantes disseram “algumas vezesâ€, sem apresentar as justificativas. Dentre os 21% que disseram não, alguns não justificaram e outros consideraram que “histórias são históriasâ€, além de 5% afirmando que nunca leu dentro da escola e 5% em branco. Esse resultado é importante, uma vez que um dos nossos focos é o estabelecimento de relações entre o que é representado nos contos e o que os alunos vivem. Essa vivência dos/as estudantes está em consonância com os Multiletramentos, Cani e Coscarelli (2016) afirmam que “A pedagogia de multiletramentos propõe uma perspectiva de interpretação do mundo projetado por experiências transversais entre culturas, gêneros, estruturas sociais e econômicas.†(CANI; COSCARELLI, 2016, p. 23). Tais experiências, tendo o/a professor/a como mediador/a e provocador/a, tanto podem ser reveladas nos contos e nos demais gêneros que serão trabalhados, como no dizer e no não dizer dos/as participantes da pesquisa. Considerando nossa proposta de trabalho com contos, na 6ª questão, perguntamos aos/à s participantes: “Você gosta de ler livros literários? Se sim, lembra-se de algum, cuja história tenha ficado marcada em sua memória?â€. Dos/as 18 que responderam ao questionário, 10 afirmaram que gostam de ler livros literários e 8 disseram que não gostam. Sobre alguma história que tenha ficado marcada na memória, os/as discentes elencaram: espiritismo, criação do mundo na bÃblia, história de amor, livro da mulher de José Bento (livro da saúde da mulher escrito por um médico), os Miseráveis (de Victor Hugo), Dark Souls (VÃdeo jogo do gênero RPG). 76 Para essa questão, observamos que 32% afirmaram não gostar de ler livros literários. De fato, dependendo da maneira como a literatura chega na sala de aula, cria-se uma antipatia pela leitura que não ficará apenas dentro da escola, mas também fora dela. Assim, é importante que as leituras sejam preparadas pelo/a professor/a proporcionando um ambiente agradável e atrativo aos/à s estudantes. Além disso, devemos, enquanto docentes, buscar estratégias que levem os/as estudantes à estima e proximidade com o texto lido, além da fruição. Observamos que a maioria fez menção a histórias que não são parte de obras literárias, como espiritismo, criação do mundo, bÃblia e livro da mulher de José Bento. Isso mostra que o conceito de literatura não está claro aos/à s participantes. Para que pudessem melhor compreender o campo da literatura, além do desenvolvimento da proposta, levamos também para leitura, fábulas, crônicas e poemas (trabalhados em outras aulas e concomitantes à proposta) para que percebessem melhor o campo da ficção e dos plurissignificados que permeiam a literatura. Percebemos também pelas respostas, que a religiosidade está bem presente na vida dos/as participantes. Com a sexta questão “Você considera que a leitura de textos pode ajudá-lo na sua vida? Se sim, como?†e a questão “De que modo a leitura tem ajudado na sua vida?â€, objetivamos saber se percebem a leitura de textos como forma de ajudá-los/as em algum aspecto da vida. Para a primeira pergunta todos/as afirmaram que a leitura pode ajudá-los/as na vida, variando apenas como isso pode ocorrer. Das 18 respostas dadas, 11 disseram que aprendem mais, 3 apenas sim, 2 afirmaram que a leitura abre a mente, 1 respondeu que a leitura “ajuda na autoestimaâ€, 1 que ajuda a expressar melhor e 1 a se comportar. Embora os/as participantes não expressem explicitamente, aqui eles/as assumem a leitura como uma prática social capaz de mudar a história de cada um/a em algum aspecto. Para o resultado da segunda pergunta, 4 acreditam que a leitura tem ajudado para que possam aprender, 3 para falar e escrever melhor, 2 no desenvolvimento, 2 conhecimento, 2 em todos os aspectos. Entretanto, 3 não acham que a leitura tenha ajudado na vida deles/as. Observamos que constroem uma representação da leitura como uma prática útil dentro e fora da escola, por meio da qual podem ser produzidas mudanças no modo como eles agem, interagem e representam o mundo. Com o propósito de sondar se os/as participantes falam de si mesmos aos outros e dessa forma revelam suas crenças, hábitos, personalidades, culturas, linguagem, incluÃmos no questionário as questões 7 e 8, que são, respectivamente: “Você tem o hábito de falar de si mesmo fora da escola? Se sim, o que isso significa para você?â€; “Você tem o hábito de falar 77 sobre si mesmo na escola? Se sim, o que isso significa para você?â€. Nos Gráficos 3 e 4 a seguir apresentamos o resultado desta parte da sondagem: GRÃFICO 3 – Você tem o costume de falar GRÃFICO 4 – Você tem o costume de falar de si mesmo dentro da escola? de si mesmo fora da escola? 11% 17% 6% 39% 44% 39% 44% Sim. Não. Em branco. Às vezes . Sim. Não. Às vezes. Fonte: Dados da pesquisa. Comparando os dois gráficos, se somarmos o sim e o à s vezes, teremos 50% que falam sobre si dentro da escola e 61% fora da escola, podemos, por esse resultado, perceber que os/as participantes consideram o ambiente escolar menos favorável para os diálogos que os outros ambientes fora da escola. Falar de si dentro e fora da escola deve ser uma prática saudável, pois cada vez mais as pessoas isolam-se entretidas com as redes sociais ou com a própria rotina e acabam sentindo-se solitárias. Não somente o hábito de falar, mas também da escuta tornou-se um problema social. Percebemos que as pessoas estão na maioria das vezes apressadas, atarefadas por viverem numa sociedade capitalista. Essas são algumas marcas do que Giddens (1991) chama de Modernidade Tardia ou “Crise da modernidade†que teve inÃcio após o Iluminismo e consolidou-se com as Revoluções Industriais. Uma das consequências desse evento é a exclusão, o desemprego, a solidão. Logo, é preciso investir em práticas sociais como a escuta para que estas possam se tornar comuns no nosso dia a dia. Percebemos que, mesmo alguns não falando de si, sabem que isso é importante para o seu desenvolvimento social. Sobre o que significa falar de si mesmo dentro e fora da escola, os que responderam sim representam positivamente essa prática e apontaram a importância disso para que o/a outro/a 78 possa conhecê-los/as melhor, para que se sintam melhor, para que possam desabafar e compartilhar seus sentimentos, como podemos ver nos excertos a seguir: (1) “É muito bom depois de um dia corrido†(resposta ao questionário de sondagem, A2, 02 de abril de 2019). (2) “Para que meus colegas me conheçam melhor†(resposta ao questionário de sondagem, A8, 02 de abril de 2019). (3) “Significa compartilhar a minha felicidade†(resposta ao questionário de sondagem, A23, 02 de abril de 2019). (4) “Significa famÃlia†(Resposta ao questionário de sondagem, A9, 02 de abril de 2019). (5) “Me sinto leve, pois é um desabafo†(resposta ao questionário de sondagem, A13, 02 de abril de 2019). (6) “As pessoas ficam sabendo mais sobre a minha história†(resposta ao questionário de sondagem, A15, 02 de abril de 2019). Os que responderam “não†apresentaram as seguintes justificativas para não falarem de si dentro da escola, como o aluno A16: “Não dá tempoâ€, avaliaram que “Seria muito bom†(aluno A20) se falassem e disseram “Dialogo comigo mesmo†(aluno A4). Chamou-nos a atenção a resposta do aluno A14 que fala sobre si à s vezes. Segundo ele, “As pessoas querem que aconteça o piorâ€. Percebe-se uma representação do/a outro/a como alguém que não quer ver o bem das pessoas com quem convive; tem-se uma representação pessimista do/a outro/a. Esse resultado também nos revela que seria preciso propiciar aos/à s participantes da pesquisa momentos dentro da escola para falarem de si e escreverem sobre si. Na proposta desenvolvida, as diversas culturas e crenças dos/as participantes são respeitadas e valorizadas, há um incentivo ao protagonismo dos/as estudantes e a percepção de que as histórias tratadas, embora ficcionais, são histórias possÃveis de acontecer e que algumas passagens lidas podem ter sido vividas por alguns deles/as; e há uma abertura para falarem e escreverem sobre si mesmos/as. Seriam socializadas por eles/as mesmos/as, assim como a linguagem por meio da leitura dos contos poderá dar oportunidade para que se expressem oralmente. Tendo em vista um de nossos propósitos com a elaboração e aplicação da proposta interventiva, sobre os hábitos de escrever sobre si mesmos, incluÃmos no questionário a questão 9: “Você tem o hábito de escrever sobre a sua vida? Se sim, onde escreve? Conforme o Gráfico 5, somente 22% dos participantes têm esse hábito. Esse resultado evidencia que os/as participantes não encontram na escrita o sentido que este tipo de hábito pode trazer a quem o pratica. Ter um diário ou bloco de anotações em aplicativos de celulares e que podem ser 79 escritos diariamente ou semanalmente podem ser aliados eficientes para os/as estudantes da EJA, pois constituem-se de escritas espontâneas e privadas, uma oportunidade para desabafos que muitas vezes não são expressados oralmente. Devemos estimular os/s estudantes a fazer este tipo de registro, pois ajuda na compreensão dos próprios comportamentos e além disso, ajuda a escrever melhor. GRÃFICO 5 – Você tem o hábito de escrever sobre a sua vida? 22% Não 78% Sim Fonte: Dados da pesquisa. Os 22% que afirmaram terem o hábito de escrever sobre suas vidas disseram que escrevem “Em algumas redações de Portuguêsâ€, “nas notas do celularâ€, “no meu diárioâ€. Durante a discussão desses resultados relembramos que duas produções textuais haviam sido feitas dentro da sala de aula cujo gênero era relato pessoal. A primeira produção era sobre as lembranças boas e ruins que os/as participantes tiveram na escola e a segunda produção era sobre as maiores alegrias e decepções que os/as participantes tiveram na vida. Lembramos que as produções haviam sido lidas e a primeira delas iria ser digitada e formaria um livro a ser lançado na biblioteca no final do semestre letivo. Quando os/as participantes se lembraram dessas produções, perceberam que não tinham entendido ou lido direito a pergunta e que, por isso, a maioria havia respondido não. Esse resultado também revela o quanto precisamos estimular os alunos a escreverem sobre si mesmos, a estabelecerem relações entre o lido e o vivido e tornar a escrita uma prática natural em meio aos/à s estudantes, pois os alunos da EJA são “Protagonistas de histórias reais e ricos em experiências vividas, os alunos jovens e adultos configuram tipos humanos diversos. Homens e mulheres que chegam à escola com crenças e valores já constituÃdos†(BRASIL, 2006, p. 4). Ao darmos a oportunidade de trazerem à tona essas experiências, quer seja por escrito ou oralmente, daremos sentido ao que aprendem na escola. 80 Dando continuidade à sondagem sobre leitura e escrita, questionamos: “Você considera que quem lê mais possui maior capacidade de se expressar verbalmente?â€. 17 disseram que sim e 1 disse que não. Mais uma vez, fica evidente que os/as participantes acreditam que a leitura pode transformar as suas vidas, pois 90% responderam que quem lê mais expressa-se melhor. Os /As estudantes da EJA retornam ao espaço escolar, na maioria das vezes, por terem vivido experiências de exclusão pela dificuldade em ler e escrever. Além disso, sentem dificuldade para conseguir empregos, pois o nÃvel de escolaridade é uma exigência do mercado de trabalho e percebem que, dentro e fora da escola, quem lê apresenta melhor desenvoltura e habilidade para expressar-se. Logo, especialmente os/as docentes de LÃngua Portuguesa devem não só estimulá-los/as a ler e a escrever, mas também planejar e executar propostas pedagógicas que levem os/as estudantes a praticar dentro da sala de aula o ato de ler, de interpretar, de analisar, de escrever, de pensar, de refletir, de argumentar, de defender pontos de vistas. Com a 11ª pergunta “Para você o que é uma leitura proveitosa?â€, objetivamos sondar qual o tipo de leitura que gostariam/gostam de ter acesso ou para qual propósito. Os dados revelam que os participantes representam uma leitura proveitosa como aquela que lhe permite construir conhecimentos úteis dentro e fora da escola, aquela associada à compreensão, a aprendizado, e ao detalhamento, como nos excertos a seguir: (7) É aquela leitura que me passa alguma coisa boaâ€, (resposta ao questionário de sondagem, A18, 02 de abril de 2019). (8) “É aquela que lê e aprendeâ€, (resposta ao questionário de sondagem, A2, 02 de abril de 2019). (9) “Quando consegue entender o textoâ€, (resposta ao questionário de sondagem, A9, 02 de abril de 2019). (10) “É fonte de conhecimentoâ€, resposta ao questionário de sondagem, A7, 02 de abril de 2019). (11) “Quando é bem detalhadaâ€, (resposta ao questionário de sondagem, A22, 02 de abril de 2019). (12) “É ler e levar para a vidaâ€, (resposta ao questionário de sondagem, A2, 02 de abril de 2019). Há também os alunos que avaliam uma leitura proveitosa como “Leitura interessanteâ€, “Bom†e há um, o aluno A14, que associou a leitura proveitosa à “Leitura memorizadaâ€. Os/As estudantes da EJA almejam mudar de vida a partir dos estudos e, por isso, desejam leituras que os/as ajudem a realizar este sonho. Muitos/as relatam aos/à s professores/as da EJA que perderam tempo demais fora da escola ou dentro dela reprovando. Assim, anseiam por leituras que possibilitem aprendizagem aliadas ao conhecimento como as que constam nos livros 81 didáticos ou anotações dos conteúdos na lousa feitas pelos/as professores/as. Além disso, estão também acostumados/as com a leitura de trechos de textos literários, lidos nas salas de aula para o desenvolvimento de atividades gramaticais. Ademais, as leituras de textos que ocorrem na escola se apresentam como leituras prontas e acabadas, concebidas como indiscutÃveis, sem espaço para reflexões e análises, e, por isso, distantes do/a leitor/a. Logo, tornar a leitura literária proveitosa é um desafio: como aproximar os contos dos leitores para que sintam que essas leituras se tornem prazerosas, significativas e inacabadas? Dando segmento à sondagem, realizamos a seguinte pergunta “De que modo a leitura tem ajudado na sua vida?â€. Nosso objetivo foi ver se os/as participantes conseguem perceber melhorias na vida deles/as a partir das leituras. Os dados apontam que boa parte dos/as participantes conseguem identificar quais os benefÃcios que a leitura pode proporcionar ao indivÃduo conforme os excertos abaixo: (13) “Em todos os aspectos†(resposta ao questionário de sondagem, A20, 02 de abril de 2019). (14) “No meu desenvolvimento†(resposta ao questionário de sondagem, A13, 02 de abril de 2019). (15) “Conhecimento, falar melhor, melhorar a escrita†(resposta ao questionário de sondagem, A8, 02 de abril de 2019). (16) “Falar e escrever melhor†(resposta ao questionário de sondagem, A19, 02 de abril de 2019). (17) “Aprender†(resposta ao questionário de sondagem, A5, 02 de abril de 2019). (18) “Melhorar no serviço†(resposta ao questionário de sondagem, A23, 02 de abril de 2019). (19) “Me faz esquecer os problemas†(resposta ao questionário de sondagem, A7, 02 de abril de 2019). (20) “Perder a vergonha†(resposta ao questionário de sondagem, A9, 02 de abril de 2019). As respostas “De nenhuma formaâ€, dada pelo/a aluno/a A10, “Nadaâ€, do/a aluno/a A22 e “Nenhum†do/a aluno/a A2, mostram que eles/as não conseguem perceber que a leitura pode proporcionar inúmeros benefÃcios como o desenvolvimento intelectual e social. Com o intuito de sondar o conhecimento que os/s participantes têm sobre o gênero conto perguntamos: Você sabe o que é um conto? Já leu algum? Como resposta, 8 disseram que sim e 6 especificaram: “De mágicaâ€, “Conto de escolaâ€, “Leitura com espaço limitado a um ambienteâ€; “É um texto curto, com poucos personagens. Sim.â€, “Eu já li.†“Substantivo masculino, leitura narrativa breve, concisa.â€, 5 disseram que não sabem e 5 deixaram em branco. Discutindo sobre esses resultados, lembramos aos/à s participantes a leitura do “Conto 82 de escola†de Machado de Assis, no inÃcio do semestre letivo. Pareceu-nos que essa leitura não foi internalizada pelos/as estudantes, pois apenas um/a participante lembrou de citá-la. Acreditamos que a leitura dos 5 contos da proposta, que possuem histórias variadas, poderá elucidar melhor o que é um conto e ajudar na construção de sentidos. Com o objetivo de verificar se os/as participantes conhecem o gênero roteiro que será trabalhado durante a proposta, realizamos a seguinte pergunta “Você já leu algum roteiro?â€. 6 disseram que sim, mas não especificaram que tipo de roteiro, 6 disseram que não, 1 “não sei†e 5 deixaram em branco. Esse gênero é bastante incomum no espaço escolar e, por isso, a sua produção será um dos desafios da proposta. A proposta de produção desse gênero está em consonância com as habilidades a serem desenvolvidas do 6º ao 9º ano, conforme a BNCC: (EF69LP37) Produzir roteiros para elaboração de vÃdeos de diferentes tipos (vlog cientÃfico, vÃdeo-minuto, programa de rádio, podcasts) para divulgação de conhecimentos cientÃficos e resultados de pesquisa, tendo em vista seu contexto de produção, os elementos e a construção composicional dos roteiros. (BRASIL, 2017, p. 151). Relacionada com a questão anterior e com o propósito de sondar se alguns/mas participantes já haviam produzido o gênero roteiro, perguntamos: “Você já produziu roteiro para filme, documentário ou curta-metragem?†16 participantes afirmaram não terem produzido roteiro, 2 deixaram em branco. Acreditamos, pelo tempo de docência nesta modalidade de ensino, 10 anos, que não seja comum na EJA produzir roteiros. Pela sondagem, todos/as os/as participantes desconhecem como esse gênero se constitui. E não somente eles/as, mas também a professora pesquisadora, que teve que estudar para compreender os elementos constitutivos do gênero, por não ser comum a sua produção e veiculação nas escolas. Esse gênero surgiu de uma necessidade: como os contos lidos poderiam ser recontextualizados para que produzÃssemos curtas-metragens? PrecisarÃamos de um guia para ser seguido com todos os detalhes, falas, progressões, o roteiro para um curta-metragem. Durante os estudos, percebemos que existem vários tipos que poderiam servir de modelo para essa proposta. Para sondar se os/as participantes apreciam o gênero curta-metragem, perguntamos “Você gosta de curta-metragem?†.13 afirmaram que sim, 3 disseram que não,1 em branco e 1 “depende do assuntoâ€. Assim como os roteiros, os curtas-metragens, tratados como gêneros, não parecem fazer parte do universo dos/as participantes da pesquisa como curta-metragem, mas apenas como filmes e, por isso, podem ter deixado em branco ou ainda afirmado que não. Acreditamos que a produção de um filme com menos de meia hora, utilizando diversos recursos 83 tecnológicos, deverá suscitar a curiosidade e o envolvimento de toda a turma participante, além de possibilitar o protagonismo desses/as participantes e o desenvolvimento de práticas de Multiletramentos, uma vez que implica o uso de uma diversidade de linguagens e recursos multissemióticos/multimodais e envolve o uso de tecnologias e mÃdias. Provavelmente, essa será a parte da proposta que irá exigir mais da nossa mediação e incentivo, pois os/as participantes deverão utilizar diversas dependências da escola para produção do curta- metragem, os computadores da escola, a filmadora; deverão organizar os ambientes, as trocas de roupas, tudo isso envolve uma mudança de papel dos/as participantes: de passivos a ativos. Enfim, em relação a essa parte de apresentação e discussão dos resultados da sondagem, estimulamos os/as participantes a comentarem sobre os resultados e lemos cada item de cada slide para que pudessem ter um olhar analÃtico sobre os gráficos ao interpretá-los. Os gráficos foram organizados em forma de gráfico de barras12 para que compreendessem melhor os resultados. Diante de cada slide, puderam refletir sobre as respostas da turma e as deles/as mesmos. Entretanto, embora fossem incentivados/as a dizer oralmente o que acharam dos resultados de cada questão, preferiram ficar calados/as a dizer algo. Isso pode ser explicado pelas caracterÃsticas das turmas de EJA que não gostam de se expor oralmente, principalmente quando estão diante de algo novo. Isso não quer dizer que não estivessem refletindo sobre o que estava sendo apresentado. Bakhtin (2015) afirma que há sempre uma atitude responsiva ativa dos sujeitos envolvidos na situação de interação. Assim, pela maneira como observavam e acompanhavam a leitura dos gráficos, percebemos que estavam interessados/as nos resultados dos questionários. Segundo Fairclough (2012), os momentos das práticas sociais são: atividade produtiva, meios de produção, relações sociais, identidades sociais, valores culturais, consciência e semiose que estão relacionados dialeticamente e articulados entre si. Portanto, acreditamos que essa apresentação dos resultados e discussão constituiu um evento de (multi)letramento, o qual está vinculado à prática social do ensino e aprendizagem de LP. Como tal, envolveu a articulação: de uma atividade material; das relações sociais estabelecidas entre professora e alunos, entre os alunos; das crenças, dos valores e dos desejos dos participantes em relação à proposta, à s questões da sondagem, ao ensino de LP; das crenças, valores e desejos da 12 Optamos pelo gráfico de barras para ser apresentado aos participantes da pesquisa porque boa parte deles não compreendem o assunto porcentagem. Entretanto, para o registro da pesquisa, convertemos os mesmos gráficos em pizza e porcentagens. 84 pesquisadora; e da instituição escola. Tudo isso contribuiu para a construção de diferentes sentidos e de representações dos alunos, da leitura pelos alunos etc. Nesse evento de (multi)letramento, foram levadas em conta a multiplicidade semiótica, uma vez que, por meio da apresentação dos dados, exploramos a linguagem verbal e a não verbal, e a multiplicidade cultural representada na turma participante, constituÃda por um grupo bastante heterogêneo em termos de idade e de experiência de vida. 3.1.2 Aplicação do Bloco 2 Para a etapa de motivação (COSSON, 2012) e para o alcance dos objetivos do Bloco 2, a saber: aproximar os/as estudantes do gênero conto que será trabalhado; possibilitar uma leitura sensÃvel do conto; estimular o gosto pelas histórias lidas ou ouvidas, prevÃamos três aulas, entretanto, foram necessárias 4 aulas. Neste bloco, desenvolvemos uma dinâmica para motivar a leitura do conto “A cartomante†de Machado de Assis (ANEXO D). Antes do inÃcio da aula, cerca de 15 minutos, disponibilizamos as mesas dos/as participantes em U e, ao centro, ocupando duas mesas, cartas, pedras coloridas e um globo iluminado com uma lanterna dentro. Além disso, colocamos a tocar uma música ambiente e as luzes foram apagadas para que os/as participantes vivenciassem sensações de um ambiente misterioso e, ao mesmo tempo, curioso. A Figura 5 a seguir ilustra essa preparação: FIGURA 5 – Dinâmica para motivar a leitura do conto “A cartomante†Fonte: Acervo pessoal. 85 Os/ as participantes pareciam muito curiosos e, ainda no escuro, perguntamos-lhes o que acharam daquele ambiente quando chegaram. Seguem algumas respostas: (21) A2: ah... professora... achei muito massa... sei lá... A20: achei esse escuro uma coisa diferente... né? A gente fica assim meio espantado e meio perdido no tempo... de qualquer forma é bom... (Trecho da gravação das aulas do dia 03 de abril de 2019). Esses excertos mostram que a motivação é de fato importante no ambiente escolar e que, à s vezes, basta dispor a sala de uma maneira diferente ou levar algum material que não pertence ao universo escolar para despertar a curiosidade e o desejo pela aula planejada daquele dia. Os atributos usados para avaliar o ambiente “muito massaâ€, “uma coisa diferente, “bom†mostram que ficaram surpresos com o que encontraram e que gostaram disso. Ao explicitar o efeito que isso lhes causou “A gente fica assim meio espantado e meio perdido no tempoâ€. O aluno A20 revela que os/as participantes já internalizaram uma representação padronizada e estereotipada do evento de letramento aulas de LP e que a atividade proposta rompe com essa representação. Sobre a motivação, Mendonça (2015, p. 5) afirma que “a motivação pode ser vista como uma força, uma pulsão, um impulso, uma necessidade ou uma predisposição que permite ao indivÃduo empreender uma determinada ação com um objetivo concreto.â€. Dentro desse contexto, acreditamos que a motivação serve tanto para que os/as participantes sintam que haverá algo interessante a partir daquela atividade, quanto serve para o/a professor/a que, ao planejar as aulas com algo que desperte seus/as educandos/as, encontra-se motivado/a para o alcance dos seus objetivos. Provavelmente ao se depararem com o ambiente daquela forma, já começaram a pensar que tipo de leitura poderia vir a ser: as pistas dispostas estavam no centro da sala. Isso mostra que a construção de sentidos pode começar bem antes da leitura de um texto literário e, que, ao incluirmos estratégias para motivá-los/as, o interesse pelo texto poderá ser maior. Dando continuidade à aula motivacional, ligamos as luzes e pedimos que observassem os materiais que estavam no centro da mesa e lhes dissemos que, quando quisessem, poderiam retornar aos lugares. Perguntamos o que aqueles objetos lembravam: (22) A2: tarô... A1: macumba... 86 A12: parece de gente que lê cartas, né professora?... aquelas pedras ali... têm a ver com aquele lugar perto de Sobradinho que acredita no poder das pedras... né professora? (Trecho da gravação da aula do dia 03 de abril de 2019). Esses excertos demonstram que os/as participantes da pesquisa já começaram a associar a proposta ao que eles/as conheciam ou já tinham ouvido falar do dia a dia da sociedade, inclusive das crenças locais como citado pelo/a participante A12 sobre a comunidade Vale do Amanhecer13. De acordo com os estudos do Letramento CrÃtico, os professores que trabalham por essa perspectiva devem estimular os/as participantes a falar sobre o que sabem e/ou se sentirem em iguais condições para construir relações de sentido. Rojo (2013, p. 39) afirma que “para propor uma pedagogia dos multiletramentos que dê conta das diversidades culturais e semióticas, é preciso compreender as maneiras como elas se manifestam e funcionam em nossa sociedade.†Algumas dessas diversidades culturais foram relatadas pelos/s participantes, inclusive uma delas, faz parte da crença local citada pelo/a participante A12, assim como os recursos semióticos acionados mentalmente pelos/as participantes quando viram os objetos dispostos na mesa, como a carta, que para A2 lembrava tarô. A luz dentro do pote bem como os lenços preto e vermelho foram associados à macumba por A1 e as pedras coloridas ao misticismo do Vale do Amanhecer, por A12. Essa capacidade de interpretar, de fazer conexões e estabelecer relações com o uso de objetos dispostos na mesa e o conhecimento de mundo é esperada tanto na pedagogia dos multiletramentos, como na perspectiva do Letramento CrÃtico. Nessa atividade, pela mediação e provocação da professora, os/as participantes por meio da linguagem oral conseguiram perceber que a aula teria algo a ver com a temática do conto que ainda não tinha sido apresentada. Durante essa aula, os/as estudantes foram chegando aos poucos e chovia bastante na ocasião. Cerca de 10 minutos após o inÃcio, a proposta teve que ser adaptada ao que ocorreu a seguir: a turma da 7ª série foi encaminhada à sala dos/as participantes da pesquisa, para subida de horário, pois os professores dos próximos horários haviam faltado, ficando muito cheia a sala. Pouco depois, um grupo de 5 policiais chegou até a sala, numa ação surpresa e preventiva para fazer vistoria nos materiais e nos/as estudantes. Essa ação durou cerca de 20 minutos e, durante a abordagem, os policiais encontraram uma faca de açougueiro em uma das mochilas dos /as estudantes, ficando a partir daÃ, o ambiente constrangedor e silencioso. 13 Segundo o Google, a Comunidade religiosa Vale do Amanhecer está localizada na cidade de Planaltina e conta com cerca de 10 mil moradores. DisponÃvel em https://pt.wikipedia.org/wiki/Tia_Neiva . Acesso em: 19 de outubro de 2019. 87 Segundo o gestor da direção do Noturno, a direção havia solicitado há bastante tempo essa ação da polÃcia, para coibir a venda de drogas pelos arredores da escola feita pelos/as estudantes do Noturno. Como a escola possui câmeras dentro e fora da escola, o grupo militar e a direção já sabiam que dentre os/as estudantes da EJA havia traficantes, por isso, a ação militar foi realizada na sala e, não poderia acontecer em outro dia ou horário, pois segundo o Gestor, essa ação iria ocorrer em outra escola próxima. Pensamos em adiar a dinâmica de motivação, entretanto, como já a havÃamos iniciado, ponderamos que o adiamento poderia afetar mais ainda aquele passo tão importante da proposta. Dando prosseguimento à proposta, com perguntas ainda sobre os objetos do centro, um/a dos/as participantes da pesquisa deu o seguinte depoimento: (23) A18: tinha uma senhora vizinha quando eu tinha uns doze ou treze anos que ela tinha Parkinson e não andava já há muitos anos e... à noite... fui brincar na sala dela com outras crianças e de frente à casa dela tinha umas plantas e aà eu resolvi ir embora pra casa... por volta de umas dez da noite e eu olhei pro rumo da casa dela de novo e vi ela de pé... toda de branco... tirando uma flor daquelas plantas e a lua estava bem clarinha e deu pra ver ela direitinho... na época ainda não tinha energia... eu vi ela e eu pisquei assim pra ver se eu não estava louca e não... .eu vi ela... tirando uma rosa vermelha... aà no outro ano ela faleceu... mas ela nunca tinha andado mais... eu tive essa revelação e eu nunca esqueci disso... porque quando eu saà de lá ela estava deitada e dormindo... e eu vi ela de pé tirando uma rosa... isso marcou a minha vida... eu mostrei pra minha mãe... (Trecho da gravação da aula do dia 03 de abril de 2019). Essas vivências, relatadas durante as práticas de leituras, acionam os conhecimentos prévios que eles/as possuem e estabelecem uma relação com o que será lido. São hipóteses, bem-vindas e esperadas, que eles/as levantam e que poderão ser confirmadas ou não durante a leitura. O/A participante A18 esteve fora da escola, segundo ele/a por quase 20 anos e, ao contrário dos/as demais participantes, é bem falante e participativo/a. Os/As demais participantes ainda se posicionam de maneira bem tÃmida e reservada, preferindo o silêncio ou apenas acenos com a cabeça como respostas afirmativas ou negativas. Por esse depoimento, ficou evidente que os elementos dispostos na sala puderam motivá-los a pensar no tema do conto que envolvia mistério. Após esse depoimento, demos ainda tempo para outros dizeres e, diante do silêncio dos/as estudantes, entregamos-lhes uma cópia impressa do conto “A cartomanteâ€. Devido à junção de uma turma de 7ª série à turma 88 participante, como relatamos, alguns ficaram sem a cópia impressa, pois havia mais de 50 estudantes e apenas 45 cópias. Assim, 3 estudantes leram em duplas. Como a chuva estava bastante forte, a leitura oral do conto foi realizada pela professora pesquisadora, pois os/as participantes leem baixo e com o som da chuva não conseguiriam ser ouvidos dentro da sala. Em seguida, os/as estudantes puderam expressar o que acharam do conto e recontá-lo oralmente. Pudemos perceber que boa parte dos/as participantes aproveitaram para opinar entre eles/as sobre o conto e poucos resolveram compartilhar oralmente com as turmas que estavam presentes. Por isso, fomos fazendo as perguntas nas quais respondiam coletivamente, como: Quem escreveu o conto? Como começa a história? Qual era o nome da moça que foi à cartomante? Por que ela foi à cartomante? Pelo que o Camilo disse sobre a Rita ter ido à cartomante, ele acreditava em previsões? Segue a transcrição de alguns trechos: (24) A1: eu achei que era história de amor... deu ruim... A17: é a história de uma mulher que traÃa o marido e morreu ela e o amante... com tiro... A8: e tem a cartomante... então a cartomante mentiu! A18: começa com a Rita que fica com medo do marido saber de tudo... que ela tinha um caso com o amigo dele...e morre todo mundo... só fica ele... será que depois tem continuidade... professora? A12: pior é que era tudo amigo... né professora! (Trecho da gravação da aula do dia 03 de abril de 2019). Percebemos, por esses recortes, que os/as participantes adotaram discursos sobre a história condizentes com os valores morais instituÃdos na sociedade, como o participante A12 que relembra que os personagens eram amigos iniciando com o atributo “Pior é queâ€. O/A participante também conclui que a “cartomante mentiu†e traz a ideia de que ela, como cartomante, não deveria mentir. Assim, a história traz para esse/a participante um choque cultural: há uma crença de que no campo da vidência não se deve mentir. No discurso de A17 a mulher é culpabilizada pela tragédia, uma vez que afirma ser a “história de uma mulher que traÃa o maridoâ€. Cabe lembrar, que Fairclough (2001) aponta que certos discursos já estão cristalizados e naturalizados no meio social. Para Candido (2011, p. 175) “Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramáticaâ€, por isso os textos, como uma forma de concretização do discurso, servem para refletirmos sobre esses valores. 89 Outro trecho que chama a atenção é quando o/a participante A1 diz que achava ser uma história de amor. Ou seja, histórias que terminem com finais felizes, após resolvido o conflito. Por muito tempo apenas as histórias que tinham finais felizes eram consideradas boas para serem lidas e contadas. Muitas viravam novelas. Embora histórias com finais felizes tenham o seu espaço, outros tipos de enredos ganharam importância e valor literário, especialmente por suscitarem reflexões e análises importantes para que repensemos sobre as representações, os discursos e as relações de poder. A seguir, relembramos oralmente sobre a vida do escritor Machado de Assis (já conhecido pelos/as turmas, pois haviam lido o conto “Conto de escola†no inÃcio do ano letivo). Perguntamos se algum/a participante conseguia ver relação da própria vida com a vida do autor. Apenas um dos/as participantes disse “Era preto, ué!†(Pelo trecho da filmagem não é possÃvel distinguir qual dos/as participantes disse isso). Esse dizer mostra que se identificam com o escritor pela cor. Aproveitamos para considerar que, provavelmente por ser negro, Machado de Assis tenha sofrido muitos preconceitos. Relembramos que o escritor também frequentou a escola por pouco tempo e que teve que começar a trabalhar muito cedo. Sobre as caracterÃsticas do gênero conto, perguntamos por que aquela história era chamada de conto: “Quais as caracterÃsticas possuem essa história que a consideramos como um conto?†Como não responderam, resolvemos explicar brevemente sobre as caracterÃsticas do gênero. Posteriormente, receberam uma folha em branco para escreverem o trecho do conto que mais lhes chamou a atenção. Alguns/as participantes pediram o dicionário, pois o conto tinha palavras que eles/as desconheciam. A aula terminou antes de finalizar a tarefa, ficando o restante da proposta para o outro dia. Avaliamos que o pedido de um dicionário por vários/as participantes foi positivo, uma vez que identificaram que o conto continha palavras que não faziam parte do repertório vocabular deles/as. Embora não tenha dado tempo de buscar o material solicitado, orientamos os/as estudantes a irem à biblioteca para consultarem as palavras cujo significado era desconhecido e levarem por escrito para a próxima aula. Na aula seguinte, perguntamos se tinham buscado os significados dos termos que não sabiam na biblioteca ou em casa e nenhum dos/as presentes afirmou ter consultado um dicionário. A seguir, para que relembrassem a história e para que os/as estudantes que não estavam presentes no dia da leitura do conto “A cartomante†pudessem se situar e realizar as próximas tarefas, fizemos a mesma estratégia da aula anterior: realizamos perguntas sobre a 90 história oralmente e os/as participantes responderam. Segue abaixo trechos que demonstram que aquele conto lido foi compreendido pelos/as participantes: (25) A15: é uma história de assassinato... A18: é uma história de amizade, traição e assassinato e a cartomante... ((Trecho da gravação da aula do dia 09 de abril de 2019). Solicitamos também que lessem, de forma voluntária, o trecho que chamou a atenção de cada um/a e que haviam escrito na folha entregue no dia anterior e explicassem os motivos pelas quais escolheram escrevê-los. Vejamos alguns dados da transcrição da gravação das aulas que representam essa parte da proposta: (26) A20: “Como ia Camilo, que lhe chamou a atenção. Com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão.†... P: [...] por que você escolheu esse? A2: porque achei isso perigoso... mexeu com arma e deu nisso... né? ...acho que é porque é a parte mais forte dessa história... A12: “a verdade é que o coração ia alegre e impaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar e estendeu-lhe e olhou para fora até onde a água e o céu...