DANIEL IVORI DE MATOS A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE PÓS-11 DE SETEMBRO DE 2001 UBERLÂNDIA – MG 2018 DANIEL IVORI DE MATOS A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE PÓS-11 DE SETEMBRO DE 2001 TESE apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia, como exigência parcial para obtenção do tÃtulo de Doutor em História Social. Linha de Pesquisa: Linguagens, Estética e Hermenêutica. Orientador: Prof. Dr. Alcides Freire Ramos UBERLÂNDIA – MG 2018 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação(CIP) Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil. M433g Matos, Daniel Ivori de, 1987- 2018 A Guerra ao Terror e o cinema estadunidense pós-11 de setembro de 2001 / Daniel Ivori de Matos. - 2018. 319 f. : il. Orientador: Alcides Freire Ramos. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em História. DisponÃvel em: http://dx.doi.org/10.14393/ufu.te.2018.619 Inclui bibliografia. 1. História - Teses. 2. Cinema e história - Teses. 3. Ataques terroristas de 11 de setembro, 2001 - Teses. 4. Terrorismo - Estados Unidos - História - Teses. I. Ramos, Alcides Freire. II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em História. III. TÃtulo. CDU: 930 Gerlaine Araújo Silva – CRB-6/1408 DANIEL IVORI DE MATOS BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Alcides Freire Ramos Universidade Federal de Uberlândia (UFU) (Orientador) Prof.a Dr.a Rosangela Patriota Ramos Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Prof. Dr. André Luis Bertelli Duarte Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Prof. Dr. Julierme Sebastião Morais Souza Universidade Estadual de Goiás (UEG) Profª. Drª. ThaÃs Leão Vieira Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) A minha amada Senaide e a meus pais, Terezinha e José. AGRADECIMENTOS A minha mãe, Terezinha, meu pai, José, e minha irmã, Mariane, por todo o apoio durante os anos de minha formação acadêmica, sempre acreditando e incentivando meus estudos. A minha amada Senaide, por seu carinho e paciência durante os momentos de dificuldades, angústias e dúvidas, e claro, de alegrias, ou seja, por estar ao meu lado. Ao professor Dr. Alcides Freire Ramos, por ter acreditado e orientado esta pesquisa, pelas conversas, sugestões e exposições, de uma clareza sem igual, que foram de suma importância, não apenas para a tese, mas para minha formação intelectual. À professora Dr.ª Rosangela Patriota, por todo o aprendizado com as riquÃssimas as aulas da disciplina “Culturas e Linguagensâ€, que impactaram minha visão sobre o ofÃcio do historiador, e por todas as suas contribuições ao longo da escrita da tese. Ao professor Dr. André LuÃs Bertelli Duarte pelas considerações na qualificação e pela participação como arguidor na defesa de tese. À professora Dr.ª ThaÃs Leão Vieira, pelo interesse e disposição em participar da banca de defesa, e pela leitura e avaliação deste trabalho. Ao professor Dr. Julierme Sebastião Morais Souza, pelas conversas e atividades sobre a arte cinematográfica, e por sua participação como arguidor na defesa de tese. Agradeço à professora Dr.ª Talitta Tatiane Martins Freitas, por sua contribuição na excelente revisão final desta tese. E por fim, a todos aqueles, familiares, amigos, professores(as) e colegas de profissão que de algum modo contribuÃram e incentivaram esta jornada. Agradeço especialmente: meu avô Rafael; Protásio e Marlene; Marcos e CÃntia; Cleto Sandys; Raphael Sebrian. RESUMO MATOS, Daniel Ivori de. A Guerra ao Terror e o cinema estadunidense pós-11 de setembro de 2001. 2018. 319 f. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2018. A presente tese toma por tema um dos eventos de maior repercussão neste breve século XXI, os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos EUA. Inicialmente, nota-se a exploração das imagens do acontecimento como um novo marco que abalou a nação; em seguida, o terrorismo assumiu a ordem do dia, muitos discursos polÃticos do então presidente George Walker Bush sobre o novo inimigo, o terrorismo, foram apropriados por vários governantes, tornando-se uma estratégia internacional antiterrorista, que justificaram mudanças legislativas nos EUA, impulsionaram os conflitos no Afeganistão e no Iraque, incorporando, ainda, outras discussões, referentes ao Oriente Médio e ao islamismo. Subentendesse que esse capÃtulo da história dos EUA é impossÃvel de ser escrito sem as imagens, já que a espetacularização das imagens dos atentados causaram grande impacto na sociedade estadunidense. Os filmes nesse processo constituÃram-se numa prática significativa, seja a favor ou contra tais embates, assim, buscou-se compreender através do cinema, como os atentados de 11 de Setembro foram entendidos e afetaram a escrita fÃlmica hollywoodiana, ou seja, como esse marco foi incorporado e expresso de inúmeras formas através das estratégias da linguagem/estética da narrativa cinematográfica e como foram recepcionados pela crÃtica estadunidense. Dando destaque a produção Syriana (2005), compreendida como a nota dissonante em meio a filmografia do perÃodo. Assim, objetiva- se uma análise dos registros fÃlmicos referentes à Guerra ao Terror empreendida pelos EUA e sua recepção, percebendo o cinema enquanto expressão artÃstica e agente histórico. Palavras-chave: Cinema-História; Terrorismo; Doutrina Bush. ABSTRACT MATOS, Daniel Ivori de. A Guerra ao Terror e o cinema estadunidense pós-11 de setembro de 2001. 2018. 319 f. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2018. This thesis takes as its theme one of the highest profile events in this short twenty-first century, the terrorist attacks of September 11, 2001 in the US. Initially, there is the exploitation of the event images as a new milestone that shook the nation; then terrorism took over the agenda, many political speeches by then-President George Walker Bush on the new enemy, terrorism, were appropriated by several rulers, becoming an international counter-terrorism strategy, which justified legislative changes in the US, boosted the conflicts in Afghanistan and Iraq, incorporating further discussions on the Middle East and Islam. Understand that this chapter of US history is impossible to write without the images, since the spectacularization of the images of the attacks had a great impact on American society. The films in this process is established as a significant practical, for or against such subject, thus, we sought to understand through the film, and September 11 were affected filmic understood and written Hollywood, that is, how this milestone was incorporated and expressed in innumerable ways through the strategies of the language / aesthetics of the cinematographic narrative and how they were received by the American critics. Highlighting the production Syriana (2005), understood as the dissonant note amid the filmography of the period. Thus, an analysis of the film records referring to the War on Terror undertaken by the USA and its reception is realized, perceiving the cinema as an artistic expression and historical agent. Keywords: Film-History; Terrorism; Bush Doctrine RESUMO [ XI ] ABSTRACT [ XII ] CONSIDERAÇÕES INICIAIS [ 01 ] *** CAPÃTULO I O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS [15] Os Atentados de 11 de Setembro e o “Novo†Inimigo: o Terrorismo [16] 11 de setembro de 2001: as imagens e o marco [41] *** CAPÃTULO II A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE [64] O cinema pós-11 de Setembro na confluência com a Doutrina Bush [70] Na contramão a Doutrina Bush: a representação da Guerra ao Terror [87] *** CAPÃTULO III SYRIANA: A NOTA DISSONANTE [103] Syriana e o horizonte de expectativas [104] O terrorismo em Syriana [131] Syriana e a crÃtica estadunidense [142] *** CAPÃTULO IV A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR [158] A crÃtica cinematográfica e a representação/rememoração do 11 de setembro [161] A crÃtica cinematográfica entre os filmes pró-guerra e a Guerra do Iraque [200] A crÃtica cinematográfica e a Guerra ao Terror em Hollywood [265] *** CONSIDERAÇÕES FINAIS [286] REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS [290] CONSIDERAÇÕES INICIAIS CONSIDERAÇÕES INICIAIS Na primeira metade do século XX alguns dos trabalhos de destaque, que refletiram sobre a importância do cinema frente à sociedade, foram: De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema alemão de Siegfried Kracauer, publicada em 1947, e o livro do cineasta russo Sergei Eisenstein O sentido do filme, de 1942. As relações entre o Cinema e a História começaram a ter destaque nos anos de 1970 com as pesquisas de Marc Ferro, Pierre Sorlin e Michèle Lagny, os quais aprofundaram os debates, circundando entre seus usos sua utilização como forma de escrita da História. Apesar desses esforços, de modo geral e por muitos anos, as relações entre Cinema e História se resumiram a travar uma “batalha†com as fontes escritas, por vezes limitando-se a comparação, e assim, criticando e repudiando o registro fÃlmico, exigindo que o mesmo fosse uma exemplificação da história escrita. Essa forma de análise se torna deturpada, pois limita a historicidade de uma pelÃcula e, consequentemente, o trabalho do historiador. Em muitos casos, optava-se por um foco excessivo nas questões da própria imagem – como Pierre Sorlin e seus estudos envolvendo a semiótica –, das representações e o que essas significavam, centralizado no que o filme “quis dizerâ€, no enquadramento, nas cenas/sequências, no que era levado para a tela segundo os objetivos do diretor/roteiristas, etc. Evidentemente, são questões pertinentes que merecem ser exploradas. Contudo, não cabe aqui uma discussão mais densa sobre essas questões, mas apontar questionamentos e trazer ferramentas teórico-metodológicas que consideramos importantes para a pesquisa, a fim de notar não apenas as questões técnicas e de produção de um filme, mas a sua própria historicidade, os significados que lhes são atribuÃdos, como a mesma é recepcionada, quais sentidos o espectador atribui a um filme. Nota-se que tal metodologia, aplicada à análise fÃlmica na perspectiva historiográfica, tende a operar sobre premissas que, em sua maioria, desconsideram o espectador, ou melhor, seu público alvo – esse também um agente histórico. Assim, além da análise fÃlmica, deve-se explorar o sentido/impacto que uma obra causou em determinado momento histórico, ou seja, como foi a sua recepção,1 pois na apreciação apenas estrutural da obra, seguindo uma premissa teleológica, perder-se a própria historicidade da obra. 1 Tendo em conta as produções historiográficas nacionais sobre cinema sob a óptica da Estética da Recepção, tem-se a obra RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos: cinema e história do Brasil. São Paulo: EDUSC, 2002. Fruto da pesquisa de doutoramento do autor, defendida em 1994, sobre o filme Os Inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de Andrade. Página 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A obra Canibalismos dos Fracos: cinema e história do Brasil, do historiador Alcides Freire Ramos, busca responder a esses anseios ao tratar o cinema como fonte para a História, para além da análise fÃlmica (estrutural) – que ainda continua muito presente nos programas de pós-graduação em História que se dedicam ao estudo da relação entre o Cinema e a História. Nota-se no trabalho de Ramos um esforço em apresentar a historicidade de Os Inconfidentes (1972) considerando-se a sua recepção a partir da análise da crÃtica especializada e acadêmica, a fim de perceber não apenas um projeto do diretor – as interpretações auto justificadoras – ou uma análise do que o filme quis “dizerâ€. Ramos, na verdade, busca perceber como o filme foi recepcionado em determinado momento e, por fim, o seu valor artÃstico. Sendo assim, além de trazer a historicidade de uma obra, outro ponto importante de Canibalismo dos Fracos se faz no mérito de demostrar a escrita fÃlmica da História pela pelÃcula Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade. Os questionamentos apresentados no livro supracitado demonstram as frutÃferas possibilidades de análise nas relações Cinema-História a partir da recepção cinematográfica, indo além da descrição do projeto fÃlmico sobre determinado momento histórico. Ademais, outros questionamentos feitos por Alcides Freire Ramos, em artigo publicado na Revista Fênix, se tornam imprescindÃveis para o historiador que trabalha com o cinema. As relações existentes entre o cinema e a história trazem muitas dificuldades de definição e análise. A principal delas diz respeito à necessidade de discutir não somente o modo como um determinado filme (documentário ou ficção) foi concebido (o que remeteria para um possÃvel projeto do diretor) ou o que ele pretendeu dizer (mensagem explÃcita/implÃcita), mas fundamentalmente como esta obra cinematográfica foi consumida/apropriada/recebida por seu respectivo público. Deste ponto de vista, apresentam-se as seguintes questões: como verificar historicamente o papel desempenhado por um filme? Quais parâmetros devem ser utilizados para caracterizá-lo historicamente? As análises internas (temáticas e de linguagem) seriam suficientes?2 2 RAMOS, Alcides Freire. Terra em Transe (1967, Glauber Rocha): Estética da Recepção e Novas Perspectivas de Interpretação. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais, v. 3, n. 2, p. 1-11, abr./maio/jun. 2006. DisponÃvel em: http://www.revistafenix.pro.br/PDF7/06%20ARTIGO%20ALCIDESFRAMOS.pdf. Acesso em: 21 jul. 2017. Página 3 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Esses questionamentos mostram não apenas a importância da recepção fÃlmica, como também que as análises da proposta/projeto de um determinado filme jamais serão suficientes para que o historiador possa evidenciar sua historicidade, seja na época de seu lançamento, como a posteriori. Tais reflexões nos conduzem a buscar meios para compreender como os filmes são recepcionados, o que nos remete aos estudos sobre a Estética da Recepção, proveniente da Escola de Constança, que surgiu na década de 1960 na Alemanha. Voltada a contestar a teoria e crÃtica literária vigente, tal movimento defende que um texto (obra/filme) somente exerce seu papel quando entra em contato com o leitor, no processo de interação entre obra e receptor.3 Os principais estudiosos do tema, Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, apresentaram novas perspectivas para a teoria e a crÃtica literária, superando as abordagens preocupadas apenas com a obra e seu autor. Como alternativa, Jauss e Iser apresentam a ênfase no leitor, com o objetivo de analisar o efeito que uma obra exerce sobre ele. Contudo, é preciso deixar claro que há diferenças entre as abordagens desses dois autores, pois cada qual trilhou um caminho diferenciado no que diz respeito à análise da recepção. Para Hans Robert Jauss o importante na análise é compreender a dimensão histórica de uma obra, ou seja, a recepção e o efeito que essa causa, analisando os diferentes sentidos que lhe são atribuÃdos em diferentes momentos históricos. Para tal, opera através de dois conceitos chave: horizonte de expectativa e experiência estética. O primeiro se refere à compreensão anterior ao contato do leitor com a obra, ou seja, ao conjunto de conhecimentos que precedem a experiência estética, entendendo-se que esse horizonte é compartilhado pelo autor, já que coloca o leitor na estrutura formal do texto. O segundo, por sua vez, trata do efetivo encontro entre obra e receptor.4 Frente a essas considerações, deve-se também problematizar o quanto uma obra se distancia ou se aproxima das expectativas de seu público, ou seja, a sua distância estética, a qual indica o caminho trilhado por tal obra, caracterizando o seu valor artÃstico. Como expõe Jauss, “[...] tal distância estética deixa se objetivar historicamente no espectro das relações do público e do juÃzo da crÃtica (sucesso espontâneo, rejeição ou 3 Cf. LIMA, Luis Costa. (Org.). A literatura e o leitor: textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 4 Cf. ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ãtica, 1989; e COSTA LIMA, Luis. A literatura e o leitor - textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Página 4 CONSIDERAÇÕES INICIAIS choque, casos isolados de aprovação, compreensão gradual ou tardia)â€.5 Todavia, pode- se argumentar sobre as singularidades de cada leitor, afinal, os sujeitos são essencialmente diferentes mesmo compartilhando um mesmo perÃodo histórico. Sobre essas questões, as exposições de Regina Zilberman são pertinentes, pois elucidam que mesmo que haja uma reação individual, para Jauss “[...] a recepção é um fato social – uma medida comum localizada entre essas reações particulares; este é o horizonte que marca os limites dentro dos quais uma obra é compreendida em seu tempo e que sendo ‘trans-subjetivo’, ‘condiciona a ação do texto’â€.6 Assim, Jauss opera a Estética da Recepção pesquisando as relações entre o contexto do autor/obra e o contexto do leitor, considerando a dimensão histórica da recepção, já que determinada obra existe em função de seu público.7 Por sua vez, a proposta de Wolfgang Iser consiste em uma abordagem interativa entre texto e leitor em um plano singular – ao contrário de Jauss que a compreende em um âmbito público. Dessa forma, para Iser a recepção seria a interação entre obra e receptor, pois considera que o leitor está presente no momento da criação do texto, em uma relação de interdependência entre leitor e texto. Destarte, o autor concentra seus estudos no efeito estético causado, partindo da ideia de leitor implÃcito, considerando-o uma estrutura textual. Evidentemente que a interpretação de cada leitor se dará de forma singular (pelas suas experiências e sua bagagem cultural), mas ela tenderá a seguir um direcionamento proposto pelo texto, ou seja, a ato de leitura se trata de um processo de apropriação. Ademais, Iser considera seus pressupostos em dois polos, o artÃstico e o da recepção, sempre atualizados pelo efeito que determinado texto causa em seu leitor. Trata- se, portanto, de perceber a capacidade de produzir sentido em determinado perÃodo, ou melhor, em determinado contexto histórico.8 As exposições de Jauss e Iser se tornam essenciais para o historiador que pesquisa obras artÃsticas, por considerarem não apenas o autor e a obra, mas também o seu receptor. Assim, tais elementos nos aproximam das considerações outrora apresentadas por Alcides Freire Ramos, que nos elucida: “Na verdade, o que uma obra 5 JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ãtica, 1994, p. 31. 6 ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ãtica, 1989, p. 34. 7 Cf. JOUVE, Vincent. A Leitura. São Paulo: Edunesp, 2002. 8 Cf. LIMA, Luis Costa. (Org.). A literatura e o leitor: textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Página 5 CONSIDERAÇÕES INICIAIS poderia significar historicamente resulta de uma apropriação criativa da experiência proposta por ela, já que o leitor/espectador não se coloca diante da obra de forma passivaâ€.9 Sob esse prisma, a Estética da Recepção visa identificar como em determinado contexto histórico uma obra foi compreendida, quais significados/sentidos lhes foram atribuÃdos, verificando os fatores e condições históricos conduziram a assimilação feita por seu receptor.10 Desse modo, os diálogos entre Cinema-História e a Estética da Recepção proporcionam ricas abordagens e perspectivas diferenciadas para a presente pesquisa, ressaltando-se que nos apoiaremos majoritariamente nos escritos de Hans Robert Jauss. Diante do exposto, considera-se essencial para esta tese o trabalho com fontes relacionadas à crÃtica cinematográfica, pois concordamos com Alcides Freire Ramos – se referindo obra de Pierre Sorlin, especificamente sobre os filmes históricos –, ao expor que: Estes são uma peça-chave no processo de produção social de significados (separando o que é histórico do que não é, discutindo a maneira como um dado acontecimento foi reconstituÃdo, etc) e, não menos importante, nas formas de fixação do gosto estético (discutindo os aspectos especÃficos da linguagem cinematográfica). Por este motivo, na medida em que comentam os filmes, apresentando-se como mediadores competentes, não podem ser esquecidos, sobretudo, quando se deseja – como é o caso de Sorlin – contribuir para uma história social do conhecimento histórico.11 As crÃticas cinematográficas12 são, portanto, fontes históricas importantes para a pesquisa sobre cinema, constituindo um dos pontos nevrálgicos da pesquisa aqui 9 RAMOS, Alcides Freire. Terra em Transe (1967, Glauber Rocha): Estética da Recepção e Novas Perspectivas de Interpretação Fênix – Revista de História e Estudos Culturais, v. 3, n. 2, p. 1-11, abr./maio/jun. 2006. DisponÃvel em: http://www.revistafenix.pro.br/PDF7/06%20ARTIGO%20ALCIDESFRAMOS.pdf. Acesso em: 21 jul. 2017. 10 ROCHA, 1996 apud RAMOS, Alcides Freire; PATRIOTA, Rosangela. Terra em transe e O Rei da Vela: estética da recepção e historicidade. Confluenze, Dipartimento di Lingue, Letterature e Culture Moderne, Università di Bologna, v. 4, n. 2, p. 124-141, 2012. 11 RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos: cinema e história do Brasil. São Paulo: EDUSC, 2002, p. 35-36. 12 Segundo Jacques Aumont e Michel Marie: “A crÃtica é o exercÃcio que consiste em examinar uma obra para determinar seu valor em relação a um fim (a verdade, a beleza etc.). Falou-se de crÃtica objetiva ou subjetiva, conforme a escala de valores à qual se relaciona a obra julgada seja ou não independente daquele que julga. Pode-se também distinguir uma crÃtica externa (que relaciona a obra a seu contexto de produção e de recepção) e uma crÃtica interna (dita, à s vezes, imanente, que examina a obra em si mesma). Por extensão, o termo designa também os próprios julgamentos e comentários, além da pessoa que se entrega à crÃtica. A crÃtica tem, portanto, uma dupla função de informação e de avaliação. É o que, em princÃpio, a distingue da análise, cujo objetivo é esclarecer o funcionamento e propor uma Página 6 CONSIDERAÇÕES INICIAIS apresentada. Partindo-se da perspectiva de Jauss, buscar-se-á apresentar o horizonte de expectativas frente à determinada obra fÃlmica, aspecto fundamental da recepção, bem como a sua experiência estética, ou seja, o contato ocorrido com o espectador. Nesse viés, se torna necessário apresentar os diálogos entre crÃticos, obra, público e os cineastas, pois, como expõe Ramos, “Uma pesquisa sobre um tema cinematográfico qualquer começa necessariamente com a leitura dos textos publicados em jornais, revistas e livros que comentaram e interpretaram filmesâ€.13 Portanto, compreende-se que o efetivo trabalho do historiador, que elenca como objeto de pesquisa o cinema, não será satisfatório se for deixado de lado fontes que dão conta da recepção de determinada obra. Frente aos aspectos teórico-metodológicos que norteiam a análise das obras fÃlmicas, nos termos acima apresentados, esta pesquisa se propõe a problematizar como o cinema interpretou/incorporou a história recente dos EUA, especificamente os atentados ocorridos no 11 de Setembro de 2001. Pensar em uma escrita fÃlmica da história não significa, evidentemente, a constatação de uma única interpretação histórica, tal qual os filmes que apenas reforçam a construção/representação de um determinado acontecimento. Assim como os historiadores caem em teias interpretativas e acabam por circundam determinados fatos – usando das fontes e de suas ferramentas como legitimadoras ou significantes de um processo histórico –, o cinema também acaba envolto nos problemas e efeitos de seu contexto histórico e, consequentemente, também pode se enveredar por tendências interpretativas. Assim, para os objetivos aqui propostos, são de suma importância as apreciações teórico-metodológicas presentes no livro A Teia do Fato: uma proposta de estudo sobre a Memória Histórica, do historiador Carlos Alberto Vesentini, publicado em 1997. Trata-se de um estudo sobre a memorização da chamada Revolução de 30, com o objetivo de demonstrar como esse acontecimento, 1930, cristalizou-se como fato à medida que cresceu como ideia, revolução, a fim de evidenciar como a memória histórica (entendida pelo autor como a presença constante da memória do vencedor) orientou as interpretações sobre esse momento histórico. Vesentini mapeia a forma como a construção desse fato se tornou um marco, ponto de chegada e partida de inúmeros outros interpretação da obra artÃsticaâ€. AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crÃtico de cinema. Campinas: Papirus, 2003, p. 68-69. 13 Ibid., p. 49. Página 7 CONSIDERAÇÕES INICIAIS momentos que poderiam indicar outros caminhos e outras interpretações, criando teias interpretativas em torno do fato, sendo esse momento a própria história. O que se compreende das exposições de Vesentini é que o fato é a adjetivação do acontecimento: um momento histórico que será preenchido por interpretações. Destaca ainda que não basta apenas recuperar o processo histórico, deve-se descobrir como ele está amarrado ao fato. Sendo assim, o autor trabalha a memorização da Revolução de 30 para demonstrar como a memória histórica está presente em nossos textos, a construção do fato e a ideia-força que carrega e acaba por eliminar posições contrárias, elevando certos momentos históricos à condição de erro. É necessário considerar a existência de um processo que antecede a construção do fato, pois esse não elimina os sujeitos, pois precisa haver nele o lugar do vencedor e do vencido. O que o fato elimina, portanto, é a temporalidade do vencido. Então, quando o mesmo retorna ao passado para compreender a sua derrota, não se volta para o processo e sim para o fato, e nele já está derrotado, porque ele não estava ali no momento daquela urdidura. A memória do vencedor influencia como o vencido irá recordar esse acontecimento. O vencedor elimina a temporalidade (a história enquanto processo aberto de possibilidades) e, ao fazer isso, está estilhaçando a memória da luta dos vencidos, a memória individual. Nesse “Império do Fatoâ€, como aponta Vesentini, existe um marco periodizador que define o “pós†e o “préâ€. Ele se torna o ponto de transição, definidor e causativo, onde se instaura o fato, que seria a revolução/marco, ponto de origem da sua construção. A partir disso ocorre o que Vesentini chama de transubstanciação, num movimento em que a memória histórica incide sobre a memória individual. Revolução de 30 transparece como fato/marco e nele o tema da revolução referencia outros temas, cruza-os, como oligarquia ou tenentismo. Ele torna-se estratégico. Como marco, chama e exige dos edifÃcios propostos certo grau de proximidade consigo, em operações em que o esquema, a interpretação, ou o problema transformam-se no centro das reflexões, no próprio objeto. Elaborado, mas elo com o “mundo realâ€, aparece como gancho e como local para discussão. Esses edifÃcios, ou melhor, essas dimensões interpretativas não podem ser separadas de certas categorias capazes de fundar tanto os problemas postos aos analistas quanto a dimensão social dada ao conjunto desses estudos.14 14 VESENTINI, Carlos Alberto. A teia do fato: uma proposta de estudo sobre a memória histórica. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 95-96. Página 8 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Compreende-se que a partir do marco periodiza-se, define-se uma temporalidade, e que, portanto, ele é capaz de refazer a memória.15 “Tradutor da vontade geral, o marco define, se bem utilizado, situações em que o poder e a obra aparecem sob disputaâ€.16 Considerando-se o “Império do Fatoâ€, quando já ocorreu a transubstanciação, a Revolução de 30 é referenciada como o marco para os vencidos e vencedores, é ponto de transição, onde ocorreu a história, no qual o fato está consolidado em meio ao processo histórico. Tendo em vista essas reflexões, constata-se que os atentados terroristas aos EUA no dia 11 de setembro de 2001 – ou como se convencionou chamar 11 de Setembro ou Atentados de 11 de Setembro – periodizam e mostram-se como marco no qual o tema do terrorismo, especificamente o fundamentalista islâmico, assumiu o topo das preocupações internacionais. Na definição dos responsáveis e de seus objetivos, tomou os moldes de uma luta entre o Ocidente versus Oriente. A partir de análises maniqueÃstas, se tornaram o tom das declarações oficiais do então presidente dos EUA George Walker Bush, fazendo com que a Guerra ao Terror percorresse todo o mandato de Bush filho, sendo seus efeitos herdados pelos presidentes subsequentes. De tal modo, não compreendemos tal acontecimento como um fato, mas como um processo histórico em aberto, em andamento, sem uma memória histórica. Portanto, apreende-se o 11 de Setembro como um marco no qual ocorreram diversas mudanças polÃticas, internas e externas, nos EUA, bem como legislativas e diplomáticas em âmbito internacional, acarretando de forma direta nos conflitos no Afeganistão e no Iraque em pró da Guerra ao Terror – parte do conjunto de medidas conhecida como Doutrina Bush. Sobretudo, subentendesse o terrorismo como o fio condutor do processo histórico no qual se inserem os ataques de 11 de setembro de 2001, não como ponto de chegada ou de partida, e sim como parte de um processo complexo e multifacetado. O 11 de Setembro torna-se o marco da empreitada dos EUA contra o terrorismo fundamentalista islâmico pela difusão da ideia de uma “nova luta†iniciada nesse fatÃdico dia. Assim, a Guerra ao Terror é algo a ser efetuado, não um ponto de chegada ou transição, mas o seu inÃcio. Os ataques centram, se tornam marco, porque o efeito das imagens os definem como um momento de união na defesa da nação. 11 de Setembro é 15 VESENTINI, Carlos Alberto. A teia do fato: uma proposta de estudo sobre a memória histórica. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 134. 16 Ibid. Página 9 CONSIDERAÇÕES INICIAIS um marco, porque todos recorrerão a ele, ou a partir dele, para interpretar movimentos anteriores e posteriores, tornando-o a força de atração do acontecimento. Nos dias que se seguiram aos atentados, o cotidiano do estadunidense foi inundado por inúmeras perspectivas e especulações, ao mesmo tempo em que as imagens do acontecido se tornaram indispensáveis para os meios de comunicação de massa – jornais, fotografia, rádio, televisão. Logo se recorreram aos registros históricos dos ataques ao território estadunidense, a fim de buscar um fundamento histórico, uma forma de agir frente ao evento. Tais efeitos foram impulsionados pelo governo estadunidense, intensificando ainda mais o espetáculo elaborado pelos terroristas. Por outro lado, o ataque não foi visto pelos estadunidenses da mesma forma que para o restante do globo, pois houve uma perturbação na memória histórica dos EUA, com referências e mitos da construção da nação e da identidade questionados. A cultura polÃtica dos EUA foi profundamente explorada por Bush, caracterÃstica marcante de seu partido republicano, com a ênfase do mito do paÃs enquanto detentor da cultura Ocidental e do seu “destino manifesto†de levar seus ideias aos povos que “necessitamâ€. Todos os discursos de Bush foram transmitidos ao vivo pela TV e encontram-se disponÃveis no site da Casa Branca. O alcance foi imensurável e praticamente todo estadunidense, mesmo não concordando com o posicionamento do presidente, compreendia as referências históricas utilizadas.17 A cultura polÃtica da população contribuiu para que os atentados se tornassem ainda mais traumatizantes, o que consequentemente colaborou para o escapismo de sÃmbolos e temas que debatessem tais acontecimentos no mundo das artes. Os meios de informações, como a TV e os jornais, exploraram cada especificidade de tais eventos, não apenas a estadunidense, mas em todo o globo. Por exemplo, a emissora televisiva de notÃcias do Catar ganhou projeção internacional por cobrir as guerras do Afeganistão e do Iraque, por exibir manifestações contrárias aos EUA e, principalmente, por transmitir mensagens de grupos terroristas – sequestros, execuções e pronunciamentos de Osama Bin Laden. Na definição do inimigo, entre seleções e exclusões, o que fica de fora nas eventuais declarações dos EUA pós atentados? Certa temporalidade é deixada de lado em 17 JUQUEIRA, Mary An. Os discursos de George W. Bush e o excepcionalismo norte-americano. Margem, São Paulo, n. 17, p. 163-171, jun. 2003. Página 10 CONSIDERAÇÕES INICIAIS favor dessa nova empreitada norte americana, centrando-se em outros momentos históricos nos quais o paÃs foi vencedor; busca-se a unidade nacional e se acentuam as eventuais “contradições†ideológicas com o inimigo. O 11 de Setembro torna-se, dessa forma, o marco legitimador e definidor da luta contra o terror em âmbito nacional e internacional para os EUA. De tal modo, esta pesquisa buscou destacar o papel do cinema na escrita histórica sobre a chamada Guerra ao Terror, disseminada pelo governo do ex-presidente George W. Bush. Não se trata de seguir o caminho de utilizar os filmes como rememoração e/ou ilustração do peso do 11 de Setembro, exaltando a sua importância, mas perceber como ele se impõe ao longo de todo o mandato de Bush, quando o terrorismo se mostrou o principal elemento justificador das diversas mudanças na polÃtica externa e interna e, consequentemente, como com o passar dos anos se tornou o principal ponto para a articulação de crÃticas ao seus dois mandatos. Ao analisar os diferentes filmes sobre o 11 de Setembro e a subsequente luta contra o terrorismo, observou-se que mesmo com as diferentes interpretações sobre as mudanças legislativas, antiterrorismo, Guerra no Afeganistão, Iraque, o atentado é visto como marco profundamente relacionado com o terrorismo. Portanto, buscou-se através do cinema compreender o processo histórico referente a Guerra ao Terror. Considerando-se a expansão do número de produções cinematográficas lançadas ao longo do governo de Geroge W. Bush, mais de cem, a leitura das crÃticas fÃlmicas foi fundamental para o trabalho aqui apresentado. Destaca-se que, primeiramente, a seleção dos filmes foi realizada a partir dos temas que abordavam explicitamente a Guerra ao Terror. Entretanto, com o desenvolvimento da pesquisa, grande parte da seleção se pautou na leitura e análise de centenas de crÃticas cinematográficas, observando com elas relacionavam determinada produção com o contexto histórico. Dessa forma, percebeu-se um duplo movimento. Em um primeiro momento, muitos crÃticos fizeram referências aos eventos recentes com as alegorias/silenciamentos/estranhamentos do cinema após os Atentados de 11 de Setembro. Posteriormente o cinema se tornou temático, englobando os temas básicos que envolvem a Guerra ao Terror e, nesse ponto, observou-se que os filmes estavam mais presentes nas referências dos crÃticos. De maneira sucinta, percebe-se que nos primeiros anos pós-11 de Setembro, no inÃcio da Guerra ao Terror, o número de filmes e crÃticas é relativamente pequeno. Essa realidade se modifica após 2005, com um aumento significativo de produções Página 11 CONSIDERAÇÕES INICIAIS cinematográficas e, consequentemente, das publicações crÃticas sobre as mesmas. Ao lidar com esse volume documental, optou-se pelas abordagens temáticas dos filmes em conjunto com a apreciação da crÃtica – disponibilizadas das mais variadas formas e quantidades: em jornais de grande circulação nos EUA; em revistas de entretenimento; através de sites dedicados a crÃticas (muitas vezes com links de páginas não existentes). O número de materiais encontrados é variado, dependendo da pelÃcula analisada. Por vezes o acesso estava limitado ou fora do ar (em alguns casos tem-se apenas o arquivo pdf do site visitado),18 com poucos casos em que as crÃticas passavam de quinze – na grande maioria trabalhou-se entre cinco e dez publicações. Outro ponto importante a se destacar diz respeito à s caracterÃsticas das crÃticas cinematográficas e seus meios de divulgação, como apontou Alcides Freire Ramos, pois esses aspectos são essenciais para se compreender a diversidade da recepção e as diferentes produções de significados.19 A grande maioria dos materiais encontrados são oriundos de jornais de grande circulação nos EUA e, em alguns casos, de revistas de entretenimento, todos disponÃveis em versão online. Muitos são assinados por crÃticos influentes (aqueles que por vez são estampados em cartazes de divulgação ou capas do lançamento em DVD/Blu-ray) e que, em certos momentos, deixam nÃtidas as posturas polÃticas das mÃdias as quais estão ligados. Tais crÃticas são direcionadas ao grande público e, por isso, os crÃticos(as) assumem a postura do espectador comum, redigindo textos não muito extensos20 e que tendem geralmente a destacar/comentar: enredo; elenco; filmografia/estilo do diretor e/ou roteirista; cenas/sequências; pontos positivos e/ou negativos; aproximação com outras produções; veredito; possÃvel recepção/indicação do/ao espectador; a perspectiva polÃtica (sobre determinadas produções). Evidentemente, não há uma ordem e nem sempre todos esses pontos estão presentes, mas muitos deles são constantes, como uma espécie de modelo para a forma de divulgação e apreciação. 