†não deu tempo de eu terminar... P: entendi... por que você escolheu esse trecho? A12: ah... professora...porque ele olhou para o mar... [...] Camilo... olhou para o mar... P: verdade... acho que eu teria escolhido essa parte também... A12: eu gostei dessa parte... A3: a minha foi parecida... mas mudou um pouco... mas fez parte também... mas um pouco diferente... P: não... o seu é o mesmo do A20... que é quando atira e ele fica morto no chão... por que você escolheu esse? A3: eu escolhi esse porque eu acho isso muito errado... esse tipo de coisa... alguém tirar a vida de alguém... violência... pra mim isso é errado...querer chamar a atenção pra ver se diminui um pouco essas violências no nosso Brasil velho... A18: o meu é bem... bem... bem petitinho... “A traição de Rita com o amigo de infância do marido†... P: por que esse? A18: porque a partir de então que houve a traição é que aconteceram todas as tragédias... então não é legal...foi o inÃcio de tudo... entendeu?... e prova que traição não é bom e não traz nada de bom pra ninguém... foi a partir disso que toda tragédia... tudo de ruim aconteceu... A17: a parte que eu achei muito interessante... a parte que eu achei muito bizarra...que ele fala assim... “tu crês deveras nessas coisas?â€... tipo assim... a pessoa que vai à cartomante pela primeira vez... quando começa a falar 91 alguma coisa que tá batendo... você fica pra lá de encantada né... e aà quando você vai contar pra uma pessoa que não acredita... ela fica duvidando de tudo que você está falando... tipo... não acredito nessa bobeira né... que ele falou isso pra ela...eu achei isso muito importante... P: A22... qual foi o trecho que você copiou? A22: “pegou-o pela gola, e deu-lhe dois tiros de revólver.†P: por que você escolheu esse trecho? A22: porque eu achei a parte mais “topâ€...sei lá... A24: o final me chamou a atenção né... P: por quê? A24: porque é uma parte forte né... A15: a mesma coisa... P: da A24... por quê? A15: achei uma parte muito forte mesmo... pessoa entrar numa sala e ver uma pessoa ensanguentada no chão e não ter condição nenhuma... A4: quando ele deu o tiro no cara lá... porque ela é muito forte... (Trecho da gravação da aula do dia 09 de abril de 2019). Ao contrário das outras aulas, os/as participantes mostraram-se mais participativos/as e seguros/as. Observamos que ao lerem os trechos escritos retirados de um texto que eles/as escolheram, estavam confiantes para responderem, porque não tinha naquele momento o certo ou o errado, mas ele/a enquanto leitor/a participava do texto destacando o que era mais “forteâ€, “interessanteâ€, “bizarroâ€, “topâ€. Destacamos que é neste momento que esses/as participantes percebem que lhes foi dado o “poder†de escolha dos trechos e também de argumentação. É o instante em que não é a professora e nem o autor quem está de posse do texto, mas eles/as, e, com isso, podem interpretar, adentrar na história do texto e mostrar quais saberes podem externar para a turma. Essa é uma das 3 forças da literatura, que para Barthes (1989) faz girar os saberes. Outro aspecto importante, é a socialização que os/as participantes fizeram dos trechos da atividade envolvendo não somente a leitura dos trechos, mas também as opiniões para a escolha. Para Cosson (2012, p. 29) a análise literária no ambiente escolar deve ser explorada “ao máximoâ€, pois é assim que seremos capazes de “experienciar toda a força humanizadora da literaturaâ€. Dessa forma, ele defende que, para o alcance do letramento literário, o professor deve criar condições de análise que possibilite “respostas do leitorâ€. Verificamos também que a crença e os valores são revelados nas falas do/a participante A3 (no excerto 26) ao avaliar o ocorrido na história como parte de uma violência presente em nossa sociedade como “erradaâ€. Essa associação da história do conto com a realidade social mostra que a literatura traz para dentro das histórias, parte “de nossa identidade cultural†e que “não há maneira de se atingir a maturidade do leitor sem dialogar com essa herança, seja para recusá-la, seja para reformá-la, seja para amplia-laâ€. (COSSON, 2012, p. 34). Esse diálogo com 92 a obra pode ser observado inclusive na relação que o/a participante A18 estabelece entre a traição (causa) dos personagens que leva a uma série de tragédias (consequência) e avalia que a “traição não é bom pra ninguémâ€. O/A participante A17 mostra que tem conhecimentos do que é recorrer à consulta de cartas, ao se colocar no lugar da personagem Rita diante dos dizeres da vidente “você fica pra lá de encantada, né†e, tal qual a personagem Rita, ao contar para alguém essas previsões, não é levada a sério. Percebemos por meio dessa atividade que o destaque maior que os/as participantes deram foi para o desfecho violento do conto lido. Essa violência está presente também atualmente. Inclusive boa parte desses/as participantes mora nas quadras mais perigosas da cidade-satélite de Samambaia e acabam convivendo com cenas de violência envolvendo uso de armas de fogo. É possÃvel perceber que os/as participantes fizeram a ligação do conto e dos personagens com o meio social a qual estão inseridos - parecem se ver ali representados indiretamente. Percebemos também que a escolha do trecho do conto que revela a morte por tiros foi feita pelos /as participantes mais jovens da turma. Van Dijk, (2005) afirma que a ADC é uma abordagem crÃtica que vai além do seio da pesquisa e procura desvelar e opor-se à s desigualdades sociais de todos os tipos. Percebemos pela escolha dos trechos e falas dos/as participantes que a oposição à violência expressa no conto é também uma forma de manifestar a oposição ao meio social violento em que vivem. Outro ponto destacado pelos/as participantes é a traição que culmina em mortes violentas no conto e que também faz parte do dia a dia das pessoas, diariamente noticiadas nos meios de comunicação e redes sociais. A personagem feminina do conto morreu de maneira violenta porque foi descoberta a traição. De maneira análoga, embora tenha passado mais de um século da publicação desse conto, nos deparamos com diversos casos semelhantes na atualidade. Isso reforça o quanto a literatura pode colaborar com a compreensão da realidade. Em um segundo momento da aula, os/as participantes foram orientados/as a escolher um/a colega para formar duplas e responder à s três perguntas seguintes: O que você gostaria de ter feito no passado e não fez? Por quê? Qual é o futuro que você deseja? O que a proposta feita para essa turma da EJA poderá contribuir para isso? Essas perguntas foram copiadas no caderno. Na Figura 6, apresentamos uma foto do momento em que estão copiando as questões: 93 FIGURA 6 – Cópia das questões antes de saÃrem em duplas Fonte: Acervo pessoal. Na atividade, cada um/a exerceria a função de cartomante ao realizar as perguntas ao seu par. Os/As estudantes trocaram a função de cartomante entre os pares, um/a representando a cartomante primeiro, depois, o/a outro/a. Solicitamos que pegassem as folhas que continham as anotações sobre a parte do texto com a qual mais se identificaram, e que escrevessem, na parte que ficou em branco, uma previsão do futuro do/a colega, levando em consideração tudo que foi perguntado a ele/a. Ressaltamos que deveriam fazer previsões positivas e que não deveriam contar ao/à colega o que tinham escrito. A seguir, abrimos o pote para que colocassem os papéis dobrados, sendo assegurado a eles/as que o pote seria aberto apenas ao término do semestre. Ao final desse bloco, em relação à motivação, acreditamos que os objetivos foram alcançados, pois além de instigar a participação dos/as participantes por meio da dinâmica desenvolvida, puderam perceber que as histórias dos contos poderiam estar associadas de alguma maneira ao que eles/as vivem e/ou acreditam e que, ao manifestarem-se oralmente sobre os temas das histórias, suas vozes estariam sendo ouvidas e que o que eles/ as têm a dizer, quer sejam as experiências vividas ou os seus conhecimentos de mundo, tem importância e relevância dentro da proposta. 3.1.3 Aplicação do Bloco 3 Para o bloco 3, que trata da introdução, prevÃamos 5 aulas divididas em duas fases. Cosson (2012) afirma que essa etapa se trata da “apresentação do autor e da obraâ€. O autor chama a atenção para que essa apresentação do autor não seja muito extensa e que permita o levantamento de hipóteses sobre a obra que será lida. IncluÃmos, nessa etapa, a compreensão 94 sobre o gênero conto. Para as duas fases apresentamos os seguintes objetivos: Compreender as especificidades do gênero conto; diferenciar contos de outros gêneros pertencentes à esfera literária; estimular o interesse dos/as estudantes pela leitura de contos literários; estimular o interesse pelos autores selecionados e seus respectivos contos; explicar os motivos para a escolha dos contos. Para a primeira parte deste bloco, apresentarÃamos um vÃdeo, disponÃvel no You tube, que estabelece a diferença entre romance, novela e conto. Para isso, reservamos a sala de multimÃdias com antecedência e salvamos o vÃdeo em um pen drive. Entretanto, ao conectar o pen drive, o computador infectou o dispositivo com vÃrus, não sendo possÃvel utilizar essa sala. Então, encaminhamos a turma de volta à sala de aula e levamos um notebook. Ressaltamos que todas as salas de aula são equipadas com Datashow e som, mas optamos, para a aplicação da proposta, usar outros espaços da escola, além da sala, para que os/as participantes pudessem familiarizar-se com os ambientes que posteriormente seriam utilizados como cenários para a produção dos curtas-metragens. Ao serem perguntados/as sobre o que sabiam sobre contos, novelas, romances e crônicas mais uma vez optaram pelo silêncio. Talvez para os/as docentes que não possuem experiência pedagógica com o público EJA possa ser incômodo ter estudantes que se silenciam ao invés de falar, mesmo em se tratando de uma atividade diferente do costumeiro em sala de aula. Para compreender um pouco mais sobre esses/as estudantes, precisamos lembrar que “não há como deixar de pensar no jovem expulso que foi do sistema regular de ensino e que depende da EJA para inserir-se e continuar a aquisição sistematizada de conhecimentos†(VALIM, 2009, p. 18). São estudantes acostumados com inúmeras práticas pedagógicas que não deram certo, ou que tiveram que deixar a escola em algum momento devido a demandas no âmbito familiar. Essa necessidade de evadir da escola ocorre durante todo o ano letivo. Assim, as turmas podem estar inicialmente com cerca de 40 estudantes matriculados e, ao final do semestre, não ter sequer a metade deles/as concluindo. Essa evasão é percebida por quem continua até o final e interfere no comportamento de toda a turma. Freire (2000) afirma que: Os alunos da EJA, ao vivenciarem, pelo viés da exclusão social, o agravamento das formas de segregação - cultural, espacial, étnica, bem como, das desigualdades econômicas -, experimentam, a cada dia, o abalo de seu sentimento de pertencimento social, o bloqueio de perspectivas de futuro social (FREIRE, 2000, p. 254). Dessa forma, percebemos que esses/as estudantes não se veem como sujeitos ativos, capazes de posicionar-se criticamente, por isso, é comum permanecerem em silêncio. 95 Por outro lado, afirmar que todas as turmas da EJA possuem essa caracterÃstica, também não é aceitável. Como acontece com as outras modalidades de ensino da educação básica, há na EJA turmas que são mais participativas, outras desinteressadas, ou seja, cada uma dessas turmas pode apresentar determinadas caracterÃsticas. No caso dessa turma participante, percebemos desde o semestre anterior14 que o silêncio é uma tática adotada por eles/as quando são perguntados ou por medo de errar, ou por não gostarem de estar em evidência na sala. Em seguida, os/as participantes da pesquisa assistiram ao vÃdeo que tratava da diferença de conto, novela e romance. A partir da exibição do vÃdeo, exploramos os conhecimentos prévios dos/as discentes sobre esses gêneros. Ao explorarmos os conhecimentos prévios dos/as estudantes, estamos criando um ambiente de escuta e valorizando os saberes que eles/as já possuem. Essa prática é essencial na abordagem do LC, pois cria-se a oportunidade de valorização da fala dos/as discentes, tanto da turma quanto do/a professor/a. Após essa exploração do conhecimento prévio dos/as discentes, fizemos um registro sistematizado no quadro a fim de que compreendessem as principais caracterÃsticas de cada um desses gêneros, especialmente, os contos e, em seguida, registramos no quadro o nome de cada gênero estudado para que pudessem falar sobre cada um deles oralmente estabelecendo as diferenças e semelhanças entre eles, conforme podem ser vistos na Figura 7: FIGURA 7 – Diferença ente conto, novela e romance Fonte: Acervo pessoal. Dando continuidade, explicamos aos/à s estudantes que eles iriam promover uma leitura oral compartilhada de um conto. Antes disso, solicitamos que escolhessem qual papel iriam desempenhar na leitura: o do narrador, o da mãe, o da filha ou o do pai. Para facilitar a leitura compartilhada, previamente destacamos as falas de cada personagem e do narrador, com caneta marca texto, em quatro cópias do conto “Tchau†(ANEXO E) e entregamos essas cópias aos 14 A professora pesquisadora foi docente na turma pesquisada durante o 1º semestre de 2018. 96 /à s estudantes que fariam a leitura oral. Combinamos também que todos/as leriam em conjunto o tÃtulo do conto. Perguntamos-lhes se poderÃamos gravar a leitura oral em áudio (por meio de um aplicativo baixado no celular) e todos/as concordaram. Para facilitar o trabalho, os/as leitores/as voluntários/as sentaram-se de frente para a turma, conforme mostra a Figura 8. FIGURA 8 – Leitura oral compartilhada do conto “Tchau†Fonte: Acervo pessoal. Ao final, perguntamos o que acharam do texto lido e da experiência de compartilhar a leitura oral e gravá-la em áudio: (27) A17: que legal! ai professora (risadas)...dá um nervoso... A20: muito bom... P: e a história o que vocês acharam? A9: legal... é uma história bonita... é triste... (Trechos da gravação da aula do dia 17 de abril de 2019). Os/As participantes demonstraram durante e após a leitura estarem se divertindo com a maneira como o conto foi lido e, conforme o excerto, eles/as apreciaram a atividade, avaliando- a por meio dos atributos “legalâ€, “muito bom†e manifestaram apreciação pela história por meio dos atributos “bonita†e “tristeâ€. Tentamos passar o áudio para toda a turma imediatamente após a atividade. Entretanto, era necessário transferir o áudio gravado do celular para o Notebook e conectá-lo à caixa de som da sala. Constatamos que terÃamos que ouvir em outra aula, pois o cabo do celular estava apresentando mau contato com o aparelho. Ao dizermos que posteriormente irÃamos disponibilizar o resultado do áudio da leitura, os/as participantes ficaram ansiosos pela próxima aula. No momento da leitura, todos/as estavam compromissados/as com o texto e seus turnos de leitura. Assim, os /as participantes experimentaram um envolvimento maior com o texto enquanto leitores. Pudemos notar dois momentos: o prazer de ler o conto apossando-se dele 97 enquanto leitores e a fruição literária. Barthes (1996, p. 21-22) considera fruição aquele texto “que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, valores e de suas lembranças, faz entrar em crise a sua relação com a linguagemâ€. Logo, esse conto traz os dois elementos como podemos averiguar na fala do/a participante A9 “Legal. É uma história bonita, é tristeâ€. Essa ambiguidade, que também parece um conflito, é segundo Barthes (1996), esperada ao leitor que lê “levantando a cabeçaâ€. Dando continuidade, conversamos sobre o conto lido e a seguir, realizamos a interpretação oral do conto. Para Cosson (2012, p. 26-27) a escola deve ir sempre além de uma leitura literária, pois a literatura “é um lócus de conhecimento e, para que funcione como tal, convém ser explorada de maneira adequadaâ€. Dessa maneira, consideramos que a interpretação oral permite socializar as ideias dos/as participantes podendo ser um “ato solidárioâ€. Segue no excerto alguns trechos do áudio: (28) A20: fala sobre tudo... sobre amor... sobre a vida... sobre o passado... sobre a mãe... A3: sobre a mãe... A9: por causa de um amor... A3: era um amor que não era verdadeiro...porque o amor era os filhos... A3: era uma paixão que ela arrumou fora do casamento... (Trechos da gravação da aula do dia 17 de abril de 2019). Percebemos que a interpretação que os/as participantes fazem do conto está vinculada ao conhecimento de mundo deles/as, suas crenças, seus valores, elementos constitutivos do evento de letramento aula. Para A3 o que representa como amor verdadeiro, são os filhos. Levando em conta os estudos do Letramento CrÃtico, percebemos que há um choque de valores e de crenças ocasionando um discurso de reprovação à atitude de uma mulher que abandona os filhos na fala de A3 “Era uma paixão que ela arrumou fora do casamentoâ€. Alguns alunos apresentam uma posição contrária ao que está representado no texto, manifestando seus valores, como A3 no excerto a seguir: (29) P: [...] vocês se colocaram no lugar de quem aqui? do pai? da mãe? da Rebeca? A12: acho que no lugar da Rebeca... P: quem se colocou no lugar do pai? A1: ah...eu me coloquei no lugar da Rebeca... A15: no lugar do pai... 98 P: quem se colocou no lugar da mãe? A3: eu não me colocaria no lugar dela... porque eu não largaria meus filhos por nada desse mundo... (Trechos da gravação da aula do dia 17 de abril de 2019). Nenhum /a dos participantes quis se colocar no lugar da mãe. Há um discurso de reprovação à atitude de uma mulher que abandona os filhos. Conforme observamos na fala de A3 “Eu não me colocaria no lugar dela, porque eu não largaria meus filhos por nada desse mundo.â€. Esse excerto demonstra que durante a leitura do conto os/as participantes se colocaram no lugar de todos os personagens e de maneira reflexiva, mas evitaram se colocar no lugar da personagem que abandonou o lar. Apenas após a mediação/provocação da professora e das próprias questões interpretativas, alguns consideraram se colocar no lugar da personagem que é a mãe da Rebeca, o que representa um avanço, haja vista que boa parte dos/as participantes, especialmente as mulheres, ficaram revoltados/as com o abandono do lar e dos filhos por essa personagem. Tal revolta, evidencia a cultura de nosso paÃs na qual as pessoas aceitam melhor o abandono do lar pelos homens e, quando isso é feito pela mulher, o discurso hegemônico vem à tona: homem sim, a mulher/mãe não. Dando continuidade, com o propósito de expandir a interpretação, problematizamos a representação que fizeram da personagem com a capa do livro de contos “Tchauâ€. Para isso, solicitamos que observassem a imagem que estava no conto lido: FIGURA 9 – Imagem da capa do livro de contos “Tchau†Fonte: Capa do livro “Tchau “de Lygia Bojunga de 1984. Em seguida, realizamos algumas perguntas conforme segue o excerto: 99 (30) P: quem é que está nessa imagem? A1: a Rebeca... T: não...é a mãe... P: vocês acham que essa imagem mostra uma mãe feliz? T: não... A12: é uma mãe triste... A9: ela tá presa aos filhos... (Trechos da gravação da aula do dia 17 de abril de 2019). Durante a discussão, percebemos que as participantes mulheres ficaram mais revoltadas com a atitude da mãe que os participantes homens. Com essas questões levantadas durante a interpretação, pela perspectiva da ADC, notamos que dificilmente os/as participantes aceitariam se colocar no lugar de personagens cujos comportamentos não são aceitos culturalmente como a mãe da personagem Rebeca. Assim, foi fundamental mostrar que a personagem estigmatizada pelos/as leitores/as, além de não ser uma vilã, pode ter sido criada pela autora propositalmente para romper paradigmas e padrões de comportamentos esperados de uma mulher. A seguir, solicitamos que observassem os subtÃtulos do conto lido (ANEXO E) e dissessem o que cada subtÃtulo lembrava ou representava no conto. Pudemos perceber no subtÃtulo “A mala†a extrapolação do conto, como segue o excerto: (31) P: uma mala representa muita coisa... imagina você chegar em casa... na casa de alguém... e tem uma mala lá no meio... A 12: ave Maria! A15: e a mala pode ser a minha... A 9: você pensou na sua madrasta... A15: pensei na minha madrasta querendo me expulsar de casa... (Trechos da gravação da aula do dia 17 de abril de 2019). Podemos observar, pela fala de A15, que o conto selecionado pode suscitar várias crÃticas e reflexões, como o medo que o/a participante revela de ser expulso de casa pela madrasta. Essa situação vivida pelo/a participante A15 parece ser conhecida pelos/as colegas, uma vez que o/a participante A9 foi quem sugeriu que a mala de A15 poderia estar na sala colocada pela madrasta, revelando uma relação conflituosa entre A15 e sua madrasta. Logo, o texto lido serviu de motivação para que falasse de si mesmo, na sala de aula, se apropriando, enquanto leitor, daquele texto literário. Nesse sentido, a OCEM (2008, p. 55) afirma que “Faz- se necessário e urgente o letramento literário: empreender esforços no sentido de dotar o educando da capacidade de se apropriar da literaturaâ€. Tal apropriação depende também do 100 papel do/a professor/a que, segundo Cosson (2012), é o intermediário entre o livro e o/a estudante. Ou seja, a escolha do repertório a ser lido no ambiente escolar será feita pelo/a professor/a e, antes de selecionar, ele/a deve levar em conta a diversidade de obras (canônicas e não canônicas) e de leitores/as. Depois, no Datashow, em slides de Power point, apresentamos o gênero conto e procuramos dar explicações mais detalhadas sobre as especificidades desse gênero. Para isso, utilizamos a lousa e realizamos perguntas aos participantes a fim de verificar se conseguiram compreender o que foi ensinado. FIGURA 10 – Slides explicativos sobre o gênero conto Fonte: Consulta DisponÃvel em: https://drive.google.com/file/d/1lYyh1dULdM4E6ySJmzfLYSxpEGZ7jX2a/view?usp=sharing . 101 Logo após, seguimos com perguntas que foram respondidas oralmente sobre o que aprenderam até aquele momento sobre os gêneros e que constam algumas respostas no seguinte excerto: (32) P: [...] o que é conto? A20: conto é... ah... professora eu não sei muito bem explicar isso não... mas vamos lá né... conto é a gente conhecer as pessoas... conversar... acho que seria mais ou menos por aÃ... A8: conto pra mim é uma história... uma história de vida... uma história que realmente aconteceu... eu vejo o conto como se fosse uma história real... A15: pra mim eu vou te ser bem sincero... eu não acho diferença não... mas eu sei que o conto... à s vezes... ele é baseado em fatos reais... tem parte que é fictÃcio... novela é criada uma história... à s vezes... pode ter até verdade no meio... mas ela é história maior e eu acho que é isso... eu não tenho muita ideia não... A9: pode ter história de qualquer tipo... mas tem história que não dá pra criança...né... P: o que deve conter um conto... quais são os elementos do conto... que a gente acabou de ver? tem que ter o quê? A8: narrador... A8: personagem... A8: enredo... A8: desfecho... A20: objeto simbólico... P: exatamente... são elementos de um conto... quais são os tipos de contos que a gente já falou aqui que vocês conhecem? A15: conto policial... A15: conto romântico... conto de fadas... (Trecho da aula do dia 17 de abril de 2019). Perguntamos também “Existe indicação de faixa etária para a leitura dos contos?†ao que responderam coletivamente que sim. Dentre as falas, A3 disse que o conto “A cartomante†“Não serve pra criança de jeito nenhum†e, para a pergunta “Você acredita que as histórias dos contos, embora sejam ficcionais, podem representar situações reais do cotidiano das pessoas? Justifique.†Todos/as os/as participantes disseram que sim, tendo como justificativa “Traição é o que mais tem†(A16), “Tanto aquele conto lá como esse conto de agora é de história que aconteceu. Não tem jeito, gente.†(A15). Pelos excertos, percebemos que os/as participantes conseguem identificar os elementos do conto, compreendem que é uma história, entretanto, não está claro para eles/as que esse gênero, além de ser uma arte, possui valor estético, pertence ao campo ficcional e que pode estar relacionado com fatos da realidade, mas há sempre alguns elementos do imaginário e possibilidade de plurissignificação. 102 Posteriormente, na terceira aula, antes de dar inÃcio à segunda fase desse bloco, os/as participantes da pesquisa pediram para ouvir o áudio da gravação da leitura do conto “Tchau†feito pela turma. Momento em que demonstraram orgulho de si mesmos, pois pediram que gravasse em pen drives para eles/as ou enviasse pelo Whatsapp. Disponibilizamos o link também no google drive: https://drive.google.com/drive/folders/1lN85AFC7wMvbQUaDj2-MUbyVrWChqFee?usp=sharing . Foi durante esta atividade que decidiram que deverÃamos fazer parte do grupo da sala, para compartilhar o que fosse feito no projeto. Conversamos que devido à garantia de sigilo não seriam compartilhados fotos, vÃdeos e demais atividades que poderiam expor a identidade deles/as. Ao levar o áudio das vozes deles lendo o texto, observamos que uma atividade de sala de aula como essa, utilizando recursos tecnológicos, pode surgir de outras demandas também tecnológicas e digitais: ao se ouvirem no áudio da gravação da leitura do conto quiseram mostrar essa leitura para outras pessoas, provavelmente do vÃnculo afetivo deles, pelo Whatsapp. Uma atividade de leitura simples ganhou tanta importância e sentido que a partir dali passou a circular em outros ambientes. Dando continuidade, iniciamos a segunda fase do Bloco 3, que consistiu na apresentação dos/as escritores/as e das obras com o tempo estimado de 2 aulas de 50 minutos. O objetivo consistiu em estimular o interesse pelos/as autores/as selecionados/as e seus respectivos contos e explicar os motivos para a escolha das histórias. Primeiro, fixamos no mural 5 fotos de escritores/as, mas não dissemos quem eles/as eram, conforme Figura11 a seguir: FIGURA 11 – Fotos dos/as contistas fixadas na parede Fonte: Acervo pessoal. 103 Perguntamos a ele/as se sabiam de quem se tratavam. Disseram alguns nomes e depois resolveram entre eles/as que se tratava de escritores/as, mas não sabiam os nomes. Segue o excerto: (33) P: vocês viram aquelas fotos que estão ali? dá uma reparada... quem conhece quem? A15: eu não conheço ninguém... mas pela história que passou ali aquela deve ser aquela escritora CecÃlia Meireles. P: CecÃlia Meireles... qual você acha que é CecÃlia Meireles? A15: aquela última lá de branco... P: quem mais? A13: Flávio... P: qual é Flávio? A13: aquele de óculos... P: o de óculos? A13: não é o Flávio? P: vamos ver daqui a pouco... Flávio Cavalcanti... não é que parece mesmo? vocês acham que eles são quem? T: escritores... P: vamos ver se é isso mesmo... A15: esse aqui tá parecendo o Machado de Assis... tá bem antigo... P: esse aÃ... Machado de Assis? A15: eu acho que pode ser... (Trecho da gravação da aula do dia 24 de abril de 2019). Dando sequência à proposta, com a exibição de vÃdeos sobre os/as autores, em outro dia e em outra sala de vÃdeo denominada “Cineclubeâ€, os/as participantes da pesquisa assistiram sobre os/as outros/as três autores dos contos com os quais trabalharÃamos na proposta: Guimarães Rosa (https://www.youtube.com/watch?v=v9CbLYE-T3k ) , Lygia Bojunga (< https://www.youtube.com/watch?v=9KKob3AWnGk> e Machado de Assis (< https://globoplay.globo.com/v/887079/>). Para cada vÃdeo, os/as participantes eram convidados a colar na parede o nome do/a escritor/a junto à sua respectiva foto. A Figura 12 mostra a participação deles/as durante essa atividade. 104 FIGURA 12 – Colocação das placas dos nomes dos/as escritores/as à s figuras no Cine Clube Fonte: Acervo pessoal. Após a exibição dos vÃdeos perguntamos o que mais chamou a atenção sobre os/as escritores e qual o contista que mais gostaram. Seguem alguns trechos da gravação: (34) A11: eu achei aquela escritora ali divertida... P: a Lygia Bojunga? por quê? A11: não sei... ela é alegre... bonitona... A15: eu gostei do Guimarães... a senhora disse que ele falava quantas lÃnguas? P: 8 e ainda a nossa ...9... então... A15: eu não acredito... pra mim é mentira... A9: tá duvidando da professora? A15: não... mas eu acho que tem exagero nisso aÃ... A1: a Júlia Lopes é a mais feia... coitada... A17: ahh... mas a professora disse que esse aà era negro e essa foto não mostra ele negro não... eu gosto das histórias dele... P: o Machado de Assis era negro... mas como eu disse... por muitos anos a imagem dele era outra... essa aà é porque é uma imagem antiga...mas ele era negro... A15: esse “Dalto†também era esquisitão...né professora... P: ele ainda vive... tem mais de 90 anos... A15: achei ele esquisitão... (Trecho da gravação da aula do dia 23 de abril de 2019). Percebemos que gostaram mais da escritora Lygia Bojunga. Em seguida, perguntamos qual a importâncias de ler contos e outros textos literários. Apenas o/a participante A15 disse “Aprender maisâ€, “Sobre a vida, os escritores, conhecer históriasâ€. Destacamos após essa fala, que além do que já havia sido dito pelo/a participante A15, os contos e os outros textos literários proporcionariam um determinado prazer que a leitura literária causa aos leitores e que poderiam se tornar mais crÃticos, humanizados e capazes de realizar interpretações e ir além do que está 105 no texto. Pedimos que listassem os contos lidos até aquele momento com seus/as respectivos/as autores/as para que compreendessem que é importante saber o tÃtulo e o/a autor/a de uma obra. Logo após, dividimos os/as participantes em 3 grupos para explorar os tÃtulos de cada conto que seria trabalhado com 5 perguntas. O propósito dessa atividade era despertar a curiosidade dos/as participantes pela obra que seria lida e para que pudessem fazer inferências a partir do tÃtulo. Estipulamos 15 minutos para responderem e, além disso, cada grupo deveria apresentar aos/à s demais o que foi escrito e/ou discutido no grupo sendo elas respondidas conforme nas Figuras abaixo: FIGURA 13 – Atividade sobre os tÃtulos das obras: “A caolha†Fonte: Acervo pessoal. Vimos que o grupo infere que no conto será narrada uma história de uma pessoa depressiva e triste e que acontece na história. O grupo também representa uma pessoa caolha como alguém que pode ser vÃtima de preconceito, propensa ao isolamento e depressiva. 106 FIGURA 14 – Atividade sobre os tÃtulos das obras: “A terceira margem do rio†Fonte: Acervo pessoal. No primeiro momento, o grupo ficou perdido quanto ao tÃtulo em questão. Vieram nos perguntar o que seria a terceira margem. Respondemos com a pergunta: Quantas margens tem o rio? Os /as participantes desse grupo responderam que duas, então pedimos que pensassem e discutissem o que viria a ser essa terceira margem na história. O grupo infere que no conto será narrada uma história fictÃcia de alguém que vai imaginar que existe uma terceira margem e defende que não existe terceira margem. 107 FIGURA 15 – Atividade sobre os tÃtulos das obras: “ClÃnica de Repouso†Fonte: Acervo pessoal. Esse grupo infere, a partir do tÃtulo, que no conto será narrada uma história baseada em fatos reais, que acontece no dia a dia, em uma clÃnica de reabilitação para curar vÃcios e depressão, frequentada por pessoas que sozinhas não conseguirão vencer suas dificuldades. Para Cosson (2012), a escola deve formar o leitor literário. Para isso, é necessário ir além da superfÃcie do texto. As inferências são formas de ir além dessa superficialidade. Verificamos que todos os grupos de alguma forma conseguiram se aproximar das ideias das narrativas dos contos que serão lidos, apenas pelos tÃtulos e perguntas em busca da construção de sentidos. Ao final das apresentações de cada grupo, solicitamos que todos/as batessem palmas pelo trabalho feito. Pedimos que, mesmo que não fossem falar, todos/as fossem à frente para dar apoio a quem iria representá-los/as. Em seguida, pedimos que identificassem os/as autores/as dos tÃtulos de cada grupo dizendo qual tÃtulo do conto pertencia a qual escritor/a. Depois, os/as participantes fixaram esses tÃtulos dos contos as fotos dos/as autores/as. Ao final, dissemos a eles/as que depois leriam os contos e analisariam se as inferências que fizeram correspondiam ao que é narrado em cada conto. Dessa forma, finalizamos a atividade com os/as participantes motivados/as e curiosos/as para o próximo passo. Acreditamos que esse tipo de atividade tenha despertado o interesse dos/as participantes não só pelos/as escritores/as como também pelos contos. Cosson (2012, p. 61) ressalta que a função da introdução é “apenas permitir que o aluno receba a obra de maneira positiva.†108 Acreditamos que o desenvolvimento da introdução tenha ajudado aos/as participantes a perceberem o quanto é importante saber um pouco sobre quem escreve a obra e sobre as caracterÃsticas do gênero conto. 3.1.4 Bloco 4 - Leitura e interpretação Para o desenvolvimento desse Bloco foram destinadas 31 aulas distribuÃdas em 9 fases. O Bloco está em consonância com a sequência básica de Cosson (2012) por se tratar de leituras curtas que ocorreram na escola conforme orienta o autor e damos ênfase à experiência da leitura e à interpretação como “ato de construção de sentido em uma determinada comunidadeâ€. (COSSON, 2012, p. 65). O autor afirma que a introdução envolve práticas e postulados numerosos que devem ser feitos compartilhando os sentidos, ampliando-os, socializando-os e é também o momento dos registros que podem ser feitos de diversos modos. Para o autor, os registros da interpretação dependem “da turma, dos textos escolhidos e dos objetivos do professorâ€. (COSSON, 2012, p. 69). Este bloco também está em consonância com os pressupostos da ADC e focaliza a representação que Fairclough (2003) associa a discursos, no caso dessa proposta, presentes nos contos e a representação discursiva que os/as participantes fazem de si mesmos/as levando-se em conta o que leram e as suas culturas, as vivências e as crenças. Fairclough (2003) também afirma que a identificação compõe as práticas sociais e está relacionada a identidades. Nessa proposta, tentamos compreender como os/as participantes identificam a si mesmos e como identificam os /as outras no texto e fora dele. Logo, os objetivos desse bloco são: ler, coletivamente, contos de diferentes contistas da literatura brasileira aproximando-os/as ao texto literário; analisar e discutir as representações discursivas e identificações dos personagens nos contos; investigar como os alunos se representam e se identificam e representam o mundo; relacionar as representações e identificações dos personagens nos contos com as representações e identificações de si construÃdas pelos discentes, articulando culturas, o lido e o vivido; valorizar as obras literárias. Para o desenvolvimento da primeira fase, prevÃamos 3 aulas de 50 minutos. O texto lido foi “A caolha†de Júlia Lopes de Almeida (ANEXO F). Inicialmente, levamos a turma para a sala de vÃdeos, disponibilizamos as cadeiras em cÃrculos e entregamos cópias desses contos a cada participante. Previamente, destacamos 2 ou mais parágrafos do conto. Assim, quando o/a participante recebia a cópia, havia 2 ou 3 parágrafos destacados para que lesse na sequência da 109 leitura oral do/a colega. Assim, explicamos para a turma. Como tratava-se de um conto com longas narrações e pouquÃssimas falas dos personagens, adotamos essa estratégia e não a outra como foi feita no conto “Tchauâ€. Os/As participantes começaram a ler os contos oralmente e individualmente conforme estava destacado e providenciamos que novamente fosse gravado um áudio dessa leitura por meio do aplicativo “Gravador de voz fácil†do celular. Essa estratégia foi feita dessa forma porque pediram anteriormente que fizéssemos a mesma estratégia de leitura do conto “Tchauâ€. A figura 16, a seguir, ilustra esse momento: FIGURA 16 – Leitura compartilhada do conto “A caolha†Fonte: Acervo pessoal. Observamos que muitos/as começaram a se perder na leitura, pois ficavam prestando atenção na leitura do/a colega sem acompanhar o seu próprio texto. Além disso, logo o sinal de encerramento do horário foi dado e não deu tempo de finalizar o conto. Dessa forma, a estratégia de leitura adotada para o trabalho com o conto “Tchauâ€, que anteriormente havia dado certo, dessa vez, não deu. Avaliamos que não deu certo também porque dessa vez, a leitura não foi feita por personagens e sim por parágrafos, além disso, embora tivéssemos explicado que cabia a cada um ler em voz alta o trecho que estava destacado, alguns/mas não entenderam ou ficaram nervosos/as. Reconhecemos também que a imposição da tarefa, pode ter repercutido negativamente a alguns/as deles/as, pois para a leitura do conto “Tchau†quem quis ler individualmente se ofereceu, agora , no tocante ao conto “A caolhaâ€, todos/as deveriam ler 2 ou 3 parágrafos destacados. Para o ensino pautado no Letramento CrÃtico, o professor deve exercitar a escuta e ouvir os /as estudantes, estar disposto a mudar o planejamento conforme as demandas que podem surgir. Freire (1997) ressalta que devemos, além de falar ao aluno, falar com o aluno, considerando o sentimento dele em sala de aula, para que dessa forma possa haver uma troca de conhecimentos. A partir dessa constatação, na aula seguinte, antes de dar continuidade de leitura do conto “A caolhaâ€, conversamos com os/as participantes sobre o que acharam daquela estratégia 110 de leitura e se concordavam em mudar. Disseram que acharam difÃcil ler daquela forma e que ficaram perdidos. Então propomos que voltassem à leitura inicial do conto e que irÃamos exibir um vÃdeo disponÃvel no You tube, https://www.youtube.com/watch?v=A3yFqsii84k, e que acompanhassem a leitura do conto silenciosamente a narração da história. Estratégia mais acertada, pois prestaram atenção no texto, além disso, estava de acordo com a proposta. Depois, para a fase de interpretação e análise do conto, apresentamos-lhes várias questões nos slides, levando em conta os objetivos desta fase da sequência básica, o propósito de articulação do lido e do vivido, de análise das representações discursivas e identificações dos personagens e de relacioná-las a como os/as alunos/as se representam e se identificam, tendo em vista as especificidades do gênero, os pressupostos da ADC e os objetivos desta parte da sequência básica. Dessa maneira, para a questão “Na sua opinião, por que o narrador descreve detalhadamente os aspectos fÃsicos da Caolha? Como ela é representada e identificada por meio dessa descrição?†O objetivo era mostrar como a caolha é representada e identificada na história. Para que pudessem perceber os detalhes, retomamos a leitura oral feita por um/a dos participantes do 1º, 2º e 3º parágrafos. Em seguida, solicitamos que sublinhassem as caracterÃsticas que estavam postas no conto: “A caolha era uma mulher magra, alta, macilenta, peito fundo, busto arqueado, braços compridos, delgados, largos nos cotovelos, grossos nos pulsos; mãos grandes, ossudas, estragadas pelo reumatismo e pelo trabalho; unhas grossas, chatas e cinzentas, cabelo crespo, de uma cor indecisa entre o branco sujo e o louro grisalho, desse cabelo cujo contato parece dever ser áspero e espinhento; boca descaÃda, numa expressão de desprezo, pescoço longo, engelhado, como o pescoço dos urubus; dentes falhos e cariados. O seu aspecto infundia terror à s crianças e repulsão aos adultos; não tanto pela sua altura e extraordinária magreza, mas porque a desgraçada tinha um defeito horrÃvel: haviam lhe extraÃdo o olho esquerdo; a pálpebra descera mirrada, deixando, contudo, junto ao lacrimal, uma fÃstula continuamente porejante. Era essa pinta amarela sobre o fundo denegrido da olheira, era essa destilação incessante de pus que a tornava repulsiva aos olhos de toda gente.†(ALMEIDA, 1903, p. 93) Explicamos que o conto “A caolha†foi um conto escrito durante o Realismo, movimento que propunha descrever os textos para evitar excesso de subjetividades em oposição ao Romantismo, ou seja, aquela descrição procurava ser o mais fiel possÃvel ao desejado pelo autor. Em seguida, solicitamos que respondessem a segunda questão oralmente. Seguem alguns trechos do excerto: 111 (35) A8: dá uma impressão que ela é muito pobre... A12: muito feia... A9: ela não se achava que era uma coitada... ela não sentia vergonha dela ser daquele jeito... (Trecho da gravação do dia 30 de abril de 2019). Os recursos verbais usados no conto e sublinhados pelos/as participantes nos três primeiros parágrafos do conto, construÃram, para os/as estudantes, a representação da Caolha como “pobre e feiaâ€. Essas caracterÃsticas usadas não fogem à s representações que dadas à s pessoas que fugiam ao padrão estabelecido, como a deficiência, daquela época e que ainda permanecem nos dias de hoje, na maioria das vezes estigmatizadas e isoladas da sociedade. O entendimento do/a participante A9 “Ela não se achava que era uma coitadaâ€, nos leva a outro tipo de ver a autorrepresentação, ao deduzir que a própria personagem não se achava uma coitada. Essa interpretação feita pelo/a aluno/a não está explÃcito no conto. Por esse excerto, é possÃvel dizer que os/as participantes compreenderam que a Caolha, embora fosse uma mulher dita no texto como “aspecto repugnanteâ€, ainda assim, ao/à participante A9 a considerava como uma mulher forte e determinada. Essa interpretação é importante, pois evidencia que de alguma forma sentiu-se representado/a e houve uma identificação com a personagem mãe Caolha, ao contrário dos textos anteriores “A cartomante†e “Tchauâ€, em que os/as participantes revelaram não gostar das protagonistas, ainda que fossem descritas como bonitas, tiveram condenadas as suas atitudes. Para responder a questão “A partir dessa descrição, como as pessoas e o filho são representados e identificados?†Novamente pedimos que lessem os trechos que mostravam essa representação e sublinhassem: Quando em criança entrou para a escola pública da freguesia, começaram logo os colegas, que o viam ir e vir com a mãe, a chamá-lo – o filho da caolha. Aquilo exasperava-o; respondia sempre: – Eu tenho nome! Os outros riam e chacoteavam-no; ele se queixava aos mestres, os mestres ralhavam com os discÃpulos, chegavam mesmo a castigá-los – mas a alcunha pegou. Já não era só na escola que o chamavam assim. Na rua, muitas vezes, ele ouvia de uma ou outra janela dizerem: o filho da caolha! Lá vai o filho da caolha! Lá vem o filho da caolha! Eram as irmãs dos colegas, meninas novas, inocentes e que, industriadas pelos irmãos, feriam o coração do pobre Antonico cada vez que o viam passar! As quitandeiras, onde iam comprar as goiabas ou as bananas para o lanche, aprenderam depressa a denominá-lo como os outros, e, muitas vezes, afastando os pequenos que se aglomeravam ao redor delas, diziam, estendendo uma mancheia de araçás, com piedade e simpatia: – TaÃ, isso é para o filho da caolha! 112 O Antonico preferia não receber o presente a ouvi-lo acompanhar de tais palavras; tanto mais que os outros, com inveja, rompiam a gritar, cantando em coro, num estribilho já combinado: – Filho da caolha, filho da caolha! [...] Aos onze anos o Antonico pediu para sair da escola: levava a brigar com os condiscÃpulos, que o intrigavam e malqueriam. Pediu para entrar para uma oficina de marceneiro. Mas na oficina de marceneiro aprenderam depressa a chamá-lo – o filho da caolha, a humilhá-lo, como no colégio. Além de tudo, o serviço era pesado e ele começou a ter vertigens e desmaios. Arranjou então um lugar de caixeiro de venda: os seus colegas agruparam-se à porta, insultando-o, e o vendeiro achou prudente mandar o caixeiro embora, tanto que a rapaziada ia-lhe dando cabo do feijão e do arroz expostos à porta nos sacos abertos! Era uma contÃnua saraivada de cereais sobre o pobre Antonico! [...] Depois disso passou um tempo em casa, ocioso, magro, amarelo, deitado pelos cantos, dormindo à s moscas, sempre zangado e sempre bocejante! (ALMEIDA, 1903, p. 95 e 96). Para realizar essa tarefa, solicitamos que sublinhassem as identificações e representações referentes à s pessoas na cor preta e as identificações e representações referentes ao Antonico na cor vermelha na cópia do conto “A caolhaâ€. Tarefa demorada e que consideramos que não foi fácil. Pedimos para que um/a participante fosse lendo os trechos aos poucos, para juntos/as identificarmos o que deveria ser sublinhado na cor vermelha e o que deveria ser sublinhado na cor preta e por quê. Percebemos que os/as participantes que evidenciam maior dificuldade na leitura e na escrita solicitaram ajuda aos/à s colegas que tiveram mais facilidade. Na sequência, discutimos sobre o comportamento dos personagens do texto que chamam o Antonico como “O filho da Caolhaâ€. São personagens homens, mulheres e crianças e com diversas profissões que no conto apelidam e maltratam o personagem Antonico e, isso afetou a vida pessoal e social e até mesmo a saúde do personagem. A representação de diversos personagens que apelidam o Antonico é um recorte da sociedade daquele tempo que não se coloca no lugar do outro e nem percebem o sofrimento que tais atitudes podem causar, como na história, tornando-o fragilizado. Para a questão “Você considera que seu comportamento também foi mudando, à medida que foi crescendo?†Todos/as afirmaram que sim e justificaram que: (36) A12: porque ele foi vendo que as coisas não eram como os outros falavam... A9: porque ele foi sentindo vergonha dela... A12: ficou envergonhado... A15: na verdade porque de tanto ele receber nomes e ver ela ser xingada ele começou a tomar vergonha da mãe... (Trecho da gravação do dia 30 de abril de 2019). 113 A representação do filho que foi crescendo e percebendo o que a mãe representava para a sociedade influenciou-o para que se envergonhasse da mãe. Pela perspectiva da ADC, a linguagem atua sobre os indivÃduos na sociedade e influencia no comportamento dos indivÃduos historicamente, em uma relação dialética e cÃclica tal qual podemos notar no conto. Esses excertos, que são interpretações feitas diante dos fatos sucedidos no conto, evidenciam que, numa prática de letramento o/a estudante é capaz de fazer inferências que condizem com o texto e com o que conhece historicamente ou socialmente. Outra questão que refletiram e se manifestaram foi sobre como ser o filho da Caolha afetou a vida do Antonico. Percebemos que se basearam inicialmente no texto, como na fala de A16, para externar o que ele sentia seguido de que ela andava chateado e que se afastou de todo mundo. (37) A16: teve uma hora que ele disse que tinha nome... né? A15: andava muito chateado... A15: ele se afastou de todo mundo... A13: é... ele não gostava... A20: tipo um coitado... (Trecho da gravação do dia 30 de abril de 2019). Para eles/as, a identidade do personagem Antonico foi afetada porque vivenciou o Bullying ao ser tratado não pelo nome, mas como o “filho da caolha†de tal forma que ficou como um “coitado†e “se afastou de todo mundoâ€. Levantamos também a seguinte questão: O apelido adquirido pelos lugares onde o Antonico passava o levou a não frequentar mais a escola. O Bullying é um problema antigo e atual. De que forma vocês enfrentariam esse problema? Já passaram por algo semelhante ou presenciaram? Ao abordarmos sobre o Bullying, a fim de aproximarem-se mais de um problema social atual, perguntamos como reagiriam caso estivessem no lugar do Antonico vivendo a mesma situação: (38) A15: seria resolvido na porrada... o povo das antigas resolvia isso é na porrada... oxi... eu dava uma porrada... professora eu tenho um apelido de Magrão Holiday dos meus 10 ou 11 anos... até eu acostumar com esse apelido eu briguei... o menino que colocou esse apelido em mim eu briguei com ele umas quase cem vezes... até que um dia eu desisti... então... até que eu desisti e tive que aceitar... A20: ahhh... eu brigaria... né? com certeza... A16: eu não brigaria... 114 A12: eu procuraria sempre defender a minha mãe... mesmo por ela ser defeituosa com esses problemas que ela deu... mas eu procuraria sempre defendê-la... brigaria também... A5: também brigaria... A8: defenderia... A13: eu iria encher de tapa... P: alguém já passou por algo semelhante ou presenciou? de Bullying... é isso? ele já relatou né... que sofreu Bullying devido à altura etc. e tal... A9: eu também... Maria Palito... OlÃvia Palito... eu tinha uma pinta no nariz que era bem no meio e era a bruxa... então assim... eu já sofri muito... A12: inclusive um colega meu que estava me xingando levou até uma advertência... me xingava de gari de jipe... de dinossauro e eu não gostava... e eu cheguei pro meu chefe e contei a história pra ele... aà ele chamou nós dois e conversamos e aà depois ele continuou chamando... aà meu chefe pegou e deu uma advertência nele... foi no ambiente de trabalho... P: mais alguém já vivenciou ou viu? A1? A1: eu não... se isso acontecer eu vou pra cima... eu mato... A16: tem um punhado de surdo aqui... vai ver sofreu e nem escutou... (Trecho da gravação do dia 30 de abril de 2019). Os relatos dos/as participantes A15, A9 e A12 mostraram que houve uma aproximação da história lida à uma situação vivida: o personagem Antonico sofreu Bullying dentro e fora da escola e esses/as participantes também relataram apelidos que os/as incomodavam. A12 relatou um caso vivido no ambiente de trabalho e, que embora tenha sido um incômodo, foi resolvido com a participação do chefe de trabalho. Entretanto, no ambiente escolar, muitas vezes o problema nem chega até um adulto, quer seja na escola ou em casa e, como na história, pode levar à evasão escolar do/a agredido/a. Ao serem colocados numa situação hipotética, no lugar do personagem Antonico, foram unânimes em dizer que resolveriam o problema do Bullying com algum tipo de violência. O Bullying, a partir de 2018 passou a ser um tema previsto em lei para ser trabalhado nas escolas, a Lei antibullying 13.663/18. Trata-se de um problema antigo e atual longe de ser resolvido e retratado na literatura, como no caso desse conto. No ambiente escolar, o Bullying ocorre em diversas situações e modalidades de ensino, não sendo diferente na EJA. A leitura desse conto e a interpretação, levantando essa temática foi um momento importante, pois ao frequentarem a escola os/as participantes podem tanto sofrer como cometer o Bullying, além disso, boa parte deles/as são pais ou mães e até mesmo avós (4 deles/as) e podem ajudar os familiares a resolver esse entrave. Apesar dos/as participantes dizerem resolver o problema de forma violenta, mostramos eles/as que existem hoje em dia maneiras de combater o Bullying, sendo uma delas por meio do diálogo e, em casos extremos, denúncia, cujas punições já são previstas no Código Penal. 115 Abordamos, em seguida, sobre o tema deficiência, pois ele se encontra em todo o conto e é a razão pela qual a protagonista teve que enfrentar diversos preconceitos, até mesmo de seu filho Antonico. Após conversarmos com os/as participantes como o tema pode ser encontrado no conto, perguntamos se os/as participantes conheciam histórias semelhantes. Então surgiram os seguintes relatos, conforme segue no excerto abaixo: (39) A15: esse que eu conheço é caolho... rasgou assim de fora a fora... e se vocês verem ele trabalhando... vocês ficam de cara... ele faz tudo... ele usa uma prótese... só que ele antes de ter a prótese... ele era muito discriminado... pra senhora ver... a senhora anda por aquele Parkshopping?... tem uns três... quatro anos que ele trabalhava lá... mas antes ele ficava com o buracão no olho... um oco... Aà o que acontece... deram um óculos escuro pra tampar... isso... pra tampar... como eu tinha muita amizade com ele... ele tirava o óculos na minha frente e aà juntaram os amigos e pagaram um olho de vidro... na verdade... professora... esse cara foi na mesma situação... atiraram uma pedra no olho... hoje graças a Deus ele trabalha na empresa de segurança lá no hospital de Brazlândia... e foi uma pedrada que deram nele... (Trecho da gravação do dia 30 de abril de 2019). O relato do/a participante A15 junto à história do conto foi fundamental para perceberem que o tema da palestra, deficiência, seria importante, pois além da existência daqueles/as que nascem com alguma deficiência, qualquer pessoa ao longo da vida pode se tornar também, em caso de doença ou acidente como o caso da caolha. Depois, para que exercitassem a escrita e a pesquisa, e continuarmos com a categoria de análise, o vocabulário, solicitamos que se dividissem em grupos com três integrantes, que relessem o conto “A caolha†e procurassem os trechos que tratassem sobre: abandono, qualificação para o trabalho, o papel da mulher na sociedade, caridade, solidariedade, conflitos familiares e depressão. Cada grupo ficou com um tema. Após realizarem a tarefa, leram as respostas para toda a turma: 116 FIGURA 17 – Respostas da atividade contendo os trechos dos temas Fonte: Acervo pessoal. A fim de que a leitura seja facilitada, transcrevemos abaixo os textos da Figura 17: Solidariedade: “As quitandeiras, onde iam comprar as goiabas ou as bananas para o lanche, aprenderam depressa a denominá-lo como os outros, e, muitas vezes, afastando os pequenos que se aglomeravam ao redor delas, diziam, estendendo uma mancheia de araçás, com piedade e simpatia: – TaÃ, isso é para o filho da caolha!†Conflitos familiares: “Depois começou a desconfiar de outra causa; por fim recebeu uma carta em que a bela moreninha confessava consentir em ser sua mulher, se ele se separasse completamente da mãe! Vinham explicações confusas, mal alinhavadas.†Abandono: “Aos onze anos o Antonico pediu para sair da escola†Caridade: “A infeliz mulher contou ao mestre toda a história do filho e suplicou-lhe que não deixasse os aprendizes humilhá-lo; que os fizesse terem caridade!†O papel da mulher na sociedade: “Morava numa casa pequena, paga pelo filho único, operário numa fábrica de alfaiate; ela lavava a roupa para os hospitais e dava conta de todo o serviço da casa inclusive cozinha.†Depressão: “Quando em criança entrou para a escola pública da freguesia, começaram logo os colegas, que o viam ir e vir com a mãe, a chamá-lo – o filho da caolha. Aquilo exasperava-o; respondia sempre: – Eu tenho nome!†Qualificação para o trabalho: “Pediu para entrar numa oficina de marceneiro. Aos dezesseis anos, vendo-o mais forte, pediu e obteve-lhe, a caolha, um lugar numa oficina de alfaiate.†117 Com o intuito de realizar essa atividade, os/as participantes demoraram bastante e solicitaram a nossa mediação para explicar como a tarefa deveria ser feita e, antes de apresentarem os trechos par a turma, inseguros/as, pediram que lêssemos as respostas. Apesar da insegurança, todos os grupos conseguiram identificar os trechos conforme a tarefa exigia. O conto possuÃa todos os temas evidenciados na questão. A cada leitura do tema e da resposta, conversamos sobre como os temas podem ocorrer na sociedade, procurando relacioná-los ao que vivem. Para que os/as participantes evidenciassem como representam e avaliam a sociedade perguntamos se casos como a Caolha podem ocorrer atualmente. Puderam escrever no papel e em grupos como podemos observar na Figura 18: FIGURA 18 – Avaliação da sociedade atual Fonte: Acervo pessoal. Transcrevemos a resposta, pois a imagem aparece muito escura: “Sim, é possÃvel, pois vivemos em uma sociedade que ainda é muito preconceituosa e julga muito o próximo pela aparência.†Por esse trecho, os/as participantes avaliam que os preconceitos vividos pelos personagens do conto e o preconceito vivido por pessoas com casos semelhantes na sociedade são parecidos porque “julgam o próximo pela aparênciaâ€. Refletimos e chegamos à conclusão que para que esse ciclo seja rompido, é necessário evitarmos apelidos e brincadeiras sobre a aparência das pessoas. Partindo dessas reflexões, acreditamos que os temas tratados a partir da leitura do conto, transcendem o espaço escolar por meio das discussões e busca refletir sobre como se dão as interações sociais e se essas interações são viáveis. Embora várias partes da proposta tenham sido feitas até aquele momento oralmente, percebemos que eles/as preferem as tarefas escritas. Geralmente demoram mais e escrevem tentando inserir as pontuações e obedecer à s regras gramaticais que eles/as aprenderam. Notamos que houve avanços significativos, pois no inÃcio da proposta dificilmente os/as participantes se manifestavam concordando e muito menos discordando. E, com o 118 desenvolvimento, estão também tornando-se mais participativos. Essa mudança, além de cumprir com os objetivos almejados, também confirma o que defende Cosson (2012, p. 27) sobre a leitura ser uma atividade sistemática que deve ocorrer na escola e que, a interpretação é solidária, uma prática social em que o sentido do texto só se completa quando “se faz passagem de sentidos entre um e outro†e que “a leitura é um concerto de muitas vozes e nunca um monólogoâ€. Assim, o desejo de dizer sobre o texto, vem ocorrendo aos poucos com o uso da triangulação das teorias e metodológicas empregadas. Solicitamos que, ainda sobre a personagem a caolha, observassem a imagem que estava na cópia dos contos lidos, como linguagem não verbal e que corrobora na construção desses sentidos sobre a personagem. Colocamos também a imagem no slide para que visualizassem em tamanho maior. Conforme pode ser vista na Figura 19: FIGURA 19 – Imagem do conto “A caolha†Fonte: DisponÃvel no http://verbumlittera.blogspot.com/2012/11/conto-caolha-de-julia-lopes-de-almeida.html Depois, pedimos que respondessem por escrito, em grupos de 3 integrantes, algumas questões sobre a imagem disponibilizada nas cópias dos contos. Essa atividade interpretativa é importante, pois além de dirigir as atenções dos/as participantes para a existência da imagem como uma linguagem não verbal que completa a leitura do texto verbal, também possibilita que passem a ter o hábito de ler as imagens que cada vez mais fazem parte do cotidiano da sociedade. Essas atividades foram feitas em trios e depois socializadas para todos/as. 119 FIGURA 20 – “A caolha†está de acordo com a descrição dada a ela no corpo do texto? Justifique. Fonte: Acervo pessoal. Transcrevemos abaixo os textos da Figura 20, para facilitar a leitura: “Não. Porque no texto ela era uma mulher muito sofrida pelas pessoas só por causa dos seus defeitos.†“Não, a caolha está parecendo uma senhora magra de aparência não muito agradável por idade e por falta de cuidados talvez por isso e por ser magra e fuma cigarros por julgarem aparência.†“Não porque ela não aparenta todo esse sofrimento mas é firme em toda essa descrição dada a sua pessoa ela não se ilimita por amor a seu filho.†“Não porque o autor descreve uma mulher magra demais. Peito fundo, busto arqueado e na imagem que a gente vê não está tão assim.†“Não porque lá no texto fala que o seu olho lacrimeja e na imagem não está mostrando isso.†“Não pois no texto o autor descreve uma mulher magra demais. Peito fundo, busto arqueado e na imagem que a gente vê, ela não é tá tão assim magra.†Os/As participantes acharam que a imagem da Caolha não estava de acordo com a descrição dela no corpo do texto, conforme pode ser visto em alguns excertos que compõem a transcrição dos trechos. Pelas respostas dadas, fica evidente que esperavam uma mulher com outras caracterÃsticas que a imagem que estava disponÃvel no conto. Essa discordância é vista como positiva, uma vez que uma das questões de pesquisa envolvia a capacidade dos/as estudantes EJA analisar, discutir e investigar as representações discursivas e identificações dos personagens. Assim, nessa imagem não conseguiram estabelecer uma identificação entre o lido na imagem com o que estava no texto. Na perspectiva do Letramento CrÃtico e dos Multiletramentos os/as participantes são incentivados a pensar criticamente e, perceber a linguagem como forma de socialização de saberes e de instrumento de luta e oposição a valores 120 historicamente construÃdos. Logo, os trechos transcritos das atividades revelam que os/as participantes passaram a defender a personagem até mesmo pela sua aparência “Uma mulher magra mas não tanto como no texto e nem é tão estranha como o autor descreve ela.â€; “Não porque o autor descreve uma mulher magra demais. Peito fundo, busto arqueado e na imagem que a gente vê não está tão assim.â€; “Não porque lá no texto fala que o seu olho lacrimeja e na imagem não está mostrando isso.†Isso revela que durante a leitura, somos facilmente levados a gostar ou não de um personagem muito mais pelo seu comportamento do que pelos aspectos fÃsicos. Para Rouxel, Rezende e Langlade (2013, p. 27) “Se a identificação constrói e alimenta a interioridade do leitor, a consciência que este tem varia segundo uma escala dupla que interfere na intensidade e no momento em que a identificação ocorre.†FIGURA 21 – “Como você lê a imagem?†Fonte: Acervo pessoal. Transcrevemos abaixo as respostas da Figura 21, para facilitar a leitura: “Uma mulher de uns 60 ou 65 anos caolha magra de pernas longas e aparência triste.†“Uma mulher com suas peles enrugadas mas não parece que ela sofria.†“Uma mulher magra mas não tanto como no texto e nem é tão estranha como o autor descreve ela.†“Vejo a imagem como a demonstração da face de uma mulher forte, trabalhadeira, mas que sofreu muito na vida.†“Cabelos pouco escuros, um olho todo branco, pouco magra, um pouco triste.†“Uma senhora maltratada.†“Como uma mulher bastante sofrida, tudo por amor incondicional ao seu filho ela não revelou a verdade que a deixou caolha.†121 “De uma mulher sofrida pela sua deficiência.†“Uma mulher sofrida e trabalhadeira.†Os/As participantes podem ter se identificado com a protagonista do conto “A caolha†por ser uma mulher que vivia em função do filho, educava-o e tentava resolver os problemas dele que iam surgindo, mas ainda assim era incapaz de impedir que ele fosse tratado pelos outros como “o filho da caolhaâ€. Essa luta e o preconceito à qual tanto a personagem mãe quanto o filho sofrem é semelhante aos preconceitos vividos pelos/as estudantes da EJA. Segundo Camila CecÃlio, da revista Nova Escola, um dos vencedores do Prêmio Educador Nota 10 de 2018, o professor Mauro da EJA disse que “muitos dos estudantes foram, em algum momento da vida, excluÃdos do processo de ensino, fosse por trabalho, casamento, filhos ou outras responsabilidades.†Consideramos que esse seja o perfil dos/as participantes dessa proposta. Por isso, sentem-se representados diante da personagem “A caolhaâ€. FIGURA 22 – “O que mais lhe chama a atenção nessa imagem? Por quê?†Fonte: Acervo Pessoal. Transcrevemos abaixo as respostas da Figura 22, para facilitar a leitura: “O olho. Porque os olhos é branco.†“O olhar da mulher não pelo fato dela ser caolha, mas pelo sofrimento transmitido no seu olhar.†“A aparência triste, porque está triste por situações da vida “provavelmenteâ€, pela situação com seu filho.†“O olho. Porque o olho não tem as caracterÃsticas que tem no texto.†“Seu jeito tristonho! Porque ela parece não ter nenhuma expectativa de vida pensando só nos defeitos apontados nela.†122 “Uma mulher nova, mas por ser muito sofrida e envelhecido por trabalhar e seu olho.†“O olho de não estar como no texto cita e ela não parece tão perdido o olho e sim a visão.†“Que é uma mulher sem cuidados e abatida.†“O que me chama a atenção é por ser uma mulher muito guerreira porque ela trabalha muito para sustentar o filho.†Pelos trechos, notamos que a referência aos olhos foi bastante citada, associando-os à tristeza e sofrimento da Caolha. Tal referência está associada à leitura que fizeram do conto, interagindo, as ideias do texto e a imagem para essa atividade. Inclusive quando afirmam que “O olho. Porque o olho não tem as caracterÃsticas que tem no texto†e “O olho de não estar como no texto cita e ela não parece tão perdido o olho e sim a visão.†Estão argumentando tendo o texto como parâmetro, ou seja, ambos contribuem para a construção crÃtica discursiva dos/as participantes. Com o propósito de perceberem que o lido relaciona-se com o vivido e para que conseguissem ampliar os conhecimentos sobre os problemas verificados no conto e quais os aspectos que se assemelham e se diferenciam na sociedade atual tendo o dizer de outra pessoa da comunidade local, orientamos que os/as participantes da proposta a realizassem uma pesquisa na comunidade ou cidades-satélites vizinhas sobre as Ongs, escolas e demais instituições que dão assistência à pessoa com deficiência, pois esse assunto foi também discutido durante a interpretação e a análise do conto “A caolhaâ€. Conversamos sobre o que encontraram e se já tinham visitado alguma das instituições pesquisadas. 2 participantes disseram que moravam próximos à escola especial da cidade satélite, mas que nunca entraram para conhecê-la. Posteriormente, convidamos uma professora de escola de Centro de Ensino Especial da comunidade local e também mãe de um jovem autista para dar palestra sobre as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiências e relatos sobre ser mãe de pessoa com deficiência. Com antecedência, solicitamos, em documento por escrito, autorização, à convidada para filmar esse momento para uso de algum trecho na produção dos curtas-metragens. Destinamos para a palestra 2 aulas de 50 minutos. Antes de dar inÃcio, conversamos com aos/as participantes sobre a melhor maneira de realizar as perguntas à palestrante. Foi acordado que: era necessário levantar-se para ser visto/a por todos/as e principalmente pela palestrante; a entonação de voz deveria ser a mais alta possÃvel; deveriam dizer o nome antes de realizar as perguntas. Além disso, demos-lhes, outras orientações que foram importantes para o um bom encontro com a convidada, tais como: não conversar com os/as colegas durante as falas da 123 palestrante e as perguntas dos/as colegas, manter o celular guardado e silencioso, não sair da sala, salvo se realmente necessário. FIGURA 23 – Palestra realizada com a mãe/professora de pessoa com deficiência Fonte: Acervo pessoal. Os/As participantes receberam os papéis contendo as perguntas e antes de darmos inÃcio mostraram uns/as aos/à s outros/as quais as perguntas que iriam fazer, inclusive alguns/mas trocaram entre eles/as esses papéis. Foram realizadas 16 perguntas para a palestrante: 1. Como foi o nascimento do Samuel? 2. O que passou pela sua cabeça depois da descoberta da SÃndrome de seu filho? 3. Você teve que lidar com preconceitos relacionados ao Samuel? Quais eram ou são mais comuns? 4. Como é a rotina do Samuel? 5. O que o Samuel te ensinou até aqui? 6. Você optou em trabalhar numa escola com pessoas com deficiência. Você teria escolhido essa opção caso o seu filho fosse “normalâ€? 7. Quais são os maiores desafios dos alunos que estudam no CEE1 de Samambaia dentro e fora da escola? 8. O que o aluno aprende no CEE? 9. Boa parte do público do CEE é pessoa com qual deficiência? 10. Como são as famÃlias dos alunos que estudam no CEE? 11. As mães dos alunos especiais são mais frágeis ou mais fortes no dia a dia? 12. Quais são os maiores medos das mães dos alunos com deficiência? 13. O que você acha sobre a inclusão nas escolas? Ela funciona, na sua opinião? 14. A caolha era uma mulher desamparada naquele tempo pelo estado. Hoje em dia tem várias leis que protegem e tornam a vida da pessoa com deficiência mais fácil. Dentre essas leis, quais, você acha que são imprescindÃveis? 124 15. As vezes a pessoa não nasce com a deficiência, mas torna-se deficiente ao longo da vida...No centro de ensino especial isso acontece? A maioria ocorre por quais motivos? 16. Até que idade uma pessoa com deficiência pode frequentar a escola? E depois o que acontece? Durante o evento, todos/as procuraram atender à s orientações iniciais: levantaram-se no seu turno de pergunta, deram boa noite à palestrante, diziam o nome e liam em voz alta a pergunta. A palestrante fazia questão de repetir o nome do/a participante e interagir com ele/a naquele/a momento ou com os/as demais, conforme segue o excerto: (40) S15: gente... alguém aqui já ouviu falar do autismo? quem aqui já ouviu falar? já? alguém aqui conhece alguma pessoa com autismo ou tem um irmão? um primo? você conhece? é parente? A7: eu cuidei de um que tinha 4 anos... S: ahh!...você cuidou né... mais alguém? A9: eu conheço um vizinho...é filho da minha vizinha e meu sobrinho está com suspeita... S:é?... e qual a idade do seu sobrinho? A9: ele está com seis anos... (Trecho da gravação da palestra do dia 08 de maio de 2019). Ela contou várias histórias engraçadas do filho autista, situações que ela como mãe teve que passar, sobre diversas deficiências e a maneira como a sociedade se comporta diante da pessoa com deficiência. Ao final da palestra, solicitamos que os/as participantes avaliassem sobre o evento de letramento, conforme segue o excerto: (41) P: todas as perguntas foram respondidas? vocês gostaram gente? T: sim... P: gostaram desse bate-papo? T: sim... P: gostaram desse formato? T: sim... A20: demais da conta... A8: mas eu gostaria de fazer a minha pergunta... P: pois então faz que enquanto isso eu só vou ali dizer que vocês vão sair daqui uns minutinhos. A8: boa noite... meu nome é A8... eu gostaria de saber até que idade uma pessoa com deficiência pode frequentar a escola e depois o que acontece? S: ah! que pergunta boa. [...] A11: eu posso fazer uma visita lá... professora? S: pode ir pode... pode sim... gente... vocês muito bem-vindos. (Trecho da gravação da palestra do dia 08 de maio de 2019). 15Inicial do nome da palestrante. 125 Avaliamos que a melhor estratégia seria que destinássemos uma ou duas aulas para que os/as participantes elaborassem as perguntas que seriam feitas durante a palestra, tendo em vista um dos os objetivos que é possibilitar a eles/as o protagonismo. Entretanto, nos vimos impossibilitados de estender ainda mais o calendário de aplicação, mas ressaltamos que, posteriormente, durante a aplicação da proposta em outras turmas, essa aula deverá ser prevista no calendário para melhor atender os objetivos elencados na proposta. No outro dia, iniciamos a aula pedindo que avaliassem o momento da palestra e o que acharam de todas as perguntas, da participação deles/as e o assunto abordado que foi segundo os/as participantes “proveitosoâ€,†diferenteâ€, “engraçadoâ€, “eu não sabia nada sobre o que ela falou, eu aprendi muitoâ€, “eu achei bom porque agora eu posso até ajudar a minha irmã com o caso do meu sobrinhoâ€. Além disso, os/as participantes da pesquisa puderam perceber que assim como a Caolha, que era deficiente e mãe, tinha força para seguir em frente para criar o filho Antonico, na sociedade acontece o mesmo com as mães que têm filhos/as especiais e conseguem manter-se firmes para proteger e cuidar deles/as. Pudemos perceber que o lido, ou seja, o conto “A caolhaâ€, e o vivido, representado pelo depoimento dado pela palestrante por meio das perguntas realizadas e pelas experiências que os/as participantes relataram durante as aulas, puderam ser articulados e que os/as estudantes foram estimulados/as a assumir o protagonismo durante a realização das atividades propostas. Dando continuidade ao Bloco, iniciamos a segunda fase que tinha como previsão, 3 aulas de 50 minutos cada. Os/As participantes da pesquisa foram levados à sala de vÃdeo para a leitura do próximo conto “A terceira margem do rio†de Guimarães Rosa (ANEXO G). Depois de distribuÃdas as cópias a cada um/a dos/as participantes, ouvimos o áudio de leitura do conto disponÃvel na rádio poeta do You tube https://www.youtube.com/watch?v=iB0tIZJydFM (tempo de 18 min.06 seg.). Durante a leitura do conto, ouvindo o áudio, os/as participantes mostraram-se muito concentrados e bastante receptivos à leitura. Embora fosse longa, permaneceram atentos, conforme se pode ver nas fotos que compõem a Figura 24 a seguir: FIGURA 24 – Leitura do conto “A terceira margem do rio†Fonte: Acervo pessoal. 126 Depois, pedimos que assistissem a narrativa visual do conto, disponÃvel em https://www.youtube.com/watch?v=ueGgMaGtcUw - 4min.31 seg.). Em seguida, explicamos que eles/as iriam recontar o conto oralmente à medida que Ãamos pausando as imagens. Todos/as conseguiram relatar as partes conforme apareciam as imagens. Como pode ser observado na Figura 25: FIGURA 25 – Sequência de uma narrativa visual Fonte: DisponÃvel https://www.youtube.com/watch?v=ueGgMaGtcUw Ao término do vÃdeo, antes de darmos inÃcio à s discussões sobre o conto o/a participante A5 disse que o conto tinha mexido demais com ele/a por causa do pai que havia morrido no final do ano de 2018 e que eles não tinham aproveitado o tempo juntos o suficiente. Os/As demais participantes também pareciam emocionados com o relato da/o colega. O/A participante A9 disse que também ficou pensando no pai e na mãe porque achava que o conto tinha a ver com a história dele/a por ter sido abandonado/a por ele assim que a mãe faleceu. Aproveitamos o momento e deixamos que falassem sobre o que acharam da história e se haviam compreendido. Seguem os excertos: (42) A15: eu sou igualzinho esse pai que ficou no rio... só que fui jogado... porque quem separou de mim foi ela... ela levou as minhas duas filhas para Ãguas Lindas e eu só posso ver elas quando ela está de bom humor... não tem como ouvir essa história e não ficar pensando... professora... A11: esse pai só pode ser maluco... sair assim e ficar morando no rio... A3: eu acho que ele fez foi morrer no rio e a canoa que ficou vagando... (Trecho da gravação da aula do dia 10 de maio de 2019). Em seguida, o sinal foi dado antes que mais algum/a participante pudesse falar. Observamos que o tema do conto para alguns/mas poderia ser difÃcil, uma vez que boa parte parece não ter a convivência com os pais. 127 Na aula seguinte, para a fase de interpretação e análise do conto, apresentamos algumas questões, como fizemos com relação ao conto A Caolha, levando em conta os objetivos desta fase da sequência básica, o propósito de articulação do lido e do vivido, de análise das representações e identificações dos personagens e de relacioná-las a como os alunos se representam e se identificam. Nós recortamos papéis com as questões e fomos colando-as na lousa, conforme pode ser visto na Figura 26, e, à medida que iam sendo respondidas, colávamos a próxima. FIGURA 26 – Etapa de interpretação e de análise do conto “A terceira margem do rio†Fonte: Acervo pessoal. Lembramos a todos/as que os/as participantes estavam fazendo relatos sobre o que entenderam da história e davam depoimentos sobre os pais no final da aula anterior e que as perguntas de interpretação poderiam dar oportunidade para falarem caso quisessem. Antes das questões, o/a participante A12 quis relatar sobre como a história e o narrador-personagem mexeram com as emoções dele/a, conforme segue o excerto: (43) A12: eu senti isso... eu senti muita falta dele... pela distância né? eu senti isso aà como se fosse um abandono... eu era criança... eu mais a minha irmã... entendeu? então eu senti muita falta dele... eu senti muita falta dele... pela distância... né? eu senti isso aà como se fosse uma abandonada... (Trecho da aula do dia 17 de maio de 2019). Essa articulação, feita pelos/as participantes da proposta contempla um dos objetivos da pesquisa, pois construÃram as representações e as identificações dos personagens, no caso do relato de A12, com o narrador-personagem do conto que relata o abandono do pai quando ele era ainda criança. A literatura aqui parece cumprir muito mais que uma função de fruição e de prazer, mas também funciona como uma ferramenta de resgate de histórias de abandono e de 128 tristezas vivenciadas pelos/as participantes. Esse excerto revela como a separação dos pais é conflituosa para os filhos e eles/as, em geral se sentem abandonados/as e incompreendidos/as. Todos/as os personagens da história de Guimarães Rosa acionaram alguma lembrança que os/as participantes queriam relatar. Segundo Candido (1995, p. 243) “A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.