18 De modo que, no quarto capÃtulo, acessamos novamente os sites onde estavam hospedadas as crÃticas para atualização. 19 RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos: cinema e história do Brasil. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p. 53. 20 Para ser mais didático, variam de duzentas a mil e seiscentas palavras, ou seja, entre uma a três laudas, neste último caso, poucos são os casos, geralmente produções de grande bilheteria ou com fortes posicionamentos crÃticos. Página 12 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A partir dos objetivos aqui propostos, organizou-se a tese em quatro capÃtulos. No primeiro, “O 11 de setembro e o Império das Imagensâ€, aborda-se a intensa construção de sentidos frente aos Atentados de 11 de Setembro e na sustentação da Guerra ao Terror. De tal modo, problematizou-se nicialmente a dimensão histórica do terrorismo e as ações dos EUA, já que se compreende que esse é o fio condutor do processo histórico no qual o 11 de Setembto está inserido. Em seguida, o foco das discussões se tornou a analise da exibição e espetacularização das imagens dos atentados, fundamental para compreender o cenário fÃlmico e a recepção estadunidense, pelo uso das imagens em favor de uma polÃtica intervencionista no Oriente Médio, tipicamente republicana. Um desses reflexos foi a brusca mudança dos direitos civis, em um debate interno acerca da repressão dos direitos fundamentais, como a privacidade dos cidadãos estadunidenses. Ou seja, para tudo isso se criou um Império das Imagens: o inimigo existe, é perigoso e se chama terrorismo. Não se trata de um exército convencional, senão um exército de guerrilha, mas ainda mais ardiloso. No segundo capÃtulo, “A Guerra ao Terror e o cinema estadunidenseâ€, buscou-se compreender a Guerra ao Terror através do cinema, percebendo como, inicialmente, houve o escapismo/silenciamento/estranhamento, rememorando-se conflitos importantes da história dos EUA (como a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Vietnã e conflitos dos EUA na Ãfrica e Oriente Médio) aplicados em outros contextos, ao mesmo tempo em que Hollywood se distancia de temas ainda delicados. CrÃticas e questionamentos aparecem de imediato, mas através de produções sem grande respaldo de público ou distribuição – as primeiras com grande alcance foram independentes/estrangeiras. Aos poucos, grandes produtoras foram incorporando temas como o 11 de Setembro, o terrorismo, Oriente Médio, dentre outros. O boom do tratamento de tais temas, inclusive o conflito no Iraque, se deu em meio ao segundo mandato de George W. Bush. Assim, neste capÃtulo, buscou-se apontar o posicionamento de tais produções conforme a Guerra ao Terror e a Doutrina Bush se desenrolavam. As imagens dos atentados aprofundaram o drama e a espetacularização dos ataques. Apesar de terem durado pouco, se alongaram o suficiente para a reeleição do republicano George W. Bush. Como já exposto, visões destoantes ocorreram lado a lado com a euforia da retaliação aos atentados. Assim, o terceiro capÃtulo, “Syriana: a nota dissonanteâ€, consiste na análise da produção Syriana: a indústria do petróleo (Syriana, 2005) que discute esse contexto histórico mapeando os diferentes cenários e situações das Página 13 CONSIDERAÇÕES INICIAIS polÃticas externas norte americana, não se entregando ao marco, mas expondo o processo histórico das relações dos EUA com o Oriente Médio. Ou seja, Syriana se diferencia por não eleger os Atentados de 11 de Setembro como um embate entre Ocidente e Oriente, bem como por reavivar o cinema estadunidense de cunho polÃtico que, tal como apontaram muitos dos crÃticos, estava estagnado em enredos e roteiros cúmplices das ações do governo, sempre passivos, desconsiderando, por exemplo, a própria polÃtica estadunidense aplicada no Oriente Médio durante as décadas de 1980 e 1990. O quarto e último capÃtulo, “A recepção da Guerra ao Terrorâ€, apresenta o diálogo entre arte e sociedade, tendo como foco a análise das crÃticas cinematográficas que se referem ao contexto da Guerra ao Terror, durante o governo de Bush filho. Através de tais fontes e dos próprios filmes, almejou-se expor e compreender a recepção da guerra ao terrorismo, ou seja, de temas que vão da representação do 11 de Setembro e do distanciamento do tema do terrorismo ao tratamento dos efeitos das polÃticas antiterroristas. Assim, observou-se os diferentes significados e posicionamentos na recepção das produções que ora reforçaram a Guerra ao Terror, como a intervenção no Afeganistão e no Iraque, ora seguiram por outro viés. Problematizou-se, portanto, a forma como foram recepcionadas tais produções e os posicionamentos polÃticos advindos das crÃticas, lado a lado com a implementação das polÃticas antiterroristas e o desenvolvimento dos conflitos e mudanças advindas das ações republicanas. Página 14 O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS CapÃtulo I CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS OS ATENTADOS DE 11 DE SETEMBRO E O “NOVO†INIMIGO: O TERRORISMO As imagens da manhã do dia 11 de setembro de 2001 marcaram um dos eventos mais significativos neste breve século XXI, tanto para os EUA como para toda a ordem mundial: os atentados à s Torres Gêmeas e ao Pentágono, sÃmbolos do poder estadunidense. A sua repercussão acentuou os debates acerca da polÃtica interna e externa21 estadunidense no combate ao terrorismo, contribuindo para um discurso referente à defesa da nação e, posteriormente, na “divulgação†do ideal de democracia e liberdade, culminando em várias discussões no âmbito das relações internacionais. Completados dezesseis anos, seus efeitos foram – e ainda são – sentidos em todo o globo. A liderança dos EUA foi posta em cheque e sua polÃtica externa sofreu problemas tão graves quanto no perÃodo da Guerra do Vietnã, visto que, além de enfrentar o terrorismo, tinham que responder à s armadilhas criadas por sua própria ideologia. Tendo em conta alguns dos efeitos do 11 de Setembro, cabe explanar brevemente as principais caracterÃsticas da Guerra ao Terror empreendida pelos EUA. Inicialmente, numa onda pós-11 de Setembro, ocorreram inúmeros debates sobre as relações internacionais e a problematização da “paz mundialâ€, os quais conduziram e auxiliaram os EUA em uma ofensiva contra o Afeganistão,22 que supostamente estaria apoiando grupos terroristas islâmicos. Pouco tempo depois, ocorreram investidas e acusações contra o Iraque23 – nesse caso, sem o apoio da ONU –, fundamentadas em argumentos que até hoje permanecem sem provas concretas, como o possÃvel relacionamento do paÃs com células terroristas. Nesse contexto, as várias mÃdias (jornais, rádio, TV, fotografia, cinema, internet) produziram representações diversas sobre o 11 de Setembro, o terrorismo fundamentalista islâmico e os jogos diplomáticos dos EUA. Logo recorreu-se aos registros históricos dos ataques ao território estadunidense, a fim de buscar um fundamento histórico, uma forma 21 MILZA, Pierre. PolÃtica interna e polÃtica externa. In: RÉMOND, René. (Org.). Por uma história polÃtica. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 370. 22 Referenciada também como Segunda Guerra do Afeganistão e Operação Liberdade Duradoura, teve inicio em 07 de outubro de 2001, ainda está em curso, tendo o atual presidente, Barack Obama, declarado a retirada do exército estadunidense até 2014. 23 Também chamada de Ocupação do Iraque, continuação da Guerra do Golfo, e também como Operação Liberdade do Iraque, iniciou-se com a invasão do Iraque em 20 de março de 2003 pelos EUA e seus aliados, Reino Unido, Espanha, Itália, Polônia e Austrália, e encerrou-se em 18 de agosto de 2010. Página 16 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS de agir frente ao evento. As proporções, as vÃtimas, os responsáveis foram explorados ao máximo, intensificando o choque das imagens que foram registradas. O efeito causado por elas levou a um turbilhão de revisões históricas, que enfatizavam que o “mundo havia mudado naquele diaâ€. Acadêmicos das mais variadas áreas realizavam suas análises; polÃticos discursavam sobre o acontecimento; mas o espetáculo era das sessões intermináveis sem data para sair de cartaz. Havia nessas imagens um poder hipnótico, de modo a notar que os atentados foram planejados para serem eficazes, mas, sobretudo, para serem filmados. A partir dos atentados, vários discursos sobre a Guerra ao Terror tomaram ares simplificadores na voz do ex-presidente George W. Bush, os quais se referiam à luta entre o “bem†e o “malâ€, Ocidente versus Oriente. Essas declarações se intensificaram através do efeito midiático e espetacular das representações dos atentados do dia 11 de setembro de 2001, bem como da “cruzada†lançada contra do terrorismo, principalmente durante o primeiro mandato de Bush (20/01/2001-20/01/2005). Discursos que nada mais fariam do que convencer a todos do sentido social e polÃtico das muitas ações antiterroristas, voltando-se ao sentimento nacionalista, da identidade estadunidense, fundamentado nos atentados, e que justificaram o aumento do orçamento militar em pró do combate ao terrorismo e da defesa da nação, na chamada guerra preventiva. Os ataques terroristas do dia 11 de setembro se tornaram um marco, na medida em que muitas ações polÃtica foram tomadas por Bush e alocadas, ou justificadas, nesse acontecimento. Nesse contexto, a polÃtica interna e externa se tornaram indissociáveis, já que a segurança nacional se tornou prioridade para os lÃderes do paÃs frente à ameaça do terrorismo em âmbito internacional. Várias ações do ex-presidente tomar moldes de tempos de guerra, com a autorização de diversos julgamentos militares de cidadãos estrangeiros suspeitos de participarem dos referidos ataques. Sendo assim, em todo o território dos EUA, agentes federais investigavam e interrogavam estrangeiros, dando preferência à queles oriundos de paÃses árabes, na busca de conexões com células terroristas.24 Pode-se considerar isso como um ponto de legitimação do poder estadunidense em identificar um inimigo em potencial, afinal, o terrorismo necessita de um rosto, ou melhor, uma ideologia opositora – caracterÃstica intrÃnseca ao longo da história 24 RUSCHMANN, Paul. The War on Terror. New York: Infobase Publishing, 2005, p. 16. Página 17 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS estadunidense. Ao mesmo tempo, não se trata apenas da disseminação de uma imagem do terrorismo internacional, mas também da criação de aparatos antiterroristas, como o Ato Patriótico (USA Patriot Act).25 Tais ações conduziram a uma onda de discussões internacionais e contribuiram para a realização de diversas reformas legislativas, tanto nos EUA como na Europa. Como consequência, diversos direitos fundamentais foram alterados, como a liberdade e a segurança, em pró do antiterrorismo e da defesa da democracia.26 No decorrer das discussões pós-11 de Setembro, o governo estadunidense precisava explicar tal evento, indicar a autoria e os seus objetivos. Várias informações sobre a autoria dos ataques apontavam para a organização Al-Qaeda,27 na época tendo como principal mentor Osama Bin Laden,28 o qual estava sob proteção dos Talibãs no Afeganistão. Nesse cenário, os EUA empreenderam estratégias militares cercando o paÃs e exigindo a entrega de Bin Laden, ao mesmo tempo em que arquitetava ações diplomáticas a fim de obter apoio da ONU e da OTAN.29 A partir desse momento, são cada vez mais recorrentes os discursos do governo Bush II frente à s estratégias de segurança nacional, bem como a perpetuação no imaginário estadunidense da possibilidade de novos ataques terroristas.30 Nesse segmento 25 Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act. (Ato de Unir e Fortalecer a América Providenciando Ferramentas Apropriadas Necessárias para Interceptar e Obstruir o Terrorismo). Trata-se de uma lei criada após os Atentados de 11 de Setembro de 2001, por George W. Bush em 26 de outubro de 2001. Tal lei traz em discussão diversas questões acerca da quebra de direitos constitucionais, a favor segurança nacional, em virtude da guerra contra o terrorismo. Recentemente a lei foi prorrogada até junho de 2015. 26 CONDE, Enrique Ãlvarez; GONZÃLEZ, Hortensia. Legislación antiterrorista comparada después de los atentados del 11 de septiembre y su incidencia en el ejercicio de los derechos fundamentales. Real Instituto Elcano – Royal Institute (ARI), Madrid, n. 8, 2006. DisponÃvel em: <http://www.realinstitutoelcano.org/wps/portal/rielcano/contenido?WCM_GLOBAL_CONTEXT=/el cano/elcano_es/zonas_es/ari+7-2006>. Acesso em: 27 abr. 2012. 27 QAEDA, AL. “Alternativa ortográfica de Al Qa'ida nome completo Saudita Al Qaeda al Sulbah. Os vários objetivos deste grupo são refletidas na grande quantidade de denominações que tem usado, como o Exército Islâmico para a Libertação dos Lugares Santos, o Grupo de Proteção dos Lugares Santos, e Frente Islâmica Mundial para a Jihad contra os Judeus e Cruzados, entre outrosâ€. ANDERSON, Sean K; SLOAN, Stephen. Historical dictionary of terrorism. Lanham, MD: Scarecrow Press, 2009, p. 557. [Tradução nossa]. 28 Osama Bin Laden foi morto em uma operação realizada pelo exército dos EUA em 02 de maio de 2011. Contudo, tal operação ainda gera dúvidas pela falta de provas que comprovem que de fato era o corpo do ex-chefe da Al-Qaeda. 29 JAGUARIBE, Helio. Terrorismo e Islam. Revista Nueva Sociedad, n. 177, Enero-Febrero 2002. DisponÃvel em: <http://www.nuso.org/revista.php?n=177>. Acesso em: 25 mar. 2011. 30 Tal aspecto, por exemplo, foi explorado de forma irônica no documentário Fahrenheit 11 de Setembro (Fahrenheit 9/11, 2004), do diretor Michael Moore. Página 18 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS da Doutrina Bush e da polÃtica antiterrorista, são recorrentes os discursos sobre o “Eixo do Malâ€, referindo-se aos paÃses que apoiavam o terrorismo, sendo citados: Irã, Iraque e Coréia do Norte. Para os EUA tais paÃses apresentavam maior perigo, já que possuÃam motivos e formas de colaborar e fornecer armas para grupos terroristas. Nesse momento, o governo Bush concluiu que as estratégias de segurança aos moldes da Guerra Fria já não eram suficientes frente as redes internacionais de terrorismo31 – não eram facilmente rastreáveis a Estados ou ideologias unificadas. Sendo assim, no dia 20 de setembro de 2001, o ex-presidente George W. Bush declarou que os EUA estavam em guerra contra os terroristas, empreendendo o que ficou conhecido com a Guerra ao Terror.32 Nesse contexto, o Afeganistão foi apontado como um dos paÃses onde se encontravam os campos e bases de treinamento da organização Al-Qaeda. Naquele momento o Afeganistão estava sob o controle do Talibã. O ex-presidente Bush exigiu que o Talibã entregasse os lÃderes da Al-Qaeda e fechasse seus campos de treinamento terroristas, o que evidentemente foi recusado. Após tais circunstâncias, os EUA empreenderam uma ofensiva militar com o apoio da Aliança do Norte, composta por afegãos contrários ao Talibã. Tal ação resultou na expulsão dos talibãs das principais cidades do paÃs, na morte de vários componentes do grupo, bem como de muitos lÃderes da rede terrorista Al-Qaeda.33 Frente ao chamado “Eixo do Malâ€, foram divulgadas informações sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque, bem como de que o paÃs mantinha conexões com a organização Al-Qaeda. Porém essas afirmações foram postas à prova, com inúmeras acusações de que serviriam apenas ao propósito de manipular a opinião pública a partir dos eventos do 11 de Setembro. Richard A. Clarke, ex-chefe da segurança antiterrorista dos EUA, escreveu em seu livro Contra todos os Inimigos (Against All Enemies, 2004) que o governo não levou em conta as advertências da inteligência acerca da organização Al-Qaeda antes dos referidos atentados, “[...] e utilizou os ataques para travar uma guerra totalmente independente no Iraque, levando o povo americano a acreditar que o regime iraquiano de Saddam Hussein estava envolvido no 11 de 31 CLARKE, 2004 apud RUSCHMANN, Paul. The War on Terror. New York: Infobase Publishing, 2005, p. 17. 32 Ibid., p. 15. 33 Ibid. Página 19 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS Setembroâ€.34 Tendo em conta ainda, as acusações de que o Iraque possuÃa conexões com grupos terroristas foram baseadas em frágeis documentos, já que tais grupos possuÃam abrigo no Paquistão, Somália, Sudão e Yêmen.35 Tal empreendimento do governo Bush não afetou somente a polÃtica externa, mas também a polÃtica interna dos EUA. Um exemplo disso foi a perda de poderes do partido republicano de Bush dentro do Congresso, algo que não ocorria desde 1994. Por outro lado, a Guerra do Iraque gerou manifestações populares antiguerra, semelhantes ao perÃodo da Guerra do Vietnã.36 Diversas ações diplomáticas e militares empreendidas pelos EUA deixam claro o lugar privilegiado do qual usufruem, impondo uma lógica na qual não existe neutralidade, tornando-se uma exigência, ademais imperialista, aos moldes de uma recolonização, agora aplicada ao Oriente Médio.37 Não obstante, tais prerrogativas de que os EUA estão no direito de classificar que paÃses fomentam atos terroristas – termo utilizado de forma muitas vezes genérica –, de quem é ou não terrorista, ou melhor, o terrorismo internacional, de base fundamentalista islâmica, tornou-se um termo no qual o governo estadunidense classifica que religião ou ideologia se aplica. A estratégia do governo Bush, de propagar representações midiáticas do terrorismo fundamentalista islâmico, torna-se aplicável em vista das ações diplomáticas que exploraram o poder que o governo estadunidense possui em âmbito internacional. O direito a guerra é um direito natural a qualquer paÃs, a intervenção dos EUA no Afeganistão foi aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU,38 órgão que regulamente tais ações. No entanto, em relação ao Iraque isto não ocorreu. Tal empreendimento não foi concedido, tendo em conta a credibilidade dos argumentos utilizados pelo governo Bush para a intervenção. Em relação ao Afeganistão, houve grande envolvimento 34 HOLLOWAY, David. 9/11 and the War on Terror. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2008, p. 31. 35 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Os Estados Unidos e a guerra contra o terrorismo. Tempo Presente, [20--]. DisponÃvel em: <http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&view=article&id=32:os-estados- unidos-e-a-guerra-contra-o-terrorismo&catid=38&Itemid=127>. Acesso em: 07 ago. 2013. 36 Ibid., p. 32. 37 LANDER, Edgardo. Los civilizados y los bárbaros. Revista Nueva Sociedad, n. 177, Enero-Febrero 2002. DisponÃvel em: <http://www.nuso.org/revista.php?n=177>. Acesso em: 25 mar. 2011. 38 APROVADA COM unanimidade através da Resolução 1368. United Nations, 12 set. 2001. DisponÃvel em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1368(2001)>. Acesso: 10 set. 2016. Página 20 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS internacional, principalmente por uma espécie de direito de defesa dos EUA devido aos ataques terroristas ao paÃs em 2001. Assim, o dia 11/09 se tornou o marco da guerra contra o terrorismo. Eventualmente, com passar dos anos, muitos conceitos que circundam a Guerra ao Terror se tornaram sinônimos e metonÃmias no imaginário do Ocidente, como por exemplo: islamismo, terrorismo e Oriente Médio. Desse modo, inúmeras interpretações tendenciosas da religião muçulmana – especialmente durante o governo Bush – criaram representações alienantes, manipulando a opinião pública.39 Apesar dessa construção de sentidos pejorativos do Oriente Médio e do mundo islâmico, destaca-se que existe um número cada vez maior de paÃses muçulmanos que almejam constituir uma relação mais próxima com o Ocidente, interessados no desenvolvimento de suas instituições de maneira democrática.40 Anos antes do 11 de Setembro, da “luta contra o terrorâ€, Edward Said apresentou a estereotipação e padronização cultural do Oriente através das mÃdias do Ocidente, como a TV e o cinema, tanto em moldes populares como acadêmicos do Oriente “misteriosoâ€. Segundo ele: Um aspecto do mundo eletrônico pós-moderno é que houve um reforço dos estereótipos pelos quais o Oriente é visto. A televisão, os filmes e todos os recursos da mÃdia forçaram a informação para dentro de moldes cada vez mais padronizados. No que diz respeito ao Oriente, a padronização e a estereotipação cultural intensificaram o domÃnio da demonologia acadêmica e imaginativa do “Oriente misteriosoâ€. Em lugar algum isso é mais verdadeiro que nos modos como o Oriente Próximo é compreendido. Três coisas contribuÃram para transformar até mesmo a mais simples percepção dos árabes e do islã em uma questão altamente politizada, quase áspera: uma, a história do preconceito popular antiárabe e antiislãmico no Ocidente, imediatamente refletido na história do orientalismo; duas, a luta entre os árabes e o sionismo israelita, e os seus efeitos sobre o judeu americano, bem como sobre a cultura liberal e a população em geral; três, a quase total ausência de qualquer posição cultural que tornasse possÃvel, seja identificar-se com os árabes e com o islã, seja discuti-los com isenção. Além disso, quase não é preciso dizer que, posto que o Oriente Médio está hoje identificado com a polÃtica das Grandes Potências, com a polÃtica do petróleo e com a dicotomia simplista do democrático e amante da liberdade Israel e os árabes maus, totalitários e terroristas, as chances 39 Para discussão em torno deste tema utilizarei, inicialmente, o trabalho de BECKER, Jean-Jacques. A opinião pública. In: RÉMOND, René. (Org.). Por uma história polÃtica. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003. 40 Cf. GIAQUINTO, MarÃa Benedicta. Terrorismo: uma lucha de occidente contra la perdida de libertad. Revista Pléyade, n. 2, p. 104-127, 2008. DisponÃvel em: <http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2788097>. Acesso em: 02 abr. 2012. Página 21 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS de qualquer coisa parecida com urna visão clara de sobre o que se está falando quando se está falando sobre o Oriente Próximo sao depressivamente pequenas.41 Atualmente é inegável a intensa estereotipação do Oriente Médio, tendo em conta que grande parte das representações do território está fortemente relacionado a assuntos que abarcam o terrorismo e o islã. Todo esse movimento não se constituiu espontaneamente, mas a partir de diversas construções discursivas como, por exemplo, a partir do uso de termos como o “choque de civilizaçõesâ€, a princÃpio utilizado por Samuel P. Huntington em artigo publicado na revista Foreign Affairs em 1993. Esse artigo expõe que o poder ocidental seria confrontado por não ocidentais, com planos de moldar o mundo sob suas perspectivas ideológicas. Muitos desses argumentos tornaram-se artimanhas das mÃdias internacionais e, até mesmo, de governantes, o que aprodundou ainda mais ideias generalizantes, principalmente em relação a questões que envolvem a relação entre o terrorismo e o Oriente Médio. A espetacularização sobre o 11 de Setembro, as próprias imagens registradas, incidiram no marco de um tratamento circunstancial de diversos temas complexos em direção a simplificações históricas – a favor dessa “nova†ameaça ao mundo democrático ocidental. Nesse sentindo, leva-se em consideração que o termo Oriente Médio implica inúmeras considerações, dentre as quais questões geográficas, étnicas, polÃticas, religiosas, econômicas. Assim, a definição de Oriente Médio remete-se a uma complexa rede de quais paÃses constituem esse território, não se tratando de um termo objetivo, mas sim subjetivo, já que muitas vezes esteve associado a questões eurocêntricas e a contextos militares, sendo necessário, portanto, compreende-lo dentro de uma historicidade. Dessa forma o termo “Mundo Muçulmano†tornou-se referência de “Oriente Médioâ€, embora o centro da civilização islâmica se estenda de forma mais dominante em outras faixas territoriais, como Ãfrica, Ãsia, Ãsia Central.42 Salienta-se que vários historiadores, cientistas polÃticos, filósofos, sociólogos, bem como pesquisados da área de relações internacionais, já abordaram tais questões, principalmente tratando da atuação de grandes potências nesses territórios. Em grande 41 SAID. Edward W. O Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 1990, p. 38. 42 Cf. OZKAN, Mehmet. El Oriente Medio en la PolÃtica Mundial: un enfoque sistémico. Estudios PolÃticos, n. 38, p. 99-120, Jan./Jun. 2011. DisponÃvel em: <http://works.bepress.com/mehmetozkan/>. Acesso em: 12 mar. 2012. Página 22 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS parte, muitos desses estudos referem-se aos EUA – mesmo nos trabalhos produzidos antes do 11 de Setembro e depois de forma ainda mais intensa – percorrendo o processo histórico de sua atuação no Oriente Médio. Apenas por esse levantamento bibliográfico, fica nÃtido que esta relação está fortemente relacionada ao terrorismo internacional, ou seja, é o fio condutor desse processo histórico. Assim, um dos problemas iniciais perpassa a historicidade do conceito de terrorismo e suas diversas aplicações, já que não existe uma conceitualização reconhecida internacionalmente, nem mesmo no meio acadêmico – em muitos casos sua conceitualização se alicerça sobre objetivos polÃticos. Com os eventos do dia 11 de setembro houve uma onda de discussões internacionais sobre o terrorismo, o que causou reformas legislativas tanto nos EUA como na Europa, alterarando diversos direitos fundamentais como a liberdade e a segurança de seus cidadãos em pró do antiterrorismo e da defesa da democracia.43 Uma das formas convencionais mais utilizadas para conceituar o terrorismo seria na distinção do terror que é instrumentalizado por um governo, em virtude de manter-se no poder através dele. Contra esse formato de legitimação do poder emprega-se o terrorismo polÃtico de grupos que lutam para derrubar esse sistema de governo.44 Ou seja, trata-se de uma forma de terrorismo relacionada a embates dentro do Estado e a disputas de poder. Contudo, nas últimas décadas, muitas ações terroristas assumiram perspectivas de grupos não estatais, no âmbito do terrorismo internacional, a exemplo dos atentados aos EUA em 11 de setembro de 2001 de base fundamentalista islâmica. Notadamente, a problematização do conceito vai além das simples definições expostas acima, que são, em grande parte, apenas exemplos mais gerais. O historiador estadunidense Walter Laqueur argumenta que não há como definir um único tipo de terrorismo devido aos inúmeros casos registrados ao longo dos anos. Sendo assim, existem diferentes definições e formas de terrorismo decorrente de um processo histórico, mas de todo modo uma ação terrorista faz “[…] o uso da violência por 43 CONDE, Enrique Ãlvarez; GONZÃLEZ, Hortensia. Legislación antiterrorista comparada después de los atentados del 11 de septiembre y su incidencia en el ejercicio de los derechos fundamentales. Análisis del Real Instituto Elcano (ARI), Madrid, n. 8, 2006. DisponÃvel em: <http://www.realinstitutoelcano.org/wps/portal/rielcano/contenido?WCM_GLOBAL_CONTEXT=/el cano/elcano_es/zonas_es/ari+7-2006>. Acesso em: 27 abr. 2012. 44 BOBBIO, Norberto. Dicionário de polÃtica. BrasÃlia: Editora UnB, 1998, p. 1243. Página 23 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS parte de um grupo para fins polÃticos, normalmente dirigido contra um governo, mas por vezes contra outro grupo étnico, classe, raça, religião ou movimento polÃticoâ€.45 Charles Townshend, historiador britânico, destaca que existem iniciativas polÃticas e acadêmicas que buscam definir o termo terrorismo, sendo que muitos autores não têm problema em inúmerar várias definições do termo, e mesmo em adicionar a sua concepção. O autor argumenta que a palavra “terrorista†“[...] é uma descrição que quase nunca foi voluntariamente adotada por qualquer indivÃduo ou grupo. É aplicada a eles por outros, em primeiro lugar pelos governos dos estados que atacamâ€.46 De tal modo, o filósofo polÃtico Stephen Nathanson esclarece que o terrorismo não é um termo concebido utilizado pela definição teórica e sim pelo viés polÃtico, sendo constituÃdo de acordo com os interesses que apelam para uma condenação moral das ações terroristas. “Enquanto eles são felizes para aplicar o rótulo de terrorismo para os seus inimigos, eles não irão aplicá-la aos amigosâ€.47 Sean Anderson e Stephen Sloan, no livro Historical Dictionary of Terrorism, destacam que não existe uma definição que se aplique efetivamente ao termo terrorismo, estando sempre carregado de concepções polÃticas aplicadas por grupos e tendências de forma negativa. Outro apontamento se refere à classificação de uma ação como sendo terrorista pelo viés militar, e esclarecem que a abordagem utilizada por eles, [...] é a de considerar como terroristas os grupos que normalmente atacam alvos não-combatentes ou não-militares tão livremente como alvos militares. Da mesma forma, sua escolha de táticas revela a distintinção entre combatentes e não combatentes. Artilharia anti-aérea pode ser usada contra aviões de guerra ou aviões civis, mas carros- bomba quase sempre implicam o risco de mortes e lesões de não- combatentes.48 O historiador Bruce Hoffman aponta para a necessidade de uma definição efetiva do termo. Para ele, “O terrorismo é uma atividade polÃtica humana intencional que é direcionada para a criação de um clima geral de medo, é projetado para influenciar, de 45 LAQUEUR, 1999 apud SEIXAS, Eunice Castro. Terrorismos: uma exploração conceitual. Rev. Sociol. PolÃt., Curitiba, v. 16, número suplementar, p. 9-26, ago. 2008. 46 TOWNSHEND, Charles. Terrorism: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 15. [Tradução nossa] 47 NATHANSON, Stephen. Terrorism and the Ethics of War. Cambridge: Cambridge University Press, 2010, p. 13. [Tradução nossa] 48 ANDERSON, Sean K; SLOAN, Stephen. Historical dictionary of terrorism. Lanham, MD: Scarecrow Press, 2009, p. 665. [Tradução nossa] Página 24 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS maneira desejada pelo protagonista, outros seres humanos e, através deles, algum curso de eventosâ€.49 Muitas declarações referentes ao terrorismo direcionam o tema para uma tendência polÃtica, por vezes objetivando uma intensa busca pelo poder, para mudanças polÃticas. Apesar de muitos paÃses – e nem mesmo a historiografia – não terem chegado a uma definição efetiva do que se entende por terrorismo, isso não significa que ele não seja um problema para os paÃses democráticos do Ocidente. Independente desse debate, deve-se compreender que os grupos terroristas estão interessados em tecnologias e aparatos para se fazer notar suas ações e, evidentemente, pouco interessa a eles um acordo internacional sobre suas ações, importa somente que suas ações sejam percebidas.50 Na atualidade, o planejamento de ações terroristas se tornou mais do que possÃvel, frente ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação. De certo modo, já não se faz tão necessária a presença de repórteres ou correspondentes internacionais, pois os próprios agentes terroristas podem filmar, editar e publicar tais imagens ou vÃdeos na Internet.51O que se tornou evidente, é que essas ações são realizadas para surtir efeito global. O que foi destruÃdo, nesse sentido, tem pouca importância, visto que o objetivo é criar um efeito midiático.52 Eric Hobsbwm em seu livro Globalização, Democracia e Terrorismo, assim expôs: Um dos sinais infelizes de barbarização está na descoberta, pelos terroristas, de que, sempre que tenha vulto suficiente para aparecer nas telas do mundo, o assassinato em massa de homens e mulheres em lugares públicos tem mais valor como provocador de manchetes do que todos os outros alvos das bombas, com exceção dos mais célebres e simbólicos.53 49 HOFFMAN, Bruce. Inside Terrorism. New York: Columbia University Press, 2006, p. 02. [Tradução nossa] 50 CARAFANO, James Jay. The Future of Anti-Terrorism Technologies. The Heitage Foundation, Washington, p. 1-9, 17 Jan. 2005. (HD87. H26 no. 885). DisponÃvel em: <http://www.heritage.org/Research/HomelandSecurity/hl885.cfm>. Acesso em: 04 maio 2012. 