†Esses problemas presentes na sociedade e na vida dos indivÃduos, muitas vezes não são abordados dentro da escola, mas a cada dia tem se tornado mais necessário, uma vez que eventos, como a modernidade tardia, alteraram o cotidiano das pessoas tendo como uma das consequências a ausência do diálogo. Aproveitamos a ocasião para refletirmos sobre a maneira como as famÃlias rompem os laços familiares e, que muitas vezes a ausência do diálogo é um dos motivos para essas ocorrências ou o motivo para os filhos crescerem sem saber o que aconteceu para que um dos pais se distanciasse deles/as. Solicitamos que relessem os 4 primeiros parágrafos para perceberem a ausência do diálogo entre os personagens e que o conto publicado em 1962 traz um problema não somente daquela época, mas também de hoje. Em seguida, os/as participantes realizaram a interpretação oral do texto lido. Para a primeira pergunta que trata sobre o narrador, os/as participantes dizem que é narrado por “um mocinhoâ€, “adulto†e que para A15 “Ele vai crescendo junto com a história.†Sobre a linguagem da história os/as participantes disseram que perceberam que se tratava de uma linguagem diferente. Para A9 “Eu achei mas eu não sei dizer comoâ€. Para os/as participantes tudo estava em ordem na história até que um dia, segundo A15, “Ele inventa uma canoa.†Para A24, a canoa era “o motivo†para o desenrolar de todos os outros fatos da história. Em meio à interpretação o/a participante A12 levantou a mão, pois queria continuar a sua história, como segue no excerto abaixo: (44) A12: ele largou minha mãe para morar com outra famÃlia... e eu era caçula... então... eu era muito apegada com ele... a partir do momento que ele se foi... aÃ... eu me senti abandonada... como se... como se ele tivesse me largado mesmo... o abandono... porque foi para lá e não voltou mais... não procurou mais a gente... quando ele voltou lá para ver a gente eu já estava grande já... P: e as relações não foram mais as mesmas? A12: não foram... aà depois ele veio ver a gente e voltou para lá também... e aà a gente não viu mais ele... no final das contas... ele faleceu... antes dele falecer... ele deu uma tuberculose... ele pediu muito para ver a gente antes dele morrer... quando ele estava doente... ele queria ver a gente... e como a gente ficou... como ele abandonou a gente... todo mundo ficou com raiva... ninguém queria procurar ele... por ele ter abandonado a gente... então... ele 129 queria ver a gente antes dele morrer... e acabou que não foi ninguém... ele morreu por lá só com a famÃlia que ele construiu por lá... entendeu? e ninguém foi lá ver ele... P: entendi... mais alguém aqui tem separação de pais... história de separação de pais? ninguém? A8: eu tenho... só que meu pai separou da minha mãe para ficar com a irmã da minha mãe... e hoje ela é minha madrasta e minha tia... e meus irmãos são irmãos e primos... P: e a convivência? A8: a convivência? é mais ou menos... eu não gosto da minha tia... minha madrasta e quando a gente viaja para lá é um tormento... A20: eita! A11: meu Deus! A8: eu não suporto a minha tia de jeito nenhum... porque ela roubou meu pai da minha mãe... ela roubou... ela roubou meu pai da minha mãe... e teve o cinismo de espalhar que a minha mãe foi embora com um amante... sendo que ela é que era amante do meu pai... e minha mãe descobriu... e ele foi e botou ela para fora de casa para ficar com a irmã... e está com ela até hoje! A9: esse conto lembra também a minha história... o meu pai morou no Rio... minha mãe morreu e meu pai ficou com cinco filhos... com 16 dias meu pai deixou eu que era mais nova para morar com minha madrinha... e começou a separar os filhos... e com 16 dias o meu pai arrumou outra mulher... então foi uma mágoa muito grande que nós carregamos... a minha madrinha ficou comigo uns três meses... aà quando fez 3 meses que eu estava com ela... a minha avó paterna que é a mãe do meu pai pediu para ele me buscar... nisso... meus irmãos já tinham se revoltado com meu pai... e fugiram de casa para casa dos tios... aà não deu certo na casa do tio foram pra casa da avó materna... aà nós ficou separado... com os quatro mais próximos e eu mais distante deles... eu passei a ter contato com eles depois de eu mais velha... eu tenho contato com meus irmãos hoje em dia... e meus outros irmãos acham que eu tive mais carinho do meu pai por eu ter ficado com a mãe do meu pai... por ter contato com a famÃlia do meu pai... e eu sempre achei que eles tiveram mais carinho com a famÃlia da minha mãe... porque eles foram criados com a famÃlia da minha mãe... sim... somos cinco... A12: deixa eu terminar... é outra coisa... meu pai... ele construiu uma famÃlia com essa mulher e ele teve duas filhas... uma faleceu... e tem outra... que essa irmã eu não conheço... meu pai primeiro faleceu... e depois a mãe dela veio a falecer... e tem essa irmã que a gente não conhece... que a gente está fazendo planos... a gente fala pelo zap... que eu acabei descobrindo... através de famÃlia mesmo do meu pai... mas a gente não se conhece... aà a gente tá fazendo plano de juntar os irmãos por parte de pai para gente ir lá conhecer ela... porque a primeira irmã dela faleceu... e ela era caçula... e faleceu meu pai e a mãe dela...e ela falava pelo zap que se sentia muito sozinha... e hoje não... depois que a gente começou a se chegar... ela sente que não está mais sozinha... [...] A9: professora... saindo um pouquinho... P: pode sair... esteja à vontade... A9: eu ouvi na rádio... esses dias... não sei se foi aqui em BrasÃlia... uma menina pelo pai... só que eles foram separados porque a mãe morreu... e o 130 pai ficou criando a filha... só que quando tinha o dia das mães não tinha a mãe para ir na reunião da festinha da escola... né? não sei se você ouviu... e aÃ... ela falou para o pai que queria que a mãe dela estivesse lá... na festinha do dia das mães e ela pediu para ele se vestir como a mãe dela era... A15: ah... eu vi no Face book um cara barbudão... não é? A9: é... ele pintou a barba de rosa... A15: aà o cara se vestiu de vestido e tal e foi na escola... A9: eu achei tão assim... emocionante... né...[..] A9: e naquela época o que era mais difÃcil para mim era o dia das mães... foi na época da escola... eu achava isso difÃcil... o pai sugeriu a mãe... a avó... a tia e ela não aceitou... ela queria ter ela mesmo na festinha... eu achei muito bonito... P: muito bonito... né? e muito confuso também... como é que é que a criança está lidando com tudo isso? A12: eu acho que isso aà pode até confundir a cabeça dela não de verdade... né? porque vai estimular como se a mãe estivesse ali viva ... (Trecho da gravação da aula de 17 de maio de 2019). Pelos excertos da participação de A12 notamos que queria muito falar como um desabafo a história vivida e que para ele/a se assemelha à história lida e que os sentimentos do narrador-personagem de abandono são semelhantes aos dele/a. Pelo seu relato, considera o seu pai um traidor de toda a famÃlia, além de ausente. Ao final do seu relato percebemos que era importante dizer que com o pai não teve como refazer as relações, mas que estavam tentando construir outras, após a morte do pai, com os filhos que ele teve após deixar a famÃlia. Ao analisarmos os relatos desse/a participante, percebemos que se trata de um/a estudante que é pouco participativo/a até então durante as aulas e que, queria terminar a sua fala, pois contraria o final do conto. Na ficção, no desfecho do conto, não existe chance de recomeçar. Mas para A12 esse recomeço estava acontecendo. O/A participante A8 revelou ter uma convivência ruim com a madrasta que também é tia e que ela “roubou†o pai da mãe. Por meio dessa fala, fica evidente que esse termo é comumente utilizado na sociedade e isenta o homem de qualquer culpa. Ou seja, faz parte da nossa cultura dizer que a madrasta é má porque roubou o esposo, o pai. Não é à toa, que os contos de fadas sempre trazem as madrastas como as vilãs das histórias. Entretanto, no relato de A8 ele/a afirmou que o pai expulsou a mãe de casa. Tais discursos são reproduzidos e dificilmente quebrados, pois já se consolidaram na sociedade. O/A participante A9 inicia o relato dizendo que o conto relembrava a própria história e que tem mágoa da atitude do pai por ter arrumado outra esposa logo nos primeiros dias em que ficou viúvo e que a partir de então houve vários conflitos na famÃlia: revolta contra o pai, fuga 131 dos irmãos, mudanças para casas de diferentes parentes à procura de um lar, separação dos irmãos. Pelos trechos do excerto, o conto “A terceira margem do rio†também trouxe à tona diversas experiências dos/as participantes, cujos pais também se ausentaram da famÃlia e constituÃram outras, e que se sentiram à vontade para relatar o que viveram e contar outras histórias que mostram o quanto a ausência de um dos componentes familiares pode ser sentida e que algumas pessoas encontram formas de minimizar o problema, como o caso relatado pelo/a participante A9. Para o item que tratava sobre os neologismos, foi preciso inicialmente explicar o conceito e, a partir daà releram o conto e trouxeram várias palavras desconhecidas que não eram necessariamente neologismos. Explicamos sobre as caracterÃsticas da escrita de Guimarães e fizemos a busca juntamente com os/as participantes quais palavras poderiam ser. Assim, devido à s demandas da atividade, fizemos duas listas: uma para os neologismos e outra para os termos desconhecidos. Para essa atividade, buscamos dicionários que foram usados com bastante dificuldade pela turma. Foi necessário explicar para os/as participantes como usar o dicionário detalhadamente, por isso pedimos que listassem apenas cinco palavras e que marcassem as outras na folha de contos para procurarem no dicionário depois e mostrassem durante outra aula. Eles/as buscaram os significados das seguintes listadas: cordura, escrúpulo, alumiado, esconso, pojava e dos seguintes neologismos: dever durar, saiu se indo, rio-rio-rio, diluso, rio- pondo, indaguia. Na qual procuramos explicar que os neologismos de Guimarães geralmente eram formulados com junções de palavras já conhecidas. Em seguida, explicamos os significados de cada um deles dentro do contexto do texto. Para a questão “Como os rompimentos dentro da famÃlia ocorrem hoje em dia e quais são as consequências?†seguem trechos do excerto: (45) A3: quando acontece algum desentendimento por algum motivo e desagrada um e o outro... e à s vezes a pessoa fica um pouco ressentida... guarda um pouco de mágoa... e aà se afasta um pouco... Ah... eu conheço um casal que eram casados e era assim perfeito... e quando sem mais sem menos o marido dela com uma amante... fala isso até hoje... e ele já não entendeu... mas alguma coisa entre eles tinha acabado e ela não percebeu... porque tem que perceber quando alguma coisa está errada... A15: hoje em dia tem internet... Whatsapp hoje contribui bastante...Tinder... Tinder... Whatsapp... P: o que é esse tal de Tinder? eu só fui me tocar que existe esse tal do Tinder por causa daquela música... 132 A15: é um negócio de relacionamento... só que aquilo lá é uma p..... é uma p.... o povo se acha o último do pacote da bolacha... A11: você tinha... A15: eu tinha Tinder... sim... mas lá tem muita mentira... pode ter mentira... eu tirei... eu estava no seu perfil... A11: ele está falando que estava no meu perfil... menor de idade não passa no Tinder... eu nem tive... A15: eu tinha tantos aplicativos desse tipo... olha aÃ... tá vendo? tô cheio de aplicativos de relacionamentos... eu já tinha outros... eu tirei uns 10... A3: isso aà é furada... professora... A15: não... eu sou sincero... professora... eu não falo mentira não... P:tá certo... tá certo... gente... o rompimento acontece hoje em dia do mesmo jeito que antigamente? A20: eu acho que sim... professora... hoje em dia está mais complicada as coisas... né? qualquer coisinha as pessoas rompem... A16: as pessoas não ficam mais tanto tempo casado... A9: é verdade e olha que os casamentos eram arrumados... hoje em dia as mulheres também são mais independentes em relação ao homem... as mulheres eram subordinadas ao homem... hoje em dia as mulheres trabalham... A15: hoje em dia as mulheres fazem é quebrar o pau... A9: eu acho que naquela época não tinha nem amor... A13: eu acho que antigamente as mulheres eram mais amorosas... ela fazia o que homem queria e era bem tratada... elas gostavam de ficar em casa... que quando ela é bem tratada ela é feliz... eu acho... A15: acho que antigamente os relacionamentos demoravam acabar passavam anos e anos... porque antigamente a mulher se subordinava ao homem e o homem tentava fazer o gosto da mulher para ela não se afastar... meu pai...10 anos de casamento e a mulher... ele faz o que ela quiser... A16: tem nada disso não... cara... eu tive três casamentos e elas é que me botaram fora... P: eu acho que tem uma complexidade e tem um empoderamento e a igualdade de direitos... A12: antigamente havia respeito... e hoje quase não existe mais... respeito... A9: sei não... sei não... A12: a mulher era submissa ao homem... mas tinha respeito... hoje em dia tem casal que não se respeita... P: mas você concorda que a mulher deve ser submissa ao homem? A12: não... não concordo... mas na época era... a mulher era submissa ao homem... fazia tudo o que o homem queria pra poder agradar ele... então ela era submissa... entendeu...[...]... professora... mas tem muitos que vivem assim... tem muitos que vivem... A16: na verdade hoje... no final tudo se concentra no respeito... tá entendendo? sem respeito... acabou... A12: muita gente vive de aparência... respeito que é bom... não tem... A9: a minha vizinha... o marido saiu pra comprar cigarro voltou depois de 15 dias pra casa... aliás... nunca voltou... A16: tem uma sobrinha... que ela foi fazer assistência técnica no celular e lá a cliente chegou e pegou o zap do marido dela... quando foi com uma semana 133 ele ligou pra ela... começou a cantar ela... tipo “vamos sair, você é muito bonita...†pra você ter ideia... quase se separou do marido dela por causa disso... então as redes sociais é bom... mas também atrapalha... se o sujeito não souber se controlar... aà se enrola... A9: é a tentação... né? A16: é... (Trecho da gravação do dia 17 de maio de 2019). Por esse excerto percebemos que os/as participantes culpam o uso da internet, das redes sociais e sites de relacionamentos para o fim dos relacionamentos de hoje em dia sendo considerado por isso, mais complicado mantê-los. O/A participante A9 traz o discurso de gêneros para a discussão dizendo que a mulher antigamente era “submissa†ao homem. O que contraria as ideias de A12 que defende essa submissão da mulher “daquele tempoâ€. Ao final, todos/as os /as participantes concordam que o que mantém a relação é o respeito entre os casais. O que notamos nesse excerto, são os diálogos que ocorreram entre os/as participantes na qual opinaram sem medo de julgamentos dos/as colegas. Falaram de si mesmos uns aos outros revelando histórias do passado e também sobre como se comportam no presente. Para a questão “Sabemos que os atributos aparecem com muita frequência nos contos. No trecho “Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. [...]â€, quais efeitos de sentido esses atributos constroem tendo em vista a representação e a identificação da personagem?†Segue o excerto: (46) A15: que ele era um cara muito bom... (Trecho da gravação da aula do dia 17 de maio de 2019). Os/As demais acenaram com a cabeça concordando com a fala de A15. Nessa ocasião, aproveitamos para conversar sobre o discurso hegemônico presente no conto nos 4 primeiros parágrafos e como o uso daqueles atributos contribuÃam para mostrar que uma famÃlia era considerada adequada aos padrões daquela época tendo um pai com aquelas caracterÃsticas. Batista Junior, Sato e Melo (2018) ressaltam que a hegemonia é a relação de dominação com o consentimento e naturalização de práticas sociais. Para romper com essa naturalização utilizamos o enredo do conto que, à primeira vista, parece ter personagens cujas vidas eram de padrões normais, mas diante de uma leitura mais apurada podemos perceber que naquela 134 famÃlia padrão não havia o diálogo e que essa prática era muito comum em meio aos lares brasileiros. Dando sequência à interpretação, solicitamos aos/à s participantes para observar a imagem presente no conto que pode ser vista na figura 27: FIGURA 27 – Imagem do conto “A terceira margem do rio†Fonte: DisponÃvel em https://vermelho.org.br/2015/08/21/a-terceira-margem-do-rio/ Para que não ficassem apenas na oralidade, solicitamos que fizessem o registro numa folha que continham as perguntas para cada um/a deles/as. Embora fosse individual, os/as participantes optaram por discutir entre eles e colocarem as mesmas respostas. Deixamos que discutissem e fizessem a atividade assim, pois na ocasião a equipe da direção solicitou uma reunião com todos/as os/as professores. FIGURA 28 – Interpretação da imagem do conto “A terceira margem do rio†Fonte: Acervo pessoal. 135 Transcrevemos as perguntas e respostas dos/as participantes a seguir a fim de facilitar a leitura: “16. A imagem do homem do barco, representando o pai do narrador-personagem no rio, está consoante com o enredo do conto? Justifique. Sim. É um homem solitário na canoa, em um rio! 17. A imagem é adequada ao texto “A terceira margem do rioâ€? Sim. 18. Como você lê a imagem? Um homem solitário, dentro de uma canoa. 19. O que mais lhe chama a atenção nessa imagem? Por quê? Ele está navegando nas páginas de um livro velho. 20. Onde é possÃvel encontrar essas pessoas no nosso dia a dia? Pescadores a beira do rio, população ribeirinha e Ãndios.†Percebemos que, ao contrário da impressão que tiveram da imagem no conto “A caolhaâ€, os/as participantes concordaram que a imagem presente na “A terceira margem do rio†estava de acordo com a história lida. A leitura de “um homem solitário dentro de uma canoa navegando nas páginas de um livro velho†permite que os/as participantes construam um cenário literário ficcional. O trabalho com o texto verbal (linguÃstico) juntamente com o texto não-verbal (imagético) estabelecendo entre eles uma relação é importante para que percebam que não somente a palavra tem valor, mas também a imagem e que todos esses textos contribuem na construção de sentidos. Ao final da interpretação, orientamos aos/à s participantes da proposta a realizarem uma pesquisa na comunidade ou cidades satélites vizinhas sobre as creches, abrigos, conselhos tutelares e Ongs que prestam assistência ou cuidam de crianças e adolescentes. Esse tema foi escolhido junto aos/as participantes porque o conto “Tchauâ€, o conto “A caolha†e o conto “A terceira margem do rio†possuem personagens crianças que se sentem desamparadas pelos seus pais. Na aula seguinte, alguns/as participantes trouxeram a pesquisa solicitada impressa e outros/as, manuscrito. Conversamos sobre o que encontraram e se já tinham visitado alguma delas ou se conheciam o papel do Conselho Tutelar. Alguns/as participantes disseram que sabiam onde ficava o prédio do Conselho Tutelar, mas nenhum revelou ter ido ou ter necessitado de algum serviço desse órgão. Sobre as creches, um/a dos/as participantes afirmou ter trabalhado na cozinha e que era “muito trabalhoso e cansativo†ficando pouco tempo. Um/a dos/as participantes mais jovens revelou que frequentou o abrigo “Casa Azulâ€, apenas em um 136 dos programas sociais que o abrigo oferece gratuitamente, capoeira, e disse que entrou porque queria integrar a banda musical do abrigo, mas que não conseguiu a vaga e desistiu. Diante do exposto, percebemos que deverÃamos convidar alguém que fosse ligado ao Conselho Tutelar para sanar as dúvidas e dar depoimentos. Posteriormente, convidamos um conselheiro tutelar da comunidade local para dar palestra sobre as leis, o funcionamento do Conselho Tutelar dentre outras questões que envolvem a criança, o adolescente e a famÃlia. Antes do inÃcio do evento com o palestrante, seguimos os mesmos procedimentos adotados quando da realização da palestra anterior. A palestra ocorreu em um dia negociado com os/as professores/as que tinham horário na turma pesquisada para uma quinta-feira, dia de coordenação pedagógica dos professores de Códigos e Linguagens nas escolas públicas do Distrito Federal. Isso foi feito porque o palestrante Lucas não tinha disponibilidade de dia e horários diferentes. Antes de dar inÃcio, os/as participantes da pesquisa receberam as perguntas e foram orientados/as sobre como proceder. Foram realizadas 14 perguntas que vem a seguir: 1. Quais são as atribuições do Conselho Tutelar? 2. Como é feita a escolha de um Conselheiro Tutelar? São quantos em Samambaia? 3. O que o Conselho Tutelar faz quando recebe a notÃcia da prática de crime contra a criança ou adolescente? 4. O Conselheiro Tutelar só age mediante denúncia? 5. A denúncia de maus tratos, violência contra a criança e ao adolescente geralmente são feitos por quais meios? 6. Cabe ao Conselho Tutelar agir diante de uma disputa de guarda da criança, cujos pais resistem à s visitas enquanto não tem uma decisão judicial? 7. Em que casos há a necessidade de acompanhamento do Conselheiro Tutelar durante as visitas de pais ou avós após uma decisão judicial? 8. Quais são os casos que mais ocorrem em Samambaia em que o Conselho Tutelar precisa agir? 9. Geralmente como as crianças e adolescentes reagem emocionalmente a uma intervenção do Conselho Tutelar? Dá para perceber? 10. O que é feito com a criança e o adolescente quando nenhuma das partes responsáveis pela criança tem condições de ficar com ela por motivos de drogas, bebidas, espancamentos? 11. Quais são as maiores dificuldades para a atuação do Conselho Tutelar atualmente? 12. Onde fica o Conselho Tutelar de Samambaia? 13. No conto “A terceira margem do rio†de Guimarães Rosa, o narrador personagem da história é o filho, que embora já esteja velho, não consegue superar a perda do pai. Você acredita que essa história literária pode ocorrer na vida real? Ou seja, 137 uma pessoa estando adulta, pode ficar com problemas emocionais por ter vivido separações violentas entre os pais? 14. No conto “Tchau†que nós lemos da Lygia Bojunga, os pais delegam a uma menina de 10 anos a responsabilidade de cuidar do irmão que era apenas um bebê. E a mãe vai embora. Casos assim são frequentes em Samambaia? O palestrante autorizou a filmagem e a gravação da palestra, assim como assinou o documento para exposição de imagem e vÃdeo, caso viesse a ocorrer. FIGURA 29 – Palestra com o conselheiro tutelar Lucas Fonte: Acervo pessoal. Os/As participantes aparentemente gostaram mais da palestra do conselheiro tutelar, provavelmente porque os temas eram mais próximos do dia a dia deles/as. Notamos que ouviram os casos com seriedade e preocupação, uma vez que segundo o palestrante, a cidade tem inúmeros casos de ocorrências em quase todas as quadras. Estavam também mais confiantes para realizar as perguntas, inclusive dois participantes queriam fazer mais de uma. Dessa vez, como os/as participantes teriam outras aulas após a palestra, não tivemos tempo de avaliar o encontro como ocorreu com a outra palestra. Solicitamos no final, que um dos/as participantes agradecesse em nome da turma, sendo o/a participante A15 quem se disponibilizou fazê-lo. Como já foi dito, avaliamos que as perguntas devem ser criadas pelos/as participantes para que seja garantido a oportunidade de serem protagonistas neste sentido também. 138 Antes de iniciar a terceira fase do bloco, retomamos a palestra para que pudessem avaliar e comentar sobre o evento de letramento. Segue o excerto conforme disseram: (47) A9: é um nervoso assim... parece que trava tudo dentro de você... A20: tudo que ele falou é importante... professora. A8: eu nem sabia que a gente podia ir lá e eu moro bem pertinho... A15: ahh... eu gostei... o cara falou casos ali que tem uns que eu até acho que conheço viu... A17: eu queria fazer logo era duas perguntas... a professora não deixou... (Trecho do áudio do dia 24 de maio de 2019). Notamos que apenas os/as participantes A9 e A17 falaram sobre o momento de participação deles/as. A fala de A9 mostra que estar em evidência diante da turma e de outras pessoas, tendo como única voz a sua naquele momento é um desafio, visto que não estão acostumados/as com esse tipo de atividade, sendo o centro das atenções e assumindo um compromisso em meio a um determinado público. Reportamos mais uma vez a Freire (2005) que defende uma educação libertadora que desperte para que os educandos sejam protagonistas e saiam da condição de oprimidos. Após a avaliação da palestra, entregamos uma cópia do conto “ClÃnica de repouso†de Dalton Trevisan (ANEXO H) para cada participante, dando inÃcio a terceira fase à qual puderam realizar a leitura oral compartilhada. Dissemos que poderiam seguir com a leitura enquanto achassem suficiente, mas que quem estivesse lendo, deveria terminar o parágrafo todo para que o/a próximo leitor/a não ficasse confuso/a. Logo após, conversamos sobre o conto. Conforme segue o excerto de trechos do diário de registro de campo na Figura 30: 139 FIGURA 30 – Registro de Diário de campo Fonte: Acervo pessoal. Pelo relato do diário de campo, podemos notar que os/as participantes trouxeram casos reais que eles/as conheciam, relacionando o conto com o que vivem: pessoas idosas vivendo situações de exploração e abandono. Devido ao número de relatos que eles fizeram e as 140 discussões que foram feitas, decidimos não passar o vÃdeo que consta na proposta e passamos à s questões interpretativas. Como estratégia para que todos/as participassem, escrevemos as questões em tiras de papéis e distribuÃmos entre os/as participantes. Durante a leitura da questão, alguns/as preferiram ir à frente da turma e outros/as apenas se levantavam, mas permaneciam onde estavam. Dadas as 8 perguntas iniciais de interpretação: 1.O tÃtulo do conto está de acordo com a história? Por quê? 2.Podemos afirmar que a personagem Dona Candinha foi desrespeitada? Justifique. 3.O tratamento que a filha deu à sua mãe, colocando-a no asilo, é diferente do que acontece hoje em dia? O que mudou do ano em que foi publicado o conto, 1979, para os dias de hoje sobre os idosos? 4. Como é a sua relação com os idosos da famÃlia? 5.O que você acha sobre os idosos serem deixados em clÃnicas pelos familiares? 6.Você já visitou uma casa de idosos? Se sim, relate como foi. 7.A resistência da Dona Candinha à presença do genro João acontece de que maneira nas famÃlias na vida real? 8.Como a experiência de vida do idoso pode ser valorizada pelos familiares? Chamou-nos a atenção, os/as participantes concluÃrem que é bastante comum os maus tratos pelos familiares com os/as idosos/as aproveitando da fragilidade que eles/as possuem devido à idade e à s doenças. Para eles/as não mudou nada sobre a condição dos/as idosos/as do ano de publicação, em 1979, até os dias atuais. Lembramos à turma que existe o estatuto do idoso – a Lei nº 10.741, de. 1º de outubro de 2003 – que podemos considerar uma conquista e que possibilita uma série de ações, inclusive denúncias pelo telefone disque 100. Segundo os depoimentos dos/as participantes não deixariam os/as idosos/as de seu vÃnculo familiar irem para uma clÃnica e que desejam visitar uma casa de atendimento aos idosos, pois nenhum/a deles/as nunca foi a nenhuma delas. Ressaltaram ser muito importante ouvir os/as idosos/as porque eles/as gostam de relembrar casos passados e que é preciso ter paciência com todos/as independente de qualquer coisa. Encerramos a aula com a questão 9 parcialmente respondida, ficando as demais para o próximo dia letivo. Para os/as participantes a palavra correta na questão 9 não é aceitação, mas segundo A15 “Rejeição†“ao sem vergonha do genro, a dona Candinha não gosta do genroâ€, e que a separação entre as personagens, mãe e filha é triste. E que consideram a situação de dona Candinha mais triste que os personagens dos outros contos, pois a acham mais frágil como podemos perceber no excerto abaixo: (48) A15: da dona Candinha é mais triste... A3: porque sei lá... um filho pegar um pai colocar no asilo... deixar ele lá isolado... é muito sofrimento... 141 A16: o pai estava no rio... mas não estava sofrendo... A15: o que acontece... os filhos tão vendo o pai pra lá e pra cá dentro do rio e a dona Candinha não... A3: ela estava sofrendo porque qualquer coisinha era injeção... era castigo... era choque... era aquilo... A16: isso... qualquer coisa que ela falava era ameaçada... olha o choque... olha o choque! A15: tem o abandono da dona Candinha... que ela é largada lá no asilo e a filha não vai lá pra ver... né... A20: nem pra visitar ela vai... A15: mas... coitada da bichinha... moça... a bichinha tá presa num troço daquele lá... A3: ficou sozinha longe da filha... da famÃlia... afastada... (Trecho da gravação do dia 29 de maio de 2019). Podemos observar que o letramento literário ocorre durante diversos momentos em que os/as participantes buscam relações entre o conto literário e o mundo que os cerca revivendo histórias, memórias e produzindo significações. Cosson (2012, p. 17) ressalta que “na leitura e na escritura do texto literário encontramos o senso de nós mesmos e da comunidade a que pertencemos.†Isso só é possÃvel se, por meio da mediação do/a professor/a os/as estudantes compreenderem que não basta ler um texto, como os contos que apresentamos. É preciso também considerá-los como práticas cujos discursos devem ser vistos criticamente. Durante o debate das outras questões o/a participante A3 retomou como motivo principal para os problemas vividos entre os personagens, a falta de diálogo: (49) A3: na vida real mesmo... nas famÃlias... o problema maior é a falta de diálogo... o celular... o povo não fica mais para conversar e é cada um nos seus quartos trancados... hoje em dia é isso... os filhos batem nos pais... igual a gente na nossa casa... não tinha diálogo com nosso pai... mas a gente tinha respeito por eles... P: tinha diálogo? A3: pouco... com minha mãe sim... agora com nossa mãe sim... com o pai não... A16: com o meu pai nunca tive... A3: tem gente que abusa demais... não faz as obrigações de casa... (Trecho da gravação da aula do dia 29 de maio de 2019). Observamos no trecho transcrito acima as crenças e os valores do/a participante A3, cuja intenção era mostrar qual o melhor jeito para lidar com os conflitos da história lida, notamos que embora argumente sobre a necessidade de ter diálogo, ele/a defende que se deve ter o respeito, que quer dizer também obediência. Com o objetivo de provocar uma reflexão sobre o 142 que seria o diálogo, perguntamos se ocorria o diálogo entre A3 e os pais ao que ele/a ficou pensativo/a e respondeu que pouco e apenas com a mãe. Isso foi para mostrar que não somente na história do conto, mas também na sociedade o diálogo não representa a obediência. Em seguida, fizemos a seguinte pergunta “O que esses discursos (abandono, solidão, constituição familiar, melancolia, depressão, ausência do diálogo) fora do conto querem dizer hoje em dia? O capitalismo influencia nesses discursos? Como?†Antes de responderem, explicamos o que é o capitalismo. A partir daÃ, os/as participantes fizeram diversas considerações. Segue abaixo a transcrição de um trecho: (50) A15: porque se você tem... você é alguma coisa... se você não tem... você não é nada... na história aÃ... a mulher tinha... o que a filha fez? pegou o que era dela... o cara dizia que era alguma coisa porque tinha o dente de ouro... A16: só vale o que tem... tirando isso você não vale mais nada... A15: hoje... você vale o que você tem... se você tem um carro... você pode estar devendo ele... pode dar busca e apreensão... você vale alguma coisa... se você tem um carro velho... você não vale nada... eu tô falando isso... porque eu já passei por isso... [...] eu tô dizendo assim professora... hoje... nos dias atuais... você vale o que você tem... se você tem um carro do ano... pode estar endividado até a alma... você é alguma coisa... ah... aquele cara é playboy... aquele cara tem dinheiro pra comprar um carro daquele... mas não sabe... que o carro tá com mil e tantas prestações atrasadas... o carro está em busca e apreensão... o que acontece... visa muito pelo que você tem... igual já aconteceu comigo... eu tinha um carro velho... a pessoa vira e diz assim... que diabo... que “disgrama†que você quer com esse carro velho... bota fogo nisso aÃ... vai comprar um carro novo... mas não sabe a condição da pessoa... é igual eu falo pra qualquer um...moço... eu prefiro o meu carro velho quitado do que eu entrar numa dÃvida e não dar conta de bancar... [...] (Trecho da gravação da aula do dia 29 de maio de 2019). Em outra aula, dando continuidade à s interpretações, solicitamos que examinassem a imagem presente no texto “ClÃnica de repouso†e que respondessem individualmente em uma folha de caderno as questões que escrevemos na lousa. 143 FIGURA 31 – Imagem do conto “ClÃnica de Repouso†Fonte: DisponÃvel em https://br.depositphotos.com/39954955/stock-photo-old-people-holding-hands- closeup.html Como amostra, apresentamos as atividades realizadas pelos/as participantes A16 e A9 na Figura 32 a seguir (escolhidos por terem maior legibilidade): FIGURA 32 – Interpretação da imagem do conto “ClÃnica de repouso†Fonte: Acervo pessoal. A fim de facilitar a leitura, transcrevemos a seguir a interpretação que consta na Figura 32: 144 Pela figura 32, percebemos que se basearam na leitura e interpretação do conto e no conhecimento de mundo para lerem as questões e respondê-las. Dando sequência, na quarta fase, intitulada “Contexto de produção e constituição do gênero contoâ€, prevÃamos 3 aulas. O intuito dessa fase é que os/as participantes conhecessem as caracterÃsticas, as especificidades e o contexto de produção do gênero conto. Para isso, primeiramente dividimos a turma em 3 grupos, solicitamos que estivessem com as cópias dos contos à disposição deles para consulta e /ou pesquisa para que pudessem responder a questões relacionadas à s especificidades do gênero, segundo Bakhtin (2015) e Fairclough (2003): a construção composicional (que engloba a superestrutura, os tipos textuais ou os pré-gêneros, nos termos de Fairclough, que compõem o gênero, a dimensão, a constituição em verso ou em prosa, as linguagens que entram em sua constituição), o conteúdo temático, o estilo, as condições de produção (que se relacionam ao que Fairclough discute sobre condições da prática discursiva: produção, distribuição e consumo) e a função sociocomunicativa. Em seguida, distribuÃmos as perguntas das análises como no quadro a seguir: 145 QUADRO 5 – Contexto de produção e constituição do gênero CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO CONSTRUÇÃO COMPOSICIONAL 1. Quem produziu o conto? O que isso pode 1. O conto apresenta uma superestrutura indicar? recorrente: equilÃbrio inicial, o conflito e o 2. Quando ele foi produzido? O que isso pode desfecho? O que isso pode indicar? indicar? Pensando nisso responda: 3.Em qual contexto histórico/literário podemos a. Qual a situação de equilÃbrio? situá-lo? O que isso pode indicar? b. Qual é o conflito? 4. Para quem ele foi produzido? O que isso pode c. E, por fim, qual o desfecho? indicar? 2. Qual(s) o(s) são o(s) espaço(s) existente(s) na 5. Onde esse gênero circula? O que isso pode narrativa? indicar? 3. Quais pré-gêneros16 constituem o gênero e qual 6. Qual a função sociocomunicativa desse gênero? é predominante no conto que leu (ex: narração, 7. A que campo ou esfera social, o conto se vincula dissertação, descrição, exposição). (religiosa, cientÃfica, literária etc.)? 4. O texto é escrito em prosa ou em verso? 8. Como essa esfera influencia na constituição do 5. O texto é constituÃdo só pela linguagem verbal? gênero conto? 6. O texto pode ser considerado longo? CONTEÚDO TEMÃTICO ESTILO 1. Do que trata o texto que vocês leram? 1. Há predominância de qual variedade 2. Considerando os contos já lidos, o que se espera linguÃstica? que seja dito no gênero conto? 2. Há mais frases afirmativas, negativas, interrogativas ou exclamativas? Quais os efeitos disso? 3. Há diálogos? Se sim, qual recurso é usado para organizá-los? 4. Qual tempo verbal predominante e como se relaciona aos pré-gêneros que constituem o texto? 5. Qual linguagem que prevalece no conto? Verbal ou não verbal? 6. Há mais orações simples ou complexas? Como isso contribui para a fluidez do texto? 7. Há mais perÃodos constituÃdos por coordenação ou por subordinação? Como isso contribui para a fluidez do texto? 8. Quais as principais relações semânticas estabelecidas entre as orações (adição, contraste, conclusão, explicação, concessão, finalidade etc.)? 9. Há metáforas no texto? Se sim, relacione isso à s especificidades do gênero. 10. Há marcas de tempo e de espaço no texto? Relacione à s especificidades do gênero. 11. O narrador é personagem ou observador? 12. Quais os recursos lexicais predominantes no conto? 13. O que predomina mais: o registro formal ou informal? Fonte: Elaborado pela pesquisadora. 16 O termo pré-gêneros é usado por Fairclough (2003), quando ele trata do nÃvel de abstração na abordagem de gêneros. Segundo ele, os pré-gêneros estão em um alto nÃvel de abstração, de modo que não é possÃvel associá-los a uma prática social especÃfica. Eles entram na composição de vários gêneros. São exemplos de pré-gêneros: narração, dissertação, descrição, exposição, injunção. Nós podemos ter o pré-gênero narração, por exemplo, constituindo o gênero conto, crônica, romance, artigo de opinião, reportagem etc. Nós podemos associá-los do que conhecemos como tipo textual. 146 As fotos que constituem a Figura 33 ilustram esse momento: FIGURA 33 – Análises do gênero em grupos Fonte: Acervo pessoal. Nesta tarefa, a mediação da professora foi fundamental, pois exigia leitura das perguntas, leitura do conto “A Caolhaâ€, retomada das caracterÃsticas do gênero conto que já havÃamos estudado no bloco 317 e discussão entre os/as integrantes do grupo para a elaboração das respostas. Percebemos que todos interagiam para chegar à s respostas e, principalmente, compreender as questões. O que nos causou surpresa, uma vez que geralmente a turma demonstrava apatia diante das primeiras atividades da proposta e, além disso, dificilmente estabelecem vÃnculos afetivos dentro da sala de aula da EJA entre todos/as os estudantes. Avaliamos que essa mudança possa ter relação com a confiança que passaram a ter sobre as respostas que foram dando diante das questões. Eles/as perceberam que não seriam corrigidos, mas ao contrário, o conhecimento de mundo deles/as estava ajudando a construir o conhecimento de todos/as. Freire (2002) afirma que a construção do conhecimento pelo sujeito se dá por um diálogo permanente entre todos. Isso inclui os/as participantes, o/a professor/a e os textos. Para Freire (2002) esse conhecimento precisa ser significativo, ser ampliado, fazer sentido e ser libertador. Para que seja possÃvel, o/a professor/a deve assumir a posição de ouvinte, de mediador/a e de provocador/a, pois inicialmente, para os/as estudantes da EJA que chegam à escola com outras preocupações e prioridades (como a famÃlia e o trabalho) quase sempre esperam ouvir e não ser ouvidos, preferem apenas copiar e não pensar sobre algo. Por isso, concebemos essa mudança como um despertar de sentidos e significados. Ao final, percebemos que conseguiram elaborar um texto coeso e esperado com as principais questões do gênero contempladas. O resultado segue abaixo nas Figuras 34, 35 e 36: 17 O Bloco 3, assim como os demais Blocos da proposta, constam na Ãntegra, no Caderno Suplementar que acompanha esta Dissertação. 147 FIGURA 34 – Análise das especificidades do gênero conto feita pelo grupo 1 Fonte: Acervo pessoal. Nessa Figura, o grupo discorre em forma de texto sobre as condições de produção (quem produziu, quando, para quem), o contexto-histórico da época, sobre a construção composicional. Levando em conta as dificuldades que a EJA tem com a leitura, a escrita e a interpretação, acreditamos que conseguiram desenvolver a análise de maneira bem acima do esperado. Isso se deve ao empenho do grupo em ler, reler e discutir com os/as colegas cada questão antes de colocar no papel. Outro destaque, foi a maneira como nos consultavam diante de alguma dúvida: em outras ocasiões queriam uma resposta e com a tarefa da análise, já com a resposta, queriam que confirmássemos ou não o que tinham feito. Essa autoconfiança é fundamental para dar segmento à s próximas etapas. Durante toda a proposta, procuramos mostrar o quanto é importante responder à s questões aproveitando parte da pergunta para a resposta, tornando-a completa e adequada para obter um texto. Pedimos também que pesquisassem nos celulares que eles tinham e com acesso à internet para que selecionassem um a dois fatos históricos do ano de produção do conto para responder a questão que tratava sobre o contexto histórico. Como consultaram o Google e havia 148 várias informações do ano de 1903 escolheram aquela que se aproximava aos conhecimentos prévios: sobre Santos Dumont. FIGURA 35 – Análise das especificidades do gênero conto feita pelo grupo 2 Fonte: Acervo pessoal. Percebemos que este grupo, embora tenha discutido juntamente com a professora e entre eles/as, encontraram maior dificuldade para elaborar as respostas durante a escrita do texto. Várias perguntas não foram respondidas e apenas copiaram as perguntas e em alguns momentos se misturam como da linha 27 a 30. Isso pode ter ocorrido porque o grupo deixou um/a dos/as componentes do grupo para escrever as respostas e que apresenta maior dificuldade em leitura, escrita e interpretação. Avaliamos que poderÃamos ter acompanhado não somente as discussões do grupo, mas também a escrita para que o texto produzido não ficasse tão confuso. 149 FIGURA 36 – Análise das especificidades do gênero conto feita pelo grupo 3 Fonte: Acervo pessoal. Para facilitar a leitura da Figura 36 transcrevemos o texto da Figura 36 a seguir: “A variedade linguÃstica e a formal Os recursos usados para organizar os diálogos que ocorrem dentro da narrativa e os parágrafos e os travessões, o que prevalece mais é a linguagem verbal xxxx (ilegÃvel) tem uso de imagem. Sim porque não é notÃcia e sim uma fábula Pertence a literário.†O grupo responsável pelas questões relacionadas ao estilo era composto pelos/as estudantes mais jovens e faltosos. Embora tenham solicitado ajuda à professora, percebemos que o grupo queria ir embora, pois estas aulas ocorreram nos dois últimos horários. Durante as conversas, os/as participantes da pesquisa sabiam que o gênero era conto, mas, durante o registro, escreveram fábula. Posteriormente, pudemos fazer essas observações junto ao grupo. Ao final dessa análise, em outro dia, colocamos os textos no slide e distribuÃmos as folhas constando todas as perguntas. Depois, lemos cada questão e as respostas obtidas nos textos. Os/As participantes comentaram que com essa análise, foi possÃvel ir além do texto e conhecer melhor sobre o gênero conto. Em outra aula, continuando os estudos sobre o gênero conto, realizamos em conjunto com toda a turma a análise. Para isso, solicitamos que novamente estivessem com os contos e com a folha de perguntas para análise à disposição para consulta. Assim, a cada pergunta que eles/as prontamente liam e também respondiam, fomos registrando no quadro e cada um copiando a sua folha. Entretanto, ao perceber que estavam mais preocupados em escrever do que participar das questões, combinamos que para cada questão que corresponderia a um 150 parágrafo, um /a participante da pesquisa iria escrever em uma folha única. Assim, poderiam participar oralmente e na sua vez, escrever o parágrafo. Para essa análise, utilizamos o conto “A terceira margem do rio†de Guimarães Rosa, mas aproveitamos também para mostrar que aquelas mesmas questões serviriam para qualquer outro conto, como “ClÃnica de repouso†e “Tchau†e “A cartomanteâ€, pois se tratava de estudo do gênero conto. FIGURA 37 – Análise das especificidades do gênero conto coletivamente Fonte: Acervo pessoal. Os/As participantes da proposta, sem necessidade de escrever todo o texto do quadro, participaram ativamente de todas as questões relacionadas ao gênero. Quando terminaram de escrever a análise com discussões sobre o gênero, lemos e em seguida nos entregaram o registro copiado da lousa. 151 FIGURA 38 – Registro da análise das especificidades do gênero conto Fonte: Acervo pessoal. Com o conto “ClÃnica de repousoâ€, fizemos as perguntas coletivamente e oralmente. Avaliamos, juntamente com os/as participantes que as questões sobre o gênero foram 152 fundamentais para perceberem que embora cada conto tenha a sua história, há uma série de elementos que os aproximam e por isso pertencem ao mesmo gênero. Dando prosseguimento à s fases, iniciamos a quinta, intitulada “Produção de Roteiroâ€. Dividimos essa fase em três partes: a primeira, consistia na familiarização com o gênero roteiro cinematográfico, com previsão de 2 aulas de 50 minutos, com os seguintes objetivos: familiarizar os/as estudantes com o gênero roteiro, apresentar as partes de um roteiro e as caracterÃsticas desse gênero. A segunda parte, a produção de roteiros, com o tempo previsto de 4 aulas de 50 minutos, com o propósito de produzir curtas-metragens referente aos contos lidos. A terceira parte, com o propósito de dividir as funções do roteiro, destinamos uma aula. Iniciamos a primeira parte perguntando se existiria algum gênero antes da produção de um filme, um curta-metragem, uma novela. Apenas o/a participante A15 disse que existia o roteiro. Aproveitando o que ele/a disse, escrevemos a palavra na lousa e perguntamos sobre o que seria esse gênero. A9 disse que não tinha nem ideia. Então explicamos que o roteiro é um gênero que “planeja†o que irá ocorrer durante as gravações de um filme, de um curta- metragem, de uma novela, de um desenho animado. E que ele possui elementos e partes que são fundamentais para a adaptação do conto que eles iriam produzir. Após essas explicações, propomos a exibição de um vÃdeo que trata sobre roteiro (DisponÃvel em https://www.youtube.com/watch?v=2tGuA7t7jz8 tempo do vÃdeo 3min.51 seg.), ele foi baixado para o notebook, mas o áudio não funcionou. Então partimos para uma apresentação no Power point criado para essa aula. Com explicações sobre o que é um roteiro, quais são as partes do roteiro, qual a sua finalidade etc. (https://drive.google.com/file/d/1grViiLF- LaLjefAa9TLVYxYjePAVRlcR/view?usp=sharing). A explicação não foi extensa, pois a professora de Artes já havia dado uma aula sobre esse gênero. Como exemplo, entregamos aos/as participantes da pesquisa um modelo de roteiro de curta-metragem. DisponÃvel em https://originaconteudo.com.br/arquivos/ta-na-cara-1e2ato.pdf Observamos, juntamente com os/as participantes, a maneira como as partes do roteiro são colocadas como cena, personagem, ato etc. (9 páginas), discutimos qual/is seria/m o/s melhor/es contos para fazer o roteiro. A professora de Artes já estava trabalhando com o conto “A caolha†durante as aulas dela para fazerem um roteiro e em seguida produzirem um curta-metragem. Segundo a professora, esse foi o conto que a turma escolheu porque gostaram muito do conto. A professora também relatou que a turma já havia relatado a história oralmente pra ela e estavam na fase de adaptações (segundo a professora, os/as participantes optaram em trazer o 153 personagem Antonico nascendo e tendo a Caolha uma vida normal com o marido) para escreverem o roteiro. O momento das explicações e exemplo de roteiro pode ser observado na Figura 39. FIGURA 39 – Explicando o gênero Roteiro Fonte: Acervo pessoal. Dentre os outros contos, apresentamos a sugestão de fazer o roteiro do conto “Tchau†de Lygia Bojunga por ser um conto que necessitaria de menos adaptações para fazer o enredo, pois já contém as cenas e os diálogos. Os/as participantes gostaram da ideia e aceitaram, pois já estavam fazendo durante a aula de Artes diversas adaptações no roteiro do conto “A caolhaâ€. Colocamos o conto “Tchau†no Datashow e à medida que reliam o conto, iam sugerindo quais as adaptações seriam necessárias. Iniciamos a segunda parte na aula seguinte. Para a criação do Roteiro, os/as participantes da pesquisa foram conduzidos à sala de coordenação dos professores porque embora o Laboratório de Informática estivesse funcionando durante o dia, não conseguimos que funcionasse à noite nesse semestre (No semestre anterior tinha um professor responsável pela sala). A sala de professores tem disponÃveis 5 computadores e um Datashow e é pouco utilizada pelos/as professores/as durante o noturno. Antes do inÃcio da tarefa, explicamos como poderiam fazer o roteiro, diretamente nos computadores e divididos em grupos. Para compreenderem, utilizamos slides para que visualizassem melhor e fizemos coletivamente as primeiras adaptações no conto para que o gênero roteiro fosse criado por eles/as. 154 FIGURA 40 – Produção do Roteiro Fonte: Acervo pessoal. Ao começar a fazer o roteiro nos slides, rapidamente os/as participantes perceberam que o verbo deveria ser modificado para o tempo presente e que as cenas deveriam ser descritas junto aos tÃtulos. Depois, eles/as foram divididos em grupos de 3 ou 4 e cada um desses grupos ficou responsável por criar o roteiro de um dos subtÃtulos do conto “tchauâ€. Como o conto possui 6 subtÃtulos e eram 5 computadores, disponibilizamos o notebook para dar certo. Também criamos uma pasta em cada um dos computadores contendo o arquivo do conto em Word para que pudessem abrir e fazer as adaptações. A Figura 41, a seguir, mostra alguns momentos da produção do roteiro. FIGURA 41 – Uso dos computadores para a produção do Roteiro Após Fonte: Acervo pessoal. 155 Antes de serem divididos em grupos, perguntamos quais/as participantes tinham mais facilidade com o uso dos computadores. Dessa forma, garantimos que em cada grupo houvesse pelo menos um/a integrante com essa facilidade. Percebemos que os/as participantes mais jovens ficaram bastante interessados e motivados em realizar a tarefa. E que também, aqueles/as participantes que disseram ter facilidade junto aos computadores, apresentaram algumas dificuldades com o Word como copiar, colar, deletar, destacar partes etc. Ao final da tarefa, afirmaram que gostaram de ter feito o roteiro daquela forma, pois era bem rápido e compararam com o que estavam fazendo na aula de Artes que era manuscrito. Disseram que iriam sugerir para a professora que fizessem do mesmo jeito com o conto “A caolhaâ€, no computador. Após a escrita do roteiro, juntamos todos os arquivos em um só e exibimos no Datashow o trabalho final. À medida que iam lendo foram notando alguns erros ortográficos, especialmente nos verbos que tiveram que ser adaptados. Na mesma sala de professores, imprimimos os roteiros. Os/As participantes levaram as cópias para casa para ler e verificar se poderiam apresentar mais alguma sugestão ou se perceberiam algum erro no roteiro. Para a terceira parte, com o roteiro em mãos, verificamos juntamente com os/as participantes se havia alguma sugestão ou correção. Disseram que não queriam que houvesse qualquer alteração. Assim, solicitamos que fizessem as divisões de papéis conforme o roteiro. Para isso disponibilizamos as perguntas na lousa:  Quem serão os personagens?  Quem dentre os/as estudantes será o/a diretor/a?  Quem dentre os/as estudantes irá filmar a história?  Quais os locais da escola serão utilizados de acordo com o roteiro produzido? Esses locais deverão ser adaptados? Em caso afirmativo, de que forma?  Conforme o roteiro, como os personagens devem estar caracterizados (figurino)?  Que objetos devem constar durante a filmagem conforme o roteiro? Diante das perguntas os/as participantes foram se organizando. Percebemos que apenas um dos/as participantes se candidatou para ser um dos personagens. Os demais eram “chamados†para exercerem os papéis. Queriam que uma das participantes que não estava presente fosse uma das personagens, mas pontuamos que deveriam dividir com quem estava presente, pois não haveria tempo de reorganizar os papéis. 156 A sexta fase, “produção de curta-metragemâ€, com previsão de 6 aulas de 50 minutos, foi dividida em duas partes. A primeira, “familiarização com o gênero audiovisual curta- metragem†com os objetivos de familiarizar os/as estudantes ao gênero curta-metragem e apresentar as caracterÃsticas desse gênero. A segunda parte, “produção de curtas-metragens do lido e vivido/analisadoâ€, cujo objetivo era produzir curtas-metragens referentes aos contos lidos. Iniciamos a primeira parte dessa fase perguntando o que os/as participantes sabiam sobre curtas-metragens. Os/As participantes A4 e A15 disseram que se tratava de filmes pequenos. O/A participante A4 lembrou que havÃamos assistido a um curta-metragem no inÃcio do ano letivo “Meu amigo Nietzscheâ€. Aproveitamos, então para lembrar porque aquele filme era chamado de curta-metragem. A9 disse que poderia ser porque são “curtinhosâ€. ConcluÃram então, após as explicações da professora, que eram vÃdeos curtos. Em seguida, a turma assistiu a três curtas-metragens animados para se familiarizarem com o gênero: “Geris Gameâ€: DisponÃvel em https://www.youtube.com/watch?v=dMUZf- Ej6ec , com o tempo do vÃdeo de 4 min.32 seg.; “A cartaâ€. DisponÃvel em https://www.youtube.com/watch?v=MxfGFEwqDtE , com o tempo do vÃdeo de 5 min.11 seg.; “Um garoto, um videogame, um presente, um cachorro e uma deficiência!†DisponÃvel em https://www.youtube.com/watch?v=WWZjICLzKnY , com o tempo do vÃdeo de 3 min.19 seg. FIGURA 42 – Familiarização com o gênero curta-metragem Fonte: Acervo pessoal. Após assistirem ao vÃdeo, solicitamos que fizessem três grupos, distribuÃmos folhas A3 e canetinhas coloridas e solicitamos que respondessem as seguintes perguntas da lousa nas folhas que receberam: Os curtas-metragens se assemelham em algum aspecto aos contos lidos? Explique. / Quais os recursos semióticos são necessários para a produção desses curtas- 157 metragens? (Som, imagem, áudio, roteiro, programa etc.)? / Qual é a função sociocomunicativa de um curta-metragem? Ao final da tarefa apresentaram as respostas para toda a sala. ConcluÃmos com os/as participantes que o curta-metragem pode conter histórias ficcionais, podem ser criados com a intenção de informar, como os documentários e que precisam ser curtos (até 30 minutos). Para a segunda parte, que consistia na filmagem do curta-metragem, discutimos sobre os espaços da escola necessários para a produção do filme e, alguns participantes levantaram um problema que não havÃamos considerado: como filmar na escola com tantas pessoas indo e vindo e a sequência de ruÃdos comuns no espaço escolar? Devido a esse fator, resolveram que a filmagem deveria acontecer mais cedo. Assim, combinamos com cada participante da filmagem, chegar na escola 40 minutos mais cedo. 6 pessoas participaram da produção do curta- metragem (personagens: mãe, filha, pai; diretor/a; filmador/a; contrarregra). Foram necessários 3 dias para a filmagem e, verificamos que não somente quem iria filmar chegava cedo, mas muitos/as docentes, funcionários/as e estudantes. Dessa forma, os ruÃdos foram menores que o horário normal, mas inevitáveis. Todos os objetos e figurinos descritos no roteiro foram providenciados pela professora e organizados pelo/a contrarregra. Acreditamos que a parte mais divertida da proposta foram as filmagens para a produção dos contos. Nos dias em que chegamos 40 minutos mais cedo, todos/as já estavam no portão à espera. Os erros, as repetições de dramatização de cenas e até mesmo a presença de outros/as docentes observando o que os/as participantes faziam, tornaram a tarefa muito interessante. Essa experiência foi, sem dúvidas, a efetivação do protagonismo, defendido por Freire (2005), Rojo (2012), Bakhtin (1992). Iniciamos a sétima fase, edição dos vÃdeos, com a previsão de 2 aulas. O objetivo dessa fase era conhecer o programa Wondershare e criar os curtas - metragens. Para desenvolvê-la levamos o notebook com o programa instalado e com as filmagens nos arquivos do computador. Inicialmente, perguntamos se conheciam algum programa de computador ou aplicativo de celular que possibilitava criar curtas-metragens. Diante da negativa, dissemos que procuramos e instalamos um programa de computador que seria bem fácil de organizar os vÃdeos. Em seguida, abrimos o programa para que pudessem ver como seria criado o vÃdeo. Perguntamos se algum/a participante queria organizar os vÃdeos. Prontamente, os/as participantes A4 e A15 disseram que conseguiriam fazer o vÃdeo. Para que toda a turma acompanhasse e apresentasse sugestões, deixamos o notebook ligado ao Datashow para que todos/as acompanhassem o trabalho conforme pode ser visto na Figura 43. 158 FIGURA 43 – Apresentação do programa Filmora Wondeshare Fonte: Acervo pessoal. A seguir, os/as participantes da pesquisa que pesquisaram sobre o programa A15 e A4 foram inserindo as imagens, as músicas, o tempo, os efeitos. Para isso, utilizaram o Datashow e som da sala, o notebook da professora, pen drive e internet da escola. Foram necessários dois horários para essa atividade. Como não tÃnhamos pensado em uma música para a escolha do fundo musical, deixamos que os/as participantes sugerissem. A participante A8 sugeriu a música Stand By me mostrando a letra e a tradução contida no caderno, que segundo ele/a foi apresentada durante uma aula de inglês do semestre anterior. Assim, abrimos um vÃdeo que continha a música no You tube com a tradução onde os/as participantes ouviram a música com a tradução para ver se realmente tinha alguma relação com o curta-metragem. (DisponÃvel em: https://www.youtube.com/watch?v=AxCE3lmrBb0 ). FIGURA 44 – Escolha do fundo musical do curta-metragem Fonte: Acervo pessoal. Todos/as gostaram da música e acharam que deveria compor o fundo musical para o curta-metragem. Ao final da produção, resolveram mudar para um som instrumental da mesma música, pois o áudio do cantor se misturava à s falas dos personagens. 159 FIGURA 45 – Produção e edição do curta-metragem Fonte: Acervo pessoal. Com o tutorial do programa, os/as participantes conseguiram editar o vÃdeo rapidamente: Passo a passo para usar o programa Wordershare Filmora: 1. Abrir o programa; 2. Clicar em modo completo; 3. Clicar em arquivo e a seguir em arquivo, importação de mÃdia e em importar mÃdia; 4. Importar todos os arquivos que serão utilizados para a produção do curta-metragem, inclusive músicas; 5. Clicar no primeiro arquivo que comporá a sequência do curta-metragem e arrastá-lo até a linha do tempo; Visualizar o arquivo, realizar corte se necessário. 6. Fazer o mesmo processo com todos os outros arquivos; 7. Incluir músicas na linha do tempo destinada a elas, caso tenham sido planejadas, arrastando-as da mesma maneira que fizeram com os vÃdeos; 8. Clicar em filtro; 9. Clicar em sketch e arrastar em todo a extensão do vÃdeo para que as imagens virem desenhos; 10. Caso queiram, clicar em áudio para alterar a voz; 11. Inserir textos caso tenham planejado; 12. Clicar em remasterizar para que o vÃdeo seja produzido com maior rapidez; 13. Clicar em exportar; 14. Exportar para um arquivo do computador e pen drive(s); 15. Exportar para a conta de You tube (pode ser do/da professor/a). Importante: I. Observar o tempo que não poderá ultrapassar os 15 minutos; II. Rodar todo o vÃdeo antes de exportar observando a qualidade do áudio e das imagens. Como os/as participantes não tinham conta no you tube sugerimos que a exportação do vÃdeo foi feita na conta do You tube da professora. O vÃdeo produzido encontra-se disponÃvel em https://www.youtube.com/watch?v=km08r1kA9Vk&t=12s. Em seguida, demos inÃcio à oitava fase, que consistia em preparativos para exibição de um festival de curta-metragem, disponibilizamos 2 aulas. Com a intenção de organizar e agilizar o tempo disponÃvel, disponibilizamos aos seguintes itens para discutir com a turma: 160 ï‚· Qual o dia do calendário poderá ocorrer o evento? Verificar a data junto à equipe de Coordenação e equipe Gestora. ï‚· Em que lugar o evento pode ocorrer? ï‚· Quais as turmas poderão participar do evento? ï‚· Quem mais poderá ser convidado/a participar? ï‚· De que forma o convite pode ser feito? Sugerir que dois ou três estudantes passem nas salas fazendo o convite oralmente. ï‚· Quem poderá confeccionar o convite/folder? (Imagens, dia, local, data e demais elementos gráficos) ï‚· Até que dia o convite deve estar pronto? ï‚· Em que lugares o Folder poderá ser fixado? ï‚· De que forma ocorrerá o evento? Sugerir que confeccionem um percurso pedagógico mostrando por meio de cartazes e fotos desde o inÃcio da proposta e que já deixem estudantes responsáveis por fixar o percurso e organizar o local. ï‚· Quem falará sobre o que é esse evento no dia do Festival para todas as turmas? ï‚· Haverá pipoca e refrigerante? Em caso afirmativo, quem ficará responsável por todo o processo inclusive distribuição? ï‚· Quem ficará responsável pelos equipamentos a serem utilizados (pen-drive com o curta-metragem, computador, som, Datashow, dentre outros) e exibição dos curtas-metragens. ï‚· Quem irá entregar e recolher uma folha avaliativa dos curtas-metragens exibidos? ï‚· Pedir que um/a estudante anote todas as decisões para que possam consultar e manter a organização para o dia do Festival. ï‚· Quem irá cuidar da arrumação do espaço ao final do Festival deixando o ambiente utilizado limpo e organizado conforme estava inicialmente? A turma decidiu que o/a participante A20 deveria escrever as decisões no caderno, caso fossem necessárias consultas sobre as decisões. Decidimos que a melhor data para o evento de letramento seria na última semana de junho, pois culminaria no encerramento do semestre. Ao consultarmos a direção, verificamos que o evento não poderia coincidir nem com as datas das provas dos/as estudantes do ensino médio e nem no dia da festa junina (25/06), restando apenas o dia 26 de junho. Os/As participantes decidiram que deveria participar do evento apenas os/as estudantes da EJA inclusive do primeiro segmento. Pelas justificativas, ficaram temerosos com o comportamento desses/as estudantes durante o festival e alegaram que não teriam respeito pelo trabalho desenvolvido pela turma. Resolvemos deixar dessa forma, pois a sala de vÃdeo comporta apenas 4 turmas e, no caso da participação do Ensino Médio seria necessário mais de uma sessão. Nenhum dos /as participantes quis confeccionar o folder, pois acharam o tempo curto e disseram não ter computador em casa para criar. Disponibilizamos o computador da escola e assim o/a participante A4 com muita insistência dos/as colegas disse que compareceria à escola mais cedo para confeccionar. Entretanto, além de não comparecer no horário combinado, faltou por 3 dias seguidos. Assim, a professora fez o folder e o percurso pedagógico e imprimiu, pois percebeu que a tarefa seria muito difÃcil para eles/as considerando o pouco tempo disponÃvel. Segue abaixo a Figura 46: 161 FIGURA 46 – Folder do festival do curta-metragem Fonte: Acervo pessoal. Dessa forma, os/as participantes colaram os folders nos murais da escola e passaram nas salas da EJA fazendo o convite para o festival. Além disso, colaram as partes do percurso pedagógico organizando-as para o dia do evento. Conforme segue a Figura 47: FIGURA 47 – Organização do evento Fonte: Acervo pessoal. Dando continuidade, a nona fase consistia em apresentar o festival de curtas, cujo objetivo era dar visibilidade ao curta-metragem produzido, para esse evento estimamos duas aulas de 50 minutos. Para o dia do evento, os/as participantes da pesquisa ajudaram a organizar a sala onde aconteceria a exibição do curta, fixaram os cartazes do percurso que fizeram durante o projeto pedagógico, dividiram as tarefas: 3 participantes iriam explicar o percurso, 4 participantes iriam distribuir as pipocas e os refrigerantes e o restante cuidaria da arrumação da sala após o evento. Colamos nas paredes os papéis contendo fotos e informações sobre a proposta formando um percurso pedagógico para que os/as convidado/as compreendessem as etapas antes de assistirem o curta-metragem. 162 FIGURA 48 – Exibição do curta-metragem Fonte: Acervo pessoal. Como a sala estava bastante cheia (67 pessoas – 51 convidados/as e 16 participantes da pesquisa) dividimos os visitantes (estudantes das outras turmas em dois grandes grupos). Assim, eles/as passavam por um corredor pedagógico que continha todos os passos da sequência básica de Cosson (2012) com resumos e fotos e, ao final dele, recebiam as pipocas e o refrigerantes comprados pela professora. Assim que o público terminou o percurso, ainda explicamos um pouco mais sobre o trabalho realizado e a seguir todos/as os/as presentes puderam assistir ao curta-metragem. A seguir, distribuÃmos uma avaliação para todos /as os/as presentes para avaliarem o conto assistido (APÊNDICE D) e uma avaliação para os/as participantes da pesquisa (APÊNDICE E). O resultado a seguir, foi acomodado em uma tabela que contém a porcentagem das avaliações realizadas pelos /as convidados/as ao término do evento: 163 TABELA 1 – Avaliação dos/as convidados/as sobre o curta-metragem PERGUNTAS ÓTIMO BOM REGULAR RESPOSTAS Qualidade e criatividade da edição (Som) 44% 47% 9% Qualidade e criatividade da edição (Imagem) 30% 49% 21% Originalidade 44% 50% 6% Atuação dos personagens 45% 39% 16% Adequação, criatividade das roupas, cenário e 46% 30% 18% adereços ao tema proposto Fonte: Dados gerados a partir da avaliação dos/as convidados. Consideramos que a reação do público ao curta-metragem exibido foi positiva, uma vez que cerca de 45% avaliou o filme como ótimo para boa parte dos itens, ficando apenas o item imagem, com 30%. Talvez o filtro escolhido pelos/as participantes da pesquisa tenha deixado, sob o ponto de vista deles/as, a qualidade da imagem ruim e por isso, o público visitante tenha avaliado esse item como bom, 49%. Para a questão aberta “O que mais chamou a atençãoâ€, 15 convidados/as deixaram em branco e os /as demais apresentaram as seguintes respostas no Quadro 6: QUADRO 6 – Avaliação dos/as convidados/as sobre os curtas-metragens Fonte: Resultado da avaliação dos/as convidados/as. 164 As diversas respostas dadas são relevantes, pois elas apontam que o enredo do curta- metragem foi compreendido pelo público. Identificamos, dentre as respostas dadas, que foram citadas as três partes do curta-metragem: o enredo do conto “Tchauâ€, trecho da palestra do Conselheiro Tutelar, os erros de filmagem ao final. Para melhor compreensão, disponibilizamos os resultados em gráficos e, pretendÃamos mostrar os resultados da pesquisa aos/as participantes, entretanto não houve tempo hábil para essa atividade para que pudessem ter uma visão crÃtica do trabalho que fizeram e ver como os/as outros/as colegas avaliaram este trabalho. Os/As participantes da pesquisa responderam ao questionário contendo 9 questões fechadas e 1 aberta. Dos 16 participantes, 12 entregaram o questionário. Para as respostas, elaboramos uma tabela na qual inserimos as perguntas e as respostas em porcentagem. TABELA 2 – Avaliação dos/as convidados/as sobre o curta-metragem PERGUNTAS Ótimo Bom Regular RESPOSTAS Técnica de montagem e edição a partir do Wondershare Filmora 75% 25% 0% Adequação do curta-metragem ao roteiro criado 67% 33% 0% Escolha do fundo musical 83% 17% 0% Qualidade e criatividade da edição (Som) 67% 25% 0% Qualidade e criatividade da edição (Imagem) 75% 17% 8% Originalidade 75% 8% 17% Adequação, criatividade das roupas, cenário e adereços ao tema 83% 17% 0% proposto Atuação dos personagens 83% 17% 0% Fonte: Dados gerados pela avaliação do curta-metragem pelos/as participantes da pesquisa. Para a questão aberta “O que mais chamou a atenção/aprendeu entre a produção do roteiro e a produção do curta-metragemâ€, 2 participantes deixaram em branco e os /as demais apresentaram as seguintes respostas: 165 QUADRO 7 – Avaliação dos/as participantes sobre os curtas-metragens Fonte: Acervo pessoal. Dentre as respostas dadas na questão aberta aos /à s participantes da pesquisa, chama a atenção aos aspectos considerados por eles importantes como a qualidade, a criatividade. Essas palavras positivas dos/as participantes da proposta, ao final do semestre mostram que é fundamental ajudar os/as estudantes da EJA a buscar o protagonismo. Quando eles sentem que são fundamentais na produção do conhecimento, a autoestima volta a ser resgatada. 3.1.5 Bloco 5 - Avaliação Para esse Bloco destinamos 1 aula. O propósito desse Bloco foi refletir sobre o que os/as participantes aprenderam a partir das aulas sobre os contos, sobre a produção de roteiros e curtas-metragens e conduzi-los/as a pensar sobre como os novos conhecimentos foram sendo adquiridos. Para isso, realizamos uma entrevista semiestruturada, com cada participante individualmente que compareceu à s aulas no final do semestre que pode ser observado nos trechos dos excertos a seguir: (51) A12: eu aprendi sobre os contos que eu não sabia... eu não sabia diferenciar conto com romance... com essas outras coisas então... eu não entendia... né... hoje eu sei diferenciar o que é um conto de um romance pra outras coisas... eu aprendi muita coisa sobre o curta-metragem... sobre os roteiros que eu também não sabia... sobre a palestra que eu gostei também do Lucas que falou sobre o conselho tutelar... porque o Conselho Tutelar tá muito importante assim... é uma coisa que está mexendo muito com a gente hoje porque as crianças estão sendo vÃtimas na mão dos adultos hoje que não estão sabendo cuidar... então eu gostei dessa palestra... gostei também da palestra 166 daquela menina.. da Sandra falando sobre os autistas que eu não sabia... então... muitas coisas que eu não sabia... hoje eu posso dizer que eu sei... sei diferenciar uma coisa de outra... P: e sobre a leitura e a escrita... você sente que você melhorou em algum aspecto? A12: a leitura eu melhorei também... eu tenho que ler mais... pra eu melhorar a minha leitura eu tenho que ler mais... sobre a escrita... minha letra também melhorou bastante... e vamos aprender daqui pra lá... na outra escola a gente sabe que vai ter dificuldade... não vai ser fácil... porque nós vamos pegar coisas mais difÃceis que a gente não tem nem noção do que vai ser e aà a gente vai empurrando... seja o que Deus quiser... A3: é difÃcil a gente falar... uma coisa é a gente conhecer... ouvir e aprender... outra é saber que existe... mas não saber certinho como... assim... a gente aprendeu agora... sobre a ClÃnica de Repouso, a gente sabe que existe... mas não da maneira que a gente estudou um pouco mais... que ficou mais claro na nossa mente... todas chamaram atenção... mas sobre aquela do Lucas... sobre a criança... aquela do tchau... sobre o casal com a filha... todos eles chamaram a atenção... mais um pouco... porque eu ouvia falar sobre o Conselho Tutelar... mas tipo assim... que ele falou que trabalha na área... essas coisas... me tocou mais... o que envolve as pessoas além das crianças... pais inclusive que não têm responsabilidade e as crianças que sofrem nessa jogada né... A17: então... esse projeto me ajudou muito... até mesmo inclusive pra me expressar melhor... na minha entrevista eu me saà muito melhor porque eu consegui falar... responder as perguntas com mais certeza do que eu queria meus objetivos... então... me ajudou muito... A5: pra mim professora ajudou muito... pra eu perder minha timidez... eu tinha muita vergonha de ler... eu gaguejava e aqui não... aqui eu aprendi muito o que eu tenho que aprender pra mostrar pro meu medo que eu sei ler e escrever... então eu tenho que perder esse meu medo e mostrar que eu não sou qualquer pessoa... eu tô ali pra aprender com os professores... perder esse medo... eu fico com vergonha na hora... mas depois passa... depois eu rio de onde eu errei... começo a rir... onde eu sei que eu tô aprendendo... errando que a gente aprende... P: dos contos algum deles interferiu na sua maneira de pensar? A5: em mim... foi o do pai ter abandonado o filho... porque mesmo que o pai esteja vivo... ele estava ali do lado e a gente que perde os pais... a gente sente muita falta... eu perdi os dois... até hoje eu não aceito ainda... é muito triste e a gente sente muita falta dos pais em tudo... quando você está estudando... que você chega e fala para ele que passou... é uma alegria imensa... quando você começa a trabalhar... você chega e quer contar a novidade... que você está voltando a trabalhar... voltando a estudar... conquistando tudo que quando a gente era pequena não podia trabalhar ou estudar porque tinha que ajudar os pais... depois de casada que a gente tenta terminar os estudos... pra mim a maior felicidade é essa... eu mostrar... onde eles estão agora... eles estão vendo... que eu voltei a estudar pra eles e voltei a trabalhar também e eu pretendo terminar meus estudos e tentar fazer uma enfermagem... alguma coisa... porque eu gosto muito de enfermagem... porque eu sempre cuidei dos meus pais... meu pai quebrou a perna e fui eu que fiz o curativo... quando 167 minha mãe teve câncer de mama eu que cuidei dos seios dela e quando a minha sogra fez uma cirurgia no retro... mais de cinquenta pontos... eu que cuidei do curativo também... por isso eu tenho vontade... exatamente... não sei... mas as minhas irmãs falam que na hora eu teria coragem porque eu vou lembrar-me da minha mãe que eu passei mal e meu pai também passou mal na minha frente... mas a gente é ser humano... médico uma hora cai... hora levanta... mas eu pretendo com fé em Deus eu pretendo formar em enfermagem... exatamente... eu não estudei o ano passado por causa da minha mãe... cuidava dela... mas ela sempre falava... volta a estudar e esse ano eu voltei a estudar... entrei em depressão por causa deles... mas hoje o estudo me ajudou muito... professora... com essa depressão eu ficava só dentro de casa... não saÃa pra lugar nenhum... não comia... quando eu voltei a estudar... voltei com outra cabeça e eu sinto falta quando não venho pra escola... à s vezes... esqueço até os problemas de dentro de casa... volto mais feliz pra casa... P: qual dessas partes você mais gostou? A5: professora... pra falar a verdade eu gostei de todos... não tem nem como escolher... eu gostei do começo até o fim... que foi um trabalho pra gente... primeira vez que a gente lança um filme... a gente fica assim ansioso na hora se alguém vai gostar... se não tem algo errado... alguma coisa... mas foi muito bom... não tenho em que reclamar... pra mim foi uma maravilha... gostei muito... pra mim todas foram boas... A3: do curta-metragem... P: e qual o conto que você mais gostou? A3: da menina que foi embora... da que tinha filho... dá pra pensar as coisas né... tem o conto lá do menino que o pai dele foi embora e tudo mais... A15: eu acredito que com essa criação do projeto que a senhora propôs pra sala... os alunos resolveram se reunir pra poder debater... pra poder fazer a criação daquele projeto... porque normalmente o pessoal tem os seus grupos e lá fica e quando colocaram o projeto pra todo mundo fazer... todo mundo trocou opinião... todo mundo entrou com seu trabalho... com seu esforço e pode se ver que o trabalho deu certo... porque ficou um trabalho legal com a ajuda de todo mundo... uns ajudaram na edição... outros ajudaram na parte da gravação... tudo foi correndo assim e todo mundo foi ajudando porque foi legal foi isso... porque se fosse em outras matérias ninguém estava nem ligando e ia fazer de qualquer jeito e pronto e acabou... todo mundo se empenhou muito pra poder fazer um negócio que valesse a pena e ficou muito legal... de vez em quando eu fico rindo quando eu me lembro da gravação... eu aprendi bastante coisa... eu aprendi como editar um texto... editar o texto pra roteiro... eu não tinha costume de ler contos... leio bastante contos... muito boa a leitura... eu gostei mais da parte da apresentação... da edição... dos contos que fizemos da edição do roteiro... como depois da edição do vÃdeo montado... gostei bastante da parte que todos os alunos entraram em consenso pra ver quais partes foram mais legais pra fazer a montagem do curta-metragem... eu gostei muito... eu acredito que melhorei bastante porque era muito ruim em Português... vou ser bem sincero... eu aprendi bastante como pontuação... como parágrafo... essas coisas assim... algumas palavras e os locais corretos dela serem colocadas e assim... gostei...foi um aprendizado muito bom com a senhora... com os alunos da 168 sala... foi muito bom... foi um aprendizado muito bom... pelo tempo também que eu não estudava... mas gostei bastante... A8: olha... ajudou a ver as coisas de modo diferente... eu gostei dos contos que eu havia lido que eu participei do grupo aqui com os colegas de classe e eu gostei de todos os contos que a gente leu e eu aprendi que como o conto da Caolha mesmo... eu aprendi que não existe só no conto... existe também na vida real... o conto da Caolha mexeu muito comigo... mas eu gostei de todos eles... eu gostei da margem do rio... eu gostei de todas... todas foram muito marcantes... muito bom... eu gostei... eu não tenho nem como poder escolher um... A13 :vamos dizer a escrita... porque melhorou muito... a minha letra... o que mais professora... me ajuda aÃ... ah... sim... até eu falei mesmo pra professora né... que com a professora de Artes... ela sempre colocava a gente na frente e eu era assim um pouco tÃmida... mas... depois eu fui me soltando... uma vez eu passei até mal... e aà eu fui me soltando... fui pra frente... já fui lendo já... mais segura do que eu estava falando... então eu melhorei nesse sentido sim... A24: ajudou... é importante... livro... é bom a gente aprender coisas novas... sempre é bom né... A20: muito bom... gostei bastante... aprendi muito... foi muito ótimo... mais o texto do “Tchau†que me agradou... mas ficou muito bom... eu adorei aquilo ali... achei muito excelente o trabalho da senhora... foi muito bacana... e não só eu... professora... minha menina também achou muito bom... P: é... ela assistiu?... A20: assistiu... ela vai copiar aquele modelo que você fez do livrinho... porque ela também é professora... eu tenho minha filha que é professora também... ela vai copiar aquele modelo e fazer com os alunos dela... P: ah... que legal.. ela é professora onde?... A20: na creche da Santa Luzia... você não sabe a creche ali embaixo... ela é professora de lá.... teve daquela imagem do rio né... pra mim foi ótimo... eu entendi normalmente... pra mim achei legal a forma do conto... é bom porque a gente desenvolve mais o estudo... mais a leitura... pra mim foi maravilhoso... eu acho que desenvolveu muito... com certeza... a gente só aprende lendo né... igual a senhora fala... quanto mais você lê... mais o seu desenvolvimento aumenta... então eu achei bacana... achei muito bom mesmo... (Trecho da gravação da entrevista semiestruturada do dia 28 de junho de 2019). Conforme os excertos da entrevista, podemos notar o quanto o comportamento e a visão das aulas de LP mudaram. Tornaram-se falantes, crÃticos de si mesmos e conseguem enumerar uma série de aprendizados considerando a aplicação da proposta. Esta proposta, com base nos pressupostos metodológicos da ADC, voltada para as práticas de multiletramentos e para os Letramentos CrÃticos, proporcionaram aos/à s estudantes a apropriação da multiplicidade de linguagens e de semioses, os estudantes apropriaram-se de uma multiplicidade de linguagens, de modos e de semioses e de multissemioses. Pelos relatos, perceberam que o curta-metragem 169 produzido teve visibilidade e reconheceram que as etapas da sequência Básica de Cosson, permitiram esse crescimento. 