51 “Atualmente, a Al-Qaeda e seus grupos afiliados encontraram formas de utilizar sites de compartilhamento de vÃdeos como o YouTube, Liveleak, e Google Earth para fornecer orientação e mapear suas operações, e continuam a explorar agressivamente o potencial dessas novas aplicações como o Twitter, e também discutindo sobre as possibilidades de uma ‘invasão’ do site de relacionamentos Facebookâ€. DAUBER, Cori E. YouTube War: Fighting in a World of Cameras in Every Cell Phone and Photoshop on Every Computer. Strategic Studies Institute, Carlisle Barracks, U.S. Army War College, p. 04, Nov. 2009. (U413. A66D28 2009). DisponÃvel em:<http://www.strategicstudiesinstitute.army.mil/pdffiles/PUB951.pdf>. Acesso em: 10 maio 2012. 52 Ibid. 53 HOBSBAWM, Eric J. Globalização, Democracia e Terrorismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2007, p. 131. Página 25 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS Dessa forma, as proporções do terrorismo vão além da violência. Na verdade, almejam a repercussão e o sentimento de pânico provocado. Através da espetacularização de suas ações pela mÃdia, a eficácia e a repercussão dos atentados são ainda maiores se forem direcionados a locais de grande representação simbólica do poder.54 Como se pode notar, o conceito de terrorismo atualmente emprega uma vasta gama de significações e ramificações. Ressalta-se, portanto, a importância do tempo histórico e da experiência do passado em sua aplicação. As muitas mudanças ocorridas após o 11 de Setembro trazem à tona aspectos polÃticos, econômicos e socioculturais, expondo as experiências e expectativas55 de sujeitos, organizações e instituições. Para além da simples apresentação das significações históricas de um conceito, trata-se de apreciar através da linguagem a própria experiência humana. A reflexão temporal acerca do termo terrorismo se torna pertinente para se compreender o processo histórico pelo qual perpassa sua aplicação. Os autores acima citados apenas se debruçaram sobre as implicações conceituais, mas deixam de lado a sua utilização por diferentes paÃses, como, por exemplo, o terrorismo de estado financiado pelos EUA ao longo dos séculos XIX e XX, principalmente aplicado nos paÃses latino- americanos. Ou ainda, quando falamos dos EUA e os eventos no Japão em fins da Segunda Guerra Mundial e a sua relação com o terrorismo de massa, como destacou o filósofo italiano Domenico Losurdo: De imediato, o pensamento vai para o morticÃnio do 11 de Setembro. Há precedentes históricos? Se por terrorismo de massa entendermos o desencadeamento da violência contra a população civil com o intuito de alcançar determinados objetivos polÃticos e militares, devemos dizer que na história o exemplo mais clamoroso dessa forma horrÃvel de violência foi o aniquilamento nuclear de Hiroshima e Nagasaki. Quem fala de “bombardeio terrorista†em nossos dias são historiadores estadunidenses autorizados. Na realidade, porém, essa já era a opinião de um dos mais altos dirigentes da administração norte-americana da história, o almirante Leahy, o qual em vão procurou dissuadir o 54 “O pode simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (fÃsica ou econômica), graças ao efeito especÃfico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrárioâ€. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil/DIFEL, 1989, p. 14. 55 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto / Ed. Puc-RJ, 2006. Página 26 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS presidente Truman de recorrer a uma arma “bárbaraâ€, que atingisse “mulheres e crianças†de forma indiscriminada.56 Essa apreciação de Losurdo mostra os contrastes e diferentes aplicações do terrorismo, evidenciando como ele tem aplicações polÃticas. De tal modo, atualmente os EUA se tornaram um dos principais norteadores da sua aplicação conceitual, principalmente quando se referencia ao terrorismo internacional de base tradicional- religiosa, especificamente o fundamentalismo islâmico. Boa parte desse imaginário sobre o terrorismo islâmico está ligada à cultura polÃtica da última década, fortalecida através do posicionamento do governo frente ao 11 de Setembro e as ações posteriores no Oriente Médio, acontecimentos amplamente divulgados pelas plataformas de comunicação e informação. Beverly Gage, historiadora da Universidade de Yale, em seu artigo “Terrorism and the American experience: a state of the field,â€57 critica os estudos sobre o terrorismo que se limitam aos conflitos no Oriente Médio – ou seja, os que têm como marco o 11 de setembro. A autora ressalta que tais pesquisas não levam em consideração os atos e outras implicações acerca do termo em épocas distintas, principalmente dentro do território dos EUA. Em se tratando dos historiadores, aponta que, por questões metodológicas, eles tendem a seguir perspectivas que desconsideram a reflexão em teorias gerais – ao contrário de cientistas polÃticos, sociólogos, economistas e jornalistas, esses tidos pela autora como responsáveis pelas melhores reflexões pós-11/09. Observa-se, portanto, o efeito discursivo e a incidência do 11 de setembro como marco dessas discussões, deixando-se de lado a própria reflexão histórica nacional para focar no terrorismo internacional – sem, é claro, refletir sobre a disseminação da cultura do terrorismo pelos EUA na América Central, bem como no Oriente Médio. Segundo Gage, as novas pesquisas sobre esse conceito, mesmo trabalhando com temas distintos entre si, visam explorá-lo a partir de reflexões sobre eventos passados e sua incidência no presente. Contudo, muitos dos historiadores não aprofundam a historicidade do termo, 56 LOSURDO, Domenico. A Lingaugem do império: léxico da ideologia estadunidense. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 21. 57 GAGE, Beverly. Terrorism and the American Experience: a state of the field. Journal of American History, n. 98, v. 1, p. 73-94, 2011. doi: 10.1093/jahist/jar106. DisponÃvel em: http://jah.oxfordjournals.org/content/98/1/73.short. Acesso em: 10 set. 2016. Página 27 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS utilizando-o apenas como paradigma indiciário, mantendo a tendência de outras obras referenciais que os inspiraram. A principal crÃtica de Gage, portanto, aponta para o fato de que grande parte dos estudos historiográficos não toma partido sobre o terrorismo dentro do território nacional norte americano, pois se viram pressionados a explicar o conceito de ponta-a-ponta no âmbito dos ataques de 11 de Setembro pelo prisma do terrorismo internacional. Para a autora, trata-se de um terreno complexo e, por se tratar de polÃtica, corre-se o risco de reforçar o discurso da Guerra ao Terror.58 Mesmo antes dos atentados de 2001, Gage destaca que os estudos sobre o terrorismo sempre caminharam em conjunto com questões polÃticas, com a sua utilização nas reflexões sobre revoltas anticapitalistas, com grupos anarquistas e trabalhadores radicais.59 Quando ocorreram os ataques do 11 de setembro, os americanos já tinham histórias de terrorismo – muitas delas e numa variedade de perspectivas. O que não existia era uma historiografia coerente do terrorismo, uma maneira definitiva de pensar sobre o papel que essa violência desempenhou (ou não) no passado americano.60 A autora utiliza o 11 de Setembro como um marco periodizador desses estudos, tornando-se referencial para a análise de outros eventos anteriores, tais como: o confronto entre polÃcia e grevistas no Chicago Haymarket Square em 1886; o assassinato do presidente William McKinley em 1901; e a ascensão da Ku Klux Klan.61 Para Gage, a preocupação dos historiadores é muito passageira e pouco consistente, amarrando-se a contextos especÃficos sem reflexões mais abrangentes, reforçando a alegação de que o terrorismo não teria uma longa presença dentro dos EUA.62 Como se observa, o 11 de Setembro intensificou qualquer referencia a atos de terrorismo relacionados à história estadunidense, interferindo na seleção e exclusão de determinados assuntos e eventos, acentuando determinadas perspectivas e detrimento de outras. 58 GAGE, Beverly. Terrorism and the American Experience: a state of the field. Journal of American History, n. 98, v. 1, p. 73-94, 2011. doi: 10.1093/jahist/jar106. DisponÃvel em: http://jah.oxfordjournals.org/content/98/1/73.short. Acesso em: 10 set. 2016. 59 Ibid. 60 Ibid., p. 09. 61 Ibid., p. 07. 62 Ibid., p. 20. Página 28 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS Portanto, os ataques de 11 de Setembro se mostram como um novo marco para os debates acerca do terrorismo, especialmente o internacional. Ao mesmo tempo, compreende-se a sua presença em diversas ações dos EUA anteriores ao século XXI Considerando-se o seu efeito, nota-se nesse aspecto a eficácia do discurso oficial e da exploração do referido evento, o qual deu suporte para uma definição do terrorismo fundamentalista islâmico aos seus moldes. Em muitos momentos de sua história, os EUA fizeram usos polÃticos de determinados acontecimentos se apropriando de ideias/temas com objetivos definidos. Em muitos casos, recorreram a exaltações nacionalistas a fim de controlar a opinião pública. Observa-se isso a partir, por exemplo, do seu envolvimento na Primeira Guerra Mundial, em meio a pressão da opinião pública e, principalmente, na preocupação de não receberem os empréstimos caso a TrÃplice Entente fosse derrotada: Woodrow Wilson e a Comissão Creel conduziriam o paÃs a uma caçada contra os alemães. Tal feito, segundo Noam Chomsky, foi importante para futuramente servir como modelo contra o perigo “vermelhoâ€.63 Os resultados de tais artimanhas, desde a Grande Guerra, podem ser observados na exposição de Chomsky citando as reflexões do pacifista radical A. J. Muste: Quando, 60 anos atrás, o paÃs [EUA] entrou na 2º Guerra Mundial, ele [Muste] previu com considerável precisão as caracterÃsticas gerais do mundo que surgiria após a vitória americana, e, pouco depois, observou que, “após a guerra, o problema será o vencedor. Ele acha que acabou de provas que guerra e violência compensam. Quem lhe dará uma lição agora?â€.64 Sendo assim, mostra-se recorrente a intervenção dos EUA em diversos paÃses, tal como exposto por Noam Chomsky em Piratas e Imperadores, utilizando-se para tal de inúmeros recursos e intensiva violência, o que, para os governos estadunidense, se tornou uma prática polÃtica mais “aceitável†do que a escolha de ações diplomáticas, ao ponto de se tornar natural ou mesmo uma “virtudeâ€.65 Assim, aceitando a prerrogativa de que o grande vencedor da Segunda Guerra Mundial se tornou um problema ao longo da segunda metade do século XX, sobretudo ao longo da “gélida†disputa diplomática entre 63 CHOMSKY, Noam. MÃdia: propaganda polÃtica e manipulação. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 12. 64 Id. Piratas e Imperadores, antigos e modernos: O terrorismo internacional no mundo real. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 235. 65 Ibid. Página 29 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS EUA e URSS, os conflitos paralelos surgiram como alternativa a um embate direto de grandes proporções – que acarretaria numa destruição sem precedentes e sem vencedores, decorrente da quantidade de armas de destruição em massa de ambos os paÃses, a chamada M.A.D. (Mutual Assured Destruction)66 –, muitos dos quais com ações que poderiam ser classificadas como terrorismo por ambas as duas potências. Marcos Degaut, ao tratar a relação da Guerra Fria e o terrorismo, expôs que nessa disputa os EUA saÃram com vantagem, devido a sua capacidade econômica e industrial, mesmo a URSS sendo respeitada como potência por seu poder bélico e controle polÃtico. Assim, as diretrizes soviéticas partiam de definições polÃticas, fatores internos e força externa, as quais seriam apenas pontos de equilÃbrio. A fim de alcançar a revolução comunista, outras formas deveriam ser usadas para além das militares, através de meios propagandÃsticos, econômico, culturias para debilitar os governos ocidentais não comunistas.67 Tais orientações já vinham do XX Congresso do Partido Comunista, em 1956, sendo que “O XXIV Congresso, em março de 1971, reafirmou essa polÃtica, declarando que o êxito do comunismo mundial dependia da coesão de todas as forças ‘anti-imperialistas’â€, incluindo os movimentos terroristas.68 Tendo em conta as caracterÃstica e objetivos de ambas potências, durante a Guerra Fria os conflitos marginais se tornaram inevitáveis, não apenas na América ou no sudeste asiático, que são os casos mais divulgados e debatidos por suas notáveis relações, em maior ou menor grau, com as questões ideológicas no âmbito do capitalismo e do comunismo. Em meio à s polÃticas e estratégias implementadas – Cominform pela URSS, e a Doutrina Truman dos EUA –, esses conflitos paralelos se tornaram a grande marca desse processo histórico e foram amplamente explorados como pontos de força entre as grandes potências. Após a Segunda Guerra, muitos conflitos decorreram dos efeitos da bipolarização mundial, seja de forma imediata ou a longo prazo, muitos deles fazendo uso de práticas terroristas. MarÃa Benedicta Giaquinto, ao mapear o processo histórico das ações terroristas, expôs: 66 DEGAUT, Marcos. O Desafio Global do Terrorismo: polÃtica e segurança internacional em tempos de instabilidade. BrasÃlia: [s.n.], 2014, p.1134. 67 Ibid., p. 1144. 68 Ibid. Página 30 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS Após a guerra [Segundo Guerra Mundial] e durante muitos anos, o terror urbano foi obscurecido pelas guerrilhas que eram travadas em grande escala, como as que ocorreram na China. Somente em áreas predominantemente urbandas prevaleceu a estratégia terrorista: na Palestina sob o domÃnio britânico e mais tarde no Chipre e no Aden. As guerrilhas ocorreram em as áreas rurais. Quando a descolonização chegou ao fim, houve uma diminuição geral da atividade dos guerrilheiros. E com a transferência de operações do campo para as cidades surgiu a era da “guerrilha urbanaâ€, onde operam principalmente em unidades de 3, 4 ou 5 ativistas. O terrorismo multinacional dos anos 70 incluiu uma estreita colaboração entre pequenos grupos terroristas em muitos paÃses. Os lÃbios, os argelinos, os norte-coreanos e os cubanos atuaram como pagadores, fornecedores de armas e outros equipamentos, além de como coordenadores. Este novo terrorismo multinacional substituiu a guerra entre estados, uma vez que se tornou uma atividade quase respeitável (nas Nações Unidas havia uma maioria substancial que se opunha a qualquer ação internacional efetiva que podesse ser dirigida contra essa atividade). Assim, surgiu um labirinto impenetrável de vincúlos, intrigas e interesses, juntamente com uma rede de colaborações sobrepostas e abertas com governos estrangeiros que preferiram permanecer no sombra.69 Segundo Degaut, “[...] o terrorismo patrocinado ou estimulado pela URSS, Cuba, China, de certa forma também pelos EUA – sobretudo na América Central – e o terrorismo marxista na Europa foram em certa medida emasculados, perdendo parte de sua forçaâ€.70 Assim, ambos os paÃses fizeram uso ou deram suporte a ações que poderiam ser aclamadas como terroristas, seja conceitualmente e/ou juridicamente, e anos depois o conflito o terrorismo de cunho polÃtico se desgastou. É pertinente mencionar que na década de 1980, a Nicaraguá apelou a várias organizações mundiais frente as ações intervencionista dos EUA no paÃs, sendo que este foi condenado por terrorismo internacional pela Corte Mundial. 71 Sob esse prisma, a Guerra Fria foi palco de diversas ações terroristas financiadas, ou pelo menos com suporte, de ambas potências envolvidas – cujo a descrição pormenorizada não é nosso objetivo. Se por um lado a União Soviética assumia o 69 GIAQUINTO, MarÃa Benedicta. Terrorismo: uma lucha de occidente contra la perdida de libertad. Revista Pléyade, n. 2, p. 104-127, 2008. DisponÃvel em: <http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2788097>. Acesso em: 02 abr. 2012 70 DEGAUT, Marcos. O Desafio Global do Terrorismo: polÃtica e segurança internacional em tempos de instabilidade. BrasÃlia: [s.n.], 2014, p. 1306. 71 CHOMSKY, Noam. Piratas e Imperadores, antigos e modernos: O terrorismo internacional no mundo real. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 20. Página 31 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS terrorismo como uma ferramenta de expansão da revolução,72 por outro os EUA, mesmo fazendo uso de práticas terroristas, deram inÃcio a “guerra contra o terror†em meados dos anos 1980 (com Ronald Reagan e Bush pai) e não apenas no inÃcio do século XXI (com George Walker Bush, após o 11 de setembro),73 ideia que foi difundida devido a força do acontecimento. Ou, como destaca Noam Chomsky: O impacto das atrocidades de 11 de setembro de 2001 foi tão grande que a data que acabei de fornecer é redundante: basta usar “11 de setembroâ€. Muitos concordam com a idéia de que o mundo entrou numa nova era, em que tudo será diferente: “a era do terrorâ€. Sem dúvida, o 11 de setembro terá um lugar de destaque nos anais do terrorismo, mas devemos refletir bem no porquê de tal ser o caso. Qualquer pessoa que tenha algum conhecimento de história sabe que isso não ocorrerá, infelizmente, por causa da enormidade dos crimes, mas, sim, pela escolha de vÃtimas inocentes.74 As colocações de Chomsky, conhecido por seu ativismo polÃtico, apresentam como os atentados como marco histórico da “era ao terrorâ€. Ao longo do seu livro, a sua preocupação recai em descrever ao longo de seu livro diversos acontecimentos relacionam os EUA ao terrorismo, os quais não foram a público ou necessitavam de uma descrição pormenorizada por terem sido tratados à época como eventos de pouca importância pela mÃdia aliada ao governo do perÃodo. Sobretudo, a “nova†guerra ao terror pós-11 de Setembro não tem nada de novo, fez uso do mesmo discurso maniqueÃsta em defesa da civilização contra a “barbárie†e com grande parte das mesmas pessoas em cargos de importância da iniciada na era Reagan. Todavia agora não apenas direcionado ao Oriente Médio/Mediterrâneo e à América Central.75 Mesmo sem um confronto direto, fica claro que esse processo histórico teve como grande vencedor os EUA e, por seguinte, a chamada Nova Ordem Mundial. O capitalismo trouxe a “estabilidade†mundial, relegando as ações das forças armadas ligadas à rede internacional de terrorismo à tutela estadunidense.76 72 DEGAUT, Marcos. O Desafio Global do Terrorismo: polÃtica e segurança internacional em tempos de instabilidade. BrasÃlia: [s.n.], 2014, p. 1239. 73 CHOMSKY, Noam. Piratas e Imperadores, antigos e modernos: O terrorismo internacional no mundo real. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 18. 74 Ibid., p. 17. 75 CHOMSKY, 2006, op. cit., p. 18. 76 Ibid., p. 20-21. Na América Central a Igreja Católica era o alvo da “guerra contra o terrorâ€, apenas para citar um exemplo dos termos e moldes dessa luta sob a ótica dos EUA. Cf. Ibid. Página 32 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS Após os anos de 1950, mesmo com a aparente estabilidade entre EUA e URSS, pairava o clima de incertezas relacionado aos conflitos nos paÃses que, de algum modo, se aproximavam dessas potências, contexto em que o inimigo era facilmente identificado: “comunistas†ou “capitalistasâ€, dependendo de qual tutela se seguia.77 Como aponta Marcos Degaut, “Questões antes consideradas menores, como as étnicas e separatistas, eram, até certo ponto, mais facilmente controladas. Doravante, não maisâ€.78 O embate se tornou mais complexo relacionado aos particularismo e nacionalismos que se apresentam de forma mais nÃtida em regimes democráticos. Por isso, o terrorismo e a violência pós- Guerra Fria passaram “[...] a não possuir mais – pelo menos de forma predominante – o aspecto ideológico, assumindo formas diversasâ€.79 Interessante sublinhar que, assim como Chomsky, Degaut destaca o peso dos atentados do dia 11 de Setembro como marco periodizador na história do terrorismo: Assim, no mundo contemporâneo, sobretudo após os episódios de 11 de setembro de 2001, a questão do terrorismo representa, mais do que nunca, brutal retrocesso civilizatório e deve ser vista tanto como um fenômeno com caracterÃsticas próprias e peculiares, como parte do processo de globalização, o qual traz à tona discussões a respeito da dicotomia e da polarização conflitiva entre o regional/ local e o mundial, entre o particular e o universal, o interno e o externo, o nacional e o internacional, o indivÃduo e a sociedade. [...] Desde o final dos anos 90 do século 20, o termo “novo terrorismo†tem sido utilizado para, de alguma forma, diferenciá-lo do fenômeno tradicional – sobretudo após os ataques de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos – e que teria eminentemente motivação religiosa, não alguma ideologia polÃtica extremista. Já em 1986, por exemplo, a revista canadense Macleans publicava um artigo intitulado “The Menacing Face of the New Terrorismâ€, no qual identificava a irrupção de uma suposta guerra contra o Ocidente, levada a cabo por fundamentalistas islâmicos do Oriente Médio, dotados de “mobilidade, bem-treinados, suicidas e selvagemente imprevisÃveisâ€.â€80 Sendo assim, já havia uma preocupação com o “novo terrorismoâ€81 antes do 11 de Setembro. Todavia, o autor busca diferenciá-lo das práticas convencionais de 77 DEGAUT, Marcos. O Desafio Global do Terrorismo: polÃtica e segurança internacional em tempos de instabilidade. BrasÃlia: [s.n.], 2014, p. 1315. 78 Ibid. 79 Ibid., p. 1340. 80 Ibid., p. 1352; 1364. 81 Sobre a sua organização: “[...] o ‘novo terrorismo’ seria organizacionalmente diferente do anterior, por ser heterárquico (com diversos centros de poder e autoridade), horizontal e, logo, descentralizado, enquanto o ‘velho terrorismo’ seria hierárquico, vertical e centralizado. De fato, enquanto os agrupamentos ditos ‘tradicionais’ organizam-se com base em uma estrutura hierárquica e de comando Página 33 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS terrorismos, à quelas de caráter ideológico, facilmente identificáveis a Estados especÃficos – agora com bases religiosas. Ao mesmo tempo, toma os atetandos de 2001 como um marco, o sinal de um “brutal retrocesso civilizatório†relacionado a globalização, bem como no dito embate Ocidente versus Oriente. Segundo ele, o que impera atualmente são as manifestações do terrorismo internacional, cujos objetivos não são facilmente identificados.82 Ademais, apresenta a preponderância do movimento representado pelos grupos extremistas islâmicos contra as democracias ocidentas, no qual grupos distintos, sem uma premissa em comum, eventualmente se unem, apesar da predominância de seus interesses polÃticos locais.83 Fica claro através das exposissões acima que o terrorismo internacional esteve intrinsicamente ligado à Guerra Fria através de conflitos paralelos, cujos paÃses envolvidos tinham suporte ou estavam de alguma forma próximos das duas grandes potências envolvidas: EUA e URSS. Com a queda do socialismo soviético em 1991, tais práticas e suporte terroristas dos EUA caÃram no esquecimento do grande público. Após o 11 de Setembro, isso apenas veio a se intensificar, qualquer menção ou relação dos EUA com práticas terroristas seria tida como antiamericana/antipatriótica, num momento de tensão, amplificada pela grandiosidade e espetacularizaçãodo evento. Diversos autores partem do 11 de Setembro para discutir sobre o terrorismo, e sua “nova eraâ€. Strobe Talbot e Nayan Chanda, na introdução de A era do terror: o mundo depois de 11 de setembro, mostram esse contexto de novas perscepções e compreensão do terrorismo recorrendo a ataques anteriores, a fim de mostrar o contraste com os ocorridos em 2001: De repente, expressões e conceitos familiares tornaram-se inadequados, a começar pelo próprio termo “terrorismoâ€. O dicionário o define como a violência, particularmente contra civis, realizada com fins polÃticos. O 11 de setembro se enquadra como tal. Os contatos anteriores da América com o terrorismo, porém, nem haviam antecipado nem compreendiam aquela nova manifestação. Os cidadãos americanos haviam sofrido baixas antes, mas em geral quando longe de casa – em um quartel no LÃbano, em 1983, ou na Arábia Saudita, em 1996; em um transatlântico no Mediterrâneo, em 1985, em um avião sobrevoando a rigidamente definida, os ‘modernos’ normalmente se estruturam em pequenos núcleos dotados de elevada autonomia operacional e menor burocracia. Essas pequenas unidades se ligam, entretanto, a grupos maiores, sendo inspirados por uma espécie de ‘mentor espiritual’ ou doutrinário, que acaba por exercer o papel de lÃder da organizaçãoâ€. DEGAUT, Marcos. O Desafio Global do Terrorismo: polÃtica e segurança internacional em tempos de instabilidade. BrasÃlia: [s.n.], 2014, p. 1382-1387. 82 Ibid., p. 1989. 83 Ibid., p. 1997. Página 34 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS Escócia, em 1988, ou em duas embaixadas americanas no leste da Ãfrica, em 1998. Desta vez, as presas encontravam-se não só em solo americano, mas dentro da icástica sede da prosperidade, segurança e potência do paÃs. [...] Foi com a irrupção do bioterrorismo, no princÃpio de outubro, que uma ansiedade tornou-se uma certeza: 11 de setembro fora apenas o começo. As pessoas, em toda parte, teriam de habituar-se a sentir medo de um modo e em um grau que nunca ocorreram antes. Foi nesse sentido que os Estados Unidos entraram em uma idade do terror.84 Os autores tratam o acontecimento como a entrada dos EUA numa “era de terror†sem precedentes, reflexão feita por eles dois meses após os ataques, ainda em novembro. Tal como Talbott e Chanda, muitos outros autores seguiram essa tendência de partir do 11 de setembro para retomar outros perÃodos que envolvem o terrorismo internacional, especialmente os eventos ocorridos a partir dos anos de 1980. Trata-se, como visto anteriormente, da década na qual iniciou-se a “guerra contra o terror†pelo governo Reagan, seguindo com Bush I, cujo ação no Oriente Médio foi marcado pela Primeira Guerra do Golfo. A década seguinte, por sua vez, também foi marcada por ações terroristas, não apenas em outros continentes, mas visando também alvos estadunidenses Sobretudo, é importante destacar que nas ações que ocorreram no Oriente Médio durante a Guerra Fria, ao menos até inicio dos anos de 1980, a grande preocupação (aparentemente) se relacionava ao comunismo e a sua eventual expansão pelo globo, isso para a opinião pública, o que suprimiu certos eventos mais complexos, tal como a atuação dos EUA no Oriente Médio décadas antes da Guerra Fria. Outros eventos tiveram maior destaque durante a bipolarização do mundo, tal como no continente americano, em Cuba, e no Vietnã. No caso cubano, não se tratou apenas de uma proximidade geográfica aos “males do socialismoâ€, em meio a conformidade social dos anos de 1950, mas por ter sido um dos primeiros momentos do século XX em que houve a real possibilidade de um ataque ao território estadunidense, com a crise dos mÃsseis em 1962 e, consequentemente, de uma eventual nova guerra mundial. No que se refere ao Vietnã, os efeitos foram intensos, derrota dos EUA contra os vietcongues deixaria uma cicatriz que permea o imaginário estadunidense, a qual se convencionou chamar de SÃndrome do Vietnã. Segundo Tom Engelhardt, em The End of 84 TALBOTT, Strobe; CHANDA, Nayan. (Orgs.). A era do terror: o mundo depois de 11 de setembro. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 09-11. [Destaque nosso] Página 35 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS Victory Culture: Cold War America and the disillusioning of a generation,85 a Guerra do Vietnã foi o evento que deu fim a uma “cultura da vitória†dos EUA, processo intensificado pelos movimentos sociais que criticaram o conflito ao longo das décadas de 1960/70 e promoveram a crÃtica a outros marcos históricos do paÃs. O espaço de experiência86 composto pela Guerra do Vietnã contribui para uma tensão histórica nos EUA, na qual o apoio da opinião pública estava enfraquecido, a motivação polÃtica para a luta contra o comunismo não se sustentava, o que contribuÃu para desmotivar qualquer intervenção que estivesse no horizonte. A cobertura da mÃdia internacional intensificou os resultados ocorridos no Vietnã e, no âmbito das intensas pressões sociais ao longo do conflito, a efetiva derrota trouxe transtornos para o governo, que de certa forma não admitia seu fracasso. As sequências de filmes Rambo, com sua concepção patriótica do Vietnã, foram na contramão das crÃticas ao conflito e, na perspectiva de uma escrita fÃlmica da história questionadora do conflito, surgiram outras produções que abordavam o evento por outro prisma, a exemplo de Apocalypse Now (Apocalypse Now, 1979), Platoon (Platoon, 1986) e Nascido para Matar (Ful Metal Jacket, 1987). Cita-se ainda outra pelÃcula de destaque: Top Gun: ases indomáveis (1986), produção com parceria entre o Pentágono e o produtor Jerry Bruckheimer, com o objetivo de melhorar a imagem dos militares em meio a opnião pública. Sucesso de bilheteria, os alistamentos na Força Ãerea aumentaram 500% cento e nas salas onde o filme era exibido haviam tendas para o alistamento.87 Tal observação nos leva a refletir sobre a própria consciência histórica nos EUA, categoria que possui uma fina proximidade com a cultura história. Segundo Jörn Rüsen, a primeira vem a demonstrar as formas como a experiência do passado é interpretada enquanto histórica pelos sujeitos, ou seja, se relaciona com todas as formas de pensamento histórico.88 Isso nos leva a pensar na incidência de eventos históricos tidos como 85 ENGELHARDT, Tom. The End of Victory Culture: Cold War America and the disillusioning of a generation. Amherst, MA: University of Massachusetts Press, 2007. 86 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto / Ed. Puc-RJ, 2006. 87 YOUSEF, Kinda. ISIS desde la ficción oscura de Hollywood. Re-visiones, n. 5, 2015. DisponÃvel em: <http://www.re-visiones.net/index.php/RE-VISIONES/article/view/19>. Acesso em: 12 ago. 2016. 88 RÜSEN, Jörn. Razão histórica – Teoria da História I: os fundamentos da ciência histórica. Tradução de Estevão de Rezende Martins. BrasÃlia: Ed. UNB, 2010a. Página 36 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS vitoriosos,89 tal como a Segunda Guerra Mundial, e seu impacto na dimensão estética estadunidense, como se pode observar na linguagem cinematográfica, visto que o catálogo de produções que a exaltam é extenso – como veremos nos próximos capÃtulos, esse aspecto foi explorado nos filmes pró-guerra pós-atentados de 2001. A cultura história, por sua vez, trata da apreciação da consciência histórica na interpretação e orientação da vida prática, o que se aproxima de nossa reflexão sobre a linguagem cinematográfica enquanto dimensão estética da cultura histórica a respeito não só da Segunda Guerra Mundial, mas de inúmeros outros contextos históricos, como as derrotas durante a Guerra Fria.90 Evidentemente, a apreciação desse inimigo é fundamental, como destacou Yousef Kinda: Seria impossÃvel nessas páginas dar uma conta de todos os filmes de Hollywood dedicados ao assunto [Uma luta sagrada contra o mal], mas se analisarmos algumas cenas, temos uma enorme quantidade de imagens que representam o mesmo estereótipo: os homens com cabelos pretos e a pele morena que cobrem a cabeça e muitas vezes parte de seus rostos com um pano de cor escura (ou com um kufiyya), olhos brilhantes e olhares raivosos, armados e perigosos, bárbaros sanguinários, irracionais que só querem ferir inocentes... Mulheres com burka, provavelmente cobertas de preto, que, em muitos casos, podem ser terroristas... Esta representação hollywoodiana do mal absoluto vem se repetindo há décadas. Desde a Segunda Guerra Mundial sucederam- se os inimigos: primeiro os nazistas, os soviéticos e os japoneses, depois a Guerra Fria com os comunistas até chegarem ao terror representado pelo islamismo.91 O Estados Unidos vem de um longo processo de apreciação e constituição do ideário nacional e de valorização do território, algo cravado no ethos dos cidadãos. Por 89 Para Jörn Rüsen a consciência histórica é ela é “[...] a suma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempoâ€. RÜSEN, Jörn. Razão histórica – Teoria da História I: os fundamentos da ciência histórica. Tradução de Estevão de Rezende Martins. BrasÃlia: Ed. UNB, 2010a, p. 57. 90 Destaca-se, no do último quarto do século XX, em meio a Guerra Fria, diversos eventos socioculturais, bem como historiográficos debateram e criticaram a história dos EUA. Muitos desses debates acadêmicos criticavam a cultura histórica estadunidense fortemente relacionada aos marcos históricos da nação. Por exemplo, a crÃtica a chamada “Grande Narrativaâ€, em partes fruto dos movimentos socioculturais dos anos de 1960/70, chamou a atenção para a concepção de uma sociedade unÃssona e coesa, na qual todas as vontades e anseios de seus cidadãos comporiam um único acorde histórico, sem notas sobressalentes. O movimento historiográfico conhecido como New Western History, revisou A Conquista do Oeste do território dos EUA, bases do nacionalismo, e expos o lado sombrio do tratamento aos indÃgenas e da exaltação da nação pura e coesa em seu projeto civilizador, uma crÃtica ao “Destino Manifestoâ€. 91 YOUSEF, Kinda. ISIS desde la ficción oscura de Hollywood. Re-visiones, n. 5, 2015. DisponÃvel em: <http://www.re-visiones.net/index.php/RE-VISIONES/article/view/19>. Acesso em: 12 ago. 2016. Página 37 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS isso, embates e guerras travadas com outros paÃses sempre foram momento à parte para o fortalecimento do sentimento nacionalista e patriótico. Isso é algo intrÃnseco ao estadunidense comum; o inimigo, portanto, necessita de um rosto e de um local. Ao longo do século XX, a propaganda dos EUA contra seus inimigos teve grande efeito sobre a opinião pública. Um bom exemplo, como se viu, foram as duas grandes guerras, perÃodo no qual os meios de comunicação tiveram um papel fundamental no processo de fortalecimento do sentimento nacionalista e da “cultura de vitóriaâ€, principalmente através do cinema. A apreciação desse processo histórico é um esforço para destacar como a história é consumida no espaço público,92 principalmente através das imagens. Parte dessa indagação sobre as narrativas históricas de um paÃs, nesse caso os EUA, está relacionada a sua própria propagação no meio social, nas formas que possibilitam a consciência histórica dos sujeitos. Diferente do nazi-facismo ou do comunismo, o Oriente Médio sempre foi um assunto complexo por não haver ali um inimigo facilmente identificável. Ao longo do século XX, foi o palco de inúmeras ações polÃticas e militares dos EUA que, com o auxÃlio de Estados clientelistas, ainda na década de 1960, estabeleceram seu poder na região e acentuaram divergências que consequentemente levaram a guerras entre os povos muçulmanos nas décadas seguintes.93 Essas relações “amistosas†entre EUA e Oriente Médio, como o apoio na criação do Estado de Israel em 1948, garantiram ao primeiro o acesso à s reservas petrolÃferas de grande interesse no pós-guerra. Em O Orientalismo, Edward Said destacou como a partir da Segunda Guerra Mundial houve mudanças sobre a perspeção do árabe em favor do judeu, bem como a aproximação do estado de Israel com os EUA. Ademais, o autor escreveu que esse interesse estadunidense já era observável em meados da Primeira Guerra, tal como esclarece: Durante a Primeira Guerra, aquilo que viria a tornar-se um grande interesse polÃtico dos Estados Unidos pelo sionismo e pela colonizacáo 92 RÜSEN, Jörn. Que es la cultura histórica?:Reflexiones sobre una nueva manera de abordar la historia. Tradução F. Sánchez Costa e Ib Schumacher. Original em: FÜSSMANN, K.; GRÜTTER, H. T.; RÜSEN, J. (Ed.). Historiche Faszination, GeschichtsKultur Heute. Keulen, Weimar and Wenen: Böhlau, 1994, p .3-26. DisponÃvel em: <http://www.culturahistorica.es/ruesen/cultura_historica.pdf>. Acesso em: 04 maio 2016. 93 PURDY, Sean. O século americano. In: KARNAL, Leandro; et al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2015 p. 243. Página 38 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS da Palestina teve um papel considerável na entrada dos americanos na guerra; as discussóes britânicas anteriores e posteriores á Declaração Balfour (novernbro de 1917) refletem a seriedade com que a declaração foi recebida pelos Estados Unidos. Durante a Segunda Guerra e depois dela, foi notável a escalada, nos Estados Unidos, do mteresse pelo Oriente Médio, Cairo, Teerá e a Ãfrica do Norte foram importantes arenas de guerra, e nesse cenário, com a exploracáo do seu petróleo e dos seus recursos humanos e estratégicos iniciada pela França e pela Inglaterra, os Estados Unidos preparavam-se para o seu novo papel imperial do pós-guerra. Um dos aspectos desse papel, e não o menos importante foi a “polÃtica de relações culturaisâ€, tal como foi definida por Mortimer Graves em 1950. Parte dessa polÃtica era, disse ele, uma tentativa de adquirir “toda e qualquer publicacão signÃficativa em toda e qualquer lingua importante do Oriente Próximo publicada desde 1900â€, uma tentativa que “o nosso Congresso deve reconhecer como urna medida da nossa seguranea nacionalâ€. Pois o que estava claramente em jogo, argumentava Graves (para ouvidos muito receptivos, diga-se de passagem), era a necessidade de “um muito melhor entendimento americano das forças que estão concorrendo com a idéia americana por aceitação pelo Oriente Próximo. As principais são, é claro, o comunismo e o islã.94 Contudo, tais especificidades e polÃticas para a “compreensão†do Oriente, bem como as futuras intervenções e apoio a golpes na região pelos EUA, não eram de interesse público. Havia uma representação que clamava por maior destaque. Aos poucos, o imaginário do Oriente Próximo passou do “exótico†(com xeiques, dançarinas do ventre, vilões, etc.) para o árabe ameaçador, coletivo e desumanizado. Sobretudo nas últimas décadas, houve um aumento de filmes sobre o Oriente Médio em virtude, principalmente, da polÃtica antiterrorista da Guerra ao Terror e a consequente intensificação dos estereótipos. Os conflitos no Médio Oriente foram aos poucos vindo à tona, como a primeira Guerra do Golfo, e tornaram-se mais “presentes†após o 11 de Setembro. A motivação contra o terrorismo, nesse caso fundamentalista islâmico, tomou a ordem do dia. Evidentemente isso não advém apenas dos esforços do governo estadunidense em explorar o acontecimento e usá-lo como marco na luta contra o terror. Esse processo também está ligado ao poder que grupos terroristas adquiriram décadas antes durante a invasão soviética ao Afeganistão, em 1979. De um lado a República Democrática do Afeganistão apoiada pelo exército soviético e do outro os Mujahideen tendo suporte dos EUA. Logo após o fim da bipolaridade mundial, no decorrer dos anos de 1990, os antigos 94 SAID, Edward W. O Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 1990, p. 299. Página 39 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS aliados se tornaram os futuros inimigos. Assim, no inÃcio do século XXI, para os EUA na “era do terror†os aliados foram todos aqueles que se protificassem a lutar contra o terrorismo.95 A invasão do Afeganistão pela URSS surtiria efeitos ao longo dos anos seguintes, como aponta Uneña ao fazer referência a abordagem fÃlmica: O resultado desse conflito ultrapassaria as fronteiras afegãs, além da Al Qaeda, centenas de ex-combatentes retornaram aos seus paÃses de origem para impulsionar a luta armada ou participar de outros conflitos, como os da Argélia, Chechênia, Iêmen, etc. O episódio, também conhecido como Vietnã soviético, é um daqueles que acabaria com a Guerra Fria, mas também um dos primeiros capÃtulos da guerra global contra o terrorismo. Como argumento, pouco interessou Hollywood. A lista é certamente curta, como referentes cinematográficos, muito distantes no tempo, aparecem Rambo III e Charlie Wilson's War. Ambos são o reflexo da ajuda furtiva dos Estados Unidos aos combatentes dos mujahides.96 De tal modo, pode-se destacar que o terrorismo é o fio condutor desse processo histórico. Mesmo não sendo plenamente definido por cientistas polÃticos e historiadores, foi exaustivamente utilizado pelo governo dos EUA, contribuindo para fortalecer a ideia dos ataques terrorista de 11 de setembro de 2001 como um marco histórico. Na Guerra ao Terror se explou ao máximo esse acontecimento potencializado pelas imagens e a espetacularização que se fez delas, o que contribui para que no ato de rememorar os ataques não se descolassem do conceito de terrorismo. Diante de todo exposto, buscar-se-á abordar as primeiras significações e sentidos atribuÃdos aos atentados do dia 11 de setembro, pensando os usos polÃticos e a apropriação do terrorismo, com a exploração de sua dimensão histórica, feita pelo governo estadunidense e intensificada através das imagens desse dia pelos meios de comunicação. A problematização da constante exibição midiática dos atentados se fez necessária para compreender a construção dos ataques terroristas como marco da luta contra o terrorismo, bem como se torna essencial frente ao processo histórico que cerca o cenário fÃlmico e a recepção estadunidense durante a Guerra ao Terror, que se estenderá pelos capÃtulos seguintes. 95 TALBOTT, Strobe; CHANDA, Nayan. (Orgs.). A era do terror: o mundo depois de 11 de setembro. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 14. 96 UNEÑA, Antonio Malalana. La exégesis de la guerra global contra el terrorismo a través del cine y la televisión. HAO, n. 34, p. 43, Primavera, 2014. [Tradução nossa] Página 40 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS 11 DE SETEMBRO DE 2001: AS IMAGENS E O MARCO Os filmes definem o padrão e essas pessoas copiaram os filmes. Ninguém teria pensado em cometer uma atrocidade como essa a menos que eles tivessem visto em um filme. Como continuamos a mostrar esse tipo de destruição em massa nos filmes? Eu apenas acredito que criamos essa atmosfera e os ensinamos a fazê-la. Robert Altman97 O poder das imagens dos ataques terroristas planejados pela Al-Qaeda, e sua exibição constante, inundou o cotidiano do estadunidense com inúmeros takes do Pentágono e principalmente das Torres Gêmeas, sendo explorados ao extremo pelos meios de comunicação em massa – principalmente por jornais, fotografia, rádio e televisão. No mesmo dia dos ataques se recorreu aos registros históricos de atentados anteriores ao território estadunidense, a fim de buscar eventos semelhantes ou alguma aproximação histórica, uma forma de agir frente ao acontecimento, bem como estipular um novo marco, um novo fato histórico. Esse capÃtulo da história dos EUA é impossÃvel de ser escrito sem as imagens veiculadas, pois elas interferiram no imaginário estadunidense através do espetáculo televisionado. Os ataques pareciam terem sido elaborados com storyboards e roteiros; cenas que foram arquitetadas para serem exibidas para todo o mundo como takes produzidos nos próprios estúdios hollywoodianos. O grupo Al-Queda priorizou o efeito espetacular, o qual foi intensificado pela exploração televisiva e, posteriormente, pelos pronunciamentos dos governantes dos EUA. As transmissões televisionadas foram cruciais para a divulgação dos atentados terroristas, com uma mÃdia acessÃvel e capaz de transmitir ao vivo para bilhões de pessoas ao redor do globo. Praticamente todas as redes de TV dos EUA cobriram o impacto do do Voo 175 da United Airlines, à s 09:03 hs, na Torre Sul do WTC, com toda essa vasta audiência acompanhando ao vivo. Da mesma forma, foram feitas as coberturas em tempo real ao Pentágono (à s 09:37, com o Voo 77 da American Airlines) e, posteriormente, a queda do Voo 93 da United Airlines na Pensilvânia. 97 BATES, Alan. Altman says Hollywood “created atmosphere†for September 11. The Guardian, Londres, 18 Out. 2001. DisponÃvel em: <https://www.theguardian.com/film/2001/oct/18/news2>. Acesso em: 10 set. 2017. Página 41 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS Algo notável dessa sequência de acontecimentos foi seu encadeamento, não apenas no plano tático, mas como espetáculo arquitetado. Todas as redes de TV interromperam sua transmissão rotineira para levar ao ar a cobertura do que havia acontecido na Torre Norte do WTC há poucos minutos. Nesses primeiros instantes, não haviam ainda declarações ou mesmo uma explicação; os repórteres dialogavam com seus correspondentes via telefone se questionando se tratava-se de um ataque ou uma explosão acidental. Durante a cobertura da Torre Norte em chamas se iniciou o “segundo atoâ€. Em meio aos diálogos dos jornalistas, ao fundo do enquadramento, surge o Voo 175 diretamente contra a Torre Sul. Tal cena, se não tivesse sendo exibida ao vivo na TV, facilmente seria confundida com um filme exibido na programação e o espectador o consumiria como uma ficção, apenas a simulação de um atentado aos EUA. A conclusão é simples: os atentados do dia 11 de setembro de 2001, especialmente contra as torres do complexo do WTC, foram planejados para serem filmados e transmitidos ao vivo. Há outro fator a ser considerado nessas transmissões televisivas: a valorização cinematográfica das imagens do WTC. Como se tratavam de imagens ao vivo, não houve um preparo ou se seguiu um roteiro preestabelecido, pois não foi uma matéria jornalÃstica planejada. Os contratempos técnicos e o enquadramento das imagens ao vivo são reflexos do cinegrafista, que se torna os olhos dos espectadores. Preocupados em entender e explicar a situação, poucos narradores observaram o Voo 175 se aproximando no horizonte, dando-se conta do ocorrido apenas segundos após o impacto. Ninguém imaginaria, nesse momento, uma sequência de ataques, o que explicita muito bem a linguagem televisiva que possui uma caracterÃstica que acentua a audição ao vislumbre visual. Segundo Pierre Sorlin, a linguagem televisiva não exige que o espectador esteja todo o tempo em frente à tela, analisando as imagens a todo o instante.98 Apesar de usar mais close-ups do que na narrativa fÃlmica, bem como planos médios (como nos telejornais), a fim de mostrar a seriedade dos âncoras, o espectador concentra-se mais no elemento auditivo do que no visual. Em um evento que foge à norma, como os de 11 de Setembro, o que chama a atenção do espectador é a manchete, a exaltação do ocorrido. 98 SORLIN, Pierre. Television and our understanding of history: a distant conversation. In: BARTA, Tony. (Org.). Screening the Past: Film and the Representation of History. Westport Ct: Praeger, 1998. Página 42 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS A TV trabalha com uma linguagem prática, através da qual o cidadão comum consome os acontecimentos – carregados de interpretação – de forma informal, para além do âmbito educacional. A classificação de “momento históricoâ€, “a história sendo escritaâ€, “a história acontecendoâ€, “primeira vez na históriaâ€, dentre outras frases de impacto, sempre foram e serão utilizadas pelos meios midiáticos; são jargões que chamam a atenção do espectador e delineiam o sentido do que será noticiado. É pertinente a exposição sobre a TV e o “Mostrar ocultando†feita por Pierre Bourdieu99 sobre a seleção das palavras feitas pelos profissionais que trabalham nesse mÃdia, bem como a condução da recepção da imagem através da incitação pela palavra que trará uma espécie de legenda para o que é mostrado. Contudo, a apreciação de Bourdieu sobre os jornalistas é bem negativa, afirmando que eles não compreendem as palavras e continuam “[...] sem compreender que não as compreendemâ€.100 Há no meio televiso um apelo constante pela história, principalmente quando utilizam imagens para ilustrar uma matéria no telejornal – como se faz ainda hoje nos livros didáticos de História. Tal debate extrapola os limites aqui propostos, mas o que se pretende destacar é como a incidência de certas abordagens tem impacto sobre o público, bem como são utilizadas a fim de chamar a atenção para a que é transmitido na tela. Trata- se, muitas vezes, de dialogar com a cultura história do espectador, em nosso caso a dos EUA. Em uma obra literária, por exemplo, como afirma Wolfgang Iser, o leitor está na sua estrutura formal. Tal premissa pode ser pensada para mÃdias como o cinema e a televisão, não obstante suas diferenças e particularidades, pois todas têm como foco o consumidor final, ou seja, o leitor ou o espectador. A TV possui uma vantagem, assim como a internet, pela possibilidade do imediatismo. Todavia, em uma transmissão ao vivo se torna mais complexo pensar esse espectador, como no caso das cenas da queda das Torres Gêmeas, já que com horários não programados, no qual a faixa-etária não pode ser estabelecida, de certa forma se transmiti para a nação e o mundo sem um controle mÃnimo de quem irá receber. Nesse ponto, a emissora deve de antemão estabelecer parâmetros sobre como tratar o evento, que tipo de abordagem será adotada, já que a transmissão de 99 Tais exposições foram produzidas quando o autor debateu sobre a participação de intelectuais na TV francesa 100 BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1997, p. 26. Página 43 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS um acontecimento, mesmo ao vivo, está carregada de interpretação e, eventualmente, de um posicionamento polÃtico. Os ataques de 11 de Setembro se tornaram marco no momento de sua transmissão ao vivo, somado ao drama público que se tornou a cobertura televisiva sobre o evento e das ações antiterroristas nos meses/anos seguintes. Se tornaram um marco periodizador e, nesse dia, alocou-se uma significação para os estadunidenses: o território foi atacado. Inicialmente não houve considerações acerca do processo histórico, apenas na definição de quem os cometeu, dos “novos†inimigos. Muitas das explicações sobre os atentados optaram por uma explicação factual, a priori não o “porquêâ€, mas “quem?â€, o “autorâ€. Essa forma de explanação se aproxima da feita por Jörn Rüsen em Reconstrução do Passado, no qual discuti o “Esquema de explicação intencional†de A. Donagan, dando o exemplo do assassinato de César por Brutus.101 Evidentemente que o Rüsen se atem aos aspectos referentes a teoria e o trabalho do historiador, mas tal exposição se aproxima ao tratamento da mÃdia e de muitas reconstruções do passado acerca do 11 de Setembro, pensando-o enquanto marco para as interpretações e orientações que seguiram a apreciação dessa experiência temporal. A explicação midiática e governamental construÃda ilustrou a Al-Qaeda, com Osama Bin Laden, no seu objetivo de destruir a democracia e a liberdade ocidental, em uma situação em que os EUA eram o inimigo que representava tais valores. Para resolver a situação, deveriam ser atacados, disseminando o terror. Evidentemente trata-se de um compêndio muito simples: existe um motivo e uma ação, um inimigo a ser reconhecido. Afinal, é muito mais fácil relacionar um acontecimento histórico a um sujeito ou grupo 101 “Tomemos o assassinato de César por Brutus para dar um exemplo da aplicação desse esquema. Por que Brutus assassinou César (explanandum)? A resposta é (explanans): 1) Brutus queria salvar a República. 2) Brutus estava convencido de que a República estava sendo ameaçada de morte por César e que ele o poderia matar. 3) Brutus estava convencido de que a República só poderia ser salva se ele liquidasse César. Com essas três asserções fica clara a razão de Brutus ter assassinado César. [...] Nesse esquema de explicação, o fato a ser esclarecido não é posto em um contexto objetivo e regrado de outros fatos (condições antecedentes) – tal como acontece no esquema da explicação nomológica –, mas sim em correlação de sentido com intenções. Salta à vista que tais explicações só podem funcionar em relação a ações, e mesmo assim só quando não se vê nas ações meros fatos no sentido de ocorrências empiricamente observáveis (portanto, mais do que apenas comportamento), mas acontecimentos cujo significa determinado por intenções (conscientes ou inconscientes) daqueles que as executam. As ações são vistas, por assim dizer, “de dentro para foraâ€, da perspectiva da intencionalidade da vida humana concreta. Explicá-las significa reconstruir as razões motivadores. Elas são explicadas mediante a ‘compreensão’, por recurso ao conhecimento das intenções que levaram à ação. Esse conhecimento não está construÃdo nomologicamenteâ€. RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado – Teoria da história II: os princÃpios da pesquisa histórica. Tradução de Asta-Rose Alcaide. BrasÃlia: Ed. UnB, 2010b, p. 36- 37. Página 44 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS especÃfico, tendo em conta ainda as diversas menções como o “maior atentando da históriaâ€, “nunca vista na históriaâ€. Nesse ponto, Rüsen destaca que o significativo “[...] ‘histórico’, em termos de ações do passado, é o que não se pode explicar intencionalmente, ou seja, uma conjunção de acontecimentos que não são compreensÃveis como resultado de uma intenção que buscasse justamente o que aconteceuâ€.102 Segundo Rüsen, não se pode compreender os acontecimentos históricos como resultados apenas de intenções humanas, pois “[...] a maior parte das mudanças temporais que os homens provocam, em si próprios e em seu mundo, não correspondem à s intenções que pudessem ter orientado as ações. Em geral, tudo acaba por ser diferente do que se tinha planejado a princÃpioâ€.103 O que não está presente nessa explicação intencional é justamente a experiência temporal que se torna fundamental para a constituição da identidade do pensamento histórico. Conceber o processo histórico como a sucessão cronológica de intenções e ações elimina a experiência do tempo e se esvai a produção de sentido da narrativa histórica.104 Deve-se considerar dentro dessa experiência temporal o espaço de experiência105 estadunidense, bem como com o horizonte de expectativa106 que se formou. Por um lado, temos a grosso modo toda a experiência histórica dos EUA, desde fins dos anos de 1970 interferindo progressivamente no Oriente Médio, no contexto da Guerra Fria. Por outro, os vislumbres estéticos que os filmes hollywoodianos proporcionavam ao espectador, com cenas/sequências de ataques e explosões das mais inimagináveis possÃveis eram “vivenciadas†na tela do cinema. O efeito das imagens dos atentados transmitidas pela TV era parte do tempo histórico, no qual poucos poderiam ter um horizonte de expectativa107 que não fosse permeado pela ideia de uma inevitável guerra, propagada pelo discurso oficial no mesmo dia dos ataques em uma espécie de retorica de vingança em vistas as intenções e ações terroristas. 102 RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado – Teoria da história II: os princÃpios da pesquisa histórica. Tradução de Asta-Rose Alcaide. BrasÃlia: Ed. UnB, 2010b, p. 41. 103 Ibid. 104 Ibid. 105 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006. 106 Ibid. 107 Ibid. Página 45 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS Nesse universo, muito além de pensar apenas no direcionamento polÃtico dos conglomerados televisivos, com suas coberturas 24h por dia, ressalta-se que o que sustenta a TV não são apenas algumas tomadas de cenas impressionantes/chocantes, mas o que se seguirá, ou seja, a exploração intensa para seus espectadores. Tendo em conta que a televisão existe por conta de patrocÃnios, propagandas e necessita de audiência. Nesse sentido, para a TV, os ataques terroristas serviram como um combustÃvel que tinha por base o drama, numa espécie de epopeia televisiva aos moldes hollywoodianos. O meio mais apropriado para encontrar a narrativa adequada a esse momento histórico, que atraÃsse o espectador, era evidenciar o ethos estadunidense, unir a nação em torno de um bem maior, pois o que estava em jogo não era apenas as perdas fÃsicas, mas a própria democracia e a liberdade na nacional. Desde os primeiros minutos das exibições dos atentados, houve uma incansável cobertura televisa, que foi prolongada e enquadrada até se tornar um “drama públicoâ€. Segundo o sociólogo estadunidense Brian A. Monahan, os telejornais transformam determinados casos criminais, dentre outros eventos que fogem à norma, em dramas televisivos, utilizando elementos narrativos do cinema ou mesmo de outras produções televisivas, como seriados, etc.108 Monahan apresenta inúmeros “dramas públicosâ€, mas selecionou como foco de sua análise a cobertura televisiva do 11 de Setembro, que, em sua opinião, foi o evento que recebeu maior cobertura televisiva na era da mÃdia e sobre o qual praticamente todos os cidadãos do paÃs tomaram conhecimento a partir da visão construÃda pela TV. Posteriormente, a incidência do drama estadunidense foi utilizado politicamente pelo governo.109 A transmissão televisiva dos atentados suprimiu o anseio do público por uma representação cinematográfica, em grande parte pela particularidade de como tais ataques foram planejados, locais e horários pré-estabelecidos, cenário e roteiro prontos para a gravação e transmissão. Não obstante, a forma como a mÃdia em geral os tratou, especificamente os telejornais, desenhou personagens (terroristas) e criou heróis (bombeiros), estabelecendo uma sequência cronológica, ou seja, levou ao espectador todos os elementos essenciais de uma trama baseada em “fatos reaisâ€, uma espécie de deleite cinematográfico. 108 MONAHAN, Brian A. The Shock of the News: coverage and making 9/11. New York & London: New York University Press, 2010. 109 Ibid.. Página 46 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS Não havia necessidade de uma nÃtida posição polÃtica da TV, há muito havia representações do árabe como ameaça. Portanto, a televisão utilizou-se da simples prerrogativa da objetividade, da pretensa apresentação do “real†aos espectadores, conforme entrava em consenso com o discurso oficial, a tragédia nacional. Como se tratou de um evento “delicadoâ€, o cinema por muitos anos ficou subjugado ao tratamento que foi dado pela TV na construção do 11 de Setembro, principalmente na exibição das imagens do choque do voo 175 e da queda das Torres Gêmeas. Havia, portanto, um efeito da dramatização dos ataques que percorreu o governo de George W. Bush – e ecoou no mandato de Barack Obama. Sobretudo, para além e em conjunto com o aspecto polÃtico, o cinema hollywoodiano, durante o primeiro mandato de Bush, ficou limitado em suas abordagens sobre os referidos eventos. A ideia construÃda pelos acontecimentos do dia 11 de setembro foi imediatamente transposta para o cinema em consonância com os objetivos polÃticos da Casa Branca, num esforço de guerra, como será tratado no segundo capÃtulo. A exploração feita pelas inúmeras redes de TV foi semelhante, já que não poderiam ficar atrás de suas concorrentes. Em outros termos, a transmissão era obrigatória. Tal como destacou Pierre Bourdieu sobre a homogeneidade dos produtos jornalÃsticos, como nos telejornais, pode-se dizer que o 11 de Setembro também seguiu esse movimento e as imagens se tornaram o sujeito e a fonte das reportagens. O movimento nos meses seguintes abordou largamente o terrorismo fundamentalista islâmico, em grande parte reflexo da concorrência, o que também se observou entre os jornais online e impressos versus a TV. A abordagem televisiva, principalmente nos EUA, utilizou-se da cultura histórica110 e da polÃtica do perÃodo. É necessário destacar que, o final da década de 1990 foi marcado por um perÃodo de instabilidade sociocultural no paÃs, resultado das 110 Acerca do termo Cultura histórica utilizar-se-á a concepção de Jörn Rüsen: “La ‘cultura histórica’ contempla las diferentes estrategias de la investigación cientÃfico-académica, de la creación artÃstica, de la lucha polÃtica por el poder, de la educación escolar y extraescolar, del ocio y de otros procedimientos de memoria histórica pública, como concreciones y expresiones de una única potencia mental. De este modo, la 'cultura histórica' sintetiza la universidad, el museo, la escuela, la administración, los medios, y otras instituciones culturales como conjunto de lugares de la memoria colectiva, e integra las funciones de la enseñanza, del entretenimiento, de la legitimación, de la crÃtica, de la distracción, de la ilustración y de otras maneras de memorar, en la unidad global de la memoria históricaâ€. RÜSEN, Jörn. Que es la cultura histórica?: Reflexiones sobre una nueva manera de abordar la historia. Tradução F. Sánchez Costa e Ib Schumacher. In: FÜSSMANN, K.; GRÜTTER, H.T.; RÜSEN, J. (Ed.). Historiche Faszination, GeschichtsKultur Heute. Keulen, Weimar and Wenen: Böhlau, 1994, p. 3-26. DisponÃvel em: <http://www.culturahistorica.es/ruesen/cultura_historica.pdf>. Acesso em: 04 maio 2016. Página 47 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS mudanças históricas e historiográficas dos anos 1970/80. Sendo a unidade da nação questionada desde meados de 1980, já não havia uma narrativa unÃssono para os EUA e a Guerra do Golfo ainda era um assunto não finalizado, o que também foi intensamente explorada pela mÃdia nos anos de 1990. Em um plano de referência histórico, cabe ressaltar que houve uma tendência conservadora que tomou de assalto setores diversos nos EUA, principalmente no alinhamento das redes de TV com o programa polÃtico oficial. Um ótimo exemplo foi a Guerra do Golfo, pois grande parte da imprensa limitou as crÃticas ao governo, apesar da intensa cobertura da intervenção militar.111 O espetáculo televisionado e a exploração do esforço de guerra foi analisado por Marilyn B. Young, que expôs: A televisão teve um papel menor na Guerra da Coréia e foi culpada por perder a Guerra do Vietnã. As coisas ficaram melhores no Golfo. A guerra de alta tecnologia, a guerra como um videogame, foi bem. Toda a população tinha a experiência de estar na ponta do nariz de um mÃssil quando desceu para o seu alvo e todos, exceto os que estavam no chão, foram poupados do que aconteceu a seguir. Durante mais de um mês de bombardeio e uma semana de luta no chão, nenhuma estimativa de perdas iraquianas foi oferecida, nem a imprensa os exigiu. O resultado foi uma guerra televisiva relativamente inocente de cadáveres: uma guerra que, exceto o bombardeio de um abrigo de ataques aéreos de Bagdá e os repetidos tiros de cormorões desesperados, não estragaria o jantar. No final da guerra, tornou-se possÃvel levar o inimigo como não pessoas, mas máquinas; os tanques fugiram por conta própria, de modo que seus cascos carbonizados não continham restos humanos. Havia, portanto, uma aparente e visual pureza para a vitória dos EUA que máscara com sucesso sua selvageria. Parece difÃcil imaginar que o maior serviço que os meios de comunicação poderiam oferecer seria um estado de guerra.112 Frente a esses elementos, torna-se interessante a exposição de Noam Chomsky: “Quando se tem a mÃdia e o sistema educacional sob controle absoluto e a universidade assume uma postura conformista, é possÃvel vender essa versãoâ€.113 O autor destaca uma pesquisa feita pela Universidade de Massachussetts que questionou os cidadãos sobre os resultados quantitativos das guerras em que os EUA se envolveram e o resultando obtido 111 PURDY, Sean. O século americano. In: KARNAL, Leandro; et al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2015. 112 YOUNG, Marilyn B. In Combat Zone. In: RAO, Aparna; BOLLING, Michael; BÖCK, Monika. The Practice of War: Production, Reproduction and Communication of Armed Violence. New York: Berghahn Books, 2007, p. 245. 113 CHOMSKY, Noam. MÃdia: Propaganda polÃtica e manipulação. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 38. Página 48 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS foi sempre inferior ao oficial.114 Isso apresenta a força da rememoração e como, ao logo do processo histórico, o impacto de certos eventos é minimizado, dando aporte à ideia de um acontecimento mais representativo, cujos valores nacionais e patrióticos tenham maior incidência. O que ocorreu nos primeiros anos da década de 2000 se aproxima desse alinhamento polÃtico entre governo e mÃdia, com poucas abordagens que discutiram o terrorismo fora da esfera combatida/difundida pela Doutrina Bush. Trata-se de um perÃodo recheado de seriados televisivos sobre a eficácia das agências do governo, sempre prontas para defender o cidadão comum, utilizando todos os meios possÃveis mesmo que seus direitos básicos, como a privacidade, precisem ser limitados. Os telejornais souberam dimensionar os Atentados de 11 de Setembro e acentuaram o nacionalismo e o patriotismo, um direcionamento que pode ser considerado óbvio para a TV – não que fosse algo difÃcil de se fazer quando se trata de defender o paÃs e seus interesses, sobretudo frente a esse ataque ao território. As imagens televisivas tiveram, portanto, um efeito histórico e estético, já que apresentaram as primeiras informações sobre os atentados, com filmagens de diversos ângulos e enquadramentos. Os pronunciamentos oficiais de George W. Bush, bem como a exploração de tais imagens, repercutiram no horizonte de expectativas115 do espectador dentro da abordagem fÃlmica. A experiência cinematográfica na primeira metade dos anos 2000 pode ser considerada resultado dessa excessiva exploração do 11 de Setembro, tanto na exaltação dos heróis, da tragédia e da sua espetacularização, como também na posterior estereotipação do Oriente Médio com o antiterrorismo. Nos primeiros anos, a linguagem fÃlmica se limitou a tratar de tais eventos com pequenas alegorias, alguns filmes independentes,116 mas nada que viesse a contrariar o império das imagens televisivas. Hollywood, por sua vez, aproveitou suas produções já em andamento, lado a lado ao posicionamento da Casa Branca, para explorar o patriotismo. 114 CHOMSKY, Noam. MÃdia: Propaganda polÃtica e manipulação. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 38. 115 JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ãtica, 1994, p. 31. 116 Tais como 11 de Setembro (11'09''01-September 11, 2002) e Fahrenheit 11 de Setembro (Fahrenheit 9/11, 2004). Página 49 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS A dramatização em conjunto com a idealização de ruptura histórica, novo marco, explorada pela TV teve grande impacto na produção cinematográfica, bem como na própria recepção de diversos filmes. Muitos filmes sobre o 11 de Setembro foram exaltados, por grande parte da crÃtica, por não conter “polÃticaâ€, mas apenas “memóriaâ€. Usavam-se expressões como: “é sobre nós†ou “imagens daquele fatÃdico diaâ€. Quando se referiam à Guerra do Iraque, não se voltava ao dia 11 de setembro de 2001 para fazer a crÃtica, mas apenas aos efeitos da Guerra ao Terror. Carlo Ginzburg, ao longo dos quatro ensaios de Medo, Reverência, Terror, mostra abordagens e perspectivas diferenciadas sobre o terror. O autor começa sutilmente a falar sobre o terrorismo para posteriormente discutir a religião, o medo e as questões referentes ao Estado. Em seu primeiro capÃtulo, “Medo, Reverência e Terror: reler Hobbes hojeâ€, Ginzburg assim expõe: Falarei de terror, não de terrorismo. Não creio que a palavra “terrorismo†nos ajude a compreender os fenômenos sangrentos aos quais se refere. Como o terrorismo, também o terror é atual: mas não falarei de atualidade. Às vezes é preciso se subtrair ao rumor, o rumor incessante das notÃcias que nos chegam de toda parte. Para compreender o presente, devemos aprender a olhá-lo de esguelha. Ou então, recorrendo a uma metáfora diferente: devemos aprender a olhar o presente à distância, como se o vÃssemos através de uma luneta invertida.117 Ao longo dos seus argumentos, Ginzburg faz diversas ponderações sobre o pensamento de Hobbes e dos momentos que o levaram a refletir sobre o medo, a religião e o Estado, bem como ao utilizar o que chamou de “luneta invertidaâ€. Além da reflexão sobre a utilização do medo como princÃpio formativo do Estado para Hobbes, Ginzburg reflete sobre a utilização do mesmo pelo Estado, não apenas através da força, mas do terror. Assim, traz exemplos sobre o terror pós-11 de Setembro e as eventuais consequências para os governantes que o utilizam. Sob esse prisma, os atentados, além da espetacularização do evento através dos telejornais – que serviu como uma espécie de construção de bagagem estética – trouxe à tona o medo. A ideia de que o território não estava protegido mexeu com o imaginário social do estadunidense, em um momento em que a invencibilidade – apesar do Vietnã – continuava ainda inabalável, ao menos no próprio território. As imagens não 117 GINZBURG, Carlo. Medo, Reverência, Terror: quatro ensaios de iconografia polÃtica. São Paulo: Cia. das Letras, 2014, p. 13. Página 50 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS possibilitavam a reflexão do espectador, o qual era diariamente exposto ao terror dos ataques. Sua capacidade de vislumbrar o passado para refletir sobre o porquê do ocorrido foi suplantada por uma nova perspectiva. Assim, o importante era explorar o medo digerindo as imagens do terror. De acordo com Aline Rabello, determinados assuntos e temas foram pouco explorados pela mÃdia, fato evidenciado pela baixa quantidade de textos jornalÃsticos no New York Post e no Washington Post que abordassem as motivações diretas ou as causas mais amplas dos ataques terroristas.118 É evidente que, assim como os jornais impressos, a TV tomaria cuidado ao tratar de determinados assuntos e temas, afinal, uma autorreflexão em meio ao espetáculo de violência não seria bom para a audiência. O melhor caminho seria investir no drama e explorá-lo como um filme de horas intermináveis. Como já mencionado nas páginas anteriores, o acontecimento para a mÃdia é aquilo que foge à norma, que rompe com o cotidiano, e o discursivo apenas tem eficácia se não for fragilizado, mantendo-se o foco naquilo que renderá audiência e estiver aliado com o discurso oficial. Algumas exposições de Pierre Bourdieu novamente são pertinentes, pois evidenciam as particularidades da linguagem televisiva, principalmente quando se trata do que ele chamou de “censura invisÃvelâ€. Composta por relações polÃticas diversas, os dirigentes, jornalistas e, principalmente, os proprietários das grandes redes impõem uma espécie de “autocensuraâ€, já que determinados temas não convém serem mencionados, muitas vezes pelas relações dos proprietários da mÃdia, além é claro do consenso com o próprio Estado, responsável pelos subsÃdios à TV.119 Seja na mÃdia impressa,120 seja na eletrônica ou televisiva, houve um efeito discursivo que minou outras interpretações. Era um momento para a tragédia e a culpa era do terrorismo fundamentalista islâmico. A forma como as mÃdias se portaram nos meses posteriores contribuiu para o momento de consternação e drama nacional. A exibição televisiva explorou as imagens dos ataques; transmitiu os discursos do presidente Bush; fez inúmeras reportagens com 118 RABELLO, Aline Louro de Souza e Silva. O conceito de terrorismo nos jornais americanos: uma análise do New York Times e do Washington Post logo após os Atentados de 11 de Setembro. 