3.2 Reflexão sobre a pesquisa Com base nos aportes teóricos e metodológicos dessa pesquisa, a ADC, o Letramento Literário, o Letramento CrÃtico e os Multiletramentos, denominada como triangulação metodológica, sistematizadas para contribuir para o ensino de LP destinada à EJA e à modalidade de ensino regular do Ensino Fundamental, defendemos que é preciso também haver discussão, análise e reflexão para que a educação alcance os nÃveis de qualidade esperados por todos/as os/as profissionais de ensino e a sociedade. Tarefa árdua e difÃcil, se levarmos em conta as condições reais que se encontram as escolas públicas do paÃs, como salas lotadas, equipamentos sucateados e/ou obsoletos, falta de materiais pedagógicos, professores sobrecarregados, desvalorizados e sem a formação continuada, dentre outros tantos problemas que interferem no ensino e aprendizagem dos/as estudantes. Esse panorama adverso não impede que diversos professores, como mediadores do saber, fomentem um ensino voltado para as práticas sociais e provoquem reflexões crÃticas junto aos/à s estudantes, de maneira que se sintam capazes de mudar a própria história. Para tanto, é imprescindÃvel que o/a professor/a desenvolva estratégias pautadas em conhecimentos teóricos e metodológicos que visem a elaboração de um material didático que considere os multiletramentos, o letramento crÃtico, procurando intervir na sala de aula para o alcance dos objetivos. Essas metodologias sistematizadas permitiram que alcançássemos os objetivos geral e especÃficos da pesquisa apresentada, e consequentemente, os resultados esperados. O Profletras, Mestrado Profissional em Letras, além de indicar os meios adequados para desenvolver as propostas didáticas, também qualifica e instrumentaliza os/as mestrandos durante o curso para que possam inovar as práticas de ensino durante as aulas de LP no ensino fundamental. Elaborar e aplicar a proposta, coletar, analisar e refletir os dados obtidos é uma responsabilidade complexa, pois o/a professor/a acumula concomitantemente o exercÃcio da prática docente e a pesquisa, gerando sobrecargas que dificultam aplicação e análise dessas propostas de intervenção. Diante dessas reflexões, consoante à pesquisa e à proposta desenvolvida nesta dissertação, identificamos um problema social com caracterÃsticas semióticas e criamos 170 estratégias pedagógicas, seguindo o arcabouço teórico, que conduzisse os/as participantes da pesquisa a um comportamento social que prima pelo diálogo e pela criticidade. Para tanto, ao percebemos as dificuldades que os/as estudantes encontram no processo de leitura e escrita, seguimos a triangulação metodológica, com o propósito de examinar os empecilhos e reduzi-los. Como visto, estudamos sobre o problema, sobre o público EJA, a atual conjuntura do ensino de LP no Brasil, sobre a ADC, o Letramento Literário, o Letramento CrÃtico, a pedagogia dos Multiletramentos, os gêneros discursivos contos, roteiros e curtas- metragens, entre outros, que juntos, fundamentaram a elaboração sequência Básica com o propósito de amenizar os problemas detectados no que tange à leitura e à escrita. A ADC, além de se debruçar sobre as questões linguÃsticas e de se ocupar das relações entre a sociedade e a lÃngua, tornou-se a espinha dorsal de toda a pesquisa e, graças a ela, pelo corpus investigado, foi capaz de revelar como ocorrem as relações de poder, como o lido e o vivido são transpassados pela cultura e como as representações discursivas e identificações dos personagens podem servir para se conhecer melhor. Com o exposto, o nosso interesse é que, com a pesquisa realizada, com a nossa participação e dos demais participantes, os aprendizes da EJA sejam capazes de atuarem de forma crÃtica, nos mais diversos contextos de interação comunicativa. Além disso, esperamos que essa pesquisa, somada a tantas outras desenvolvidas no âmbito do PROFLETRAS, possam trazer alguma contribuição social, apontando caminhos que possam ser seguidos, com vistas à uma transformação social e formação de indivÃduos crÃticos. Destacamos, também, que esses estudos, discussões e reflexões teóricas não cessam por aqui. Cabe aos/à s professores/as realizarem as adaptações que considerarem pertinentes, de acordo com o contexto e realidade escolar vividos, planejando intervenções que possam ser adequadas, a partir da leitura desta dissertação e/ou do caderno suplementar. 171 CONSIDERAÇÕES FINAIS Essa dissertação é fruto de uma construção árdua, de reflexões e de práticas pedagógicas que levam em consideração a leitura, o conhecimento dos/as estudantes para a produção de sentidos. Os /As participantes, estudantes da EJA puderam tornar-se atores sociais, protagonistas de uma proposta que consideramos audaciosa, uma vez que deveriam sair da passividade e do “silêncioâ€, para uma atitude responsiva ativa. Nossa pesquisa questionou como uma proposta interventiva, centrada na leitura e na análise linguÃstica e semiótica crÃtica de contos e na produção (escrita e multissemiótica) de diferentes gêneros, poderia contribuir para a ampliação dos letramentos, de forma a possibilitar a participação significativa e crÃtica dos discentes da EJA em diversas práticas sociais constituÃdas por diferentes linguagens, e assim , levá-los a estabelecer relações entre o que leem e o que vivem, aproximando-os do texto literário, e para a exploração da multissemiose e a integração das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC). Com base nos estudos realizados, na construção e execução de uma proposta, na geração e análise dos dados produzidos, constatamos todo esse conjunto articulado e organizado, viabilizou que os/as participantes, alunos da 8ª série da EJA, percebessem-se capazes de ler, de interagir e de produzir textos, analisar as representações discursivas e identificações presentes nos contos e as relacionarem à maneira como se representam, se identificam e representam o mundo. A pesquisa reforçou nossa crença de que o uso de Tecnologias Digitais é um forte instrumento para o ensino das aulas de LÃngua Portuguesa, tanto para os momentos de leitura, quanto para as produções, como as do roteiro e do curta-metragem. Dessa forma, acreditamos que essa sequência básica contribuiu para que, posteriormente, os/as estudantes tivessem uma concepção de si mesmos mais positiva, com êxito, como puderam dizer nas suas próprias entrevistas. Nesse caminho metodológico, contribuÃmos para a promoção do Letramento CrÃtico e dos multiletramentos, ao aplicarmos essa proposta para o público EJA. Pelo exposto até o momento, podemos afirmar que, alcançamos os nossos objetivos, dado que os/as estudantes leram e produziram textos, seguindo as convenções de diferentes gêneros, e levaram em conta a multissemiose e a integração das tecnologias digitais de forma reflexiva, significativa e crÃtica, considerando o que reza a BNCC. Eles leram 5 contos da literatura brasileira, analisaram e discutiram as representações discursivas e identificações dos personagens neles construÃdas por 172 meio de recursos linguÃstico e semióticos; investigaram as representações e identificações de si construÃdas ao longo da aplicação da proposta e relacionaram as representações e as identificações dos personagens nos contos, articulando culturas, o lido e o vivido; em diversos momentos assumiram o protagonismo produzindo leituras em áudios, roteiro ,curta- metragem, festival de curta-metragem. Elaboramos e aplicamos uma proposta que buscou os conhecimentos e as experiências que os/as estudantes da EJA possuem, respeitando os seus saberes. Dessa forma, os/as estudantes demonstraram interesse, durante todas as etapas da aplicação, gerando relações intertextuais e interdiscursivas, identificando a si e aos outros, construindo, portanto, novos discursos e sentidos. Reconhecemos que enfrentamos algumas dificuldades no decorrer da proposta, como equipamentos que não funcionam de uma hora para outra e outras situações inesperadas que interferiram durante a pesquisa, tais como reuniões solicitadas pela direção, paralisações de professores/as, reduções de horários, saÃdas de campo, sem planejamento prévio, e até mesmo as saÃdas dos/as participantes da escola mais cedo .Tudo isso contribuiu para que o calendário previsto fosse alterado estendendo até o final do semestre letivo, mas não inviabilizou o desenvolvimento de nossa pesquisa. Podemos asseverar que, mesmo com tais dificuldades enfrentadas, contribuÃmos, assim, para o desenvolvimento da competência discursiva dos/as participantes. Por conseguinte, ao fomentar a leitura, estimulados ao hábito de ler, percebemos que os/as estudantes, no decorrer da pesquisa, foram se sentindo mais confiantes, autônomos, crÃticos e atuantes. Passaram a identificar-se com as leituras e foram capazes de estabelecer relações entre o que liame o que vivem, conseguiram repensar a vida, com vistas a mudar a própria história. Este estudo possibilitou também, aos alunos que estudam na EJA, a oportunidade de participarem de práticas sistematizadas de leitura e de escrita, motivados a ler e a escrever de maneira atenta, crÃtica e reflexiva, estabelecendo uma relação com aquilo que lê e aquilo que vivencia no cotidiano, observando as marcas linguÃstico-discursivas presentes no texto (materialização do discurso social), as representações, identidades e crenças que são construÃdas e os diferentes modos de significação que atuam na construção de sentidos. Além disso, essa pesquisa poderá ajudar aos professores que são regentes em turmas da EJA a reconsiderarem novas estratégias de leitura e escrita, para melhoria da educação básica, bem como adotarem o uso de novas tecnologias para facilitar a aprendizagem. 173 Considerando o trabalho com o gênero discursivo conto, retomamos o que a BNCC (2017, p.138) defende sobre os gêneros literários, à qual destaca o poder humanizador, transformador e mobilizador que o texto literário possui, além de garantir a formação de um “leitor - fruidor†capaz de se implicar na leitura dos textos e também de desvendar os diversos sentidos, além de responder as próprias demandas. Isso pode ser percebido durante as interpretações e análises que os/as estudantes fizeram a cada conto lido. Refletimos também que para cumprir toda a proposta do caderno Suplementar que acompanha esta dissertação, é necessário que o/a docente esteja disposto a tornar-se de fato um mediador/ provocador e, mais que isso, um aprendiz. Percebemos que exercer a escuta não é uma tarefa fácil, pois, como docentes, estamos acostumados mais em falar durante as aulas do que ouvir. Portanto, trata-se de um aprendizado neste sentido. Além do mais, o público EJA possui conhecimentos de mundo e experiências de vida que valem a pena serem ouvidos, refletidos e registrados. Avaliamos também que algumas etapas podem ser adaptadas e organizadas de maneira que os/as participantes sintam-se mais autônomos tais como: estimular que eles/as sugiram contos que possam ser trabalhados, inclusive contos que ouviram na infância ou aqueles que pertencem ao realismo fantástico; para as palestras, os/as participantes podem organizá-las e criar as perguntas dirigidas ao/à convidado/a, exercendo mais ainda o protagonismo; e, se possÃvel, realizar visitas e/ou pesquisas de campo que possam ter sido despertadas durante a leitura dos contos. Percebemos que os/as participantes queriam realizar uma visita em uma casa de repouso para idosos/as e na ocasião não foi possÃvel. Outro aspecto relevante, é o uso de modalizadores que, muitas vezes inconscientemente são usados pelos/as professores/as e que intimidam e coÃbem a participação dos/as alunos/as e que são comuns no dia a dia escolar, tais como “deixarâ€, “permitirâ€, “mandarâ€, “darâ€. Algumas vezes, como pesquisadora e professora usamos essas expressões vocabulares demonstrando uma atitude autoritária e contrária ao esperado. Isso ocorre porque estamos acostumadas/os, no ambiente escolar, a sermos a autoridade dentro da sala de aula e que também não é desejável. Visto isso, pela proposta apresentada e realizada, devemos estar atentas/os ao uso desses modalizadores, uma vez que almejamos a participação, a parceria, a autonomia, o protagonismo dos/as estudantes. Outro desafio, é a produção do gênero acadêmico que possui caracterÃsticas bem distintas e que está intimamente ligado ao cientÃfico. Os/As cursistas do PROFLETRAS são professores/as que estão retornando à s Universidades, muitas vezes depois de mais de uma 174 década, e por isso, encontram dificuldades para escrever os projetos, as dissertações, as propostas, os artigos. Isso ocorre porque a docência torna-se o centro de nossas atividades e deixamos de ser pesquisadores após o término da graduação. Ficando o gênero acadêmico distante do nosso dia a dia. Somente com a ajuda dos professores orientadores, as leituras das obras indicadas, as aulas presenciais de mestrado, a participação em Simpósios, Congressos e Seminários, conseguimos superar e concluir a dissertação de mestrado utilizando a linguagem adequada, mas ainda com dificuldades. Dessa forma, concluÃmos que após a conclusão do curso, devemos, além de levar os conhecimentos adquiridos ao longo da nossa formação para a sala de aula, continuarmos como pesquisadores/as, participando de formações continuadas, fóruns e demais atividades que pertencem a esse universo e praticar a escrita acadêmica publicando sempre que possÃvel, por exemplo, artigos. Ao término do curso, podemos afirmar que o PROFLETRAS é um programa que nos proporcionou: conhecermos diversas teorias e metodologias que poderão fundamentar e organizar a nossa prática pedagógica; aprendermos a criar sequências didáticas que irão cumprir com os propósitos de ensino alinhados à BNCC; aplicarmos e divulgarmos as propostas didáticas disponÃveis a qualquer professor da educação básica, nos repositórios das Universidades que oferecem o curso PROFLETRAS e portais voltados à educação, dentre outros benefÃcios. Acreditamos que os cursistas, desse programa de pós-graduação, ingressam com muitas perguntas e angústias sobre o ensino de LP e saem com as respostas suficientes para transformar a sua prática docente: qualificados para atuarem na comunidade como professor/a de LP, seguros para ajudarem aos colegas da área que não tiveram a mesma oportunidade e cientes que devem continuar em busca de caminhos para uma prática comprometida com a leitura e a escrita, pois a formação continuada não cessa. O PROFLETRAS é um curso de pós-graduação ligado à prática, ao dia a dia do professor e do aluno e alcança diversas esferas sociais. E por isso, a cada ano, esse programa deve ser fortalecido e ampliado nas Universidades Públicas do paÃs. 175 REFERÊNCIAS ALCÂNTARA, J. C. D. de. Curta-metragem: gênero discursivo propiciador de práticas multiletradas. 2014. Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem). Repositório Institucional. Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2014.138 p. 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Se sim, lembra-se de algum, cuja história tenha ficado marcada em sua memória? Comente sobre isso. 6. Você considera que a leitura de textos pode ajudá-lo na sua vida? Se sim, como? 7. Você tem o hábito de falar sobre si mesmo fora da escola? Se sim, o que isso significa para você? 8. Você tem oportunidade de falar de si mesmo na escola? Se sim, como isso acontece e qual o significado disso para você? 9. Você tem o hábito de escrever sobre a sua vida? Se sim, onde escreve? 10. Você considera que quem lê mais possui maior capacidade de se expressar verbalmente? 11. Para você o que é uma leitura proveitosa? 12. De que modo a leitura tem ajudado na sua vida? 13. Você sabe o que é um conto? Já leu algum? 14. Você já leu algum roteiro? 15. Você já produziu algum roteiro para a construção de algum filme, documentário ou curta- metragem? 16.Você gosta de curta-metragem? 187 APÊNDICE B – Roteiro de entrevista semiestruturada 1) O que a sua participação no desenvolvimento da proposta de leitura e de produção de textos significou para você e para sua aprendizagem? 2) Como a leitura interfere ou interferiu na maneira de você pensar / viver a partir da sua participação desse trabalho? 188 APÊNDICE C – Roteiro criado pelos/as participantes GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL SUBSECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÃSICA COORDENAÇÃO REGIONAL DE ENSINO DE SAMAMBAIA CENTRO DE ENSINO xxxxxxxx Diretor: xxxxxxxx Vice-diretora: xxxxxxx Supervisor Pedagógico: xxxxxxxxxxx Professora Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida Resende Ottoni Professora pesquisadora: Marcela Cristiane da Silva (LÃngua Portuguesa) Parceria: xxxxxxxxxxx (Artes) Adaptação do Conto “Tchau†de Lygia Bojunga Pelos estudantes da EJA - 8ª série Roteiro de curta-metragem de ficção DIRETOR: A20 CÂMERA: A23 FIGUTINISTA: A8 ELENCO MÃE: A24 REBECA: A1 PAI: A15 189 Junho de 2019 CENA 1- O BUQUÊ: PORTA DA CASA DA REBECA- INTERIOR -DIA A campainha toca. Rebeca corre pra abrir a porta. Admira o buquê tão bonito. REBECA - Mãe! (Gritando) chegou flor pra você. A Mãe vem correndo da cozinha e pega o buquê. Tem um envelope preso no papel; a Mãe tira depressa um cartão lá de dentro, lê. O telefone toca; a Mãe larga tudo e vai atender. Rebeca tenta ler o cartão. Mas está escrito em lÃngua estrangeira. Olha pra assinatura: REBECA -Nikos. (Lê baixinho) Bota devagarinho o cartão em cima do envelope; vai chegando disfarçada pra perto do telefone, sem tirar o olho da Mãe. Franze a testa: a Mãe estava parecendo nervosa (come as unhas). A conversa no telefone acaba. A Mãe pega o buquê. MÃE - Coisa linda esse buquê, não é Rebeca? REBECA -É. MÃE - Com esse calor é melhor botar ele logo dentro d'Ãgua. (Vai indo para encher o vaso de água na cozinha). Você não quer me ajudar a arrumar o vaso? Rebeca fica parada. A mãe olha para ela; para também: assim meio abraça com o buquê. E durante um tempo as duas ficam se olhando. Rebeca vai indo distraÃda rumo ao vaso. E as duas arrumam as flores devagar, sem falar nada; sem levantar o olho do vaso. CENA 2- O QUEBRA - CABEÇAS: FINAL DO DIA – INTERIOR As duas no chão da sala montando um quebra-cabeças em silêncio. MÃE - Rebeca, eu vou me separar do pai: não tá dando mais pra gente viver junto. Rebeca fica com a peça do quebra-cabeças no ar olhando assustada para a mãe. MÃE -Neste último ano tudo ficou tão ruim entre o pai e eu. Eu sei que ele sempre teve paixão por música, eu já conheci ele assim. Mas desde que o Donatelo nasceu que ele só vive à s voltas com aquele violino! é só tocar, estudar, compor, ensaiar; ele me deixou sozinha demais. (Pega a mão da Rebeca, mas Rebeca tira a mão). REBECA - Sozinha, como? e eu? e o Donatelo? a gente tá sempre junto, não tá? nós três. E 190 quando o pai não tá com a orquestra, ele também tá sempre em casa. Então? nós quatro. Sozinha por quê? MÃE - E` que... eu não sei como é que eu te explico direito, mas... ah, Rebeca, eu ando tão confusa! – Aperta a boca e fica olhando para uma peça do quebra-cabeças. Rebeca olhando para a mãe. A Mãe fica de joelhos, agarra as duas mãos da Rebeca: MÃE - Eu me apaixonei por um outro homem, Rebeca. Eu estou sentindo por ele uma coisa que nunca! nunca eu tinha sentido antes. Quando eu conheci o teu pai eu fui gostando cada dia mais um pouco dele, me acostumando, ficando amiga, querendo bem. A gente construiu na calma um amor gostoso e foi feliz uma porção de anos. E mesmo quando eu reclamava que ele gostava mais da música do que de mim, eu era feliz... REBECA - O pai adora você! você não pode... MÃE -...e mesmo no tempo que o dinheiro era super apertado a gente era feliz... REBECA - Ele gosta de você! ele gosta demais de você. MÃE -...mas este último ano a gente tá sempre discutindo, a gente briga a toda hora. REBECA - Por quê? MÃE - Não sei; quer dizer, eu sei; eu sei mais ou menos, essas coisas a gente nunca sabe direito, mas eu sei que eu fui me sentindo sozinha... vazia... vazia de amor. Amor assim... de um homem. E claro que isso não tem nada a ver com o amor que eu sinto por você. E pelo Donatelo então nem se fala. REBECA - Não se fala por quê? você gosta mais do Donatelo que de mim? MÃE - Não, não, Rebeca! entende: é porque ele é tão pequeno ainda, e você já está ficando uma mocinha: então é um amor do mesmo tamanho mas um pouco diferente que eu sinto por vocês dois. Mas isso não tem nada a ver com... ah, Rebeca, como é que eu te explico? como é que eu te explico a paixão que eu senti por esse homem desde a primeira vez que a gente se viu. 191 REBECA - Ai! não aperta a minha mão assim. MÃE - Se ele me diz vem te encontrar comigo, mesmo não querendo, eu vou; se ele fala que quer me abraçar, mesmo achando que eu não devo, eu deixo; tudo que eu faço de dia, cuidar de vocês, da casa, de tudo, eu faço feito dormindo: sempre sonhando com ele; e de noite eu fico acordada, só pensando, pensando nele. REBECA - Ai, não... MÃE - Ele diz eu gosto do teu cabelo é solto, eu digo é justo como eu não gosto, e é só ir dizendo isso pr'eu já ir soltando o cabelo; ele diz ás 5 horas eu te telefono, eu digo NÃO! eu não atendo, e já bem antes das 5 eu to junto do telefone esperando; só de chegar perto dele eu fico toda suando, e cada vez que eu fico longe eu só quero é ir pra perto, Rebeca! Rebeca! eu tô sem controle de mim mesma, como é que isso foi me acontecer, Rebeca?! Ele me disse que vai voltar pra terra dele e me levar junto com ele, eu disse logo eu não vou! sabendo tão bem aqui dentro que não querendo, não podendo, não devendo, é só ele me levar que eu vou. A Mãe bota de palma pra cima as duas mãos da Rebeca e enterra a cara lá dentro. Ficam assim por um tempo. REBECA - Isso é que é paixão? - A Mãe sacode os ombros. Quietas de novo. REBECA - Como é que... como é que ele se chama? esse cara. MÃE - Nikos. REBECA - Que nome esquisito. MÃE - Ele é grego. REBECA - Grego? e você entende o que ele fala? MÃE - A gente conversa em francês. Rebeca fica olhando o quebra-cabeças e vai desmanchando. 192 Suspira. REBECA -E ainda mais essa! com tanto homem no Brasil. CENA 3 -NO SOFà DA SALA: DIA – INTERNO A Mãe corre pra sala e se joga no sofá chorando. Rebeca ouve a Mãe soluçando. Levanta. Olha pro Donatelo na carrinho ao lado: dormindo. REBECA - Que foi?! A Mãe tapa o choro com a almofada; o corpo fica sacudindo. REBECA - Mãe, que foi, que foi! O Pai chega na sala. Rebeca escorrega pro chão e puxa o carrinho de bebê para perto e fica meio escondida atrás do sofá. O Pai chega perto e fala com uma voz de raiva, de mágoa: PAI - Você tá chorando por quê? Quem tem que chorar sou eu e não você. Não sou eu que tô abandonando a minha famÃlia, é você; não sou eu que tô deixando os meus filhos pra lá: É você! A Mãe tira a almofada da cara; a voz sai metade soluço, metade fala: MÃE - Você não tá querendo entender: eu não tô deixando a Rebeca e o Donatelo: um dia eu volto pra buscar os dois. PAI - Você vai embora com esse estrangeiro pra viver lá do outro lado do mundo... MÃE - Eu juro que eu volto! PAI -...mas o estrangeiro não quer as crianças, só quer você. MÃE - Eu sei que eu acabo convencendo ele... PAI - E se um dia você convence ele, aà você vem buscar a Rebeca e o Donatelo, não é? Lindo! 193 MÃE - O que que eu posso fazer? ele não quer que eu leve as crianças agora. PAI - ELE NÃO QUER(Gritando)!! Então ele agora manda em você. Ele é um deus que desceu do Olimpo pra dizer o que ele quer e o que ele não quer que você faça. Pois eu também não quero, viu? eu não quero o que você quer. E você vai ter que escolher: ou fica ou leva as crianças com você agora. MÃE - Mas eu não... PAI - Se você não leva elas agora, eu não deixo você levar nunca mais. Abandono do lar, da famÃlia, de tudo: a lei vai estar do meu lado. Então você escolhe: ou ele ou as crianças. CENA 4: NA MESA DO BOTEQUIM: DIA- INTERIOR Rebeca com um Todinho e vem tomando ele pela rua. Para em frente do botequim da esquina e fala sozinha: REBECA -Ué é meu pai? Ela entra. Oi, pai. O Pai levanta cara do copo e olhou pra Rebeca feito custando pra lembrar quem é que ela era(bêbado) PAI. - Oôôooooo filhinha, o que que você tá fazendo por aqui? REBECA - Eu, nada, e você? PAI - Nada. O sorvete pinga na mesa. O Pai fica olhando triste pro pingo. (Bêbado) Rebeca senta. O Pai bebe enquanto Rebeca toma o sorvete. O Pai suspira. PAI A tua mãe não gosta mais de mim. Rebeca olha pra mesa: cheia de copo vazio. PAI E eu gosto tanto dela! Agora então que ela vai me deixar parece até que eu gosto mais. Duvido que esse gringo goste dela do jeito que eu gosto. Nem metade, aposto. Nem metade da metade da me... Fica olhando pra Rebeca. REBECA Que que você tá me olhando assim, pai? parece até que você nunca me viu. 194 PAI Como você se parece com ela! Tudo. A boca, o cabelo, o jeito de olhar. E agora que eu to percebendo: o teu nariz também é igualzinho ao dela, até um pouco de sarda na ponta ele tem; engraçado, eu ainda não tinha reparado. Debruça mais na mesa pra olhar pro nariz da Rebeca, derruba um copo no caminho; desiste. Rebeca debruça também: REBECA Eu vou pedir pra mãe não ir. Eu vou pedir tão forte, que ela não vai, você vai ver. O Pai fecha o olho. PAI Eu queria que o tempo já tivesse passado e que eu já tivesse me esquecido dela. REBECA Eu vou pedir pra ela não ir embora; deixa comigo, pai. PAI Eu queria que você e o Donatelo já fossem grandes. O que que eu vou fazer com vocês dois? me diz, me diz! Eu não tenho jeito com criança. REBECA Eu vou pedir. PAI O que que eu faço com vocês dois, Rebeca? REBECA Deixa comigo, pai, eu te prometo que eu não deixo a mãe dizer tchau pra gente. PAI Promete? REBECA Prometo. E agora para de beber, tá? PAI -Tá. CENA 5 :A MALA: INTERNO - DIA Rebeca olha pra mala da mãe já quase pronta pra fechar. Senta ao lado da mala. Pega uma folha e um barco. Vai riscando no papel com força, o lápis pra cá e pra lá cada vez com mais força, tlá! a ponta quebra. Fica olhando a mãe ir pra lá e pra cá arrumando a mala. Quando a mãe sai corre na ponta do pé pra espiar, ah! a mala já está fechada no chão. Pronta pra sair. A mãe pega o celular e chama um Uber, explicando que era pro aeroporto. De rabo de olho vê a Mãe chegar perto do carrinho de bebê de Donatelo. Ela fica olhando ele dormir. Cobre ele melhor do frio com uma manta. Rebeca fica observando. Ela coloca o chapéu. A Mãe e fica sem se mexer. Rebeca fica que nem a Mãe: sem se virar, sem falar, sem perguntar. 195 O tempo passa. Até que de repente o Uber chega e a Mãe levanta num pulo de susto. Rebeca se vira ao mesmo tempo que a Mãe. E as duas se olham com medo, e a Mãe corre e abraça Rebeca com força, bem apertado. REBECA Ai! Rebeca fecha o olho. A Mãe larga a Rebeca, corre pra sala, abre a porta. Mas Rebeca já estava atrás dela; e puxou a mala: - REBECA - Mãe; não vai! eu já te pedi tanto, que eu não ia pedir mais, mas você tá indo mesmo e eu tenho que pedir de novo, não vai não vai não vai!! : MÃE - Por favor, Rebeca me perdoa, me entende, eu tenho que ir, é mais forte que tudo. Mas eu já te prometi: que eu volto. REBECA - Diz pra ele que você não vai. A Mãe pega a mala. Rebeca não larga. A Mãe puxa a mala. Rebeca puxa também. A Mãe puxa mais forte. Rebeca fica agarrada na mala. O Uber buzina de novo. As duas se olham. O olhar da Mãe pedindo por favor. O olhar da Rebeca também. Mas Rebeca não se solta da mala e vai sendo arrastada no puxão. A buzina do Uber de novo, e mais comprido dessa vez. A Mãe solta a mala; fecha o olho; aperta a testa com a mão sentindo uma tonteira ou uma dor de cabeça muito forte. E outra vez a buzina toca. A Mãe abre o olho (parece que a tonteira tinha passado) MÃE - Tchau. E sai correndo. CENA 6 :O BILHETE: INTERNO –NOITE O pai chega e encontra um bilhete em cima da mesa e lê: (VOZ DA REBECA) Querido pai Não deu para eu cumprir a promessa. A Mãe foi mesmo embora. Mas a mala dela ficou. E eu acho que assim, sem mala, sem roupa para trocar, sem escova de dente nem nada, não vai dar para a Mãe ficar muito tempo sem voltar. Não sei. Vamos ver. Eu arrastei a mala e escondi ela debaixo da sua cama, viu? Um beijo da Rebeca. FIGURINO CENÃRIO CENA Menina :Roupas de menina e vestido da Celular, Flores, cozinha, jarro 1 mãe longo CENA Menina :Roupas de menina e vestido da Quebra-cabeças, chão da sala 196 2 mãe longo CENA Pai (roupa social) Sofá, almofadas, lápis de cor papel, 3 Mãe: vestido longo carrinho de bebê Filha: vestido floral CENA pai-Blusa xadrez, sandália de couro, Em um bar, mesa, cadeira, cachaça, 4 calça, violão Rebeca- vestido rosa, copos, dono do botequim, sorvete sandália, tiara. CENA Mãe: vestido de viagem, blusa de frio, Bolsa, mala, papel, lápis, carrinho 5 cachecol ou chapéu de bebê , manta Filha: vestido ou short e blusa CENA Pai: roupa da cena 4 sofá da sala, Carta 6 197 APÊNDICE D – Avaliação do curta - metragem EXIBIÇÃO DO 1 CURTA-METRAGEM DOS ALUNOS DA 8ª SÉRIE –EJA – XXXXX DE SAMAMBAIA Nome:_______________________________________________ Data:___/___/____ Avaliação do curta-metragem (Assinalar com um x): Curta-Metragem: Adaptação do conto “Tchau†de Lygia Bojunga Regular Bom Ótimo Qualidade e criatividade da edição (Som) Qualidade e criatividade da edição (Imagem) Originalidade Adequação, criatividade das roupas, cenário e adereços ao tema proposto Atuação dos personagens O que mais chamou a atenção 198 APÊNDICE E – Avaliação pelos/as participantes da pesquisa sobre a produção do curta- metragem PRODUÇÃO / EXIBIÇÃO DO 1 CURTA-METRAGEM DOS ALUNOS DA 8ª SÉRIE –EJA – XXXXX DE SAMAMBAIA Nome:_______________________________________________ Data:___/___/____ Avaliação dos alunos participantes da montagem e exibição curta-metragem (Assinalar com um x): Curta-Metragem: Adaptação do conto “Tchau†de Lygia Bojunga Regular Bom Ótimo Técnica de montagem e edição a partir do Wondershare Filmora Adequação do curta-metragem ao roteiro criado Escolha do fundo musical (Stand by me – Trad.:Fique comigo de John Lennon) Qualidade e criatividade da edição (Som) Qualidade e criatividade da edição (Imagem) Originalidade Adequação, criatividade das roupas, cenário e adereços ao tema proposto Atuação dos personagens O que mais chamou a atenção/ aprendeu entre a produção do roteiro e a produção do curta- metragem: 199 ANEXOS 200 ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido para responsável legal por menor de 18 anos Considerando a sua condição de responsável legal pelo(a) menor, apresentamos este convite e solicitamos o seu consentimento para que ele(a) participe da pesquisa intitulada “Era uma vez.... Um conto que virou curta-metragem: uma sequência básica de ensino de gêneros pautada na análise de discurso crÃtica e na pedagogia dos multiletramentosâ€, sob a responsabilidade das pesquisadoras Profa. Dra. Maria Aparecida Resende Ottoni (orientadora) e Profa. Especialista Marcela Cristiane da Silva (orientanda). Nesta pesquisa nós estamos buscando desenvolver uma proposta de leitura e análise de contos e de produção de curtas-metragens. Com isso, objetivamos contribuir para o desenvolvimento do gosto pela leitura de textos literários, especialmente dos contos e para o desenvolvimento da capacidade dos discentes de interpretar e analisar criticamente os textos com os quais têm contato na sociedade, de falar e de escrever sobre si e de perceber relações entre o que leem e o que vivem. Este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido será obtido, antes da coleta e da geração de qualquer dado, pela pesquisadora Prof.