2006. 171 f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – PontifÃcia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. 119 BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1997, p. 19-20. 120 Essas prerrogativas podem ser notadas nas crÃticas cinematográficas, pois muitas delas são de grandes jornais, algumas ligadas a grandes empresas, não apenas nesse ponto, mas na censura social que decorreu sobre tratar desses temas. Página 51 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS os socorristas (policiais, bombeiros, etc.); televisionou as homenagens à s vÃtimas. Nesses meses, bandeiras foram hasteadas e, por fim, definiu-se que o terrorismo fundamentalista islâmico possuÃa paÃses aliados, os quais deveriam ser contidos e tratados como inimigos da nação dos EUA. Assim, o Oriente Médio e a percepção já cristalizada sobre os árabes foi essencial para que houvessem inúmeras ações em favor de uma movimentação nacional. Nesse contexto, como destacou Edward Said, somou-se ainda outros elementos não apenas midiáticos, mas também de outros setores: Pior ainda, a educação universitária é ameaçada pelas ortodoxias nacionalistas e religiosas que estão muito disseminadas nos meios de comunicação, cujo trabalho incide sobretudo, de forma a-histórica e sensacionalista, em longÃnquas guerras electrônicas que dão aos espectadores uma ideia de precisão cirúrgica, quando na verdade estão a encobrir o terrÃvel sofrimento e destruição perpetrados pela moderna arte da guerra ‘limpa’. Com o intuito de demonizar um inimigo desconhecido que se rotula de ‘terroristas’, de modo a manter as pessoas agitadas e indignadas, as imagens dos media exigem uma atenção excessiva e podem ser exploradas em épocas de crise e de insegurança semelhantes à s que o perÃodo pós-11 de Setembro produziu. É falando como norte-americano e árabe que eu peço ao leitor que não subestime o tipo de perspectiva simplificada do mundo que um mão-cheia de elites civis do Pentágono definiu como polÃtica norte-americana para os mundos árabes e islâmicos em conjunto, perspectiva essa na qual o terror, a guerra preventiva, e uma mudança unilateral no regime – apoiada pelo orçamento militar mais insuflado da história – são as principais ideias debatidas, infinita e empobrecedoramente, por um meio de comunicação que se auto-atribui o papel de produzir os chamados ‘peritos’ que validam a linha geral do governo. [...] Mas o que realmente se perdeu foi um sentido da densidade e da interdependência da vida humana, que não pode reduzir-se a uma fórmula nem ser varrido para o lado e considerado irrelevante. Até mesmo a linguagem da guerra é desumanizante ao extremo: ‘Nós vamos lá, tiramos o Saddam, destruÃmos-lhe o exército com ataques limpos e cirúrgicos, e toda a gente vai achar muito bem’ disse uma congressista na televisão pública. Parece-me muito sintomático deste momento precário que estamos a viver que, quando o Vice Presidente Cheney fez o seu discurso de linha dura em 26 de Agosto de 2002 sobre o imperativo ataque ao Iraque, tenha citado, como seu único ‘perito’ nas questões do médio Oriente que apoiava a intervenção militar no Iraque, um académico árabe que é comentador contratado pelos meios de comunicação para intervir todas as noite e aà reafirma continuamente o seu ódio em relação ao seu próprio povo e a renúncia à s suas origens. Uma trahison des clercs deste tipo é sinal de como o humanismo genuÃno pode degenerar em xenofobia e em falso patriotismo.121 121 SAID, Edward W. Prefácio. In: ______. O Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 2003, p. 21-23. Página 52 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS A mÃdia em geral contribuiu com a disseminação do terrorismo como inimigo, aliando-se ao discurso oficial amparada por perÃtos de Ãndole questionável. Mesmo sendo acentuadas as especificidades da linguagem televisiva – seja no quesito técnico, seja na recepção do público e mesmo na abordagem –, houve certo consenso entre os discursos oficiais e as mensagens dos grandes conglomerados da TV, que omitiam determinados aspectos históricos para alicerçar argumentos, principalmente no que diz respeito à parcela da história que envolve as relações entre os EUA e seu auxilio ao Talibã nos anos de 1980. O impacto causado pelas imagens da queda das Torres Gêmeas, dos estragos ao Pentágono, foi um choque de realidade. A enxurrada de notÃcias, explicações e pronunciamentos contribuiu para que os espectadores vivenciassem o imaginário de filmes apocalÃpticos e/ou invasões alienÃgenas – tendo em conta os vários remakes de década de 1950/60 a partir de 2004. Para o estadunidense comum, o efeito das imagens foi ainda mais denso, pois haviam as vÃtimas, os destroços e, logo depois, as consequências imediatas, como a paranoia de novos atentados que pairava no ar, sentimento esse propagado por inúmeras medidas que ficaram conhecidas com Doutrina Bush. De tal modo, tais eventos foram impulsionados pelo governo estadunidense, intensificando o espetáculo elaborado pelos terroristas. A cultura histórica do paÃs foi profundamente explorada por George W. Bush, enaltecendo o dever de defender o paÃs e de levar a democracia e a liberdade aos povos que “necessitam†– falas essas que se repetiram em praticamente todos os seus discursos de seu primeiro mandato (2001-2005). Grande parte do cinema estadunidense manteve certa linha narrativa nos filmes sobre conflitos – cujo o alvo não fosse o Oriente Médio. Ao mesmo tempo, deve-se ter em conta que as produções com abordagens sobre o 11 de Setembro tardaram a surgir, sejam as que criticaram, seja as que fizeram uma espécie de propaganda antiterrorista. O impacto do evento sobre os governantes e a população acentuou ainda mais esse momento histórico enquanto marco e “divisor de águasâ€, em um perÃodo tido como pós-Guerra Fria, da Nova Ordem Mundial, no qual ocorreu um crescente debate sobre o lugar dos EUA como grande potência. Destaca-se que nos idos 2001, quando dos atentados aos EUA, a internet e o compartilhamento de vÃdeos ainda não possuÃam a representatividade que detém hoje, mas foram se tornando muito presentes no cotidiano ao longo dos anos 2000 – pode-se citar a criação do site de vÃdeos Youtube, lançado em 2005. Assim enfatiza-se que a ampla Página 53 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS divulgação de informações, imagens e vÃdeos sobre o 11 de setembro se deu através de agências de notÃcias e canais televisivos, evidentemente tendo também forte influência nos anos seguintes lado a lado ao surgimento de documentários independentes e fotos e vÃdeos que se espalhavam pela internet. Contudo, a televisão se sobressaiu as outras mÃdias na transmissão ao vivo do choque do voo 175 e da queda das Torres Gêmeas, tornando todos os espectadores “testemunhas oculares†do evento. Sendo assim, as mais variadas imagens e vÃdeos exibidos em telejornais, amadoras ou profissionais, do momento exato da ação, são em grande parte creditadas como cenas que enquadram o real. Ou seja, independente de quem filmou, o que importa é que foi filmado, sendo a câmera a ferramenta que proporcionou o registro. Tal elemento de aparente objetividade conduz o espectador a uma reação imediata, mesmo que as imagens pudessem ser manipulada/editada – tal como em qualquer cena/sequência ficcional de séries, filmes, documentários, etc. –, numa espécie de apreciação fidedigna do real. Destarte, o cinema nos seus primordios (muito antes da TV122 e de outros meios de divulgação das imagens em movimento) causou o mesmo efeito de verdade: uma reação ao estÃmulo sensorial.123 Ao longo de décadas, as discussões historiográficas recaÃram sobre a objetividade das imagens em movimento, principalmente as que exaltavam o filme enquanto documento histórico, valorizando o gênero documentário e os cinejornais, analisando-os enquanto reprodutores do real. Mesmo assumindo que falsificações poderiam ser feitas, muitas dessas perspectivas afirmavam que a câmera era uma ferramenta neutra, ou mesmo um “instrumento objetivoâ€, como postulou José Honório Rodrigues.124 Atualmente as relações entre Cinema e História vão muito além 122 Referente a pesquisa sobre História e TV, segundo Mônica Almeida Kornis em Cinema, televisão e história, foi John O’Connor quem primeiro problematizou a utilização da TV pelo historiador. KORNIS, Mônica Almeida. Cinema, televisão e história. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008. 123 Este “efeito de verdade†surgiu nos primeiros anos do cinema, por exemplo, o câmera polonês que trabalhou com os irmãos Lumière, Boleslas Matuszewski, já em 1898, defendia o filme como documento histórico, bem como de relevante importância para o ensino, contudo, defendia o cinema como reprodução fidedigna do real, afirmando que o filme era mais verdadeiro que a fotografia, em virtude do movimento que este primeiro possui. Ibid., p. 16-17. 124 Dentre os estudiosos do tema Alcides Freire Ramos destacou José Honório Rodrigues, Georges Saudol quanto a valorizarem o filme documentário e os cinejornais, apresentando também Marc Ferro, que mesmo dialogando em certos aspectos, como a objetividade, também enfoca o valor enquanto documento histórico dos filmes ficcionais. Cf. RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos: cinema e história do Brasil. Bauru: EDUSC, 2002, p. 17-27. Página 54 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS da utilização de filmes apenas como fontes históricas, levando-se em consideração também a história nos filmes e, talvez a mais instigante, a escrita fÃlmica da história.125 Esse mesmo fascÃnio inicial das reflexões historiográficas sobre o cinema e os gêneros “não ficcionais†possui grande efeito na atualidade: a câmera “observando†a paisagem. Mesmo levando-se em consideração que a grande mÃdia utiliza filmagens e fotografias como representação e fontes para argumentar acerca da veracidade de determinada matéria, com aparatos técnicos e narrativos, o uso de tais recursos fortalece o efeito de verdade, já que o espectador em geral tende a creditar na veracidade do que é filmado para além do mise en scène. O efeito de verdade é causado pelo envolvimento narrativo e estético do espectador no momento de apreciação das imagens. Por isso, a abordagem narrativa em conjunto com a experiência estética é crucial para a significação e construção de sentidos sobre determinado evento. Monica Almeida Kornis, ao discutir as relações entre Cinema/TV/História, faz reflexões sobre os registros das imagens e expôe que o fascÃnio dos registros históricos, nos primórdios dos efeitos do chamado “primeiro cinemaâ€, perspassa a apreciação do “como é†e/ou “como foi†determinado evento histórico. No que diz respeito à televisão, a autora apresenta que ao longo da segunda metade do século XX houve um estreitamento das relações temporais da objetividade das imagens através dos avanços tecnológicos e, como resultado, se tem o sentimento de que a história ocorre no exato momento em que assistimos determinado acontecimento. Kornis ainda aponta que o 11 de Setembro é um exemplo paradigmático do fenômeno de instantaneidade, justamente pela maneira como o mesmo foi transmitido.126 Em nossa indagação sobre a exibição das imagens televisivas, os estudos de François Dosse contribuem para o debate sobre a abordagem midiática, pois, para ele, a mÃdia segue três elementos fundamentais: a descrição, a narrativa e a normatização. Para os objetivos aqui propostos, o foco recai sobre o primeiro, pois nele o apelo à s informações é utilizado a fim de explicar o evento como algo concreto, sem maiores complicações. Frente a tal exposição, o 11 de Setembro não apenas se afasta da norma, mas mostra o efetivo exemplo da apreciação e do tratamento das mÃdias sobre o acontecimento. Sobretudo, a violência e a carga ideológica relacionadas aos atentados 125 RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos: cinema e história do Brasil. Bauru: EDUSC, 2002, p. 27-43. 126 KORNIS, Mônica Almeida. Cinema, televisão e história. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008, p. 11-12. Página 55 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS contribuÃram para a difusão da ideia do acontecimento enquanto ruptura do processo temporal. Dessa forma, a busca pela descrição pormenorizada se torna um dos artifÃcios dos telejornais e, a fim de intensificar o momento retratado, recorre-se a informações diversas que possam dialogar com a cultura histórica de seus espectadores, como um plano de referência e de construção de sentidos das imagens em exibição, sustentando-se, consequentemente, a reflexão histórica de maneira “cientifica†– ou pelo menos tentando dar ares de cientificidade ao retratado. Tais apontamentos são pertinentes, visto que diversas fotografias e filmagens por vezes assumem o status de “imagens históricasâ€, sendo utilizadas em favor de determinado discurso e com o objetivo de construir significações para o acontecimento. Trata-se de uma descrição da história que busca sustentação no recurso retórico e estético, a fim de convencer e dar legitimidade junto ao espectador, principalmente quando se evidencia determinado tema, personagem e/ou ideia. Em meio a esse terreno movediço no qual o público toma conhecimento sobre o acontecimento, o historiador deve assumir o papel de crÃtico de seu tempo, questionando a dinâmica temporal da sociedade e interpelando recursos contra a perspectiva de inquestionabilidade de determinado evento. Em nosso caso, não se trata apenas do questionamento das imagens utilizadas pela mÃdia, ou mesmo o efeito estético que é causado no público. Para além dessas questões, busca-se o efeito discursivo e os usos polÃticos que tais elementos produzem sobre a compreensão do processo histórico – envoltos na ideia de objetividade e efeito de verdade127 – e que, por vezes, deixam de 127 Destarte, não se trata apenas da mÃdia, os telejornais utilizando as imagens como imaculadas e inquestionáveis, amparados na fixação de sua particularidade por ser “ao vivoâ€, ou bem como a linguagem cinematográficas. Os historiadores também se utilizam de ferramentas para produzir um efeito de verdade, diversas discussões historiográficas ocorreram na segunda metade do século XX, questionando ciência histórica afirmando que esta utilizava artifÃcios literários na escrita da história, sendo um dos principais expositores dessa crÃtica Hayden White. Para o referido autor, o historiador se apoia em suas fontes para defender um argumento e cria um efeito de verdade, tal qual um romancista, um jornalista, etc. Frente a estas exposições, as palavras do historiador Alcides Freire Ramos nos auxiliam na reflexão: “[...] o historiador, ao contrário do romancista, não se encontra “livre†para preencher de conteúdo as suas personagens. O seu trabalho consiste, na verdade, em construir um efeito de verdade; produzir, por exemplo, uma personagem com base em algum tipo de prova. O resultado final será marcado por lacunas e incertezas, já que o historiador alicerça seu trabalho em dados fragmentados e incompletos. Por isso, fala-se em efeito de verdade, ao invés de a verdadeâ€. (RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos: cinema e história do Brasil. Bauru: EDUSC, 2002, p. 39.) O efeito de verdade do historiador é resultado da operação historiográfica, da busca em compreender determinado processo histórico, como por exemplo, em questionar o fato, para além de compreendê-lo como evento concreto e inquestionável, superar a apreensão deste como lugar de gênese e significação do passado e do futuro, deve-se levar em conta as tensões no tempo histórico, ou seja, no presente. Página 56 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS levar em conta momentos históricos que poderiam indicar outras interpretações, como o papel do terrorismo internacional, especialmente a partir da segunda metade do século XX. François Dosse aponta que nos últimos anos houve um aumento no interesse dos historiadores por fenômenos singulares, relacionados a uma nova abordagem sobre a ideia do acontecimento. Dentro dessa perspectiva, o autor enumera três aspectos intrÃsecos ao acontecimento e seu significado, grosso modo: uma causalidade, um desfecho; tudo que acomete a um indivÃduo; e, por fim, uma ruptura no processo temporal. Ademais, Dosse destaca que o acontecimento não é um simples dado que pode ser processado e catalogado, mas sim uma construção simbólica de sentido atrelado ao universo social. Argumenta ainda que podemos considera-lo como uma construção da memória coletiva, a qual é compreendida e significada conforme relaciona-se ao presente. Dessa forma, “[...] a difusão do acontecimento no espaço público contém um poder hermenêutico fundamentalmente aberto ao seu devir. Ela não se limita de maneira alguma à sequência causal pela qual, em geral, tentamos explicar sua existênciaâ€.128 Sob esse prisma, torna- se interessante a ressalva ao valor hermenêutico acentuado por Dosse, a partir do qual pode-se refletir sobre a função social do historiador em posicionar-se criticamente sobre eventos recentes, questionando maniqueÃsmos e simplificações sobre processos históricos diversos. Contudo, o autor ressalta que é através dos meios de comunicação que a sociedade se relaciona com o acontecimento e que ele será sempre o acidental, imprevisÃvel, o que não se aproxima da norma, mas, ao contrário, que se afasta desta. Segundo ele, isso é o que define o próprio posicionamento das mÃdias, as quais selecionam justamente aquilo que rompe com o comum ou o que perturba a “ordem do diaâ€. Tais fatores apresentam as diferentes formas de pensamento histórico, demonstrando como a mÃdia se torna uma das articuladoras de significado para acontecimentos diversos, o meio onde muitos sujeitos constituem sentido à história. Evidentemente que os desdobramentos do 11 de Setembro, e a consequente Guerra ao Terror promovida pelo governo estadunidense, não foi imediato, mas os efeitos da descrição dos atentados pelas diversas mÃdias tiveram impacto significativo no 128 DOSSE, François. Renascimento do acontecimento: um desafio para o historiador: entre Esfinge e Fênix. São Paulo: Editora Unesp, 2013, p. 273. Página 57 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS pensamento histórico. A partir desse ponto, simplificações e maniqueÃsmos assumiram a ordem do dia, visto que os espectadores necessitavam relacionar o acontecimento com sua história, significar e compreender no presente os efeitos do espaço de experiência estadunidense. Mesmo que as novas tecnologias sejam usufruÃdas por grande parte da população, essa aparente “liberdade†de escolha, entre diferentes segmentos midiáticos, não significou necessariamente uma maior criticidade dos cidadãos sobre questões polÃticas e econômicas, por exemplo. Isso porque, muitas dessas mÃdias estavam – e ainda estão – sob controle de grandes corporações e conglomerados, os quais preferem minimizar debates polÃticos.129 Evidentemente que a relação entre acontecimento e mÃdia se trata de algo mais profundo do que o simples jogo de interesse, como a manipulação de eventos em favor de um posicionamento polÃtico – nesse caso, num viés conservador ao fim do século XX. A mÃdia, ao divulgar um evento de grandes proporções, tal como o 11 de Setembro, o concebe como algo fora da norma e, mesmo com o impacto causado pelas cenas, há a necessidade da descrição e da normatização. As imagens dos atentados foram fundamentais para a construção dos discursos que se seguiram, tanto pela espetacularização como pela consequente especulação do seus significados para a nação. O seu efeito estético foi amplificado à medida que novas implicações se davam e, na distância estética das imagens dos atentados, o dia 11 de setembro era rememorado e as apreensões individuais se tornaram coletivas com o passar dos anos. Essas circunstâncias surtiram efeitos no horizonte de expectativas130 dos espectadores do cinema, já que os produtores de Hollywood se distanciaram de roteiros ou de quaisquer menções diretas aos ataques, ao menos nos primeiros anos. Diferentemente do imediatismo da abordagem do acontecimento feito pela mÃdia, o cinema possui uma condição especÃfica, por demandar tempo desde a criação do argumento/roteiro até a sua produção e lançamento. Desse modo, ele vai além da narrativa rasa e imediata dos telejornais, os quais seguem a diretriz polÃtica e ideológica dos seus proprietários.131 129 DOSSE, François. Renascimento do acontecimento: um desafio para o historiador: entre Esfinge e Fênix. São Paulo: Editora Unesp, 2013, p. 273. 130 JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ãtica, 1994. 131 Vale ressaltar que na TV o telejornal está condicionado pela sequências de notÃcias fragmentadas, que quando justapostas criam uma determinada fluição ou ritmo. Assim, uma sequencia de notÃcias trágicas Página 58 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS Contudo, é talvez nesse imediatismo e no foco dado a determinado eventos exibidos pelos noticiários que se pode notar indÃcios sobre a proporção que um acontecimento tomará ao longo dos anos, contribuindo na construção de sentido que se alocará na rememoração. No caso dos Atentados de 11 de Setembro, seja nas cerimônias em memória ao evento ou nos discursos presidenciais sobre a luta em busca do culpados, todos esses elementos contribuem para a construção do marco da Guerra ao Terror. Com o passar dos anos, o 11 de Setembro é rememorados com uma “matéria especial†nos jornais impressos e online, telejornais e demais mÃdias, sempre se destacando o seu impacto e consequências para o mundo – como as Guerras do Afeganistão e Iraque, e, nos últimos anos, revisões e aproximações com a Primavera Ãrabe e o Estado Islâmico. Não à toa, no caso de qualquer evento tido como “históricoâ€, a utilização de fotos e vÃdeos se tornam essenciais dentro da narrativa para dialogar com o espectador sobre o significado do acontecimento, o que ocorre tanto na televisão como no cinema. No que se refere ao 11 de setembro, dentre as mÃdias citadas, a TV ocupou um espaço privilegiado na sua divulgação, tentando explicá-lo mediante a indicações do governo ou a partir de concepções ideológicas próprias. O sociólogo Pierre Bourdieu, em conferência que discutiu a respeito da televisão, afirma que os produtos jornalÃsticos (TV ou jornais) possuem conflitos e diferenças que são ocultadas por questões polÃticas, mas que de resto são muito semelhantes. Apesar da concorrência, percebe-se que o material publicado/transmitido se mostra extremamente semelhante quando comparamos as manchetes e até mesmo os patrocinadores.132 Tal apontamento repercute na apreciação da cobertura do 11 de Setembro, pois pouquÃssimas diferenças estão presentes entre as grandes emissoras dos EUA. Ao pensarmos nas imagens dos atentados ao longo da cobertura televisiva, constata-se que a construção da vitimização dos EUA se fortaleceu não apenas pela intensa abordagem das agências de notÃcias, mas principalmente pelo próprio conteúdo das imagens. O efeito colateral dessa intensa abordagem dos acontecimentos de setembro contribuiu, como outrora afirmado, para uma espécie de abstenção do cinema sobre toda e qualquer referência ou abordagem direta aos atentados. Talvez o exemplo mais famoso pode ser amenizada por algum conteúdo leve ou humorÃstico. Da mesma forma, a grade de programação pode prever, logo na sequencia, um programa de variedades, uma novela, um filme, que disperse ou relaxe o público, fazendo com que o mesmo se desligue das noticias outrora veiculadas. 132 BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1997, p. 30. Página 59 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS seja a alteração da sequência final do longa-metragem sobre o herói nova-iorquino dos quadrinhos Homem-Aranha, que foi gravado no World Trade Center e teve suas cenas substituÃdas. Evidentemente que o impacto não ficou apenas na alteração de um famoso blockbuster. Ao contrário, o afastamento dos grandes estúdios se deu em larga escala e levou-se alguns anos para que o assunto pudesse ser retratado cinematograficamente – processo que será discutido ao longo dos próximos capÃtulos. O que se expõe aqui é a incidência dessas imagens sobre o espectador – através de mÃdias imediatas, principalmente os telejornais – contribuÃram para o fortalecimento da ideia dos atentados enquanto marco histórico. Ademais, atuou como uma espécie de catalisador da cultura polÃtica dos EUA frente ao terrorismo, através de diversas referências a cultura histórica do paÃs, já que as imagens foram inseridas dentro de uma sequência causal de eventos, numa lágica narrativa e factual. A história, nessa perspectiva televisiva, não seguiu uma análise heurÃstica, crÃtica ou interpretação do acontecimento, mas a sua espetacularização. Outro ponto no tratamento das imagens – como as dos ataques terroristas de 11 de setembro e, posteriormente, com a cobertura dos noticiários sobre a Guerra do Afeganistão e Iraque – se refere à s condições em que os repórteres e cinegrafistas fizeram ao gravar as imagens, pois não possuem um set de filmagens – destaca-se que não houve apenas uma única visão dos eventos citados, pois os grupos terroristas também produziram e divulgaram seus vÃdeos para a mÃdia. Destarte, há uma diferença significativa entre o cinema e a TV no tratamento que dão aos acontecimentos, visto que a segunda possui uma vantagem temporal sobre a primeira. Por isso, a grande questão recai sobre os objetivos e especificidades de cada linguagem, pois a recepção de cada uma se dá de maneira distinta. Cinema e TV são maneiras de acesso à história, entretanto com aspectos fundamentais que os diferenciam, dentre eles a própria recepção. Grande parte dos filmes é produzida para ser consumida na sala de cinema ou, em alguns casos, idealizada e/ou distribuÃda diretamente para a televisão – algo que se tornou comum com o crescimento das plataformas on demand. A televisão, por sua vez, possui uma programação ininterrupta, com inúmeros programas, séries, filmes, novelas, telejornais... Ou seja, ela é produzida/idealizada para ser consumida diariamente, com uma grade elaborada tendo em vista um determinado público-alvo (dependendo da atração e do seu horário). Mesmo se tratando de uma produção audiovisual, não exige que o espectador fique Página 60 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS incansavelmente com os olhos fixados na tela, podendo se dedicar a outras atividades enquanto “vê†TV. Assim, As narrativas clássicas, literárias ou cinematográficas, partem do pressuposto que os eventos tiveram lugar em alguma parte, numa dada data, e eles tentam explicar como eles se desenrolaram. Nesta perspectiva, é o projeto definido com antecedência que condiciona o avanço da pesquisa, sendo o objetivo final fazer compreender uma situação. A história televisual mergulha no interior do evento, ela é um avanço de exploração que privilegia a variedade, o estilhaçar dos pontos de vista, as múltiplas facetas da memória em relação com a coerência explicativa.133 No entanto, quando um acontecimento foge tanto a normalidade que toda a programação é interrompida para deixar todos a par do ocorrido, em plantões intermináveis, grandes conglomerados (como ABC, BBC, CNN, FOX, NBC) apenas se dedicam a cobrir o evento de forma ininterrupta. Pela sua magnitute, os atentados aos EUA em 2001 tomaram para si os holofotes de todas as estações de TV e suas imagens televisivas foram para muitos “a história acontecendoâ€. Esse primeiro momento de construção de sentidos foi de extrema importância para a exploração da cultura polÃtica134 minando a possibilidade de abordagens cinematográficas crÃticas naquele momento. A consciência história, por sua vez, foi fortemente influenciada pela TV e a sua aplicação prática carecia de reflexões historiográficas sobre o perÃodo. A televisão serviu de muleta para que o discurso oficial do governo estadunidense fosse divulgado, não apenas no território nacional como também internacionalmente. O velho retrato de uma sociedade unida, sem problemas 133 SORLIN, Pierre. Televisão outra inteligência do passado. In: NÓVOA, Jorge; FRESSATO, Soleni Biscouto; FEIGELSON, Kristian. (Orgs.). Cinematógrafo: um olhar sobre a história. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Ed. da UNESP, 2009, p. 51. 134 “Porque a noção é complexa, a sua definição não poderia ser simples. Pode-se admitir, com Jean- François Sirinelli, que se trata de <<uma espécie de código e de um conjunto de referentes, formalizados no seio de um partido ou, mais largamente, difundidos no seio de uma famÃlia ou de uma tradição polÃticas>>. Desta definição, reteremos dois fatos fundamentais: por um lado a importância do papel das representações na definição de uma cultura polÃtica, que faz dela outra coisa que não uma ideologia ou um conjunto de tradições; e, por outro lado, o carácter plural das culturas polÃticas num dado momento da história e num dado paÃs. [...] Como e porquê nasce a cultura polÃtica? A complexidade do fenômeno implica que o seu nascimento não poderia ser fortuito ou acidental, mas que corresponde à s respostas dadas a uma sociedade face aos grandes problemas e à s grandes crises da sua história, respostas com fundamento bastante para que se inscrevam na duração e atravessem as geraçõesâ€. BERSTEIN, Serge. A cultura polÃtica. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Para uma História Cultural. Lisboa: Estampa, 1998, p. 355. DisponÃvel em: <http://www.historia.uff.br/stricto/files/culturapolitica_SergeBerstein.pdf>. Acesso em: 07 ago. 2016. Página 61 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS internos, com plena unidade aos moldes da “Grande Narrativaâ€, foi possÃvel de ser refeito pela exploração do espetáculo midiático e de sua dramatização. Para a análise histórica, como exposto por Johann Gustav Droysen em seu Manual de Teoria de História, “Nem a crÃtica procura as origens, nem a interpretação as exige. No mundo ético [isto é, no mundo histórico], nada existe que não tenha sido mediadoâ€.135 Essa mediação, segundo Droysen, torna-se mais importante para análise histórica que o próprio objeto, ou seja, deve ser feita para além da valorização das fontes, partindo-se de uma perspectiva de história aberta que não se subjuga a uma narrativa definitiva. Jörn Rüsen compartilha em partes dessas reflexões, já que pontua que as informações das fontes não ditam o conhecimento histórico, mas são utilizadas nas articulações com o sentido que dão à história de acordo com o modelo interpretativo, ou seja, na atividade cognitiva do historiador para compreender os fatos em consonância com o seu embasamento teórico.136 Diante de todo exposto, é possÃvel afirmar que a televisão produz essa mediação entre os acontecimentos e o público, através do seu imediatismo, incidindo na forma como os Atentados de 11 de Setembro foram compreendidos. Tomado como evento único e “históricoâ€, ao longo dos anos o discurso televisivo tornou-se a explicação oficial e os ataques a chave para a Guerra ao Terror. Dessa forma, a mÃdia contribuiu para impulsionar as polÃticas e os discursos que instituÃram os atentados como uma afronta ao estilo de vida democrático do Ocidente, numa espécie de embate contra o Oriente. Utilizando-se da cultura histórica para dar sentido e aproximar os espectadores dos eventos, as transmissões ao vivo utilizaram uma linha narrativa calcada na impresibilidade e no improvisso. Afinal, sua fala deveria lidar com possÃveis mudanças nos eventos, tal como o impacto do voo 175 na torre norte.137No entanto, a exploração pelos noticiários dos ataques de 11 de Setembro não está ligada apenas ao discurso televisivo e suas particularidades, mas a eficácia das imagens que ultrapassam a capacidade dedutiva sobre o que se passava. O que se seguiu no desenrolar do tempo, 135 DROYSEN, Johan Gustav. Manual de Teoria da História. Tradução de Sara Baldus e Julio Bentivoglio. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 53. 136 RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado – Teoria da história II: os princÃpios da pesquisa histórica. Tradução de Asta-Rose Alcaide. BrasÃlia: Ed. UnB, 2010b, p. 25. 137 Na transmissão da rede NBC um dos âncoras chegou a perguntar o tamanho do avião que havia se chocado com torre sul, sua correspondente, ao vivo de Nova York, mostrou-se surpresa com o questionamento, porque não sabia que se tratava de uma colisão. Página 62 CAPÃTULO I – O 11 DE SETEMBRO E O IMPÉRIO DAS IMAGENS principalmente através do repositório de imagens, contribuiu para que esse acontecimento, um momento histórico,138 tomasse moldes de um evento incapaz de ser interpretado de outra forma,139 na medida em que a significação desse dia se tornou “autoexplicativaâ€. Cristalizou-se, assim, a ideia de que o terrorismo é o novo inimigo. As imagens “cinematográficas†dos atentados transmitidas pela TV trouxeram novas formulações para o presente. Nas tensões entre o futuro e o passado não havia margem para qualquer questionamento que não dialogasse com a “objetividade†das cenas registradas. Portanto, a crÃtica à s imagens televisivas recai sobre seu caráter primário do evento histórico enquanto marco, não sua incidência total, mas o efeito no material histórico subsequente – em nosso caso, o cinema e sua historicidade em meio ao processo histórico da luta contra o terrorismo. 138 VESENTINI, Carlos Alberto. A teia do fato: uma proposta de estudo sobre a memória histórica. São Paulo: Hucitec, 1997. 