ª Especialista Marcela Cristiane da Silva, na escola onde os/as alunos/alunas estudam, durante reunião a ser realizada com a pesquisadora mestranda e pais e/ou responsáveis pelos menores participantes do estudo. Você disporá do tempo que lhe for adequado para a tomada de uma decisão autônoma. Na participação do(a) menor sob sua responsabilidade, ele/a fará leituras de contos de vários escritores (em material impresso e digital), responderá a algumas questões de compreensão e estudo, as quais serão analisadas, participará das discussões em sala de aula e no laboratório de Informática sobre os textos lidos. Além disso, responderá a um questionário inicial sobre a proposta e participará de uma entrevista. Todo esse material será coletado e analisado. Após a transcrição da entrevista, o material será desgravado. Em nenhuma fase, nem o(a) menor nem você serão identificados. Os resultados da pesquisa serão publicados e ainda assim a identidade dele(a) e a sua serão preservadas. Nem ele(a) nem você terão gastos nem ganhos financeiros por participar na pesquisa. Os riscos da participação na pesquisa consistem na possibilidade de identificação do/a aluno/a e/ou de seu/sua responsável legal e na possibilidade de o/a participante sentir-se constrangido ao falar ou escrever sobre si, a partir do estudo dos contos. Para evitar isso, será garantido o sigilo quanto à identidade do/a aluno/a e de seu/sua responsável legal e quanto ao nome da Instituição onde o/a participante estuda. Além disso, será dada total liberdade aos/à s discentes para escreverem ou falarem de si apenas se se sentirem confortáveis para isso e desejosos de fazer isso. Quanto aos benefÃcios, esta pesquisa possibilitará aos/à s alunos/as que estudam na EJA a oportunidade de participar de práticas sistematizadas de leitura e de análise crÃtica de contos e de produção de relatos pessoais. Isso poderá contribuir para: o desenvolvimento da capacidade dos discentes de ler, de analisar e de produzir textos de forma crÃtica e reflexiva, atentando-se para as escolhas linguÃstico-discursivas e para as especificidades dos textos e para como elas constroem diferentes representações do mundo; o estabelecimento de relações entre o que leem e o que vivem; a reflexão sobre como representam o mundo, como se representam e se identificam. Além disso, esta pesquisa poderá beneficiar muitos outros professores de LÃngua Portuguesa, atuantes em diferentes nÃveis de ensino, especialmente na EJA, uma vez que gerará um material didático-pedagógico que poderá subsidiar esses docentes especialmente no trabalho com contos e com a produção de curtas-metragens. 201 A qualquer fase, você poderá retirar o seu consentimento para que o(a) menor sob sua responsabilidade participe da pesquisa. Garantimos que não haverá coação para que o consentimento seja mantido nem que haverá prejuÃzo ao(à ) menor sob sua responsabilidade. Até a fase da divulgação dos resultados, você também é livre para solicitar a retirada dos dados do(a) menor sob sua responsabilidade da pesquisa. O(A) menor sob sua responsabilidade também poderá retirar seu assentimento sem qualquer prejuÃzo ou coação. Até a fase da divulgação dos resultados, ele(a) também é livre para solicitar a retirada dos seus dados da pesquisa. Uma via original deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ficará com você. Em caso de qualquer dúvida a respeito desta pesquisa, você poderá entrar em contato com: Maria Aparecida Resende Ottoni, à Avenida João Naves de Ãvila, 2121, bloco U, sala 220, telefone (34) 3239-4162, ou com Marcela Cristiane da Silva, Telefone (61)3022-6064. Você poderá também entrar em contato com o CEP - Comitê de Ética na Pesquisa com Seres Humanos na Universidade Federal de Uberlândia, localizado na Av. João Naves de Ãvila, nº 2121, bloco A, sala 224, campus Santa Mônica – Uberlândia/MG, 38408-100; telefone: 34- 3239-4131. O CEP é um colegiado independente criado para defender os interesses dos participantes das pesquisas em sua integridade e dignidade e para contribuir para o desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos conforme resoluções do Conselho Nacional de Saúde. Uberlândia, de de 2019. ____________________________________________________________ Assinatura das pesquisadoras Eu, responsável legal pelo (a) menor _________________________________________ consinto na sua participação no projeto citado acima, caso ele (a) deseje, após ter sido devidamente esclarecido. _____________________________________________________________ Assinatura do Responsável pelo (a) menor participante da pesquisa 202 ANEXO B – Termo de Assentimento para o menor entre 12 e 18 anos incompletos Você está sendo convidado (a) para participar da pesquisa intitulada “Era uma vez.... Um conto que virou curta-metragem: uma sequência básica de ensino de gêneros pautada na análise de discurso crÃtica e na pedagogia dos multiletramentosâ€, sob a responsabilidade das pesquisadoras Profa. Dra. Maria Aparecida Resende Ottoni (orientadora) e Profa. Especialista Marcela Cristiane da Silva (orientanda). Nesta pesquisa nós estamos buscando desenvolver uma proposta de leitura e análise de contos e de produção de curta-metragem. Com isso, objetivamos contribuir para o desenvolvimento do gosto pela leitura de textos literários, especialmente dos contos e para o desenvolvimento da capacidade dos discentes de interpretar e analisar criticamente os textos com os quais têm contato na sociedade, de falar e de escrever sobre si e de perceber relações entre o que leem e o que vivem. Este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido será obtido, antes da coleta e da geração de qualquer dado, pela pesquisadora Profa. Especialista Marcela Cristiane da Silva, na escola onde você estuda, durante reunião a ser realizada com a pesquisadora mestranda e pais e/ou responsáveis pelos menores participantes do estudo. Você disporá do tempo que lhe for adequado para a tomada de uma decisão autônoma. Na sua participação, você fará leituras de contos de vários escritores (em material impresso e digital), responderá a algumas questões de compreensão e estudo, as quais serão analisadas, participará das discussões em sala de aula e no laboratório de Informática sobre os textos lidos. Além disso, responderá a um questionário inicial sobre a proposta e participará de uma entrevista. Todo esse material será coletado e analisado. Após a transcrição da entrevista, o material será desgravado. Em nenhuma fase você será identificado/a. Os resultados da pesquisa serão publicados e ainda assim a sua identidade será preservada. Você não terá nenhum gasto nem ganho financeiro por participar na pesquisa. Os riscos da participação na pesquisa consistem na possibilidade de você ser identificado/a e de se sentir constrangido ao falar ou escrever sobre si, a partir do estudo dos poemas. Para evitar isso, será garantido o sigilo quanto à sua identidade e quanto ao nome da Instituição onde você estuda. Além disso, será dada a você total liberdade para escrever ou falar de si apenas se se sentir confortável para isso e desejoso de fazer isso. Quanto aos benefÃcios, esta pesquisa possibilitará aos/à s alunos/as que estudam na EJA a oportunidade de participar de práticas sistematizadas de leitura e de análise crÃtica de contos e de produção de relatos pessoais. Isso poderá contribuir para: o desenvolvimento da capacidade dos discentes de ler, de analisar e de produzir textos de forma crÃtica e reflexiva, atentando-se para as escolhas linguÃstico-discursivas e para as especificidades dos textos e para como elas constroem diferentes representações do mundo; o estabelecimento de relações entre o que leem e o que vivem; a reflexão sobre como representam o mundo, como se representam e se identificam. Além disso, esta pesquisa poderá beneficiar muitos outros professores de LÃngua Portuguesa, atuantes em diferentes nÃveis de ensino, especialmente na EJA, uma vez que gerará um material didático-pedagógico que poderá subsidiar esses docentes especialmente no trabalho com contos e com a produção de curtas-metragens. Você é livre para deixar de participar da pesquisa a qualquer fase sem qualquer prejuÃzo ou coação. Até a fase da divulgação dos resultados, você também é livre para solicitar a retirada dos seus dados da pesquisa. Mesmo seu responsável legal tendo consentido, você não é obrigado a participar da pesquisa se não quiser. Uma via original deste Termo de Assentimento ficará com você. 203 Em caso de qualquer dúvida a respeito desta pesquisa, você poderá entrar em contato com: Maria Aparecida Resende Ottoni, à Avenida João Naves de Ãvila, 2121, bloco U, sala 220, telefone (34) 3239-4162, ou com Marcela Cristiane da Silva, Telefone (61)3022-6064. Você poderá também entrar em contato com o CEP - Comitê de Ética na Pesquisa com Seres Humanos na Universidade Federal de Uberlândia, localizado na Av. João Naves de Ãvila, nº 2121, bloco A, sala 224, campus Santa Mônica – Uberlândia/MG, 38408-100; telefone: 34- 3239-4131. O CEP é um colegiado independente criado para defender os interesses dos participantes das pesquisas em sua integridade e dignidade e para contribuir para o desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos conforme resoluções do Conselho Nacional de Saúde. Uberlândia, de de 2019. ____________________________________________________________ Assinatura das pesquisadoras Eu ________________________________________________aceito participar do projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido devidamente esclarecido. _____________________________________________________________ Assinatura do/a Participante da pesquisa 204 ANEXO C – Termo de Consentimento livre e esclarecido Você está sendo convidado (a) para participar da pesquisa intitulada “Era uma vez.... Um conto que virou curta-metragem: uma sequência básica de ensino de gêneros pautada na análise de discurso crÃtica e na pedagogia dos multiletramentosâ€, sob a responsabilidade das pesquisadoras Profa. Dra. Maria Aparecida Resende Ottoni (orientadora) e Profa. Especialista Marcela Cristiane da Silva (orientanda). Nesta pesquisa nós estamos buscando desenvolver uma proposta de leitura e análise de contos e de produção de curta-metragem. Com isso, objetivamos contribuir para o desenvolvimento do gosto pela leitura de textos literários, especialmente dos contos e para o desenvolvimento da capacidade dos discentes de interpretar e analisar criticamente os textos com os quais têm contato na sociedade, de falar e de escrever sobre si e de perceber relações entre o que leem e o que vivem. Este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido será obtido, antes da coleta e da geração de qualquer dado, pela pesquisadora Profa. Especialista Marcela Cristiane da Silva, na escola onde você estuda, durante reunião a ser realizada com a pesquisadora mestranda e pais e/ou responsáveis pelos menores participantes do estudo. Você disporá do tempo que lhe for adequado para a tomada de uma decisão autônoma. Na sua participação, você fará leituras de contos de vários escritores (em material impresso e digital), responderá a algumas questões de compreensão e estudo, as quais serão analisadas, participará das discussões em sala de aula e no laboratório de Informática sobre os textos lidos. Além disso, responderá a um questionário inicial sobre a proposta e participará de uma entrevista. Todo esse material será coletado e analisado. Após a transcrição da entrevista, o material será desgravado. Em nenhuma fase você será identificado/a. Os resultados da pesquisa serão publicados e ainda assim a sua identidade será preservada. Você não terá nenhum gasto nem ganho financeiro por participar na pesquisa. Os riscos da participação na pesquisa consistem na possibilidade de você ser identificado/a e de se sentir constrangido ao falar ou escrever sobre si, a partir do estudo dos poemas. Para evitar isso, será garantido o sigilo quanto à sua identidade e quanto ao nome da Instituição onde você estuda. Serão também utilizados códigos para substituir os nomes dos participantes. Além disso, será dada a você total liberdade para escrever ou falar de si apenas se se sentir confortável para isso e desejoso de fazer isso. Quanto aos benefÃcios, esta pesquisa possibilitará aos/à s alunos/as que estudam na EJA a oportunidade de participar de práticas sistematizadas de leitura e de análise crÃtica de contos e de produção de relatos pessoais. Isso poderá contribuir para: o desenvolvimento da capacidade dos discentes de ler, de analisar e de produzir textos de forma crÃtica e reflexiva, 205 atentando-se para as escolhas linguÃstico-discursivas e para as especificidades dos textos e para como elas constroem diferentes representações do mundo; o estabelecimento de relações entre o que leem e o que vivem; a reflexão sobre como representam o mundo, como se representam e se identificam. Além disso, esta pesquisa poderá beneficiar muitos outros professores de LÃngua Portuguesa, atuantes em diferentes nÃveis de ensino, especialmente na EJA, uma vez que gerará um material didático-pedagógico que poderá subsidiar esses docentes especialmente no trabalho com contos e com a produção de curtas-metragens. Você é livre para deixar de participar da pesquisa a qualquer fase sem qualquer prejuÃzo ou coação. Até a fase da divulgação dos resultados, você também é livre para solicitar a retirada dos seus dados da pesquisa. Uma via original deste Termo de Assentimento ficará com você. Em caso de qualquer dúvida a respeito desta pesquisa, você poderá entrar em contato com: Maria Aparecida Resende Ottoni, à Avenida João Naves de Ãvila, 2121, bloco U, sala 220, telefone (34) 3239-4162, ou com Marcela Cristiane da Silva, Telefone (61)3022-6064. Você poderá também entrar em contato com o CEP - Comitê de Ética na Pesquisa com Seres Humanos na Universidade Federal de Uberlândia, localizado na Av. João Naves de Ãvila, nº 2121, bloco A, sala 224, campus Santa Mônica – Uberlândia/MG, 38408-100; telefone: 34- 3239-4131. O CEP é um colegiado independente criado para defender os interesses dos participantes das pesquisas em sua integridade e dignidade e para contribuir para o desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos conforme resoluções do Conselho Nacional de Saúde. Uberlândia, de de 2019. ____________________________________________________________ Assinatura das pesquisadoras Eu aceito participar do projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido devidamente esclarecido. _____________________________________________________________ Assinatura do participante da pesquisa 206 ANEXO D – “A cartomante†de Machado de Assis HAMLET observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras. - Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade... - Errou! - interrompeu Camilo, rindo. - Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria... Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia sabê-lo, e depois... - Qual saber! Tive muita cautela ao entrar na casa. - Onde é a casa? - Aqui perto, na Rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca. Camilo riu outra vez: - Tu crês deveras nessas cousas? — perguntou-lhe. Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muita cousa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranquila e satisfeita. Cuidou que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuÃa um só argumento: limitava-se a 207 negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando. Separaram-se contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o estava, mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr à s cartomantes, e, por mais que a repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era na antiga Rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu pela Rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da Guarda Velha, olhando de passagem para a casa da cartomante. Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princÃpio de 1869, voltou Vilela da provÃncia, onde casara com uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo. "É o senhor?", exclamou Rita, estendendo-lhe a mão. "Não imagina como meu marido é seu amigo, falava sempre do senhor." Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram amigos deveras. Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do Vilela não desmentia as cartas do marido. Realmente, era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vinte e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição. Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor. Como daà chegaram ao amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela, era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odor di femmina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe a damas e o xadrez e jogavam à s noites: ela mal; ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal. Até aà as cousas. Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o fazer ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente e de Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio coração, não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes, ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as cousas que o cercam. Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez- lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura, mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aà foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas. Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, 208 começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frÃvola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram- se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrasse também nisso um pouco de amor próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato. Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, correu à cartomante para consultá- la sobre a verdadeira causa do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança, e que o rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda algumas semanas. Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas, tão apaixonadas, que não podiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente; tal foi a opinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou este pensamento: - A virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo. Nem por isso Camilo ficou mais sossegado; temia que o anônimo fosse ter com Vilela, e a catástrofe viria então sem remédio. Rita concordou que era possÃvel. - Bem, disse ela; eu levo os sobrescritos para comparar a letra com as das cartas que lá aparecerem; se alguma for igual, guarda e rasga... Nenhuma apareceu; mas daà a algum tempo Vilela começou a mostrar-se sombrio, falando pouco, como desconfiado. Rita deu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso deliberaram. A opinião dela é que Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido, e pode ser até que lhe ouvisse a confidência de algum negócio particular. Camilo divergia; aparecer depois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia. Mais valia acautelarem-se, sacrificando-- se por algumas semanas. Combinaram os meios de se corresponderem, em caso de necessidade, e separaram-se com lágrimas. No dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este bilhete de Vilela: "Vem já, já à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Era mais de meio-dia. Camilo saiu logo; na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que em casa? Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou ilusão, afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou todas essas cousas com a notÃcia da véspera. - Vem já, já à nossa casa; preciso falar-te sem demora —, repetia ele com os olhos no papel. Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e lacrimosa, Vilela indignado, pegando da pena e escrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e esperando-o para matá-lo. Camilo estremeceu, tinha medo: depois sorriu amarelo, e em todo caso repugnava-lhe a ideia de recuar, e foi andando. De caminho, lembrou-se de ir a casa; podia achar algum recado de Rita, que lhe explicasse tudo. Não achou nada, nem ninguém. Voltou à rua, e a ideia de estarem descobertos parecia-- lhe cada vez mais verossÃmil; era natural uma denúncia anônima, até da própria pessoa que o ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tudo. A mesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretexto fútil, viria confirmar o resto. Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras estavam decoradas, diante dos olhos, fixas, ou então (o que era ainda pior) eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela. "Vem já, já à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Ditas assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e ameaça. Vem, já, já para quê? Era perto de uma hora da tarde. A comoção crescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou a crê-lo e vê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logo 209 depois rejeitava a ideia, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, na direção do Largo da Carioca, para entrar num tÃlburi. Chegou, entrou e mandou seguir a trote largo. "Quanto antes, melhor", pensou ele; "não posso estar assim..." Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe a comoção. O tempo voava, e ele não tardaria a entestar com o perigo. Quase no fim da Rua da Guarda Velha, o tÃlburi teve de parar, a rua estava atravancada com uma carroça, que caÃra. Camilo, em si mesmo, estimou o obstáculo, e esperou. No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, à esquerda, ao pé do tÃlburi, ficava a casa da cartomante, a quem Rita consultara uma vez, e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou, viu as janelas fechadas, quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do incidente da rua. Dir-se-ia a morada do indiferente Destino. Camilo reclinou-se no tÃlburi, para não ver nada. A agitação dele era grande, extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, as superstições antigas. O cocheiro propôs-lhe voltar à primeira travessa, e ir por outro caminho: ele respondeu que não, que esperasse. E inclinava-se para fitar a casa... Depois fez um gesto incrédulo: era a ideia de ouvir a cartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas; desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daà a pouco moveu outra vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua, gritavam os homens, safando a carroça: - Anda! agora! empurra! vá! vá! Daà a pouco estaria removido o obstáculo. Camilo fechava os olhos, pensava em outras cousas: mas a voz do marido sussurrava-lhe a orelhas as palavras da carta: "Vem, já, já..." E ele via as contorções do drama e tremia. A casa olhava para ele. As pernas queriam descer e entrar. Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas cousas. A voz da mãe repetia-lhe uma porção de casos extraordinários: e a mesma frase do prÃncipe de Dinamarca reboava-lhe dentro: "Há mais cousas no céu e na terra do que sonha a filosofia..." Que perdia ele, se... ? Deu por si na calçada, ao pé da porta: disse ao cocheiro que esperasse, e rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada. A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão pegajoso; mas ele não, viu nem sentiu nada. Trepou e bateu. Não aparecendo ninguém, teve ideia de descer; mas era tarde, a curiosidade fustigava-lhe o sangue, as fontes latejavam-lhe; ele tornou a bater uma, duas, três pancadas. Veio uma mulher; era a cartomante. Camilo disse que ia consultá-la, ela fê-lo entrar. Dali subiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primeira e mais escura. Em cima, havia uma salinha, mal alumiada por uma janela, que dava para o telhado dos fundos. Velhos trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumentava do que destruÃa o prestÃgio. A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe: - Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto... Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo. - E quer saber - continuou ela - se lhe acontecerá alguma cousa ou não... - A mim e a ela - explicou vivamente ele. A cartomante não sorriu: disse-lhe só que esperasse. Rápido pegou outra vez das cartas e baralhou-as, com os longos dedos finos, de unhas descuradas; baralhou-as bem, transpôs os 210 maços uma, duas, três vezes; depois começou a estendê-las. Camilo tinha os olhos nela curioso e ansioso. - As cartas dizem-me... Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável muita cautela: ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta. - A senhora restituiu-me a paz ao espÃrito - disse ele, estendendo a mão por cima da mesa e apertando a da cartomante. Esta levantou-se, rindo. - Vá - disse ela -; vá, ragazzo innamorato... E de pé, com o dedo indicador, tocou-lhe na testa. Camilo estremeceu, como se fosse a mão da própria sibila, e levantou-se também. A cartomante foi à cômoda, sobre a qual estava um prato com passas, tirou um cacho destas, começou a despencá-las e comê-las, mostrando duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas. Nessa mesma ação comum, a mulher tinha um ar particular. Camilo, ansioso por sair, não sabia como pagasse; ignorava o preço. - Passas custam dinheiro - disse ele afinal, tirando a carteira. - Quantas quer mandar buscar? - Pergunte ao seu coração - respondeu ela. Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha. Os olhos da cartomante fuzilaram. O preço usual era dois mil-réis. - Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá tranquilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu... A cartomante tinha já guardado a nota na algibeira, e descia com ele, falando com um leve sotaque. Camilo despediu-se dela embaixo, e desceu a escada que levava à rua, enquanto a cartomante, alegre com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola. Camilo achou o tÃlburi esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo. Tudo lhe parecia agora melhor, as outras cousas traziam outro aspecto, o céu estava lÃmpido e as caras joviais. Chegou a rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou os termos da carta de Vilela e reconheceu que eram Ãntimos e familiares. Onde é que ele lhe descobrira a ameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorarse tanto; podia ser algum negócio grave e gravÃssimo. - Vamos, vamos depressa - repetia ele ao cocheiro. E consigo, para explicar a demora ao amigo, engenhou qualquer cousa; parece que formou também o plano de aproveitar o incidente para tornar à antiga assiduidade... De volta com os planos, reboavam-lhe na alma a palavras da cartomante. Em verdade, ela adivinhara o objeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que não adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas e contÃnuas, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e o mistério empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de si mesmo, algo vexado; mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, a exortação: - Vá, vá, ragazzo innamorato; e no fim, ao longe, a barcarola da despedida, lenta e graciosa, tais eram os elementos recentes, que formavam, com os antigos, uma fé nova e vivaz. A verdade é que o coração ia alegre e impaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do futuro, longo, longo, interminável. 211 Daà a pouco chegou à casa de Vilela. Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a porta abriu-se, e apareceu-lhe Vilela. - Desculpa, não pude vir mais cedo; que há? Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensanguentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão. 212 ANEXO E – “Tchau†de Lygia Bojunga 1. O buquê A campainha tocou. Rebeca correu pra abrir a porta. Até se admirou de ver um buquê tão bonito. - Mãe! - ela gritou - chegou flor pra você. - Fechou a porta. A Mãe veio correndo da cozinha e pegou o buquê. Tinha um envelope preso no papel; a Mãe tirou depressa um carrão lá de dentro, leu. O telefone tocou; a Mãe largou tudo e foi atender. Rebeca quis ler o cartão. Mas estava escrito em lÃngua estrangeira, era francês? Olhou pra assinatura: Nikos. Lembrou de unia voz estrangeira que andava telefonando, chamando a Mãe. Botou devagarinho o cartão em cima do envelope; foi chegando disfarçado pra perto do telefone, sem tirar o olho da Mãe. Franziu a testa: a Mãe estava parecendo nervosa, encabulada, mas muito mais bonita de repente! Rebeca foi se esquecendo de prestar atenção na lÃngua estrangeira que à Mãe estava falando pra só ficar assim: olhando: curtindo a Mãe. A conversa no telefone acabou. A Mãe voltou logo pra junto das flores. - Coisa linda esse buquê, não é Rebeca? - É. - Com esse calor é melhor botar ele logo dentro d'Ãgua. - Foi indo pra cozinha.- Você não quer me ajudar a arrumar o vaso? Rebeca ficou parada. 213 A mãe olhou para ela; parou também: assim meio abraça com o buquê. E durante um tempo as duas ficaram se olhando. Rebeca então foi indo distraÃda para a cozinha. A Mãe (distraÃda também) pegou um vaso, encheu de água. E as duas arrumaram as flores devagar, sem falar nada; sem levantar o olho do vaso. 2. Na beira do mar As duas tinham saÃdo pra fazer compras, a Mãe e a Rebeca. E na volta a Mãe falou: - Quem sabe a gente vai andando pela praia? Atravessaram a rua, tiraram o sapato, entraram na areia. E foram andando pela beira do mar. Rebeca a toda hora olhava pra trás pra ver o caminho que o pé ia marcando na areia. E a Mãe olhando pro mar e mais nada. Era de tardinha. Não tinha quase ninguém na praia. E teve uma hora que a Mãe convidou: - Vamos descansar um pouco? Sentaram. Rebeca logo brincou de fazer castelo. E a Mãe olhando pro mar. Olhando. Até que no fim ela disse: - Rebeca, eu vou me separar do pai: não tá dando mais pra gente viver junto. Rebeca largou o castelo; olhou num susto pra Mãe. - Neste último ano tudo ficou tão ruim entre o pai e eu. Eu sei que ele sempre teve paixão por música, eu já conheci ele assim. Mas desde que o Donatelo nasceu que ele só vive à s voltas com aquele violino! é só tocar, estudar, compor, ensaiar; ele me deixou sozinha demais. - Pegou a mão da Rebeca. - Mas a mão da Rebeca escapou. - Sozinha, como? e eu? e o Donatelo? a gente tá sempre junto, não tá? nós três. E quando o pai não tá com a orquestra, ele também tá sempre em casa. Então? nós quatro. Sozinha por quê? - E que... eu não sei como é que eu te explico direito, mas... ah, Rebeca, eu ando tão confusa! - Apertou a boca e ficou olhando pro mar. Rebeca esperando. Esperando. De repente a Mãe ficou de joelhos, agarrou as duas mãos da Rebeca e foi despejando a fala: - Eu me apaixonei por um outro homem, Rebeca. Eu estou sentindo por ele uma coisa que nunca! nunca eu tinha sentido antes. Quando eu conheci o teu pai eu fui gostando cada dia mais um pouco dele, me acostumando, ficando amiga, querendo bem. A gente construiu na calma um amor gostoso e foi feliz uma porção de anos. E mesmo quando eu reclamava que ele gostava mais da música do que de mim, eu era feliz... - O pai adora você! você não pode... -...e mesmo no tempo que o dinheiro era super apertado a gente era feliz... - Ele gosta de você! ele gosta demais de você. -...mas este último ano a gente tá sempre discutindo, a gente briga a toda hora. - Por quê? - Não sei; quer dizer, eu sei; eu sei mais ou menos, essas coisas a gente nunca sabe 214 direito, mas eu sei que eu fui me sentindo sozinha... vazia... vazia de amor. Amor assim... de um homem. E claro que isso não tem nada a ver com o amor que eu sinto por você. E pelo Donatelo então nem se fala. - Não se fala por quê? você gosta mais do Donatelo que de mim? - Não, não, Rebeca! entende: é porque ele é tão pequeno ainda, e você já está ficando uma mocinha: então é um amor do mesmo tamanho mas um pouco diferente que eu sinto por vocês dois. Mas isso não tem nada a ver com... ah, Rebeca, como é que eu te explico? como é que eu te explico a paixão que eu senti por esse homem desde a primeira vez que a gente se viu. - Ai! não aperta a minha mão assim. - Se ele me diz vem te encontrar comigo, mesmo não querendo, eu vou; se ele fala que quer me abraçar, mesmo achando que eu não devo, eu deixo; tudo que eu faço de dia, cuidar de vocês, da casa, de tudo, eu faço feito dormindo: sempre sonhando com ele; e de noite eu fico acordada, só pensando, pensando nele. - Ai, não... - Ele diz eu gosto do teu cabelo é solto, eu digo é justo como eu não gosto, e é só ir dizendo isso pr'eu já ir soltando o cabelo; ele diz ás 5 horas eu te telefono, eu digo NÃO! eu não atendo, e já bem antes das 5 eu to junto do telefone esperando; só de chegar perto dele eu fico toda suando, e cada vez que eu fico longe eu só quero é ir pra perto, Rebeca! Rebeca! eu tô sem controle de mim mesma, como é que isso foi me acontecer, Rebeca?! Ele me disse que vai voltar pra terra dele e me levar junto com ele, eu disse logo eu não vou! sabendo tão bem aqui dentro que não querendo, não podendo, não devendo, é só ele me levar que eu vou. - Botou de palma pra cima as duas mãos da Rebeca e enterrou a cara lá dentro. Ficaram assim. - Isso é que é paixão? - Rebeca acabou perguntando. A Mãe meio que sacudiu o ombro. Quietas de novo. - Como é que... como é que ele se chama? esse cara. - Nikos. - Que nome esquisito. - Ele é grego. - Grego? e você entende o que ele fala? - A gente conversa em francês. Rebeca ficou olhando pro castelo desmanchado. Depois de um tempo suspirou: - E ainda mais essa! com tanto homem no Brasil. 3. No sofá da sala A Mãe bateu a porta do quarto e correu pra sala. Já era tarde da noite, mas Rebeca estava acordada. Ouviu a Mãe soluçando. Levantou; olhou pro Donatelo na cama ao lado: dormindo. Correu pra sala. A Mãe estava jogada no sofá. - Que foi?! A Mãe tapou o choro com a almofada; o corpo ficou sacudindo. - Mãe, que foi, que foi! Estava escuro na sala. Mas o Pai abriu a porta do quarto e veio luz lá de dentro. Rebeca escorregou pro chão e ficou meio escondida atrás do sofá. O Pai chegou perto e falou com uma voz de raiva, de mágoa, uma voz que a Rebeca nunca tinha ouvido ele falar: 215 - Você tá chorando por quê? Quem tem que chorar sou eu e não você. Não sou eu que tô abandonando a minha famÃlia, é você; não sou eu que tô deixando os meus filhos pra lá: e você! A Mãe tirou a almofada da cara; a voz saiu metade soluço, metade fala: - Você não tá querendo entender: eu não tô deixando a Rebeca e o Donatelo: um dia eu volto pra buscar os dois. - Você vai embora com esse estrangeiro pra viver lá do outro lado do mundo... - Eu juro que eu volto! -...mas o estrangeiro não quer as crianças, só quer você. - Eu sei que eu acabo convencendo ele... - E se um dia você convence ele, aà você vem buscar a Rebeca e o Donatelo, não é? Lindo! - O que que eu posso fazer? ele não quer que eu leve as crianças agora. - ELE NÃO QUER!! Então ele agora manda em você. Ele é um deus que desceu do Olimpo pra dizer o que ele quer e o que ele não quer que você faça. Rebeca franziu a testa, ele é um deus que desceu de onde? E aà o Pai gritou: - Pois eu também não quero, viu? eu não quero o que você quer. E você vai ter que escolher: ou fica ou leva as crianças com você agora. - Mas eu não... - Se você não leva elas agora, eu não deixo você levar nunca mais. Abandono do lar, da famÃlia, de tudo: a lei vai estar do meu lado. Então você escolhe: ou ele ou as crianças. 4. Na mesa do botequim Rebeca saltou do ônibus, comprou um sorvete de chocolate e veio lambendo ele pela rua. Parou em frente do botequim da esquina: ué: não era o Pai sentado bem lá no fundo? Espiou: era, sim: entrou. - Oi, pai. O Pai levantou a cara do copo e olhou pra Rebeca feito custando pra lembrar quem é que ela era. - Oôôooooo filhinha, o que que você tá fazendo por aqui? - Eu, nada, e você? - Eu, nada. O sorvete pingou na calça do Pai. O Pai ficou olhando triste pro pingo; depois falou: - Senta. - Mas logo se arrependeu: - Quer dizer, não senta porque isso aqui não é lugar pra criança. Mas Rebeca já tinha sentado, e o moço do botequim já tinha trazido um outro copo cheio pro Pai beber. O Pai bebeu enquanto Rebeca acabava o sorvete, comia a casquinha, dava uma lambida em cada dedo, enxugava eles na saia e suspirava de pena do sorvete ter acabado. O Pai suspirou também: - A tua mãe não gosta mais de mim. Rebeca olhou pra mesa: cheia de copo vazio. Será que era o Pai que tinha bebido aquilo 216 tudo? - E eu gosto tanto dela! Agora então que ela vai me deixar parece até que eu gosto mais. Rebeca olhou pro Pai; achou que o olho dele estava parecendo de vidro. - Duvido que esse gringo goste dela do jeito que eu gosto. Nem metade, aposto. Nem metade da metade da me... - Foi se esquecendo da outra metade; ficou olhando pra Rebeca. - Que que você tá me olhando assim, pai? parece até que você nunca me viu. - Como você é parecida com ela! Tudo. A boca, o cabelo, o jeito de olhar. E agora que eu to percebendo: o teu nariz também é igualzinho ao dela, até um pouco de sarda na ponta ele tem; engraçado, eu ainda não tinha reparado. - Debruçou mais na mesa pra olhar pro nariz da Rebeca, derrubou um copo no caminho; desanimou. Rebeca debruçou também: - Eu vou pedir pra mãe não ir. Eu vou pedir tão forte, que ela não vai, você vai ver. O Pai fechou o olho: - Eu queria que o tempo já tivesse passado e que eu já tivesse me esquecido dela. - Eu vou pedir pra ela não ir embora; deixa comigo, pai. - Eu queria que você e o Donatelo já fossem grandes. O que que eu vou fazer com vocês dois? me diz, me diz! Eu não tenho jeito com criança. - Eu vou pedir. - O que que eu faço com vocês dois, Rebeca? - Deixa comigo, pai, eu te prometo que eu não deixo a mãe dizer tchau pra gente. - Promete? - Prometo. E agora para de beber, tá? - Tá. 5. A mala Rebeca fingiu que nem tinha visto a mala da Mãe aberta em cima da cama e já quase pronta pra fechar. Voltou pro quarto. Sentou. Fingiu que estava desenhando um barco. Fingiu que nem estava escutando a Mãe querendo se despedir do Pai, e o Pai não deixando a Mãe acabar de falar, saindo zangado, batendo com a porta. Foi riscando no papel com força, o lápis pra cá e pra lá cada vez com mais força, tlá! a ponta quebrou. Ouviu a Mãe indo na sala; depois no banheiro. Correu na ponta do pé pra espiar, ah! a mala. Já fechada. No chão. Junto da porta. Pronta pra sair. Voltou correndo pro quarto; sentou de novo; pegou o lápis, fez ponta depressa, o coração num toque-toque medonho; desatou de novo a riscar. Parou o lápis; escutou a Mãe discando telefone, chamando um táxi, explicando que era pro aeroporto. De rabo de olho viu a Mãe entrar no quarto, sentar na cama do Donatelo, ficar olhando ele dormir. Viu que a Mãe estava de meia, de sapato fechado, de capa de chuva, de bolsa a tiracolo, de cara lavada (de choro?), tão diferente de todo dia. Viu a Mãe alisando o cabelo do Donatelo; fazendo festa nele de leve; a mão indo e 217 vindo, bem de leve; indo e vindo. Viu tudo de rabo de olho e foi riscando forte, mais forte, mais tlá! a ponta do lápis quebrou outra vez. A Mãe parou de fazer festa na cabeça do Donatelo e ficou sem se mexer. Rebeca ficou que nem a Mãe: sem se virar, sem falar, sem perguntar. O tempo foi passando. Passando. Até que de repente a buzina do táxi tocou lá fora e a Mãe levantou num pulo de susto. Rebeca também. E se virou. Ao mesmo tempo que a Mãe se virava. E as duas se olharam com medo, e a Mãe correu e abraçou Rebeca com força, demorado, bem apertado, ai! Rebeca fechou o olho: que troço danado pra doer aquele abraço. A Mãe largou a Rebeca, correu pra sala, abriu a porta. Mas Rebeca já estava atrás dela; e puxou a mala: - Mãe; não vai! eu já te pedi tanto, que eu não ia pedir mais, mas você tá indo mesmo e eu tenho que pedir de novo, não vai não vai não vai!! A Mãe cochichou depressa: - Por favor, Rebeca, me entende, me perdoa, me entende, eu tenho que ir, é mais forte que tudo. Mas eu já te prometi: eu volto. - Diz pra ele que não! você não vai. A Mãe pegou a mala. Rebeca não largou. A Mãe puxou a mala. Rebeca puxou também. A Mãe puxou mais forte. Rebeca ficou agarrada na mala. O táxi buzinou de novo. As duas se olharam. O olho da Mãe pedindo por favor. O olho da Rebeca também: por favor. A Mãe estava de boca apertada; de testa enrugada. E não quis mais olhar pra Rebeca no olho; e puxou a mala com toda a força, querendo arrancar ela da mão da Rebeca. Mas Rebeca não se soltou da mala e foi sendo arrastada no puxão. A buzina do táxi de novo, e mais comprido dessa vez. A Mãe soltou a mala; fechou o olho; apertou a testa com a mão feito coisa que estava sentindo uma tonteira ou uma dor de cabeça muito forte. Rebeca aproveitou pra se agarrar na mala de um jeito que pra Mãe levantar a mala ia ter que levantar a Rebeca também. E outra vez a buzina tocou. A Mãe abriu o olho (parecia que a tonteira tinha passado), disse: - Tchau. - E saiu correndo. 