139 Em 2015, o grupo ISIS (Islamic State of Iraq and Syria) produziu um longa-metragem The Return of Kalifah and the Golden dinar, no qual fazia uso de cenas de filmes hollywoodianos e efeitos especiais, como flechas tomando a forma dos aviões que destruÃram o WTC, a fim de construir a sua interpretação do acontecimento. Página 63 A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE CapÃtulo II CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE Após os ataques do dia 11 de setembro de 2001 houve o fortalecimento da polÃtica intervencionista no Oriente Médio, tipicamente republicana, que utilizou dos atentados terroristas para constituir uma polÃtica externa pautada na luta contra o terror, a Doutrina Bush. As constantes imagens televisivas que foram incessantemente exibidas, como também os discursos do governo, pautavam-se nas intenções e ações de grupos terroristas contra os EUA, o que contribuiu para o efeito discursivo na construção do 11 de Setembro como um marco, ao mesmo tempo em que, inicialmente, minou interpretações diversas das que não compartilhassem o drama recente. Tais fatores justificaram alterações na polÃtica interna e externa, como a brusca mudança dos direitos civis, em um debate interno acerca da repressão dos direitos fundamentais (como a privacidade dos cidadãos estadunidenses) em favor de uma polÃtica preventiva e intervencionista contra o terrorismo internacional. Nesse contexto, o terrorismo se tornou um tema delicado para o cinema. As narrativas que pudessem almejar discussões históricas envolvendo-o não tiveram grande espaço no mainstream, ao menos nos primeiros anos pós-atentados. No que se refere ao cinema hollywoodiano, até mesmo referências diretas as Torres Gêmeas não tiveram espaço. Ao contrário, se exaltou a elaboração de enredos sobre guerras com modelos que exaltassem o patriotismo e o dever dos estadunidenses para com seu paÃs. As representações do dia dos atentados foram produzidas, inicialmente, por produções independentes/estrangeiras, bem como as primeiras crÃticas e reflexões sobre o 11 de Setembro. Sobretudo, não se trata de um cenário cinematográfico unÃssono. Observasse, que partindo do 11 de Setembro, filmes e documentários foram tanto favoráveis as polÃticas antiterroristas como também contrárias. Essas produções independentes/estrangeiras se alternam entre representação dos atentandos e o questionamento do que estaria por trás das mesmas. Hollywood, ao longo do governo Bush, não foi unÃssono politicamente, mesmo que por muitos anos se mantivesse no escapismo com produtoras aliadas ao governo. Assim, entre 2004 e 2006, notas dissoantes começaram a surgir com crÃticas à Doutrina Bush, bem como com a incorporação dos efeitos e crises da Guerra ao Terror. O lugar da história nos EUA, e como ela se aproxima de seus cidadãos, possui uma relação de proximidade com o cinema, linguagem que foi crucial em diferentes contextos históricos dos EUA, desde filmes com abordagens e perspectivas que Página 65 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE reforçaram o ethos nacional à produções com crÃticas negativas ao governo. Por exemplo, anos após a Segunda Guerra Mundial,140 diversas crÃticas à história nacional surgiram, mais precisamente no decorrer das décadas de 1960/70,141 seja no âmbito da produção historiográfica como em vários meios de comunicação, como o cinema. Trata-se de um contexto em que o engajamento polÃtico e social estavam em seu auge, com diversas pelÃculas que buscavam discutir a Guerra do Vietnã, a citar dois bons exemplos: Apocalypse Now (1979) e Platoon (1986). Contudo, nas décadas seguintes, os holofotes deixaram de priorizar questões polÃticas ou sociais, em grande parte em virtude do boom dos filmes blockbuster que se preocuparam em proporcionar o entretenimento e não necessariamente a reflexão crÃtica. Ou seja, assim como a historiografia, o cinema enquanto linguagem – bem como na perspectiva de uma escritura fÃlmica da história – não é unÃssono. Dependendo do contexto social ou polÃtico, por um lado os blockbusters podem optar tanto por uma premissa básica – um tema ou um gênero que está na moda (gângster, anticomunismo, alienÃgenas, super-heróis, guerras/conflitos, crÃticas ao governo) – como também automaticamente afastar-se de questões impopulares ou implicitamente censuradas, tal como no tratamento ao ao 11 de Setembro de forma explÃcita. De maneira geral, o cinema pós-atentados, mostra um cenário bastante heterogêneo do ponto de vista de uma escrita fÃlmica da história recente dos EUA, quando 140 Segundo Thomas Bender: “Nos Estados Unidos, os historiadores tiveram um papel chave nesse processo: após a Segunda Guerra Mundial suas narrativas se concentraram, implÃcita ou explicitamente, no Estado nacional do bem-estar como a solução liberal da história dos Estados Unidos. Essa foi a estória da história dos Estados Unidos, especialmente para os historiadores liberais que compuseram as histórias narrativas dominantes dos Estados Unidos. Dado que o Estado nacional do bem-estar se convertera no ponto de chegada, a narrativa da história dos Estados Unidos não poderia ser composta senão como história nacional. Como o ponto de chegada se tornou problemático, representou um convite a outras formas de compor a história dos Estados Unidos, inclusive com ajustes nas escalas temporal e espacialâ€. TENORIO-TRILLO, Mauricio; BENDER, Thomas; THELEN, David. Caminhando para a “desestadunização†da história dos Estados Unidos: um diálogo. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 27, p. 20, 2001. DisponÃvel em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/viewFile/2137/1276>. Acesso em: 20 jun. 2016. 141 Em contraponto a esta História Consensual, entre as décadas de 1960 e 1970, lado a lado aos movimentos sociais e a Guerra do Vietnã, a historiografia via-se ante ao impasse da unidade acadêmica, no questionamento da “Grande Narrativaâ€, que em linhas gerais estabelecia uma conexão, uma proximidade entre os diálogos históricos institucionalizados e os sentidos/significados históricos com o público em geral. Houve a ruptura da sÃntese histórica, da concepção de que todas as narrativas históricas em algum momento seriam reunidas num compêndio unÃssono e coeso, já que a pesquisa histórica da academia era altamente nacionalista, propagando interpretações históricas que não davam margem ao questionamento, muito menos nas formas e funções do saber histórico, distanciando-se da vida prática presente. Cf. Ibid. Página 66 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE considerada numa reflexão de todo o governo Bush. De imediato, houve certo consenso entre Hollywood e a polÃtica republicana, mas, aos poucos, esse cenário se alterou e se desgastou após a intervenção dos EUA no Iraque. Tais elementos expõem a tensão existente e que permeia muitas produções que surgiram após os ataques de 11 de setembro de 2001. Constatasse que a linha narrativa de produções sobre os conflitos no Afeganistão e Iraque transita entre a exaltação de elementos que interrelacionam a vitória na Segunda Guerra Mundial e o amargor da Guerra do Vietnã – com exceção de alguns dos primeiros filmes jingoÃstas lançados logo após os atentados. O cinema estadunidense no inÃcio da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, se resumia a filmes escapistas ou patrióticos, mas a partir do momento que o paÃs entrou no conflito, juntamente com os Aliados, se voltou a uma abordagem propagandÃstica. Da mesma forma, durante a Guerra Fria muitas produções voltadas a enredos com abordagens sociais e consideradas de qualidade pela crÃtica foram substituÃdas por uma avalanche de filmes anticomunistas. No caso das produções posteriores ao 11 de Setembro, não houve uma imediata abordagem sobre o terrorismo, esse movimento foi lento e gradativo. Talvez o cenário cinematográfico da Guerra do Vietnã seja o qual mais se assemelha ao dos atentados de 11/09/2001, tomadas suas devidas proporções e especificidades. Segundo Robert Cettl, “[...] assim como o cinema durante a Guerra do Vietnã não abordou a Guerra do Vietnã até mesmo após o conflito, o cinema americano de terrorismo não tinha declaradamente abordado a guerra contra o terror entre 2001- 2007â€.142 Nessa associação, o cinema apenas levou ao público tÃmidas referências – talvez por uma espécie de censura implÃcita ao acontecimento e seu impacto143 – dos atentados à s Torres Gêmeas e ao Pentágono, bem como dos temas que circundam a Guerra ao Terror. Todavia tal cenário se modifica após a intervenção no Iraque e no ano da reeleição 142 CETTL, Robert. Terrorism in American Cinema: an analytical filmography, 1960-2008. Jefferson, N.C.: McFarland & Company, 2009, p. 14. 143 Pode-se citar um exemplo referente ao filme Homem-Aranha (Spider-Man, 2002), seu primeiro trailer, lançado em 2001 (que pode ser encontrado facilmente na internet), mostrava cenas de um helicóptero com assaltantes de bancos que ficou preso por uma enorme teia em meio as Torres Gêmeas. Destaca-se que tantas outras cenas, pôsteres e materiais promocionais referentes ao World Trade Center foram excluÃdas do filme. Cf. CONHEÇA AS curiosidades sobre o filme “Homem-Aranhaâ€. Folha online, 2002. DisponÃvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/reuters/ult112u15953.shtml>. Acesso em: 20 jul. 2013. Página 67 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE de Bush, com o lançamento de produções crÃticas aos conflitos recentes, com os remakes de filmes anticomunistas e o inÃcio das hoje famosas franquias de filmes de super-heróis, como Homem de Ferro (Iron Man, 2008). A produção cinematográfica do perÃodo da Segunda Guerra Mundial, da Guerra do Vietnã e da Guerra Fria tiveram uma relação intensa com a produção fÃlmica da primeira década do século XXI, servindo como base para incontáveis enredos, argumentações históricas nos mais diversos segmentos e, consequentemente, teve grande participação na forma como grande parte do público “visualizou†tais momentos históricos, bem como os conflitos recentes. De tal modo, o cinema hollywoodiano foi apenas aos poucos tratando de filmes especÃficos sobre a atuação das tropas dos EUA no Oriente Médio, pois ao longo dos anos caminhou numa linha tênue entre o distanciamento e os usos polÃticos da espetacularização do 11 de Setembro, afinal, o desenrolar dos acontecimentos ainda se encontravam no campo aberto de possibilidades históricas. A exaltação do drama dos atentados pela mÃdia impactou o cinema, que interrompeu, alterou e/ou adaptou produções em andamento ou recém finalizadas, e impulsionou produções que exaltavam momentos “grandiosos†da história dos EUA. Tal como discutido no primeiro capÃtulo, esse espetáculo foi capitaneado pela TV ao vivo e teve um papel crucial na construção dos atentados como um marco histórico, encobrindo os espectadores com a áurea do terrorismo, lado a lado com a versão oficial. O efeito das imagens dos ataques foi tão potente que somente aos poucos abordou-se, em especÃfico, os ataques terroristas aos EUA em 2001 e os eventos que se o circundam pelas telas do cinema. A apreciação nesse momento situa-se em compreender essa tÃmida, por vezes mascarada, abordagem cinematográfica e os elementos que constituÃram o terrorismo como fundamento para os discursos governamentais, bem como no uso do 11 de Setembro, a fim de justificar ações bélicas, pensando o papel do cinema nesse momento e a composição de uma escrita histórica fÃlmica da história recente dos EUA. Nesse ponto, a polÃtica tem um papel fundamental na construção e exaltação de episódios como o 11 de Setembro e na efetiva exclusão de tantos outros ao longo da história dos EUA. Ressaltamos as palavras de René Rémond sobre a polÃtica interna e externa, que afirma que “[...] não há diferença de natureza, tampouco separação estanque entre interior e o exterior, mas interações evidentes entre um e o outro, com entretanto, Página 68 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE uma primazia reconhecida do primeiro sobre o segundoâ€.144 De forma mais especÃfica: “Como o interno prevalece, pelo menos quantitativamente, sobre o externo, é em torno dele e da influência que exerce sobre as orientações da polÃtica externa que se articula o maior número de questõesâ€.145 As colocações de Rémond se mostram pertinentes quando se considera as implicações posteriores aos atentados, tais como as mudanças legislativas implementadas pelo governo Bush em uma retaliação a Al-Qaeda e a fim de evitar novos ataques terroristas. Na apreciação do 11 de Setembro, o território atacado não estava distante e, diferentemente de cupons de reposição de gasolina ou alimentos como na Segunda Guerra Mundial, mexeu-se em direitos básicos do cidadão comum: as tão disseminadas liberdade e democracia não possibilitavam sequer privacidade ou direito a julgamento a qualquer suspeito de envolvimento com o terrorismo. A guerra surge como resposta imediata, assim como o próprio ataque, pois não há tempo para diplomacia, apenas o direito a defesa por meio de uma guerra preventiva. Se torna plausÃvel ressaltar que um acontecimento estará sempre suscetÃvel ao devir, mesmo que apresente um desfecho, e, nesse caso, pode-se apreender que os atentados ficaram marcados por diversos questionamentos sobre o que significaram e o que representarão no futuro. Respostas diversas sugiram em entrevistas, livros, por jornalistas e acadêmicos das mais variadas áreas. Além dos questionamentos sobre o evento (quem, causas, objetivos), perscrutou-se o significado histórico do referido acontecimento. François Hartog afirma que vivemos um regime presentista, as recentes pesquisas e a valorização da memória e do patrimônio histórico seriam sinais desse presentismo, sendo que não estarÃamos mais buscando as respostas no passado, mas sim no presente. Sendo assim, o autor aponta que não se identifica um regime de historicidade através da linguagem das fontes, mas sim nas crises de tempo, na apreciação teórica.146 Parte das exposições de Hartog assemelham-se as de Reinhart Koselleck quando se constat que não há como desconsiderar as relações entre passado/presente/futuro na pesquisa histórica, pois é na tensão entre o espaço da experiência e o horizonte de 144 RÉMOND, René. (Org.). Por uma história polÃtica. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 370. 145 Ibid. 146 Cf. HARTOG, François. Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. Página 69 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE expectativa que se encontra o tempo histórico. Sob esse prisma, os filmes são fruto dessa tensão e do presentismo dos ataques terroristas, o horizonte de expectativas já não era mais o mesmo para os estadunidenses e o cinema sofreu os impactos dessa crise de historicidade. Portanto, torna-se essencial pensar os filmes que recorrem ao 11 de Setembro, tanto aqueles que são favoráveis à Doutrina Bush como à queles que se posicionam contra. Compreende-se que na apreciação dos referidos ataques, as imagens tiveram um papel fundamental na definição da vÃtima e do algoz, na medida em que diversas ações posteriores do governo estadunidense, e claro sob efeito das imagens, direcionaram o paÃs em uma narrativa dos acontecimentos que lhe davam pleno controle das ações futuras, onde desenhavam suas expectativas sobre o rememorar dos atentados. A construção de sentido frente ao evento marcou os anos iniciais da polÃtica antiterrorista e, evidentemente, na chance do predomÃnio dos EUA no Oriente Médio, as imagens dos atentados se tornaram uma espécie de aval para a investida no território. Muitos filmes se apoiaram no tratamento do impacto do 11 de Setembro, ao ponto de tratá-lo como o ponto de origem dos recentes embates com o terrorismo – e muitos na rememoração – sem debater a historicidade das complexas relações dos EUA com o Oriente Médio. Nesse ponto, se torna fundamental perceber o 11 de Setembro como marco, pois hora ou outra o mesmo aparece como a explicação lógica para todas as ações do governo Bush pós-atentados. Desse modo, as análises dos diferentes filmes demonstram como, embora existam diferenças de interpretações e de abordagens – tal como os atentados de 11/09/01 (WTC, Pentágono, Pensilvânia), as mudanças legislativas, as polÃticas antiterroristas, a Guerra no Afeganistão, o Iraque –, houve certa construção de um marco geral tendo como ponto de origem o 11 de Setembro, ou seja, ponto de significação de acontecimentos posteriores e mesmo anteriores. O CINEMA PÓS-11 DE SETEMBRO NA CONFLUÊNCIA COM A DOUTRINA BUSH O 11 de Setembro possibilitou um “breve retorno†da concepção de uma cultura polÃtica unÃssona nos EUA em favor da defesa da nação, o que contribuiu para concepções cinematográficas que exaltassem heróis e momentos de glória da história estadunidense. Conclui-se que tal condição pode trazer à tona indÃcios fundamentais para a compreensão de determinado momento histórico, a ponto de eventual unidade ter ganhado impulso Página 70 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE como, por exemplo, através da abordagem da mÃdia imediata a respeito de um acontecimento. É nesse sentido que as imagens dos atentados cumpriram um papel “cinematográfico†em meio a forma como os estadunidenses visualizaram a fragilidade que apenas tinham vivenciado nas telas do cinema. As imagens dos ataques de 11 de Setembro e sua constante exibição aos cidadãos influenciou, ampliou e possibilitou as mudanças ocorridas no interior da polÃtica estadunidense, ao mesmo tempo em que influenciaram a narrativa cinematográfica. O silênciamento/estranhamento fÃlmico das grandes produtoras sobre temas como o terrorismo, nos primeiros anos, mostra o processo histórico da concepção do 11 de Setembro e de como ele era descrito enquanto o acontecimento mais significativo deste breve século XXI. Constata-se que, através do cinema, se vê as primeiras prerrogativas dessa visão momentânea do bem da nação através da guerra, para então aplica-las ao terrorismo, através de alegorias que se passa em outros conflitos. Em um cenário marcado pelas discussões polÃticas sobre o terrorismo, sustentadas pelo terror provocado pelas imagens ao vivo do impacto do Voo 175 da United Airlines na Torre Sul do World Trade Center e a posterior queda de ambas as torres, Hollywood modificou/alterou vários filmes em processo de finalização ou em produção, principalmente nas cenas que expusessem as Torres Gêmeas. Um bom exemplo foi o filme Homem Aranha (Spider-Man, 2002) que, em seu clÃmax, apresentava um helicóptero envolto em uma teia de aranha gigantesca tecida entre as referidas torres. Tal sequência foi divulgada através de um trailer promocional que, após os atentados, foi retirado de circulação e a referida sequência foi excluÃda e regravada. Contudo, outras cenas que traziam o World Trade Center foram mantidas, como forma de resistência aos terroristas, segundo declarou o diretor Sam Raimi.147 Outros filmes foram: Escrito nas Estrelas (Serendipity, 2002), lançado um mês após os ataques continha imagens do WTC que foram removidas digitalmente; Pessoas Que Eu Conheço (People I Know, 2002), na sequência que foi deletada, Al Pacino desce de um táxi e a câmera muda o enquadramento da cena apresentando-nos as Torres Gêmeas e, com um leve movimento para a direita, deixa-as na horizontal com um fade in 147 GERMAIN, David. Images of trade center preserved in fresh films shot before Sept. 11. The Berkeley Daily Planet, Berkley, 20 Abr. 2002. (Tradução nossa). DisponÃvel: <http://www.berkeleydailyplanet.com/issue/2002-04-20/article/11500?headline=Images-of-trade- center-preserved-in-fresh-films-shot-before-Sept.-11---By-David-Germain-The-Associated-Press>. Acesso em: 17 fev. 2017. Página 71 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE apresentando o ator dormindo;148 Homens de Preto II (Men in Black II, 2002) exibiria em sua sequência final o WTC, mas os produtores optaram pela exclusão e utilizaram como substituto a Estátua da Liberdade; Efeito Colateral (Collateral Damage, 2002) teve seu lançamento adiado em virtude de seu enredo, no qual Arnold Schwarzenegger interpretou um bombeiro de Los Angeles em busca de vingança por sua famÃlia, morta na explosão de um edifÃcio causada por terroristas colombianos.149 A primeira produção hollywoodiana a mostrar Nova Iorque após os atentados ao WTC foi A Última Noite (25th Hour, 2002), baseada no romance homônimo de David Benioff, lançado antes de 2001. O filme mostra Monty, personagem interpretado por Edward Norton, em sua última noite de liberdade após ser condenado por tráfico de drogas. O diretor da adaptação, Spike Lee, é conhecido por abordar temas sobre a cidade de Nova Iorque em seus distintos semblantes e, por isso, não foi surpresa ser um dos primeiros a tratar a cidade ainda sob a névoa dos atentados. Ao inserir breves imagens do que restou do World Trade Center o diretor não buscou se posicionar politicamente, mas almejou naturalizar o novo cenário de Nova Iorque, sobretudo, mostrando-o como um novo marco – seja para os nova-iorquinos, como para todo o paÃs. O que se pode observar no cenário fÃlmico de Hollywood é que a recepção do público se tornou uma dúvida, ou mesmo um ponto delicado, para diversos diretores, produtores, estúdios e também para os crÃticos, pois não se sabia exatamente como abordar o tema – vide a tÃmida abordagem de A Última Hora. A alternativa foi utilizar um horizonte de expectativa com o qual o espectador poderia fruir uma experiência estética confortável ao contexto histórico e, de certo modo, com um discurso alinhado ou muito próximo das polÃticas republicanas antiterroristas. Assim, nesse cenário cuja as orientações polÃticas permeavam o antiterrorismo, com a TV transmitindo discursos do presidente e notÃcias sobre a intervenção no Afeganistão, não à toa o cinema mainstream se distanciou do tema do terrorismo, em um cenário escapista com filmes de guerra que exaltavam o espÃrito jingoÃsta em conflitos anteriores, ao mesmo tempo em que dava os primeiros passos das franquias de super-heróis. 148 O ARTICULADOR [People I Know]. Direção de Daniel Algrant. Roteiro de Jon Robin Baitz. EUA. Produzido por Myriad Pictures [et. all]. Distribuição Imagem Filmes, 2002. 1DVD vÃdeo (100 min.); Colorido. 149 Cf. PRINCE, Stephen. Firestorm: American film in the age of terrorism. New York: Columbia University Press, 2009, p. 44. Página 72 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE Stephen Prince, em seu livro Firestorm: American Film in the Age of Terrorism, faz um levantamento sobre as relações do terrorismo com o cinema. Em seu capÃtulo “Shadows Once Removed†analisa como Hollywood lidou com o momento posterior aos atentados, realizando um mapeamento de diversas produções que foram modificadas para seu lançamento – algumas das quais foram citadas acima. Na apreciação de Prince citou o posicionamento de Todd McCarthy, da revista Variety, que escreveu: “A remoção das Torres Gêmeas dos filmes é infinitamente mais disruptiva, para não dizer insultante, do que deixa-lasâ€.150 McCarthy traz uma prerrogativa interessante sobre como lidar com o momento histórico, o que certamente diz muito sobre a indústria cinematográfica e, consequentemente, acerca da escrita fÃlmica, pois as representações do passado recente nos dão indÃcios dos conflitos existentes na construção da história recente dos EUA. Segundo Stephen Prince, “A indústria viu o 11/09 como um tipo de veneno para a bilheteria, um tópico que o público preferiria não ver retratado nas telas do cinema, e os estúdios odiavam as produções autorizadas que abordavam os ataquesâ€.151 Em outros termos, nada mais seguro do que deixar de lado qualquer manifestação ou crÃtica acentuada por algo menos propenso a complicações, como filmes sobre outros contextos históricos, com eventos “gloriosos†e “vitoriosos†da história estadunidense (como a Segunda Guerra Mundial), a fim de impulsionar polÃticas antiterroristas, um movimento a favor de ações bélicas, ou seja, pró-guerra, visto a crescente paranoia de novos ataques terroristas aos EUA. Soma-se a isso outro fator importante naquele momento em Hollywood: o gênero fÃlmico de guerra estava sob os holofotes das grandes produtoras, seguindo o efeito causado pelo sucesso de O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998), o qual mostrava os campos de batalha em meio a dilemas morais e exaltação patriota, traços presentes nos filmes pró-guerra após os ataques de setembro de 2001. Os executivos de Hollywood não estavam interessados em arriscar investimentos com temas ainda delicados, abordando diretamente os recentes ataques terroristas. Ressalta-se ainda que houve um apelo da Casa Branca para que os executivos não tocassem no assunto e sim que focassem num esforço de guerra. 150 MCCARTY, 2004 apud PRINCE, Stephen. Firestorm: American film in the age of terrorism. New York: Columbia University Press, 2009, p. 79. [Tradução nossa]. 151 Ibid., p. 80. [Tradução nossa] Página 73 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE Assim, o horizonte de expectativas para os filmes mainstream de guerra, tanto das produtoras quanto do público, estava permeado por uma perspectiva de ver nas telas o “calor†do campo de batalhas, com representações calcadas em sequências tal como a do “Dia D†filmado por Spielberg. Com os ataques terroristas houve grande impulso para o crescimento de produções que exaltassem o patriotismo e as tropas, mostrando os soldados em diferentes conflitos nos quais os EUA se envolveram em busca da defesa da nação e/ou levar os ideais de liberdade e democracia a outros paÃses. Marilyn B. Young, em seu artigo “In Combat Zoneâ€, traz informações pertinentes para nossa apreciação desse cenário que surgiu pós-atentados: Tendo dado suporte ao paÃs por tantos anos antes de 11 de setembro de 2001, a primeira reação de Hollywood foi colocar a indústria à disposição do governo. Menos de um mês depois, quarenta executivos de Hollywood fizeram uma peregrinação a Casa Branca para uma discussão de duas horas com Chris Henick, vice-assistente do presidente, e Adam Goldman, diretor associado do escritório de relações públicas. Leslie Moonves, presidente da CBS, explicou sua missão: “Eu acho que você tem um monte de gente aqui que está apenas dizendo: ‘Diga-nos o que fazer. Nós não voamos com aviões a jato, mas possuÃmos habilidades que podem ser úteis’. Com sua habitual atitude descontraÃda em relação à precisão histórica, o New York Times afirmou que, embora ‘não fosse novo em Hollywood’, esses sentimentos patrióticos foram ‘raramente evidenciados desde a Segunda Guerra Mundial’. Mas em particular, o repórter, Jim Ruttenberg (2001, B-9), estava correto: a Segunda Guerra Mundial era ‘o perÃodo no qual os executivos buscavam orientação’. Mais especificamente, ‘várias pessoas que participaram da reunião se referiram, como modelos de cooperação, ao diretor Frank Capra’. Outros esperavam produzir versões contemporâneas de filmes como Mrs. Miniver [Rosa de Esperança, 1942], embora que ao comparar o 11 de setembro a um ataque repentino pareça um conforto um tanto duvidoso.152 A proximidade entre Hollywood e o governo dos EUA não é novidade., Como questionou Young (sobre a “precisão histórica†do New York Times), é ao menos uma afirmação questionável apontar que o patriotismo foi pouco evidenciado ao longo da segunda metade do século XX, excluindo-se praticamente todo o perÃodo da Guerra Fria e os inúmeros estudos sobre o impacto do próprio cinema e a exaltação do patriotismo, bem como a famigerada “caça à s bruxas†macarthista. Ademais, as informações de Young indicam a força que a escrita fÃlmica da Segunda Guerra Mundial tem sobre a história 152 YOUNG, Marilyn B. In Combat Zone. In: RAO, Aparna; BOLLING, Michael; BÖCK, Monika. The Practice of War: Production, Reproduction and Communication of Armed Violence. New York: Berghahn Books, 2007, p. 244. Página 74 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE estadunidense, condicionando eventos recentes a abordagens que buscam orientação e, porque não dizer, inspiração para o novo empreendimento bélico, deixando de lado o drama dos atentados e utilizá-lo com outro propósito. O autor ainda escreveu que meses depois houve um reencontro: Em 8 de novembro de 2001, um grupo menor de executivos de Hollywood respondeu a um convite de Karl Rove, conselheiro da Casa Branca, para uma discussão mais focada e “poderosa†sobre como Hollywood poderia ajudar o esforço de guerra. Ao negar qualquer interesse em fazer filmes de propaganda, os executivos reiteraram seu desejo de adicionar um novo capÃtulo da série Why We Fight de Capra (Luman 2001a). Enquanto isso, o jornal Los Angeles Times relatou que Sylvester Stallone, que possui uma vasta experiência na reciclagem dos temas da Segunda Guerra Mundial através de novas guerras, estava trabalhando em um roteiro que iria lançar [John] Rambo no Afeganistão para combater o Talibã. Na verdade, esta seria a segunda visita de Rambo ao paÃs; Em 1998, ele lutou com os “guerreiros afegãos†anteriormente conhecidos como “Freedom Fighters†(Harlow 2001).153 Curiosamente, modelos fÃlmicos crÃticos a atuação dos EUA foram deixados de lado e assumiu-se uma postura favorável ao ideário de guerra, como nas produções de Frank Capra. E não é de se estranhar a notÃcia do Los Angeles Times, já que John Rambo foi o sÃmbolo do patriotismo na releitura fÃlmica da Guerra do Vietnã, principalmente após o primeiro filme sobre o personagem. Toda essa movimentação para com o esforço de guerra possui uma profunda relação com a cultura histórica dos EUA, já que a guerra percorre dimensões diversas do terreno social e cultural, por vezes vista como benéfica, em outros contextos maléfica e, eventualmente, como um mal necessário. Essas questões foram discutidas por James Oliver Robertson ao afirmar que: A guerra é sempre violenta, sanguinária e destrutiva. Mas as guerras americanas são travadas por grandes e boas causas, e seus efeitos são bons para a América. A Revolução criou a liberdade, a independência e a democracia. A Guerra Civil resultou em expansão da liberdade, a destruição da escravidão, o crescimento da força industrial e da riqueza, e a formação de uma nação poderosa e unificada. Portanto, ambas foram guerras necessárias – e boas guerras.154 153 YOUNG, Marilyn B. In Combat Zone. In: RAO, Aparna; BOLLING, Michael; BÖCK, Monika. The Practice of War: Production, Reproduction and Communication of Armed Violence. New York: Berghahn Books, 2007, p. 245. 154 ROBERTSON, James Oliver. American Myth, American Reality. New York: Hill & Wang, 1994, p. 324. Página 75 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE Ao longo da história do cinema dos EUA pode-se observar esses aspectos referentes ao significado da guerra, segundo aponta Robertson. Há muito o cinema contribui para a apreciação da experiência temporal e, consequentemente, na forma como os diferentes sujeitos se relacionavam com sua prática social. Não à toa, mesmo no esforço de guerra governamental, partir para a utilização do cinema enquanto ferramenta soa até mesmo como um movimento natural na história da sétima arteestadunidense, bem como pensando a própria escrita fÃlmica da história. Grande parte dos primeiros filmes abordados neste capÃtulo apresenta, algumas vezes explÃcita ou implicitamente, indÃcios dessa importância. Trata-se de um conjunto de filmes que contribuiu para um imaginário social regrado a representações cujos sÃmbolos permeavam a ideia de guerra como um mal necessário – as imagens criadas aos moldes dos grandes filmes sobre a Segunda Guerra Mundial –, servindo como sustentação para a guerra preventiva contra o terror. As grandes produtoras buscaram distanciar-se do drama televisivo que assolou os dias seguintes aos atentados do 11 de setembro, enquanto a Casa Branca tinha uma pauta polÃtica: o antiterrorismo. Pensando nos moldes de Hans Robert Jauss, portanto, a alternativa era utilizar o horizonte de expectativa com o qual o espectador poderia fruir uma experiência estética confortável ao contexto e aos objetivos dessa produção fÃlmica. Como já exposto, logo após os atentados, surgiram representações diversas sobre o evento e as que se propuseram a fazer algum questionamento foram criticadas ou tiveram empecilhos em seu lançamento nos EUA, ficando à margem dos blockbuster que visavam temas escapistas e filmes pró guerra. Os questionamentos iniciais foram suprimidos ao longo do primeiro mandato de George W. Bush, suplantados pelo poder da retórica cinematográfica em um primeiro momento marcado pelo patriotismo e pela exaltação da guerra. Esse movimento contribuiu para uma espécie de “cegueira momentânea†nos EUA, a qual foi transportada para o cinema e para a escrita fÃlmica da história do perÃodo. Como se pode notar, após o 11 de Setembro houve a exaltação do espÃrito patriótico dos estadunidenses, deixando-se de lado o tratamento das consequências diretas para dar sequência a construção de um imaginário de guerra ao terrorismo, nas medidas da Doutrina Bush. Para tal fez-se do cinema o inÃcio de uma nova empreitada no esforço de guerra. Todavia esse movimento de exaltação dos filmes de guerra já vinha de uma crescente celebração, inclusive com o envolvimento do próprio exército. Paul Virilio, no Página 76 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE primeiro capÃtulo de Guerra e Cinema, apresenta inúmeras perspectivas acerca da relação da publicidade da guerra e de como seus efeitos se tornam um combustÃvel para os meios de comunicação, como inúmeros atos incidem de maneira contundente. O terrorismo nos relembra insidiosamente que a guerra é um sintoma delirante que se produz na meia-luz do transe, da droga e do sangue. Aà se produz uma unidade que identifica em seu corpo-a-corpo aliados e inimigos, vÃtimas e algozes. Não mais o corpo-a-corpo do desejo homossexual, mas a homogeneidade antagonista do desejo de morte, perversão do direito de viver em direito de morrer.155 Para o autor, a guerra e o espetáculo são indissociáveis, o que deve imperar é a ânsia da morte e os efeitos causados nada mais são do que a paranoia da guerra. Assim, esse é um dos princÃpios fundamentais que se intensificaram com as ações de grupos terroristas, sendo o maior exemplo o 11 de Setembro. O objetivo principal não era efetivamente a soma das vÃtimas ou mesmo a destruição de sÃmbolos do poder estadunidense, mas o espetáculo transmitido ao vivo e, consequentemente, a repetição incessante pelo mundo a fora, rememorado ano após ano nas escolas, nos jornais, na TV, nas homenagens, nos monumentos, etc. Esse espetáculo não foi utilizado apenas pelos terroristas fundamentalistas islâmicos, mas pela própria “vÃtimaâ€: os EUA na luta contra o terrorismo. As primeiras grandes produções de Hollywood sobre a guerra, no contexto pós-11 de Setembro, enalteciam os soldados mostrando o calor das batalhas e a importância da presença dos EUA em diferentes paÃses.156 Enquanto isso, reformas legislativas imperaram ao longo dos primeiros anos pós-atentados e interferiram drasticamente na polÃtica interna, reprimindo direitos civis fundamentais, sobretudo na nova diplomacia estadunidense para com o Oriente Médio, especificamente no Afeganistão, como retaliação e, posteriormente, no que ficou conhecido como “novo Vietnãâ€, com a intervenção no Iraque. Nesse processo, é pertinente a reflexão feita porVirilio que destaca o fato de que, a partir da Segunda Guerra Mundial, o intuito da guerra não mais se volta propriamente a conquistas materiais, mas à vitória dos campos de percepção, da imaterialidade. Sob esse prisma, “[...] o verdadeiro filme de guerra não deve necessariamente mostrar cenas 155 VIRILIO, 1978 apud VIRILIO, Paul. Guerra e Cinema. São Paulo: Página Aberta, 1993, p. 11. 156 Ressalta-se que alguns filmes já estavam em produção, e encaixaram perfeitamente ao momento. Página 77 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE de guerra em si ou de batalhas. O cinema entra para a categoria das armas a partir do momento em que está apto a criar a surpresa técnica ou psicológicaâ€.157 Essa apreciação de Virilio aproxima-se muito do contexto da Guerra ao Terror empreendida pelos EUA, pois nesse contexto houve também a aproximação das produções fÃlmicas com o governo em favor da luta contra o terrorismo internacional. Muitas cenas/sequências se passavam em meio a cidades/regiões do Oriente Médio, sobretudo, houve grande preocupação com a forma como esse empreendimento militar era recepcionado no cenário nacional, pelo cidadão comum. O crÃtico John Hoberman, ao falar sobre o cenário fÃlmico em 2002, expôs: Todos os filmes da última primavera [Falcão Negro em Perigo; Códigos de Guerra; A Última das Guerras; Homens de Preto II; K-19: the Windowmaker; Submersos; Fomos Heróis; A Soma de Todos os Medos; Star Wars: episódio II – o ataque dos clones; Efeito Colateral], tirando os programas de TV, são anteriores ao 11 de setembro. Sua inspiração não veio dos ataques a Nova York e Washington ou a guerra contra o terror de Bush, mas a forte presença de “O Resgate do Soldado Ryan†(que arrecadou 216 milhões de dólares e liderou a bilheteria por um mês, durante o verão Lewinsky de 1998, quando Bill Clinton estava se esforçando para mostrar que não era apenas um amante, mas um lutador). Hollywood saltou para a cama com o Pentágono no outono passado, mas o namoro em curso começou no governo Clinton. E este é apenas o começo.158 O comentário de Hoberman sobre o contexto de lançamento dos filmes é muito interessante para a apreciação do perÃodo. O horizonte de expectativas do público estadunidense, bem como das produtoras, diretores, produtores, roteiristas, enfim, para os filmes de guerra, pouco antes de 11 de setembro de 2001, tinham como modelo O Resgate do Soldado Ryan (1998). Nota-se a distância estética do filme de Spielberg e isso está presente em muitas das crÃticas que expusemos sobre os primeiros filmes de guerra pós- ataques de 2001. Essas reflexões nos levam a notar a dimensão histórica desse gênero fÃlmico, no momento de definição de polÃticas antiterroristas, evidenciando que o movimento dessas produções não focou numa direta abordagem do terrorismo fundamentalista islâmico e muito menos discutiu explicitamente o impacto dos ataques terroristas sobre Nova York. Aqui o modelo clássico, oriundo dos filmes da Segunda Guerra Mundial em conjunto 157 VIRILIO, Paul. Guerra e Cinema. São Paulo: Página Aberta, 1993, p. 15. 158 Ibid., p. 15. Página 78 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE com uma nova forma de mostrar o conflito em campo, se tornou a melhor maneira de exaltar o patriotismo, mesmo que tenha tratado de temas mais complexos para o público, como a Guerra do Vietnã – deixando-se de lado os assuntos mais controversos do conflito, como as produções da década de 1970 e 1980. A partir dos atentados de 2001 houve o impulso da produção das imagens da guerra sem um crivo crÃtico, sem tratar dos eventos, pois, a princÃpio, o que importava era mostrar a historicidade dos conflitos, o campo de batalha, as dificuldades enfrentadas pelos soldados, para então exaltá-los. Atrás das Linhas Inimigas (Behind Enemy Lines, 2001) seja talvez a produção que deu o pontapé inicial nos filmes pró-guerra após o 11 de Setembro.159 De forma bastante simbólica, seu lançamento (antes do previsto) ocorreu no porta-aviões USS Carl Vinson,160 espaço utilizado nas gravações, o que mostra o tom patriótico da narrativa e a própria participação do exército no longa, como forma de também estimular a exaltação do poderio militar dos EUA. Apesar de seu enredo ser inspirado vagamente em um episódio ocorrido durante a Guerra da Bósnia – a queda de um caça dos EUA –, grande parte dos crÃticos elencou a alegoria do filme em relação ao recente aumento do patriotismo dos estadunidenses. Da mesma forma, a produção Falcão Negro em Perigo (Black Hawk Down, 2001) foi lançada três meses após os atentados e contribuiu para o jingoÃsmo crescente na sociedade estadunidense.161 Como consequência da desastrosa Batalha de MogadÃscio, Bill Clinton retirou as tropas da Somália – o que também afetou o envolvimento do EUA no continente africano por anos –, ação que levou o lÃder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, a declarar que isso mostrava “[...] a fraqueza, a debilidade e a covardia do soldado norte- americano que fugiu no escuro da noiteâ€.162 O filme acabou por representar a força e a determinação dos soldados estadunidenses em meio a batalha assimétrica, houve uma 159 Chegou-se a tal conclusão em virtude dos registros de produção, das datas de publicação das crÃticas, bem como a própria menção de alguns crÃticos, sendo que até o momento não houve outras fontes ou informações que indicassem o contrário. 160 EBERT, Roger. Behind Enemy Lines. Chicago Sun-Times, Chicago, 30 Nov. 2001. [Tradução nossa]. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/behind-enemy-lines-2001>. Acesso em: 02 mar. 2017. 161 UNEÑA, Antonio Malalana. La exégesis de la guerra global contra el terrorismo a través del cine y la televisión. HAO, n. 34, p. 41-53, Primavera, 2014. 162 THORNTON, Rod. Asymmetric Warfare: threat and response in the twenty-first century. Cambridge: Polity Press, 2007, p. 10. Página 79 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE ressignificação do evento sob um diferente prisma, pois não se via mais uma derrota, mas uma vitória, a resistência. De certo modo, Falcão Negro em Perigo dialogou precisamente com o horizonte de expectativas estético e histórico do público, mesmo considerando que suas filmagens foram iniciadas em março e concluÃdas em junho de 2001,163 ou seja, mesmo que seu argumento tenha sido escrito no âmbito dos ataques. Esse furor patriótico perdurou até a intervenção no Iraque (ano eleitoral), estopim para uma série de protestos contra Bush, com produções crÃticas à s ações do presidente que começaram a surgir, dando inÃcio a retomada de consciência sobre a Guerra ao Terror. Para além do deleite estético, o que se observa é que, a batalha toca em pontos cruciais que ainda estão mornos no imaginário social, principalmente sobre o terrorismo. Em todo caso, a produção de Ridley Scott pode ser pensada a partir do viés da valorização do sacrifÃcio dos soldados, mesmo que tenha sido um desastre na vida real. Todavia, nas telas de cinema, o efeito foi outro. Por sua vez, outro evento ganhou nova perspectiva a partir do filme Fomos Heróis (We Were Soldiers, 2002), ambientado na Guerra do Vietnã, especificamente em umas das primeiras batalhas ocorridas em novembro de 1965, e narrado do ponto de vista do protagonista, o tenente-coronel Hal Morre (coautor, com Joseph L. Galloway, do livro We Were Soldiers Once... and Young, de 1992). A produção trata de mostrar a força e a perseverança do exército estadunidense em meio a batalha, visto a grande desvantagem em relação aos numerosos vietcongs. Há certa preocupação em mostrar o ambiente doméstico em contraposição ao campo de batalha, demostrando ao público que os soldados também são pessoas comuns que poderiam estar em suas casas, mas escolheram servir ao paÃs. Outra produção que se destacou no esforço de guerra foi Códigos de Guerra (Windtalkers, 2002), dirigido por John Woo. O filme trata dos embates entre os EUA e o Japão no pacÃfico sul, durante a Segunda Guerra Mundial, especificamente sobre a utilização da lÃngua dos Navajo para codificar mensagens secretas estadunidenses. Na produção, o fuzileiro naval Joe Enders (Nicolas Cage) é responsável por conduzir o Ãndio navajo Bem Yahzee (Adam Beach) na entrega de um código secreto, podendo matá-lo caso seja necessário para se manter a integridade da mensagem. Por ocasião do seu 163 BLACK HAWK Down: production notes. Cinema.com, [20--]. DisponÃvel em: <http://cinema.com/articles/732/black-hawk-down-production-notes.phtml>. Acesso em: 12 nov. 2016. Página 80 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE lançamento, criou-se uma grande expectativa em virtude de seu diretor, visto que John Woo possui um histórico de filmes com boas cenas de ação e violência, principalmente sua passagem pelo cinema chinês. Códigos de Guerra, no entanto, desconsidera questões raciais a fim de mostrar uma questão unÃssona em meio a um contexto em que tal exaltação era importante, unir o paÃs. Nota-se que todos os filmes de guerra possuem pontos em comum: todos são explicitamente patrióticos, tratam de temas que são largamente conhecidos pelo público (Segunda Guerra Mundial, Guerra do Vietnã, a batalha em MogadÃscio teve grande repercussão na mÃdia da época) e praticamente todos seguem uma linha de valorização dos soldados. Tendem a utilizam o modelo de cenas de combate para mostrar a bravura dos soldados e, consequentemente, a dificuldade por eles enfrentadas. De modo geral, todas as produções citadas fizeram referências diretas a grandes conflitos que envolvem a memória coletiva estadunidense, dialogando com uma cultura histórica a partir de narrativas conhecidas, aproximando-se dos espectadores. Considerando o horizonte de expectativas desse perÃodo, o efeito estético dos filmes de guerra, de certo modo, remetem ao próprios atentado de 11 de Setembro, numa torrente patriótca como forma de interpretação. Fomos Heróis, por exemplo, apesar de retratar ações pouco exploradas e/ou desconhecidas do grande público, tem como objetivo representar o inÃcio do envolvimento dos EUA no Vietnã, exaltando o teor patriótico e a exploração da bravura dos soldados, nos primeiros anos do conflito. Sentimentos esses que encontram-se aflorados no momento do seu lançamento. De modo geral, todas as produções citadas fizeram referências diretas a grandes conflitos que envolvem a memória coletiva estadunidense, utilizando-se de narrativas conhecidas a fim de se aproximar dos espectadores, do efeito estético, e de certo modo numa imposição dos próprios atentados, numa torrente patriótica como forma de interpretação do ocorrido. O contexto de produção e recepção dessas produções cinematográficas nos EUA está imerso nas ações polÃticas implementadas logo após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Destaca-se que a Doutrina Bush estava em andamento desde a promulgação do Ato Patriótico, em 26 de outubro de 2001, e em 2002 se torna lei com a Estratégia de Segurança Nacional (National Security Strategy). Ao lado disso, caminhava para ser aplicada ao Iraque em questão de meses, com diversos discursos sobre Página 81 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE o “Eixo do Malâ€. A referência a esse “eixo†nada mais é que uma artimanha linguÃstica e histórica de Bush para se aproximar dos antigos inimigos da Segunda Guerra Mundial. As menções do então presidente estão repletas de maniqueÃsmos e devaneios sobre o papel dos EUA, colocando-se como defensor da democracia e da liberdade. “Hoje, a humanidade tem em suas mãos a oportunidade de promover o triunfo da liberdade sobre todos esses inimigos. Os Estados Unidos dão as boas-vindas à nossa responsabilidade de liderar essa grande missãoâ€.164 Citações como essa são recorrentes no texto-lei da Estratégia de Segurança Nacional, bem como em diversos comunicados de Bush nesse primeiro ano pós-atentados. Evidentemente, contribuÃram para a composição do horizonte de expectativas das produtoras e do público no que diz respeito à exaltação da nação. Os discursos presidenciais nos EUA são peças de apreciação popular, sempre possuem referências históricas e vão afundo na cultura histórica dos cidadãos. A ideia de grande nação é sempre exaltada – o “Destino Manifesto†– e, no caso de Bush, não foi diferente. Ao contrário, se mostrou talvez até mais agressiva já que buscava o apoio incondicional do povo estadunidense para a polÃtica externa, agora num âmbito preventivo. Não por acaso, os filmes com crÃticas, e até mesmo as representações dos atentados, foram marginalizados ou tiveram pouca representatividade. As produções de guerra, por sua vez, ganharam espaço não apenas por intervenção, ou apoio da Casa Branca e diversos produtores de Hollywood, mas porque também se tornaram peças de apreciação histórica pelos cidadãos/espectadores e, por isso, qualquer aspecto fora dos elementos artÃsticos dominantes apenas confirmaria o distanciamento estético. Evidentemente que a escrita fÃlmica não passa apenas pelas pelÃculas que exaltam momentos históricos de vitória dos EUA, mas também por produções que rompem com o cenário artÃstico. No entanto, como foi exposto neste capÃtulo, a opção pelos filmes de guerra em favor da exaltação de uma polÃtica externa foi significativa. Assim, ao explorar diferentes conflitos históricos (Guerra do Vietnã, Segunda Guerra Mundial, Guerra Fria), optou-se por deixar de lado as polêmicas já discutidas tanto no meio acadêmico como na própria escrita fÃlmica, pois a agenda era outra: pró-guerra e não antiguerra. Lado a lado com o crescente patriotismo, mudanças crescentes no âmbito 164 UNITED STATES. White House Office. The national security strategy of the United States of America. Washington: President of the U.S., 2002, p. V. DisponÃvel em: <https://www.state.gov/documents/organization/63562.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2015. Página 82 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE da polÃtica interna ocorreram, principalmente na legislação – movimento tipicamente republicano, já que os democratas defendem os direitos civis – em favor da polÃtica externa. Nesse primeiro momento, o cinema hollywoodiano estava alinhado com os interesses da Casa Branca, sob a administração Bush. Consequentemente, os filmes contrários a valorização do exército e do ideal de lutar pelo paÃs tiveram seus lançamentos adiados por conclusões das produtoras/distribuidoras, as quais decidiam se as obras teriam uma boa recepção em meio ao público estadunidense. Ao avaliar a eventual experiência estética e seus efeitos no espectador, os produtores e distribuidoras poderiam modificar, adiar ou deixar na prateleira qualquer filme até que considerassem adequado lança-lo nas salas de cinema dos EUA. No que diz respeito a esses aspectos, pode-se notar o impacto do 11 de Setembro e sua exploração polÃtica. As produtoras e distribuidoras – alinhadas com a Casa Branca – ponderaram sobre o possÃvel efeito estético de tratar um tema tão delicado, optando por filmes de guerra ambientados em momentos históricos anteriores – alguns já prontos ou em andamentos antes dos atentados –, todavia com um discurso patriótico e adequado ao momento de sua elaboração. Portanto, o cinema blockbuster buscou exaltar a memória coletiva, mas os atentados se tornaram o ponto de referência para a rememoração e ressignificação de momentos históricos anteriores. Esse efeito jingoÃsta, no entanto, aos poucos se desgastou, não apenas pela ação dos detratores de Bush, mas também por pessoas que o apoiavam, tendo em vista a construção discursiva de todo um aparelho governamental para levar o paÃs a uma guerra contra o Iraque. Pode-se observar que o contexto pré intervenção no solo iraquiano está envolto nesse patriotismo exacerbado pela defesa da democracia, bem como pela paranoia de novos ataques ao território estadunidense. Os filmes de guerra têm grande parcela na construção desse cenário, já que muitas produções, como já exposto, tiveram apoio da Casa Branca na elaboração desse imaginário do invencÃvel exército e seus corajosos soldados, inflamando, dessa forma, o ego dos estadunidenses. Sobretudo, esse impulso à s ações do governo seguiram ao longo do governo Bush, incorporando pequenas crÃticas, mas sem sair da linha. Além dos filmes de guerra, houve também pequenos esforços de representação da ação de George W. Bush. Um bom exemplo é a produção D.C. 9/11: Time of Crisis (2003) que buscou apresentar a atuação do presidente nos nove dias seguintes aos Página 83 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE atentados, exaltando-o enquanto figura forte na condução do paÃs em meio a tragédia que o assolou. Para o autor J. Hoberman, do The Village Voice, a pelÃcula de certo modo deu inÃcio à campanha de reeleição, mas não passou de uma representação aos moldes republicanos, quase cômica. Nela, buscou-se modificar a imagem atribuÃda a Bush, pois, segundo o crÃtico, muitos consideravam que quem realmente ficou no comando foi o vice- presidente Dick Cheney.165 Apesar da direção de Lionel Chetwynd – diretor conservador em Hollywood e próximo de Bush –, Tim Goodman, do San Francisco Chronicle, chegou a escrever que o filme era tão ruim que o próprio presidente poderia dizer se tratar de uma artimanha dos democratas para desmoralizá-lo.166 A pelÃcula foi exibida na TV e teve pouca disseminação em meio ao público, sendo uma clara propaganda patriótica com o objetivo de exaltar a personalidade do então presidente. Todavia, como veremos, aos poucos esse cenário de exaltação da nação altamente institucionalizada se alterou, com o lançamento de muitas produções que, de forma sútil, questionavam a polÃtica de Bush, bem como lidavam com o 11 de Setembro a partir de novos contornos. Imenso nesse clima eleitoral, e pouco mais de uma semana antes das eleições presidenciais dos EUA, foi lançado de forma limitada o documentário Celsius 41.11: the temperature at which the brain... begins to die (2004), uma resposta republicana à s crÃticas do documentário Fahrenheit 11 de Setembro. O objetivo da produção era contrapor os argumentos de Michael Moore sobre diversos temas, como as eleições de 2000 e os abusos da administração na luta antiterrorista com a privação das liberdades civis. Nota-se que ao longo do primeiro mandato de Bush, grande parte do cinema buscou não discutir diretamente o 11 de Setembro, ficando à sua sombra desses eventos. A ação polÃtica emanava da exploração do próprio acontecimento enquanto justificativa para a Guerra ao Terror. Tal horizonte começou a ser modificado em 2006, com produções que buscaram representar os ataques sob a perspectiva de um marco periodizador na história estadunidense. Nesse cenário fÃlmico, duas produções estadunidenses se destacaram em 165 HOBERMAN, John. Lights, Camera, Exploitation. The Village Voice, Nova Iorque, 26 Ago. 2003. DisponÃvel em: <http://www.villagevoice.com/news/lights-camera-exploitation-6409541>. Acesso em: 10 abr. 2017. 166 GOODMAN, Tim. Two films on Sept. 11, one silly and one remarkable. San Francisco Chronicle, São Francisco, 05 de Set, 2003. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/entertainment/article/Two- films-on-Sept-11-one-silly-and-one-2558519.php>. Acesso em: 10 abr. 2017. Página 84 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE meio à crÃtica: Vôo United 93 (United 93, 2006), que segue a premissa de reconstituir os eventos em torno da união dos passageiros contra os sequestradores terroristas;167 e o blockbuster As Torres Gêmeas (World Trade Center, 2006), dirigido por Oliver Stone, que teve como objetivo “reviver†o acontecimento sob a óptica de dois agentes do porto da cidade de Nova Iorque. Essas produções surgem em um cenário fÃlmico abordando um tema especÃfico, os ataques terroristas, que até o momento não tinha sido explorado no cinema hollywoodiano, em parte por ser visto como “muito recente†– quesito acentuado pela crÃtica. Um dos aspecto presente nessas obras foi o seu pretenso “distanciamento†e “neutralidade†polÃtica, ponto que pode ser facilmente questionado através da análise das crÃticas. Nesse contexto, fica claro que o horizonte de expectativas estava permeado por um distanciamento da abordagem polÃtica, ao menos explicitamente, tendo em vista os efeitos da Guerra ao Terror e a impopular Guerra do Iraque. Logo, se tornou claro que tratar do 11 de Setembro era muito diferente do que tratar das polÃticas antiterroristas (as mudanças legislativas dos direitos do cidadão) e/ou da intervenção no Afeganistão (como ato de retaliação) e no Iraque (com resistência da população). Isso ficou bastante evidente nas produções que abordaram tópicos referentes aos acontecimentos que cercam o ataque ao World Trade Center, ao Pentágono ou ao sequestro dos aviões da American Air Lines e a United Air Lines, temas que são constantemente referenciados como delicados e que devem se manter longe de reflexões polÃticas sobre o terrorismo. Vôo United 93 foi o primeiro filme de ficção sobre os Atentados de 11 de Setembro. Muito bem recepcionado pela crÃtica estadunidense, meses após o seu lançamento continuava sob elogios da mÃdia especializada, bem como se tornou ponto de referência em resenhas sobre outras produções, inclusive nas crÃticas do filme de Oliver Stone As Torres Gêmeas, lançado posteriormente. Por sua vez, a produção de As Torres Gêmeas é essencialmente patriótica e faz uma conexão entre o 11 de Setembro e o Iraque, conflito bastante impopular, especialmente pela divulgação de alguns escândalos envolvendo a prisão de Abu Ghraib e a morte de civis por soldados estadunidenses em Haditha – eventos potencializados pela 167 Meses antes foi lançado o filme Flight 93, direto para a TV, como abordagem semelhante, mas sem projeção nacional Página 85 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE produção de documentários sobre o conflito: Sobre Bagdá (About Baghdad, 2004); Verdade Revelada: a guerra no Iraque (Uncovered: the war in Iraq, 2004). Nessa, como nas pelÃculas anteriormente analisadas, o 11 de Setembro é o grande marco, inquestionável, com poucos lapsos de criticidade sobre as consequências das polÃticas antiterroristas. Por mais que o terrorismo esteja estritamente ligado aos ataques de 2001, sendo justificativa para as guerras subsequentes, ele encontra-se presente nessas representações como o mal a ser combatido. Têm-se, assim, duas produções ficcionais que lidam com os ataques. Voo United 93 optou por contar a história do avião que não atingiu seu alvo e, apesar de pouco se saber sobre o que realmente ocorreu a bordo, mostra uma boa estratégia em exaltar o heroÃsmo dos passageiros seguindo a hipótese de que tomaram o controle da aeronave e evitaram um 11 de setembro ainda mais trágico. Por outro lado, o filme de Oliver Stone, As Torres Gêmeas, se aproxima do que não foi transmitido na TV mostrando a perspectiva de dois socorristas, policiais da Autoridade Portuária, a fim de expor o seu heroÃsmo e drama dentro do WTC, ponto que o aproxima da comoção dos mais de trezentos socorristas que morreram em resgate. Em ambas as produções, o 11 de Setembro é tratado como marco periodizador, onde aparentemente todas explicações estão fundadas. Os filmes citados acima buscaram tecer alguns pequenos questionamentos, principalmente o Voo United 93, mas sem grande profundidade, já que seus objetivos era trazer o evento com mais quantidade de detalhes para o espectador, principalmente com a ideia de representação dos bastidores dos atentados. Entretanto, com o agravamento da ação das forças militares estadunidenses no Iraque, ficou inevitável tratar dos efeitos da Guerra ao Terror até mesmo para os filmes favoráveis ao governo Bush, pois o público, ou seja, os cidadãos, estavam a mercê da grande mÃdia e da intensa cobertuda do conflito no Iraque, bem como no Afeganistão. A Volta dos Bravos (Home of the Brave, 2006) foi referenciado pela crÃtica como sendo o primeiro blockbuster sobre a Guerra do Iraque a explorar a volta dos soldados para suas casas. Nota-se que a produção buscou seguir o horizonte de expectativas do tratamento heroico dos soldados que retornam para os EUA depois de seus esforços em uma guerra desgastante e traumática, tonica presente nos documentários. Contudo, sua recepção parece estar permeada de nuances sobre a dúvida acerca da eficácia da Guerra ao Terror, assim como pelo próprio cenário mainstream, já que foi lançado cerca de quatro meses após as pelÃcula Voo United 93, de abril 2006, e As Torres Gêmeas, de Página 86 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE agosto do mesmo ano. Mesmo acentuado o distanciamento polÃtico, estavam envoltos na exaltação do marco, do 11 de Setembro, com forte teor patriótico e de apoio à guerra no Iraque. De tal modo, a partir de 2007, se tornou difÃcil para Hollywood defender o governo em crescente crise. Assim, houve um aumento de produções que traziam crÃticas a Bush e sua administração, muitos filmes do thrillers, documentários e filmes de guerra. A representação da Guerra ao Terror e dos temas que a circundam se tornou comum no gênero thriller polÃtico, fato visÃvel, por exemplo, nas crÃticas sobre o filme O Reino (The Kingdom, 2007). Ao tentar se aproximar de uma crÃtica polÃtica, mesmo que patriótica e debatendo os custos da luta antiterroristas, apresenta-se como uma produção sem profundidade e, de certa forma, mostra a presença dos EUA no Oriente Médio como algo natural e necessário. O cenário fÃlmico nesse momento caminhava para a exploração dos efeitos da Doutrina Bush e a luta contra o terrorismo não se sustentava mais nas artimanhas polÃticas dos republicanos, mesmo com o marco do 11 de Setembro. A crescente impopularidade do presidente e o problema da presença das tropas estadunidenses no Iraque intensificaram a pressão da opinião pública, de tal modo que as grandes produtoras começaram a tratar do terrorismo, principalmente nos thrillers e nos documentários de guerra. NA CONTRAMÃO A DOUTRINA BUSH: A REPRESENTAÇÃO DA GUERRA AO TERROR Os Atentados de 11 de Setembro causaram certamente grande impacto aos EUA e se tornaram um marco no debate sobre o terrorismo internacional, trazendo à tona problemas que com o passar dos anos do governo Bush foram intensificados. Assim, tem- se em mente que nem todas as produções posteriores ao evento foram unÃssonas, pois houve aquelas que foram crÃticas ao governo, mas que, tal como as favoráveis, também orbitaram em torno do marco, do 11 de Setembro. Apresentar-se-á algumas destas que, mesmo partindo dos atentados, destoaram do movimento favorárevel à Doutrina Bush e a Guerra ao Terror. Algumas não constituÃram precisamente crÃticas polÃticas, preocupadas em mostrar o nova-iorquino de forma mais intimista e suas ações pós- atentados, sua força em se por diante da catástrofe. Ao lado dessas, várias outras cosntituiram crÃticas ao movimento da luta contra o terrorismo e seus efeitos nos EUA. Página 87 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE As produções independentes e/ou estrangeiras foram as primeiras a buscar representar o dia dos Atentados de 11 de Setembro. Em grande parte, buscaram a representação “real†da queda das Torres Gêmeas através de compêndios de gravações amadoras, homenageando as vÃtimas, por vezes mesclando tais elementos a fim de levar ao público outra visão dos ataques, para além da cobertura televisiva, destoando-se dessa forma da “enxurrada†das imagens de escombros e dos “jumpers†em Manhattan, atrelada a retórica antiterrorista. Tais produções tiveram pouco alcance em termos de bilheteria, ou mesmo de espectadores, ganhando espaço em festivais e algumas recebendo elogios da crÃtica especializada. Underground Zero (2002) foi possivelmente a primeira representação coletiva sobre o evento. O filme surgiu a partir do convite de Jay Rosenblatt e Caveh Zahedi para que mais de 150 cineastas apresentassem sua visão sobre os ataques, resultando em 13 curtas-metragens com imagens e mensagens contrastantes à s da grande mÃdia. Dentre os curtas que o compõem, há nesse documentário uma reflexão sobre o porquê dos atetandos terroristas feita por Robert Edwards, denominada The Voice of Prophet. Nele, Rick Rescorla, chefe de segurança da empresa de serviços financeiros Morgan Stanley, em entrevista de 1998, descreve que a caça ao terrorismo será no futuro o elemento principal para a motivação da guerra para os EUA e que os efeitos da polÃtica externa um dia retornariam ao paÃs.168 Nota-se que o 11 de Setembro aparece como marco periodizador, um dos primeiros exemplos de questionamento das ações dos EUA e da relação do evento com o terrorismo. Mesmo que de forma tÃmida e sem grande alcance, vai na contramão do forte impulso a retaliação que seguiria por anos. O impacto dos atentados levou a inúmeras produções sobre suas consequências a Nova York. Nessa esteira, temos o documentário WTC: the First 24 hours (2002) que, como o próprio nome sugere, traz uma perspectiva sobre os destroços do World Trade Center, mas com a perspectiva diferenciada daquela divulgada pela mÃdia em geral; um documentário essencial sobre o evento, segundo Stephen Prince.169 Ao lado dele, temos o documentário Collateral Damages (2003), do mesmo diretor francês Etienne Sauret, que apresenta o drama dos bombeiros de Nova York um ano após os atentados, momento 168 Underground Zerø. [Underground Zerø]. Direção de Frazer Bradshaw, Eva Ilona Brzeski, Norman Cowie, David Driver, Robert Edwards, Rob Epstein, Jeffrey Friedman, John Haptas, Paul Harrill, Laura Plotkin. EUA. Produzido por Caveh Zahedi e Jay Rosenblatt, 2002. 1DVD vÃdeo (76 min.); Colorido. 169 PRINCE, Stephen. Firestorm: American film in the age of terrorism. New York: Columbia University Press, 2009, p. 126. Página 88 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE em que outras discussões estavam em pauta, como a invasão do Iraque pelos EUA. Tais documentários, mesmo tentando fugir da abordagem polÃtica, ou seja, se concentrando no impacto dos atentandos terroristas aos cidadãos e fugindo da espetacularização das imagens da TV, fortalecem o discurso do efeito do marco histórico, aprofundando-se o impacto do 11 de Setembro, as vÃtimas e os heróis. Eventualmente, nota-se que ao tratar do evento surgem questões diversas, desde o questionamento sobre o seu porquê, como uma representação intimista e emotiva. Esses filmes buscaram ir além do televisionado. No entanto, voltavam hora ou outra para o marco e os sÃmbolos dos EUA. Destaca-se ainda que o contexto de tais produções foi permeado pela exaltação e exploração dos heróis do 11 de Setembro, em referência à atuação dos socorristas, policiais e, principalmente, dos bombeiros. Três destes foram fotografados cravando uma bandeira norteamericana nos escombros das Torres Gêmeas e se tornaram fonte de inspiração para os EUA, imagem que rapidamente foi relacionada à fotografia Raising Flag at Iwo Jima, de Joe Rosenthal, feita em 23 fevereiro de 1945 e que se tornou sÃmbolo da vitória dos EUA sob o Japão na Segunda Guerra Mundial. Essa valorização teve sentidos diversos, sendo utilizada sob dois aspectos: por um lado, a exploração polÃtica do evento como impulso a uma retaliação e, por outro, como ponto de partida e conexão com o público para debater os sentidos atribuÃdos ao 11 de Setembro, como no caso dos documentários aqui citados. Nesse ponto, na representação do evento, mesmo sem almejar debates polÃtico, que se observa as incertezas de alguns diretores, produtores, roteiristas, etc. Qualquer reflexão com teor ou questionamento histórico poderia implicar num posicionamento polÃtico lido como antiamericano. O momento era para a reflexão sobre o 11 de Setembro e não por acaso muitas dessas produções, sem teor crÃtico, mas que lidavam com o tratamento da tragédia, foram exaltadas pela crÃtica, mesmo sem alcance do grande público. Sobretudo, houve produções que incorporaram esses aspectos de consternação a tragédia, mas também buscaram ir além e questionar as causas dos atentados. Exemplo disso foi 7 Days in September (7 Days in September, 2002) que trouxe 27 gravações de profissionais e amadores sobre a queda das Torres Gêmeas e suas consequências ao longo de uma semana. Apresentando uma perspectiva distinta da representação exposta pela TV, as cenas vão além da empatia pelas vÃtimas ou da exaltação dos resgates; visam, principalmente, o questionamento sobre o porquê dos ataques. Ao mesmo tempo, houve certa tendência de muitos documentários em mostrar a Página 89 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE capacidade do nova-iorquino e sua capacidade de se unir em meio a tragédia, sem os usos polÃticos das imagens dos atentados, mas na busca por uma representação para além do choque explorado pela mÃdia. Cerca de um ano após os atentados veio à tona a das produções com as crÃticas mais acidas até momento, 11 de setembro (11'09''01 – September 11, 2002). Trata-se da justaposição de 11 curtas-metragens feitas por 11 diretores de diversos paÃses (Egito/EUA/França/Irã/Japão/México/UK). A produção tem como premissa expor as distintas visões que cada diretor teve dos ataques e o seu impacto em diferentes lugares – de certo modo semelhante à estrutura de Underground Zero (2002). Contudo, essas diferentes visões trouxeram à tona crÃticas ao sentimentalismo e à comoção estadunidense, a ponto da produção ser lançada tardiamente nos EUA, em relação a outros paÃses. O tratamento da empatia pelas vÃtimas e o drama dos ataques terroristas foi tema também de muitas produções independentes, nas quais o foco não era exatamente uma contestação ao significado do evento. Os diferentes curta metragens que compõem 11 de Setembro (2002) propõem diferentes perspectivas para que o 11 de Setembro não seja sinônimo apenas de “Torres Gêmeas†e “WTCâ€. Essa produção foi lançada um ano após os atentados (quase dois anos depois nos EUA) e acaba por expor os efeitos do acontecimento, num momento em que ainda haviam mais incertezas do que afirmações consistentes sobre o ocorrido. Ressalta-se que nesse momento o governo estadunidense estava lançando a National Security Strategy, em 17 de Setembro de 2002,170 cujo objetivo era aplicar novas estratégias para a defesa da nação e, em linhas gerais, empreender ações preventivas, ao contrário da estratégia adotada no perÃodo da Guerra Fria. A dissuasão e contenção somada à s crÃticas do teor antiamericano dos curtas-metragens de 11 de Setembro, adiou a sua distribuição nos EUA. Portanto, qualquer questionamento ou acusação dos EUA terem cometido ações terroristas não foram vistas com bons olhos em território nacional. Como destacado anteriormente, as primeiras representações dos atentados terroristas foram feitas por documentários independentes e/ou estrangeiros, ao lado de alguns curtas-metragens que por vezes apenas descrevem o evento ou trazem timidos 170 UNITED STATES. White House Office. The national security strategy of the United States of America. Washington: President of the U.S., 2002. DisponÃvel em: <https://www.state.gov/documents/organization/63562.