6. O pai volta tarde e encontra um bilhete no travesseiro Querido pai Não deu para eu cumprir a promessa. A Mãe foi mesmo embora. Mas a mala dela ficou. E eu acho que assim, sem mala, sem roupa para trocar, sem escova de dente nem nada, não vai dar para a Mãe ficar muito tempo sem voltar. Não sei. Vamos ver. Eu arrastei a mala e escondi ela debaixo da sua cama, viu? Um beijo da Rebeca. 218 ANEXO F – “A caolha†de Júlia Lopes de Almeida A caolha era uma mulher magra, alta, macilenta, peito fundo, busto arqueado, braços compridos, delgados, largos nos cotovelos, grossos nos pulsos; mãos grandes, ossudas, estragadas pelo reumatismo e pelo trabalho; unhas grossas, chatas e cinzentas, cabelo crespo, de uma cor indecisa entre o branco sujo e o louro grisalho, desse cabelo cujo contato parece dever ser áspero e espinhento; boca descaÃda, numa expressão de desprezo, pescoço longo, engelhado, como o pescoço dos urubus; dentes falhos e cariados. O seu aspecto infundia terror à s crianças e repulsão aos adultos; não tanto pela sua altura e extraordinária magreza, mas porque a desgraçada tinha um defeito horrÃvel: haviam lhe extraÃdo o olho esquerdo; a pálpebra descera mirrada, deixando, contudo, junto ao lacrimal, uma fÃstula continuamente porejante. Era essa pinta amarela sobre o fundo denegrido da olheira, era essa destilação incessante de pus que a tornava repulsiva aos olhos de toda gente. Morava numa casa pequena, paga pelo filho único, operário numa fábrica de alfaiate; ela lavava a roupa para os hospitais e dava conta de todo o serviço da casa inclusive cozinha. O filho, enquanto era pequeno, comia os pobres jantares feitos por ela, à s vezes até no mesmo prato; à proporção que ia crescendo, ia-se a pouco e pouco manifestando na fisionomia a repugnância por essa comida; até que um dia, tendo já um ordenadozinho, declarou à mãe que, por conveniência do negócio, passava a comer fora… Ela fingiu não perceber a verdade, e resignou-se. Daquele filho vinha-lhe todo o bem e todo o mal. Que lhe importava o desprezo dos outros, se o seu filho adorado lhe pagasse com um beijo todas as amarguras da existência? Um beijo dele era melhor que um dia de sol, era a suprema carÃcia para o triste coração de mãe! Mas… os beijos foram escasseando também, com o crescimento do Antonico! Em criança ele apertava-a nos braços e enchia-lhe a cara de beijos; depois, passou a beijá-la só na face direita, aquela onde não havia vestÃgios de doença; agora, limitava-se a beijar-lhe a mão! Ela compreendia tudo e calava-se. O filho não sofria menos. 219 Quando em criança entrou para a escola pública da freguesia, começaram logo os colegas, que o viam ir e vir com a mãe, a chamá-lo – o filho da caolha. Aquilo exasperava-o; respondia sempre: – Eu tenho nome! Os outros riam e chacoteavam-no; ele se queixava aos mestres, os mestres ralhavam com os discÃpulos, chegavam mesmo a castigá-los – mas a alcunha pegou. Já não era só na escola que o chamavam assim. Na rua, muitas vezes, ele ouvia de uma ou outra janela dizerem: o filho da caolha! Lá vai o filho da caolha! Lá vem o filho da caolha! Eram as irmãs dos colegas, meninas novas, inocentes e que, industriadas pelos irmãos, feriam o coração do pobre Antonico cada vez que o viam passar! As quitandeiras, onde iam comprar as goiabas ou as bananas para o lanche, aprenderam depressa a denominá-lo como os outros, e, muitas vezes, afastando os pequenos que se aglomeravam ao redor delas, diziam, estendendo uma mancheia de araçás, com piedade e simpatia: – TaÃ, isso é para o filho da caolha! O Antonico preferia não receber o presente a ouvi-lo acompanhar de tais palavras; tanto mais que os outros, com inveja, rompiam a gritar, cantando em coro, num estribilho já combinado: – Filho da caolha, filho da caolha! O Antonico pediu à mãe que não o fosse buscar à escola; e muito vermelho, contou-lhe a causa; sempre que o viam aparecer à porta do colégio os companheiros murmuravam injúrias, piscavam os olhos para o Antonico e faziam caretas de náuseas. A caolha suspirou e nunca mais foi buscar o filho. Aos onze anos o Antonico pediu para sair da escola: levava a brigar com os condiscÃpulos, que o intrigavam e malqueriam. Pediu para entrar para uma oficina de marceneiro. Mas na oficina de marceneiro aprenderam depressa a chamá-lo – o filho da caolha, a humilhá-lo, como no colégio. Além de tudo, o serviço era pesado e ele começou a ter vertigens e desmaios. Arranjou então um lugar de caixeiro de venda: os seus colegas agruparam-se à porta, insultando-o, e o vendeiro achou prudente mandar o caixeiro embora, tanto que a rapaziada ia-lhe dando cabo do feijão e do arroz expostos à porta nos sacos abertos! Era uma contÃnua saraivada de cereais sobre o pobre Antonico! Depois disso passou um tempo em casa, ocioso, magro, amarelo, deitado pelos cantos, dormindo à s moscas, sempre zangado e sempre bocejante! Evitava sair de dia e nunca, mas nunca, acompanhava a mãe; esta poupava-o: tinha medo que o rapaz, num dos desmaios, lhe morresse nos braços, e por isso nem sequer o repreendia! Aos dezesseis anos, vendo-o mais forte, pediu e obteve-lhe, a caolha, um lugar numa oficina de alfaiate. A infeliz mulher contou ao mestre toda a história do filho e suplicou-lhe que não deixasse os aprendizes humilhá-lo; que os fizesse terem caridade! Antonico encontrou na oficina uma certa reserva e silêncio da parte dos companheiros; quando o mestre dizia: sr. Antonico, ele percebia um sorriso mal oculto nos lábios dos oficiais; mas a pouco e pouco essa suspeita, ou esse sorriso, se foi desvanecendo, até que principiou a sentir-se bem ali. Decorreram alguns anos e chegou a vez de Antonico se apaixonar. Até aÃ, numa ou outra pretensão de namoro que ele tivera, encontrara sempre uma resistência que o desanimava, e que o fazia retroceder sem grandes mágoas. Agora, porém, a coisa era diversa: ele amava! Amava como um louco a linda moreninha da esquina fronteira, uma rapariguinha adorável, de olhos negros como veludos e boca fresca como um botão de rosa. O Antonico voltou a ser assÃduo 220 em casa e expandia-se mais carinhosamente com a mãe; um dia, em que viu os olhos da morena fixarem os seus, entrou como um louco no quarto da caolha e beijou-a mesmo na face esquerda, num transbordamento de esquecida ternura! Aquele beijo foi para a infeliz uma inundação de júbilo! Tornara a encontrar o seu querido filho! Pôs-se a cantar toda a tarde, e nessa noite, ao adormecer, dizia consigo: – Sou muito feliz… o meu filho é um anjo! Entretanto, o Antonico escrevia, num papel fino, a sua declaração de amor à vizinha. No dia seguinte mandou-lhe cedo a carta. A resposta fez-se esperar. Durante muitos dias Antonico perdia-se em amarguradas conjecturas. Ao princÃpio pensava: – É o pudor. Depois começou a desconfiar de outra causa; por fim recebeu uma carta em que a bela moreninha confessava consentir em ser sua mulher, se ele se separasse completamente da mãe! Vinham explicações confusas, mal alinhavadas: lembrava a mudança de bairro; ele ali era muito conhecido por filho da caolha, e bem compreendia que ela não se poderia sujeitar a ser alcunhada em breve de – nora da caolha, ou coisa semelhante! O Antonico chorou! Não podia crer que a sua casta e gentil moreninha tivesse pensamentos tão práticos! Depois o seu rancor se voltou para a mãe. Ela era a causadora de toda a sua desgraça! Aquela mulher perturbara a sua infância, quebrara-lhe todas as carreiras, e agora o seu mais brilhante sonho de futuro sumia-se diante dela! Lamentava-se por ter nascido de mulher tão feia, e resolveu procurar meio de separar-se dela; iria considerar-se humilhado continuando sob o mesmo teto; havia de protegê-la de longe, vindo de vez em quando vê-la à noite, furtivamente… Salvava assim a responsabilidade do protetor e, ao mesmo tempo, consagraria à sua amada a felicidade que lhe devia em troca do seu consentimento e amor… Passou um dia terrÃvel; à noite, voltando para casa levava o seu projeto e a decisão de o expor à mãe. A velha, agachada à porta do quintal, lavava umas panelas com um trapo engordurado. O Antonico pensou: “Ao dizer a verdade eu havia de sujeitar minha mulher a viver em companhia de… uma tal criatura?†Estas últimas palavras foram arrastadas pelo seu espÃrito com verdadeira dor. A caolha levantou para ele o rosto, e o Antonico, vendo-lhe o pus na face, disse: – Limpe a cara, mãe… Ela sumiu a cabeça no avental; ele continuou: – Afinal, nunca me explicou bem a que é devido esse defeito! – Foi uma doença, – respondeu sufocadamente a mãe – é melhor não lembrar isso! – E é sempre a sua resposta: é melhor não lembrar isso! Por quê? – Porque não vale a pena; nada se remedeia… – Bem! Agora escute: trago-lhe uma novidade. O patrão exige que eu vá dormir na vizinhança da loja… já aluguei um quarto; a senhora fica aqui e eu virei todos os dias saber da sua saúde ou se tem necessidade de alguma coisa… É por força maior; não temos remédio senão sujeitar-nos!… Ele, magrinho, curvado pelo hábito de costurar sobre os joelhos, delgado e amarelo como todos os rapazes criados à sombra das oficinas, onde o trabalho começa cedo e o serão acaba tarde, tinha lançado naquelas palavras toda a sua energia, e espreitava agora a mãe com um olhar desconfiado e medroso. A caolha se levantou e, fixando o filho com uma expressão terrÃvel, respondeu com doloroso desdém: 221 – Embusteiro! O que você tem é vergonha de ser meu filho! Saia! Que eu também já sinto vergonha de ser mãe de semelhante ingrato! O rapaz saiu cabisbaixo, humilde, surpreso da atitude que assumira a mãe, até então sempre paciente e cordata; ia com medo, maquinalmente, obedecendo à ordem que tão feroz e imperativamente lhe dera a caolha. Ela o acompanhou, fechou com estrondo a porta, e vendo-se só, encostou-se cabaleante à parede do corredor e desabafou em soluços. O Antonico passou uma tarde e uma noite de angústia. Na manhã seguinte o seu primeiro desejo foi voltar à casa; mas não teve coragem; via o rosto colérico da mãe, faces contraÃdas, lábios adelgaçados pelo ódio, narinas dilatadas, o olho direito saliente, a penetrar-lhe até o fundo do coração, o olho esquerdo arrepanhado, murcho – murcho e sujo de pus; via a sua atitude altiva, o seu dedo ossudo, de falanges salientes, apontando-lhe com energia a porta da rua; sentia-lhe ainda o som cavernoso da voz, e o grande fôlego que ela tomara para dizer as verdadeiras e amargas palavras que lhe atirara no rosto; via toda a cena da véspera e não se animava a arrostar com o perigo de outra semelhante. Providencialmente, lembrou-se da madrinha, única amiga da caolha, mas que, entretanto, raramente a procurava. Foi pedir-lhe que interviesse, e contou-lhe sinceramente tudo o que houvera. A madrinha escutou-o comovida; depois disse: – Eu previa isso mesmo, quando aconselhava tua mãe a que te dissesse a verdade inteira; ela não quis, aà está! – Que verdade, madrinha? Encontraram a caolha a tirar umas nódoas do fraque do filho – queria mandar-lhe a roupa limpinha. A infeliz se arrependera das palavras que dissera e tinha passado a noite à janela, esperando que o Antonico voltasse ou passasse apenas… Via o porvir negro e vazio e já se queixava de si! Quando a amiga e o filho entraram, ela ficou imóvel: a surpresa e a alegria amarraram-lhe toda a ação. A madrinha do Antonico começou logo: – O teu rapaz foi suplicar-me que te viesse pedir perdão pelo que houve aqui ontem e eu aproveito a ocasião para, à tua vista, contar-lhe o que já deverias ter-lhe dito! – Cala-te! – murmurou com voz apagada a caolha. – Não me calo! Essa pieguice é que te tem prejudicado! Olha, rapaz! Quem cegou a tua mãe foste tu! O afilhado tornou-se lÃvido; e ela concluiu: – Ah, não tiveste culpa! Eras muito pequeno quando, um dia, ao almoço, levantaste na mãozinha um garfo; ela estava distraÃda, e antes que eu pudesse evitar a catástrofe, tu o enterraste pelo olho esquerdo! Ainda tenho no ouvido o grito de dor que ela deu! O Antonico caiu pesadamente de bruços, com um desmaio; a mãe acercou-se rapidamente dele, murmurando trêmula: – Pobre filho! Vês? Era por isto que eu não queria dizer nada! 222 ANEXO G – “A terceira margem do rio†de Guimarães Rosa Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa. Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aà se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta. Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — “Cê vai, ocê fique, você nunca volte!†Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — “Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?†Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa. Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho. Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua famÃlia dele. As vozes das notÃcias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, 223 até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s’embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa. No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava. Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o ‘dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele. A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terrÃveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raÃzes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aà quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos. Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia. 224 Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que à s vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — “Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim…â€; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aà choramos, abraçados. Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos. Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranquilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando ideia. Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aà e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — “Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto… Agora, o senhor vem, não carece mais… O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!…†E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo. Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n’água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia… Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão. Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não para, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio. 225 ANEXO H – “ClÃnica de Repouso†de Dalton Trevisan Dona Candinha deparou na sala o moço no sofá de veludo e a filha servindo cálice de vinho doce com broinha de fubá mimoso. Mãezinha, este é o João. Mais que depressa o tipo de bigodinho foi beijar a mão da velha, que se esquivou à gentileza. O mocinho servia o terceiro cálice, Maria chamou a mãe para a cozinha, pediu-lhe que aceitasse por alguns dias. Como pensionista? Não, como hóspede da famÃlia. Irmão de uma amiga de infância, sem conhecer ninguém de Curitiba, não podia pagar pensão até conseguir emprego. Dias mais tarde a velha descobriu que, primeiro, o distinto já estava empregado (colega de repartição de Maria) e, segundo, ainda que dez anos mais moço, era namorado da filha. A situação desmoralizava a velha e comprometia a menina. Dona Candinha discutiu com a filha e depois com o noivo, que achava a seu gosto a combinação. Sou moço simples, minha senhora. Uma coxinha de frango é o que me basta. Ovo frito na manteiga. Dona Candinha os surpreendia aos beijos no sofá. A filha saia com o rapaz, voltavam depois da meia-noite. Ãs três da manhã a velha acordava com passos furtivos no corredor. Você põe esse moço na rua. Ou tomo uma providência. A senhora está louca. Maria era maior, podia entrar a hora que bem quisesse, a velha estava caduca. Assim que a filha saiu, dona Candinha bateu na porta do hóspede, ainda de pijama azul de seda com bolinha branca: - Moço, você ganha a vida. Tem como se manter. Trate de ir embora. De volta das compras (delicadezas para o prÃncipe de bigodinho), a filha insultou dona Candinha aos gritos de velha doida, manÃaca, avarenta. Não vai me dar nem um tostão para esse pilantra. Ai, minha filha, como me arrependo do dia em que noivou. Maria nem pode responder: - Eu, sim, me arrependo do dia em que a senhora casou. Sentiu-se afrontada a velhota, com palpitação, tontura, pé frio. Arrastou-se quietinha para a cama, cobriu a cabeça com o lençol: - Apague a luz – ela gemeu – que vou morrer. 226 Susto tão grande que o rapaz decidiu arrumar a mala. Manhã seguinte a velha pulou cedo, alegrinha espanou os elefantes coloridos de louça. A filha não almoçou e antes de bater a porta: O João volta ou saio de casa. A vergonha é da senhora. Dona Candinha fez promessa para as almas do purgatório. Tão aflita, em vez de rezar dia por dia, rematou a novena numa tarde só. - Menina, não se fie de moço com dente de ouro. - Lembre-se, mãe, a senhora me despediu. -Vá com seu noivo. Depois não se queixe, filha ingrata. De tanto se agoniar dona Candinha caiu de cama. - A senhora não me ilude. Finge-se doente para me castigar. Com este calor debaixo da coberta. - Muito fraca. Eu suo na cabeça. O pé sempre frio. Deliciada quando a moça trazia chá com torrada. Terceiro dia, a filha inrompe no quarto, escancara a janela. Introduz o gordo perfumado: - O médico para a senhora. O doutor examinou-a e, para o esgotamento nervoso, receitou cura de repouso. - A senhora vai por bem – intimou a filha – ou então à força. Queria o convento das freiras e não o hospital, que lhe recordava o falecido, entrevado na cadeira de rodas. Umas colheradas de canja, cochilou gostosamente. Às duas da tarde, o aposento invadido pela filha, o noivo e um enfermeiro de avental sujo. É já que vai para a clÃnica. Eu vou se não for asilo de louco. Bem longe do doutor Alô. Um táxi esperava na porta, o noivo sentou-se ao lado do motorista, ela apertada entre a filha e o enfermeiro. Quando viu estava no Asilo Nossa Senhora da Luz, perdida com doida, epilética, alcoólatra. Nunca entra sol no pavilhão, a umidade escorria da parede, o chão de cimento. De noite o maldito olho amarelo sempre aceso no fio manchado de mosca. - Quem reclama – era o sistema do doutor alô – ganha choque! Ao menor protesto ou queixume: Olhe o choque, melindrosa! Olhe a injeção na espinha! Olhe a insulina na veia! Um banheiro só e, depois esperar na fila, aquela imundÃcie no chão e na parede. A louquinha auxiliava a servente que, essa, fazia de enfermeira. Intragável o feijão com arroz, dona Candinha sustentava- se a chá de mate e biscoito duro. Engolia com esforço o caldo ralo de repolho. Vinte e dois dias depois recebeu a visita da filha, o noivo fumava na porta. A senhora fazendo greve de fome? Na minha casa o arroz é escorrido, o feijão lavado. Só de braba não come. Daà a tortura da sede. Servia-se da torneira no banheiro, não é que uma possessa vomitou na pia? Foi encher o copo, deu com tamanho horror. Embora lavada a pia, guardou a impressão e sofria a sede. - Doidinha eu sou – disse uma das mansas – Meu lugar é aqui. Mas a senhora fazendo o quê? Uma lunática oferecia-lhe bolacha e fruta. Mandou bilhete na sua letra caprichada, a filha só apareceu domingo seguinte. A senhora não está boa. Nem penteia o cabelo. Não cumprimenta o doutor Alô. Essa ingratidão não posso aceitar – e abafava o soluço no pavor do choque – Não sou maluca e sei me mandar. 227 - Prove. - Com o túmulo de seu pai. Já pintado de azul. Instalado na casa, o noivo regalava-se com ovo frito na manteiga, coxinha gorda de frango. Quem não come – advertia a servente – vai para o choque! Dona Candinha encheu-se de coragem e choramingou para a freira superiora que não tomava sol, sofria de reumatismo, coma gritaria das furiosas que podia dormir? Ao cruzar a enfermaria, a freira chamou uma das bobas - Você é nova aqui? - Entrei ontem, sim senhora. - Se tiver alguma queixa, fale com dona Candinha. – e batendo palmas de tanta graça. – é a palhaça do circo. A servente largava o balde e o enxergão, sem lavar as mãos aplicava insulina na veia de uma possessa. Dona Candinha fingia tossir e cuspia a pÃlula escondida no buraco do dente. Chorando de manhã ao se lembrar do tempo feliz com o finado. À noite, chorava outra vez: menina tão amorosa, hoje feroz inimiga. Não doÃa ter sido internada. – culpa sua não sair da cama – Mas sabendo o que sofria, a moça não a tirasse dali. Minha própria filha? Estalou baixinho a lÃngua ressequida. – que não me acudiu na maior precisão? Surpreendida rondando o portão, confiscaram-lhe a roupa, agora em camisola imunda e chinelo de pelúcia? Sem se aquecer ao sol, sobrevivendo aos golinhos de chá frio e bolacha Maria. Tão fraca nem podia ler, as letras embaralhadas mesmo de óculo. Olhe essa mulher, doutor – era a filha, vestido preto de cetim, lábio de púrpura, pulseira prateada. –domingo de sol, uma pessoa deitada? O dia inteiro chorando e se queixando. Aqui não falta nada, que mais ela quer? - Vá-se embora – respondeu docemente a velha. Desapareça de minha vista. Você mais o dente de ouro. -De dia o rádio ligado a todo volume. À noite, a gritaria furiosa das lunáticas. Sentadinha na cama, distrai-se a velha a espiar uma nesga de céu. Com paciência, amansa uma mosca nas grades, que vem comer na sua mão arrepiada de cócegas. Há três dias, afeiçoada à velhinha, não foge a mosca por entre as grades da janela. 228 ANEXO I – Termo de autorização de uso de imagem Eu, ___________________________________________________, portador da Cédula de Identidade nº _________________, inscrito no CPF sob nº ________________, residente em _____________________________, nº _______, na cidade de ____________________, AUTORIZO o uso de minha imagem (ou do menor _______________________________ sob minha responsabilidade) em fotos ou filme, sem finalidade comercial, para ser utilizada no trabalho pedagógico de criação de curta –metragem a partir de contos temáticos. A presente autorização é concedida a tÃtulo gratuito, abrangendo o uso da imagem acima mencionada em todo território nacional e no exterior, em todas as suas modalidades e, em destaque, das seguintes formas: (I) home page; (II) cartazes; (III) divulgação em geral. Por esta ser a expressão da minha vontade declaro que autorizo o uso acima descrito sem que nada haja a ser reclamado a tÃtulo de direitos conexos à minha imagem ou a qualquer outro. BrasÃlia, ____ de _________________________ de 2019. _______________________________________________________ Assinatura 229 ANEXO J – Parecer Consubstanciado do CEP DADOS DO PROJETO DE PESQUISA TÃtulo da Pesquisa: "ERA UMA VEZ.... UM CONTO QUE VIROU CURTA-METRAGEM: UMA SEQUÊNCIA BÃSICA DE ENSINO DE GÊNEROS PAUTADA NA ANÃLISE DE DISCURSO CRÃTICA E NA PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS" Pesquisador: MARIA APARECIDA RESENDE OTTONI Ãrea Temática: Versão: 1 CAAE: 08086918.0.0000.5152 Instituição Proponente: Instituto de Letras e LinguÃstica Patrocinador Principal: Financiamento Próprio DADOS DO PARECER Número do Parecer: 3.234.339 Apresentação do Projeto: Conforme apresenta o protocolo: É uma pesquisa para Mestrado no Instituto de Letras e LinguÃstica da UFU. Amostra: 30 alunos O público escolhido para a pesquisa será uma turma de 9º ano do Ensino Fundamental da rede pública onde as pesquisadoras ministram aulas. A escolha da pesquisa voltada para o público EJA se deve ao fato de ser uma parcela educacional com diversos problemas e que precisam ser pesquisados, sendo o principal deles, a evasão. As pesquisadoras acreditam que o abandono escolar esteja, entre outras razões, ligado à s práticas educativas desvinculadas das necessidades dessa parcela de estudantes. A partir das reflexões, a proposta tem por objetivo um fazer pedagógico diferenciado e voltado para as discussões e conflitos que permeiam a sociedade, por meio de histórias literárias. Situação do Parecer: Aprovado Necessita Apreciação da CONEP: Não UBERLANDIA, 29 de Março de 2019 Assinado por:Karine Rezende de Oliveira (Coordenador(a)) 230 ANEXO K – Convenções do PETEDI para transcrição de Material Oral UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE LETRAS E LINGUÃSTICA PETEDI- Grupo de pesquisa sobre texto e discurso. Pesquisa sobre gêneros orais. Convenções do PETEDI para transcrição de material oral 1. Quadro de Sinais de Transcrição Ocorrências Sinais Exemplos / Observações Sobre a grafia das palavras Nomes próprios em Iniciais maiúsculas • a festa foi na casa do João... geral OBS.: Não usar maiúsculas após os seguintes sinais de pontuação: de interrogação e exclamação, reticências etc. Nomes próprios que Não transcrever o • Doc.: Dona M., a senhora falou que identificam o nome e colocar o J., seu marido... informante ou pessoa apenas as do relacionamento iniciais do informante ou a maiúsculas. que ele se refira Nomes de obras Em itálico e grafia da • eu adorava ouvir Fascinação ...que (livros, revistas , lÃngua de origem música ( (entonação de admiração)). jornais, filmes, etc) quando for o caso • meus alunos adoraram ler e/ou nomes comuns Grande Sertão Veredas estrangeiros Marcadores Ocorrência seguida • ele me chamou para ir com ele, né? discursivos e de ponto de • olha eu não quero que você me conversacionais interrogação, quando entenda mal for o caso. • eu não quero sair com você... entendeu? • Fáticos: ah, Usa-se o ponto de • ah! ... que alÃvio... éh, eh, ahn, exclamação> • vixe! ixe! pô! nossa! ehn, uhn, ta, etc • Interjeições dicionarizada Numes roauis neã loe tras Por extenso • compareceram dez condôminos ... • aà ela disse... marque com um xis a alternativa bê... • não... escreve com jota ... 231 Siglas e abreviaturas Grafar conforme a Ex. 1: B.O., I.N.S.S., U.F.R..J ., Importante: Siglas pronúncia do R.G., C.P.F. não se confunde com informante. Se Ex. 2: USP, TAM, UFU, SUS, FAPEMIG. redução de palavras, pronunciada letra a como, por exemplo, letra (ex.l), grafar depê, para em caixa alta "dependênciaâ€, que separando as letras devem ser grafadas por ponto. Se a sua forma pronunciada como reduzida em palavra (ex. 2) , minúsculas seguir a grafia prevista pela ortografia , em caixa alta e sem pontos . Truncamento / (usar uma barra • ...ca /casou semana passada .... (palavras para marcar o • e aà comê/ quis começá a cantar ... incompletas , cuja truncamento) Se pronuncia foi houver homografia , interrompida por usa-se acento qualquer razão) indicativo da tônica e/ou timbre. Citações literais ou "aspas duplas" • Pedro Lima... ah escreve na leitura de textos , ocasião... "O cinema falado em durante a gravação. lÃngua estrangeira não precisa de nenhuma barreira entre nós"... • Armstrong disse... "pequeno passo para o homem ... gigantesco salto para Sobre alguns a humanidade "... aspectos morfo- fonológicos Indicar as realizações não previstas das preposições, quando houver, conforme a a h abaixo. a) Contração da c'a (=com+a) , c'o (=com+ o), c'um (=com preposição com + um), c'uma (=com + uma) + artigo b) Contração da d'um (=de + um), d 'uma (=de+uma) preposição de + artigo indefinido Indicar a contração c) Contração da d'eu (=de+EU) com um apóstrofo preposição de + pronome eu d) Contração da d'oeste (=de + oeste) , d'água (=de preposição de + + água), d 'onde (=de +onde) palavra iniciada por vogal 232 e) Redução da Registrar a forma pra (sem acento), pa (sem acento) preposição para realizada f) Contração da Registrar a forma pra (= para + a), pa (=para+a), pro preposição para realizada (=para+o), po (=para+o), pr'um(a) reduzida + artigo (=pra+um(a)) , pum (=pa+um(a)) g) Modificação da Grafar como ela for • a gente vai muito ne no rio pa pescá preposição em realizada: ne, ni. • aà fui ni casa di Márcia.. h) Inserção / Registrar a forma • eu penso de que ele não deve ir... modificação de realizada • eu perguntei na onde ele morava ... preposição • eu pergunte daonde ele vinha... Sobre alguns elementos prosódicos Silabação HÃfen entre as sÃlabas por motivo tran-sa-ção sem espaço. \Pausa Reticências OBS.: • ... ele...voltou feliz... Não se utilizam • são três motivos ... ou três razões ... sinais de pausa , que fazem com que se retenha tÃpicos da moeda ... lÃngua escrita, como existe uma... retenção... ponto-e-vÃrgula, ponto final, dois pontos, vÃrgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa. Enfase / Entoação CAIXA ALTA • ... ele almoçou com ELA. .. enfática • porque as pessoas reTÊM moeda Alongamento ou Dois pontos • ao emprestarem os... éh::: ... dinheiro prolongamento de digitados duas vezes. • ele a::cha... vogais e consoantes Quando o (como r, s) alongamento é bem . . maior usa-se mais dois pontos. Interrogação Usa-se o ponto de • e Banco... Central...certo? interrogação • você vai à festa? Sobre alguns aspectos da interação Identificação dos Doc.: Doc.: o senhor gosta de pesca? participantes da Documentador Inf.: eu não sei pescar... eu não aprendi ... interação 18Inf.: Informante Int.: Interveniente OBS.: Havendo mais de um informante deve-se numerar: Inf 1, Inf 2 ...... Inf N. InÃcio de turno Usa-se sempre letra Veja exemplo acima minúscula 18 O tipo de informante (comediante, leiloeiro, benzedor, narrador esportivo, etc. só será indicado na ficha de identificação do material) 233 Discurso direto Aspas duplas e ... ela disse -"vamos à festa" -eu travessão antes e respondi -"talvez" - depois do trecho em discurso direto Sequência de Separar por # Inf.: aà ele falou -"cadê o dinheiro?"- discurso direto (sustenido) cada um # -"tá lá atrás" -o outro falou dos turnos Mudança de fluxo Duplo underline: _ _ • ... eu não tinha _ _ fique quieto discursivo: kdkdkdkdk -- ((falando com o cachorro)) _ _ comentários que tempo quebram a sequência de estudar... temática; desvio • ... a demanda de moeda -- temático. vamos dar essa notação _ _ Superposição, Texto entre colchetes Inf.d1:eemu annãdo at idneh am soaeÃddoa dpeo lrá m...[oet ifvooi simultaneidade de m Ãndice sobrescrito então...] vozes á esquerda do Doc.: 1[cê tava] em casa ainda Inf.1: eu colchete inicial. tava... e foi então que ele ligou... Todas as sobreposições devem ser indicadas sequencialmente em toda transcrição (1, 2, 3, ... n. ) Intervenção do Se não houver Inf.: outro dia eu estava na casa do João documentador no sobreposição de [Doc.: ahan] quando... fluxo de fala do vozes informante Se houver sobreposição de vozes sobreposição de Inf. : outro dia eu estava na casa do vozes ¹[João] ¹[Doc.: ahan] quando... Risadas simultâneas Doc e Inf.2 (( risos)) de documentador e informante(s) Sobre os comentários do transcritor Hipótese do que se Entre parênteses ï‚· ...foi então que ele fez a prova... ouviu (hipótese) ï‚· (estou) meio preocupado com meu filho Comentário Entre parênteses ï‚· eu preciso ((tossiu))estudar descritivo do duplos e em itálico ï‚· (( fazendo um gesto de transcrito impaciência)) você não está me ouvindo. ï‚· você não vai me roubar((gritando)) OBS.: Nestes comentários serão registrados: a)gestos, b) expressões fisionômicas, c) risos, d) atitudes corporais, e) entonações especÃficas do trecho (carinhosa, nervosa, de deboche etc.), d) a cadência do trecho (ritmo, velocidade: cadenciado, falando muito rápido, etc), ou seja, todos os elementos de outras linguagens de uso concomitante 234 à lÃngua e também qualquer dado que possa interessar a algum estudo que use o material. Incompreensão de ( ) Usar um do nÃvel de renda... ( ) nÃvel de renda palavras ou parênteses vazio com nominal ... segmentos 3 espaços. Indicação de que o (...) Usar um (...) nos vimos que existem... turno foi tomado ou parênteses com 3 interrompido em pontos dentro no determinado ponto. lugar de tomada da Não no seu inÃcio, fala. por exemplo ATENÇÃO: 1) Pode-se combinar sinais. Exemplo:oh::: ...(alongamento e pausa); Diagramação da transcrição A diagramação do material transcrito será feito numerando-se as linhas de 5 em 5, dando destaque à indicação dos informantes e o texto ficará à direita da indicação do documentador e informantes. Para facilitar esta diagramação deve-se usar a tabela abaixo, conforme exemplo posto. (0 exemplo apresentado é do material do NURC-RJ - Diálogo entre dois informantes, Inquérito número 158) Quadro para transcrição do material Linha Participante Texto transcrito 1 Doe experiências pessoais basicamente ... vivências ...não é preciso que vocês não vão deixar nada teórico ... quanto menos vocês colocarem em termos do que vocês sabem a respeito ... mas colocarem em termos do que vocês viveram a respeito desse assunto ... mais interessante ... 5 Inf. 1 bom ... como é que está o tempo? Inf. 2 o tempo está feio... isto eu lhe garanto ... né ... agora...saindo do tempo pras viagens você disse que esteve em Recife... aonde você esteve? Inf. 1 em Recife... Inf. 2 bom ... mas você viu em Olinda? 10 Inf.1 não... fui somente a Recife... fui padrinho de casamento de uma amigo meu em Maceió ... Dicas: a) Cada participante tem uma linha. Se a fala for longa, o espaço do texto não pode sair da célula relativa ao número do participante. É só ir digitando que o próprio computador já vai organizando a tabela e ampliando a célula do texto. 235 b) Depois de terminada a transcrição, pode-se eliminar as linhas de grade para dar mais visibilidade ao formato da transcrição. 2. Sobre a identificação do material oral transcrito Cada material transcrito deve ser identificado da seguinte maneira. 1) Dar um tÃtulo da situação comunicativa e numerar com uma numeração sequencial para cada tipo de material da seguinte maneira: a) Leilão 1 gravado em _ / _! b) Leilão 2 gravado em / _! e) etc. ou a) Narração esportiva 1 gravada em _ / _! b) Narração esportiva 2 gravada em _ / _! c) etc. 2) Registrar o maior número possÃvel de informações sobre o material, sua forma de obtenção e sobre os informantes. de acordo com 3) Indicar todos os dados possÃveis sobre o material, como foi obtido, onde foi exibido (rádio, TV, internet, etc. quando se tratar de programas), nome do programa, horário em que foi exibido, onde foi gravado (no caso de gravações de indivÃduos, como leiloeiros, pastores, narradores esportivos, benzedores, entrevistados, etc.), site onde está disponÃvel, etc. Colocar também toda informação disponÃvel sobre o informante: tipo de informante (entrevistado, narrador esportivo, comediante, pastor, benzedor, etc.) idade, sexo, local de nascimento, local onde reside na época da gravação do material e há quanto tempo reside neste local, grau de instrução (fundamental completo ou até série X, médio completo ou até série X, superior completo ou perÃodo em que está e qual o curso cursado ou em andamento, etc. Isto deve ser feito numa ficha cabeçalho com o modelo abaixo. ATENÇÂO: O cd, fita, etc. onde o material foi gravado deve ser identificado com o rótulo dado ao material na primeira linha. Material Indicar o gênero e o número do material do gênero gravado. Por exemplo: Narração esportiva 1/ Programa humorÃstico 2 / Benzeção 1 / Depoimento 1/ etc. Documentador Indicar dados do documentador Informante 1 Nome, tipo/profissão (comediante, leiloeiro, etc.), sexo, idade, escolaridade (indicar se é nÃvel completo ou série), naturalidade (lugar onde nasceu), cidade em que foi feita a gravação e há quanto tempo mora aÃ. Outras infomações pertinentes Informante 2 Idem .......... Informante N Idem Data do registro (gravação) 236 Duração em minutos Transcritor Indicar dados do transcritor Revisor( es) Indicar dado do(s) revisor(es) da transcrição, se houver. Site e outras informações pertinentes para o trabalho feito ou outros trabalhos que venham a usar o material.