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2015. Página 90 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE questionamentos. Sobretudo, tais produções acabaram fortalecendo a ideia de marco histórico do 11 de Setembro, apesar de terem sido marginalizadas ou terem pouco efeito nos EUA. Inicialmente, o cenário cinematográfico hollywoodiano, por sua vez, foi de escapismo e silênciamento sobre os ataques e o terrorismo, dando lugar a filmes de guerra, alguns já em andamento, outros finalizados, que serviram de suporte ao momento de exaltação patriótica. Ressalta-se que logo após os ataques terroristas, George W. Bush agregou bastante poder do Congresso Nacional dos EUA, o que viabilizou as diversas mudanças para a implementação de suas polÃticas antiterroristas, o que subitamente mexeu na polÃtica interna do paÃs. Nesse movimento, os filmes buscaram contribuir com o imaginário patriótico de proteção da grande nação, na qual seus cidadãos dessem apoio à s diversas reformas, mesmo com a retirada de direitos individuais básicos. Muitas produções aliadas ao governo, expostas anteriormente, caminharam lado a lado a essa “cegueira momentânea†dos estadunidenses na luta contra o terrorismo internacional, aspecto que se mostrou extremamente forte, principalmente no que se refere ao Afeganistão e à caçada a Bin Laden. Entretanto, foi inevitavel o surgimento de produções que iam na contramão ao patriotismo, algumas produzidas antes mesmo do 11 de Setembro, e que bateram de frente com o efeito deste novo marco. Um perfeito exemplo foi Guerreiros Buffalo (Buffalo Soldiers, 2001), produção teuto-britânica,171 que teve sua première em 08 de setembro de 2001 – depois disso só foi exibida em festivais em 2002, entre agosto e setembro, respectivamente no Reino Unido e na Alemanha. Nos EUA Guerreiros foi considerado a-patriótico por retratar a corrupção dentro do exército estadunidense, apresentado como uma instituição repleta de falhas. Sua exibição há três dias dos atentados terroristas apenas o prejudicou e seu efetivo lançamento apenas se deu em junho de 2003, no Los Angeles Film Festival, e depois em julho com salas limitadas. Guerreiros Buffalo é baseado no livro de Robert O’Connor e tem uma trama ambientada durante a Guerra Fria, apresentando o dia a dia entediante de soldados dos EUA na Alemanha Oriental. Na apresentação dessa rotina, tem-se como protagonista o sargento Ray Elwood (Joaquin Phoenix), que conduz uma espécie de mercado negro e, 171 Mesmo que o foco da presente tese sejam os filmes estadunidenses, tornou-se inevitável a análise do referido filme por sua presença nas crÃticas a outros filmes do perÃodo, e também por mostrar pequenos indÃcios da mudança do apoio a Doutrina Bush. Página 91 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE além de produzir heroÃna, faz uso da simpatia de seu comandante (Ed Harris) para enganá- lo. A chegada de um novo sargento marca o começo das investigações de suas atividades ilÃcitas no regimento, bem como a presença de sua jovem filha, a qual Elwood mostra interesse. Além de mostrar as falhas hierárquicas do exército, o ingresso militar é apresentado como uma alternativa a delinquentes, já que o protagonista do filme chegou ao exército para evitar a prisão após ter roubado um carro. Outro exemplo é O Americano Quieto (The Quiet American, 2002), baseado no livro homônimo de Graham Greene. A história se passa em 1952, em Saigon, durante o processo de libertação do domÃnio francês. O filme tinha sua première agendada para outubro de 2001, mas após os ataques de 11 de Setembro o presidente da Miramax, Harvey Weinstein, decidiu que o momento não era adequado, por mostrar que os EUA são culpados por atos terroristas a si próprio. A produção finalmente teve uma exibição no Toronto Film Festival, em 09 de setembro de 2002, a pedido de Michael Caine a Weinstein.172 Mesmo sendo bem recepcionado no festival, teve exibição limitada nos EUA em 2002 e retornou à s salas de cinema somente no primeiro semestre de 2003.173 Essa contida recepção está relacionada ao contexto do perÃodo, pois no dia 17 de setembro de 2002, completado um ano dos atentados terrorista a Nova York, George W. Bush lançou a National Security Strategy, conforme apontado anteriormente.174 O documento é uma clara declaração da autoafirmação dos EUA enquanto potência militar, já que em muitos trechos vê-se a preocupação em não deixar os inimigos desenvolverem armas de destruição em massa e para que isso não acontecesse o paÃs não pouparia esforços. Ademais, nota-se o tom exaltado e agressivo do documento profundamente ligado aos eventos de 2001, mostrando a preocupação dos EUA em evitar que o “inimigo ataque primeiroâ€. Ou seja, além de seu lançamento ter sido prejudicado pelos ataques de 11 de setembro, mesmo muito tempo depois sofreu com a exaltação patriótica que ainda estava em pauta. 172 EBERT, Roger. The Quiet American. Chicago Sun-Times, Chicago, 07 Fev. 2003. [Tradução nossa]. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/the-quiet-american-2003>. Acesso em: 06 mar. 2017. 173 INTERNET Movie Database. The Quiet American (2002) – release info. DisponÃvel em: <http://www.imdb.com/title/tt0258068/releaseinfo?ref_=tt_dt_dt>. Acesso em: 06 mar. 2017. 174 UNITED STATES. White House Office. The national security strategy of the United States of America. Washington: President of the U.S., 2002. DisponÃvel em: <https://www.state.gov/documents/organization/63562.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2015. Página 92 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE Para além do gênero de guerra, temos outro o documentário Fahrenheit 11 de Setembro (Fahrenheit 9/11, 2004), um bom exemplo da crescente filmografia que retoma a consciência, ao mesmo tempo que dá fim ao escapismo cinematográfico dos atentados e da exploração do acontecimento por parte do governo estadunidense e da grande mÃdia, num viés explicito de crÃtica à s ações da administração republicana. O ataque do diretor Michael Moore recai, em especial, na desconstrução da figura de George W. Bush, com diversos argumentos que criticam suas polÃticas após os ataques terroristas de 11 de setembro, todavia é simplista em termos de análise do processo que tais temas demandam. Frente a tal premissa, o documentário foi produzido e distribuÃdo por empresas independentes, teve uma grande bilheteria e foi premiado no Festival de Cannes com a Palma de Ouro. O lançamento de Fahrenheit 11 de Setembro ocorreu em meio à s eleições presidenciais de 2004, quando Bush buscava a sua reeleição com uma propaganda eleitoral fundamentada, basicamente, nos esforços do antiterrorismo. Numa clara tentativa de desqualificar o governo e influenciar o eleitorado, principalmente os detratores de Bush, Moore relaciona diversos acontecimentos, muitos desses de conhecimento do estadunidense comum (como as mudanças legislativas) ao lado de tantos outros desconhecidos, como as relações da famÃlia Bush com pessoas próximas a Osama Bin Laden. Todo esse movimento é feito em meio a filmagens amadoras, arquivos e bastidores, com o uso de um tom cômico que faz parecer que o governo está sendo conduzido por um homem adulto mimado. Sua premissa, sem dúvidas, é gerar dúvidas acerca do comportamento de diversos polÃticos da Casa Branca, principalmente George W. Bush. Sendo assim, Fahrenheit foca-se demasiado na figura de Bush em detrimento do aprofundamento do processo histórico, do terrorismo internacional e como esse se relaciona com os EUA. Dessa forma, há uma concentração no aspecto polÃtico, mais precisamente na republicana. O filme teve enorme sucesso nos EUA e rendeu mais de 150 milhões de dólares de bilheteria. Esse resultado impulsionou produções com teor semelhante, não apenas pela arrecadação, já que muitos surgiram de modo independente, mas pela possibilidade de crÃtica e questionamento sobre os EUA e seus dirigente, movimento que aos poucos foi se formando, especialmente após a intervenção no Iraque. Dois exemplos estão muito próximos tanto temporal como politicamente, ambos relacionados a esse novo impulso de crÃtica à administração Bush e a Guerra ao Terror: Sob o DomÃnio do Mal (The Página 93 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE Manchurian Candidate, 2004) e Verdade Revelada: a guerra do Iraque (Uncovered: the war in Iraq, 2004). O primeiro deles é, na verdade, uma remake de produção homônima de 1962, baseada no livro de Richard Condon, cujo enredo trata de uma conspiração polÃtica e de soldados submetidos a uma lavagem cerebral durante a Guerra da Coréia – apenas uma alegoria para a paranoia durante a Guerra Fria. A produção de 2004, dirigida por Jonathan Demme, trata da Guerra do Golfo, mas, tal como o filme original, discute o contexto polÃtico de seu ano de produção e, nesse caso, com o adicional de ser lançado no ano eleitoral nos EUA. Já Verdade Revelada, dirigido por Robert Greenwald, surgiu a partir de uma versão lançada na internet que questionava a polÃtica externa dos EUA ao mostrar as contradições e os estratagemas dos administradores do paÃs, liderados por George W. Bush. Com o impacto causado por Fahrenheit 11 de Setembro, Greenwald recebeu investimentos para estender seu documentário, que foi lançado em agosto de 2004,175 com várias cenas adicionais e, é claro, uma comparação direta à produção de Michael Moore que havia sido lançada meses antes. O império das imagens do 11 de Setembro e da Guerra ao Terror teve grande efeito sobre o horizonte de expectativa do público, tanto que mesmo com o abalo que alguns documentários surtiram, George W. Bush se reelegeu, em parte graças a sua polÃtica de defesa da nação, liberdade e democracia. O documentário Verdade Revelada foi visto, por parte da crÃtica, como uma forma de afetar a campanha eleitoral de 2004, jogando dúvidas aos apoiadores de Bush que resistiram, mesmo com a fragilidade do discurso pró-guerra do Iraque. No entanto, é necessário afirmar que os documentários Fahrenheit 11 de Setembro e Verdade Revelada foram produções de grande representatividade no ano de 2004 e, em plena efervescência das eleições, dão indÃcios da mudança que seguiu nos anos posteriores. Nota-se também que, além dos diversos documentários, muitos filmes começaram a enfatizar diferentes perspectivas no cinema hollywoodiano, o que foi aos poucos ganhando força. Em meio a isso, o impacto negativo da Guerra no Iraque, segundo Stephen Prince, gerou “[...] a consciência de que a ameaça colocada ao Ocidente pelo radicalismo do fundamentalismo islâmico era, em si, uma manifestação moderna de um 175 WEISSBERG, Jay. “Uncovered: the war in Iraqâ€. Variety. Nova Iorque, 11 Ago. 2003. DisponÃvel em: <https://variety.com/2004/film/reviews/uncovered-the-war-on-iraq-1200531724/>. Acesso em: 07 mar. 2017. Página 94 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE conflito de séculos, e deu nova ênfase aos filmes ambientados no mundo antigo, como Tróia (2004), Cruzada (2005) e 300 (2007)â€.176 Ressalta-se que os filmes citados pelo autor foram de grande bilheteria e à lista se soma Rei Arthur (King Arthur, 2004), pelÃcula que mostra a queda do império romano do Ocidente, as invasões bárbaras e os conflitos religiosos. Sobretudo, tratam-se apenas de alegorias dos grandes estúdios, pois ainda não há uma agenda em debate. Tais filmes originam-se ainda do marco do 11 de Setembro, o qual deu suporte à invação do Iraque, pautada na polÃtica republicana de Bush e sua doutrina. O ano de 2005 foi marcante para diversas reflexões sobre os aspectos polÃticos, sociais e culturais nos EUA, onde paulatinamente a figura do presidente George W. Bush se tornou cada vez mais impopular. O ano também marcou o primeiro de seu segundo mandato, em um processo de reeleição fortemente amparado no discurso da Doutrina Bush, apesar da guerra no Iraque se tornar cada vez mais questionável entre os cidadãos norte americanos. Diversas manifestações de crÃticas a Bush surgiram, o que não impediu que suas polÃticas fossem postas em prática. Tal cenário começou a modificar quando as imagens do dia a dia do conflito surgiram, como no documentário Occupation: Dreamland (2005), que acompanhou sete patrulhas no Iraque em suas operações de rotina; ou ainda em Gunner Palace (2004) que documentou operações militares entre 2003 e 2004. Em meio a essa crescente crÃtica a polÃtica republicana, surge a satÃrica produção Team America: World Police (2004), dos mesmos criadores de South Park, na qual marionetes compõe um super grupo policial dos EUA que tentam defender o mundo. Vemos na produção explosões e confrontos com organizações terroristas islâmicas e a principal tarefa do super grupo é deter a ameaça que representa o ditador Kim Jong-il e suas armas de destruição em massa. O filme teve uma boa bilheteria, cerca de 50 milhoes de dólares, e certamente mostra um novo movimento no cinema, pois trata os temas presentes naquele momento histórico pelo viés da comicidade. Além do mais, faz piadas com atores e atrizes, com o primeiro-ministro britânico Tony Blair e até mesmo Michael Moore, mas sem marionetes de Bush ou sua administração, talvez porque a produção teve problemas com a Motion Picture Association. 176 PRINCE, Stephen. Firestorm: American film in the age of terrorism. New York: Columbia University Press, 2009, p. 288. Página 95 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE Sem colocações explÃcitas, o cineasta Steven Spielberg lançou no inÃcio do verão dos EUA Guerra dos Mundos (War of the Worlds, 2005), uma nova adaptação do livro homônimo de H. G. Wells. O filme faz diversas alegorias com o contexto histórico norte americano: máquinas de guerra alienÃgenas escondidas há centenas de anos no subsolo; pânico generalizado após a destruição de cidades; um pai que tenta fugir do confronto e salvar sua famÃlia. Essa foi a primeira produção que através das imagens sugere a presença de células terroristas no paÃs e as cenas de fuga em massa fazem uma referência direta ao dia dos ataques de 11 de Setembro. Quebrando com a tônica do herói que busca salvar o universo, em Guerra dos Mundos os personagens almejam apenas cuidar da sobrevivência de si e de seus familiares, assim, não há uma espécie de coletividade ou inspiração patriótica. No final de 2005, outra produção de Spielberg vai mais direto ao ponto. Munique (Munich, 2005) constrói a narrativa da morte de 11 atletas olÃmpicos israelitas durante os Jogos OlÃmpicos em Munique, na Alemanha de 1972, e o subsequente plano do governo de Israel para caçar os terroristas responsáveis, bem como as consequências de tal ação. A produção conduz à reflexão sobre o contexto polÃtico dos EUA, pois trata a guerra no Iraque como uma consequência direta aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e a sua luta contra o terrorismo. Sendo assim, nota-se que em 2005 os grandes estúdios, diretores e produtores começaram a abordar os temas que circundam a Guerra ao Terror, ou ao menos arriscaram alegorias sobre o tema. Por exemplo, o filme O Senhor das Armas (Lord of War, 2005), mesmo não tratando do 11 de Setembro, elabora o seu enredo sobre um negociante de armas em fins da Guerra Fria, fazendo uma crÃtica sútil à guerra enquanto um negócio lucrativo onde não há vencedores. Em meio à s tensões da impopular e custosa Guerra do Iraque, ademais a breve citação ao lÃder da Al-Qaeda e sua aproximação com os EUA, em fins de 1970 e inÃcio de 1980, lhes fornecendo armas para se defender da URSS, mostra uma preocupação com a historicidade da relação entre os EUA e o Oriente Médio. Pode-se delinear um movimento no qual os filmes sofrem ao usam o 11 de Setembro como marco das discussões sobre o terrorismo, ideia essa sempre presente nos discursos presidenciais de Bush e fundamental para as mudanças legislativas e a sua polÃtica externa, ou seja, a Doutrina Bush. Contudo, essa busca pelo processo histórico que envolve o 11 de Setembro está sempre relacionada à crÃtica polÃtica através do Página 96 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE terrorismo e poucas são as produções que vão além do marco e retomam o processo histórico dos atentados terroristas, a fim de apresentar outras perspectivas. Lado a lado à impopularidade e à s crÃticas direcionadas a Bush, houve em seu segundo mandato uma crescente produção de longas-metragens que representaram os acontecimentos que circundam o 11 de Setembro e a Doutrina Bush. Aos poucos a retórica da Guerra ao Terror e do discurso da expansão da democracia se desgastaram, principalmente no que diz respeito ao Iraque. Muitas produções se propulseram a criticar a polÃtica externa e interna da administração Bush, por vezes especulando os motivos de armações polÃticas. Esse desgaste começou a dar os primeiros sinais em fins do primeiro mandato de Bush, quando a Guerra do Iraque e as ações legislativas nos EUA começaram, ainda que timidamente, a serem questionadas – o que ganha impulso e se torna mais evidente a partir de 2007. Assim, colocava-se em xeque até que ponto o estadunidense iria reprimir seus direitos fundamentais em favor de uma polÃtica intervencionista mal justificada. Evidentemente que outrora o discurso do terrorismo como ameaça “iminente†ao Ocidente, que deveria ser prontamente combatido, mexeu na vida do cidadão estadunidense, discurso esse que ganhou força pelo impacto das imagens dos atentados e tiveram grande efeito na construção do drama estadunidense visto por todo o planeta. Esse choque deixou o estadunidense sem reação, o cegou temporariamente frente à s ações oficiais que nessa esteira alteraram a polÃtica interna em a favor da Guerra ao Terror. Será justamente quando Bush começa a perder o controle do Congresso que a consciência retoma à ordem do dia e, então, as crÃticas começaram a surgir. Questionou-se, por exemplo, o medo de novos ataques terroristas e de qualquer ação considerada suspeita apenas por envolver arábes, como se vê no filme Paranóia Americana (Civic Duty, 2006). Sob esse prisma, pode-se afirmar que o cenário cinematográfico se alterou, saindo do silênciamento e estranhamento dos temas que circundam os ataques terroristas para então tratar da Guerra ao Terror, como a presença das tropas em paÃses do Oriente Médio. No Afeganistão, fortemente apoiada por uma ideia implÃcita de retaliação/vingança, em poucos momentos foi representada nos filmes e nas crÃticas cinematográficas, e no Iraque, no qual se concentram o maior número de produções, filmes de guerra e thrillers, nos quais estão presentes as principais discussões e dilemas da Guerra ao Terror e a divulgação dos ideais da nação estadunidense, de democracia e liberdade. Página 97 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE Dentre os muitos documentários constantemente referenciados pela crÃtica estadunidense, The War Tapes, produzido de forma independente e exibido em festivais diversos. Tal produção foi citado como um modelo exemplar de representação da vida dos soldados na guerra, sendo elogiado por sua abordagem já no momento de seu lançamento. Sendo assim, as crÃticas começam a ter como ponto de partida não apenas o terrorismo, mas principalmente a maneira como os soldados são referenciados nas produções cinematográficas. Isto é, centram-se na necessidade de enaltecer os combatendes e, ao mesmo tempo, nos efeitos negativos das polÃticas antiterroristas, principalmente em relação a Guerra no Iraque, a cada ano compreendida como uma guerra sem sentido. Outro bom exemplo é o documentário Sem Fim À Vista (No End In Sight, 2007), um dos primeiros a sair da zona de conforto da abordagem do cotidiano dos soldados. A produção coloca sob os holofotes a discussão polÃtica envolvendo os bastidores da intervenção no Iraque e seu tom polÃtico sugere um novo movimento para o cenário fÃlmico, ao menos começando no gênero documentário, pois traz à tona os problemas causados no pré-guerra. Em termos gerais, questiona os discursos de Bush sobre o “Eixo do Mal†e até que ponto o Iraque estava realmente construindo armas de destruição em massa e abrigando terroristas. Essas foram justificaticas outrora utilizadas, mas que, após quatro anos, já estavam desgastadas. No pós-guerra, os problemas da ordem do dia passam pela insurgência no Iraque e a rebelião da população, cenário bem distante da reflexão de The War Tapes e dos efeitos nos soldados. Uma nova perspectiva começou a ganhar força e as justificativas da Guerra ao Terror, da defesa da nação para se evitar um novo “11 de Setembroâ€, se tornam indefensáveis, principalmente pela construção da premissa que defente uma proximidade entre os EUA e os futuros grupos terroristas, como se vê no filme Jogos de Poder (Charlie Wilson’s War, 2007). A produção com maior destaque dentre todas sobre a Guerra do Iraque foi, sem sombra de dúvidas, a Guerra ao Terror (The Hurt Locker, 2008), inicialmente lançada em festivais e, no ano seguinte, nos EUA. Aos poucos ganhou espaço e reconhecimento da crÃtica, sendo a grande vencedora do Oscar em 2010, incluindo Melhor Filme e Melhor Direção – fato que marca a Acadêmia, pois pela primeira vez o prêmio de direção foi para uma mulffher, Kathryn Bigelow. Guerra ao Terror foi o primeiro filme sobre a guerra do Iraque que teve ampla aceitação da crÃtica e, mesmo com pouca bilheteria e elaborado por pequenas produtoras, foi o ponto alto da premiação no Oscar, disputado com nomes de Página 98 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE peso como Avatar, de James Cameron – blockbuster com maior arrecadação da história do cinema, até aquele momento. A aproximação dos temas sobre o Iraque feitas por The Hurtlocker (2008), por sua vez, não toma partido sobre a guerra, limitando-se a mostrar os efeitos dessa sobre os soldados, tal como apresentado em filmes como Guerra Sem Cortes – mas sem tocar em questões delicadas, com os crimes cometidos pelas tropas. Um dos elementos mais importantes da obra é a representação do vÃcio na guerra, aspecto que destoa das narrativas que delineiam o soldado como vÃtima, ou que exploram a ideia do despertar de um “monstro†interior, resultado da experiência traumática. Partindo-se de uma abordagem diferenciada e sutilmente patriótica, The Hurtlocker aborda um tema que se tornou recorrente na cinematografia ambientada na Guerra do Iraque: a representação do combate e a volta para a casa, destacando os traumas causados pela guerra e a não adaptação à rotina civil. Ademais, é necessário destacar como os primeiros filmes pró-guerra – lançados logo após os ataques de 11 de Setembro, em alguns casos antes – ainda surtem efeitos nas produções sobre a Guerra do Iraque, pois, mesmo que se questione a guerra ao terrorismo e suas consequências, o foco principal de muitos desses novos lançamentos são os soldados e os problemas por eles enfrentados. Ou seja, em maior ou menor grau, nota-se o questionamento à s polÃticas antiterroristas de Bush, mas não se coloca em jogo o patriotismo dos soldados/tropas; critica-se o governante, mas não se questiona o 11 de Setembro. Como pode ser observado, em alguns filmes questionou-se os governantes do paÃs por suas justificativas em favor da guerra, principalmente a do Iraque. Os soldados (e os cidadãos), por sua vez, foram apenas peças nesse imenso tabuleiro de xadrez. Todavia, o 11 de Setembro ainda une as justificativas em favor da Guerra ao Terror. Os filmes que por ventura a questionavam, abordavam os efeitos das polÃticas antiterroristas e não propriamente o terrorismo em si. Em certos casos, tais criticas podem ser consideradas tardias, quando comparadas aos lançamentos dos documentários, mas é fato que tiveram um papel importante ao trazer elementos crÃticos frente a polÃtica externa dos EUA, por vezes tratando o Iraque como um “atoleiro†– palavras de Donald Rumsfeld, secretário de Defesa. Esse vislumbre das conexões polÃticas com o Oriente Médio e a crÃtica à atuação estadunidense começou no mainstream com filmes do gênero thriller, a exemplo do filme Página 99 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE Syriana, o primeiro a discutir a atuação dos EUA no Oriente Médio e sem recorrer a uma justificativa a partir do 11 de Setembro, mas discutindo o processo histórico tendo como fio condutor o terrorismo. Sobretudo, nota-se o impacto da hora e a distância estética percorrida, sendo constantemente referenciada pela crÃtica como um filme de abordagem polÃtica profunda, sendo usada à s vezes como parâmetro comparativo. Ademais, alguns temas e cenas estão presentes em filmes posteriores, como nos que criticam o uso de torturas, dos tramites polÃticos e econômicos; caracteristica que se tornou corriqueira somente a partir de 2007. Neste cenário fÃlmico, evidentemente surgiram outras produções que discutiram a polÃtica externa dos EUA empregada durante o governo Bush, por vezes especulando seus motivos e os jogos polÃticos ali implÃcitos – em grande parte realizadas por atores, atrizes, produtores e diretores opositores à polÃtica externa do paÃs fundamentadas na luta contra o terrorismo. No entanto, a seriedade polÃtica por vezes se confunde com o próprio estilo hollywoodiano de angariar bilheterias e conquistar o público de forma rápida, tocando em assuntos que permeiam o contexto sociopolÃtico. Isso fica muito claro em produções que não apresentam profundidade ou que relegam questões cruciais daquele perÃodo, como no filme O Reino (The Kingdom, 2007), o qual recebeu crÃticas nada favoráveis. Na mesma linha do gênero thriller sobre o terrorismo pós-11/09, outra produção constantemente citada de maneira negativa pelas crÃticas foi Leões e Cordeiros (Lions for Lambs, 2007). O filme tem como proposta uma abordagem da polÃtica, com tácitos problemas narrativos, que para alguns se tornou cansativo, enquanto para outros valeu o esforço outros. O horizonte de expectativas do diretor, bem como de outros, não acompanha as constantes reviravoltas polÃticas do perÃodo, que, como vimos, compete com os noticiários, jornais, sites de notÃcia, etc. Sobretudo, há outro elemento que dificulta a abordagem dos filmes que tratam da Guerra ao Terror: a conexão necessária com o espectador para fundamentar a crÃtica ao que ocorre no paÃs na sua guerra contra o terrorismo, mesmo que em certos momentos citem a intervenção no Iraque e no Afeganistão, no caso de Leões e Cordeiros, a única no mainstream até o momento a realizar tal feito. Um dos pontos possÃveis de conecção seria as narrativas sobre os soldados, as tropas que estão defendendo o paÃs, mas, como se viu, muitos dos filmes que se utilizam desse argumento não intercalaram discussões polÃticas explicitas, nem mesmo fizeram uso de linhas narrativas complexas, tal como A Situação e Leões e Cordeiros. Página 100 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE No mainstream, muitas produções ainda se concentram na representação do retorno dos soldados aos EUA, mas aos poucos também inserem elementos para a discussão do significado da guerra do Iraque. Nesse cenário, se destacou o filme No Vale das Sombras (In the Valley of Elah, 2007), produção que em certa medida foi favorecida por um contexto em que as exaltações patrióticas perderam a força. Mesmo que o tratamento à s representações dos soldados tenha sempre sido respeitado, começa a aparecer no horizonte cinematográfico um tratamento da guerra do Iraque como um “novo†Vietnã para os EUA, ou seja, mais um projeto fadado ao fracasso. A aproximação entre essas guerras distintas começou a ganhar impulso a partir de 2007, com o uso constante de imagens amadoras, ou que resultassem nesse efeito estético, tal como foi utilizada em No Vale das Sombras. Gravações amadoras, de sistemas de segurança e dos próprios soldados foram constantemente utilizados em documentários, que as colocam dentro de uma narrativa fÃlmica maior – algo mais difÃcil para um filme de guerra, thriller ou drama – buscando dessa forma simular filmagens de fato amadoras e reais, ao estilo documentário. Nesse cenário, se destacou o filme Guerra Sem Cortes (Redacted, 2007), que teve sua distribuição limitada nos EUA devido ao tratamento da produção frente a presença das tropas estadunidenses no Iraque. O uso de cenas simuladas, e que dão o tom de documentários, não é apenas uma forma de baixar os custos da produção, mas também de se aproximar a naratica com o público, especialmente numa sociedade cada vez mais envolvida na disseminação de filmagens caseiras, com diversas plataformas de divulgação de vÃdeos: Youtube, Dailymotion, etc. Sendo assim, o impulso do 11 de Setembro e a justificativa da Guerra ao Terror começam a perder cada vez mais sua força em meio ao desgaste da guerra e do enfraquecimento do apoio popular. Essa particularidade do horizonte de expectativas incide diretamente tanto na recepção, como nas produções de Hollywood e aos poucos tornam-se aspectos apreciados pela crÃtica, mesmo que ela ainda questione certos posicionamentos polÃticos e a forma como determinados filmes exploram o momento. Essa prerrogativa do tratamento sobre a Guerra ao Terror, e dos temas que a circundam, se tornou comum no gênero thriller polÃtico. Tal caracterÃstica ficou visÃvel nas publicações sobre O Reino, que ao tentar se aproximar de uma crÃtica polÃtica, mesmo que patriótica – debatendo os custos da luta antiterroristas –, foi rechaçado pelos crÃticos, independente de posicionamento polÃtico. Eventualmente, a partir de 2007, muitas Página 101 CAPÃTULO II – A GUERRA AO TERROR E O CINEMA ESTADUNIDENSE produções começaram a tratar as tematicas supracitadas, por vezes trazendo à tona certos questionamentos exaltados dos crÃticos; questões que podem também ser compartilhadas pelo público em geral. No entanto, é preciso deixar clara a existência de certas linhas que não podem ser descartadas por eventuais crÃticas polÃticas, especialmente sobre situações que ocorrem dentro dos EUA, como as mudanças legislativas retiram direitos dos cidadãos. Nota-se que houve uma onda crescente de tentativas de discutir a polÃtica externa e, consequentemente, as práticas antiterroristas do governo Bush. Muitos dos filmes aqui analisados demostraram a fragilidade do discurso oficial estadunidense, colocando em cheque o papel norteamericano de levar a democracia dos EUA a outros paÃses “necessitadosâ€. Tais temas e suas repercussões no interior do paÃs foram tratados, por exemplo, no filme A Situação (Rendition, 2007), que trouxe ao público o debate sobre a tortura, com o “extraordinary rendition†criado ainda no governo Clinton e utilizado por Bush após os 11 de Setembro. Outro exemplo é a obra Rede de Mentiras (Body of Lies, 2008), um thriller que se esforça para abordar a temática do terrorismo aos moldes hollywoodianos, explorando a tortura e a tecnológica aplicada à guerra e à espionagem. Ambas as produções exploram o tema da tortura, a qual está diretamente associada aos abusos da legislação antiterrorista – tema explorado em 2005 com a produção de Syriana. Página 102 SYRIANA: A NOTA DISSONANTE CapÃtulo III CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE SYRIANA E O HORIZONTE DE EXPECTATIVAS Conforme já exposto inicialmente, as grandes produtoras cinematográficas não ousaram discutir o terrorismo após os Atentados de 11 de Setembro. Isso ocorreu lenta e gradualmente, visto o impacto do evento e a espetacularização através das imagens. Em meio a esse processo, diversas ações antiterroristas foram ganhando espaço e tendo aprovação em meio aos cidadãos estadunidenses. A popularidade de George W. Bush cresceu exponencialmente e o exército estadunidense invadiu o Afeganistão. Posteriormente, o Iraque e inúmeras medidas legislativas se sucederam no congresso nacional. Todos esses eventos foram noticiados na TV, internet, jornais e tantas outras mÃdias. Os Atentados de 11 de Setembro foram exibidos à exaustão e continuam a ser exibidos em homenagens à s vÃtimas dos atentados e nas rememorações, na mÃdia e também em instituições escolares. Propagou-se esta data ao longo do governo Bush, enquanto uma ferida aberta pelo terrorismo internacional e nas posteriores ações antiterroristas. O filme aqui analisado, Syriana, evidentemente não foi a única produção a criticar ou se posicionar contra o governo e suas ações no Oriente Médio, mas vai além, pois conduz o espectador a refletir sobre a influência dos EUA em outros paÃses. Isto principalmente quando se trata de defender interesses como os recursos naturais,neste caso, e não apenas uma luta contra o terrorismo. Assim, na pelÃcula, existem outras atenuantes no processo histórico das interpretações ancoradas nos atentados terroristas. De tal modo, Syriana em nenhum momento se presta a legitimar os ataques terroristas de maneira a regozijar os Atentados de 11 de Setembro de 2001, mas apresenta a complexidade das relações do governo estadunidense com o Oriente Médio usando artifÃcios narrativos e visuais para mostrar o processo histórico da presença dos EUA na região. Em contrapartida existem inúmeras outras produções fÃlmicas – discutidas ao longo da tese –, que buscaram relacionar diversas ações com o referido momento histórico, ou seja, grande parte das produções hollywoodianas sofreram os efeitos do 11 de Setembro, lado a lado a concepção do vazio que o World Trade Center deixou no centro de Manhattan, como uma cicatriz para a nação. Syriana problematiza, ao invés de se entregar a interpretação unÃssona e sua constante rememoração, aos moldes do discurso Página 104 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE republicano, revelando em sua própria estrutura narrativa a complexidade do processo histórico envolvendo a polÃtica externa dos EUA. Mesmo com esforços de alguns filmes ao longo de 2001 a 2005, Syriana talvez seja o que rompa mais bruscamente o consenso de não tratar os temas envolvendo a Guerra ao Terror, sendo lançado no fim do primeiro ano da reeleição de Bush filho – tendo em conta que os primórdios das ideias do diretor estavam em andamento já em 2002 Ou seja, a partir de 2005, foram aparecendo inúmeras crÃticas sobre a atuação do governo, principalmente sobre a presença das tropas estadunidenses no Iraque, através de jornais, documentários, filmes e no apoio da população à s polÃticas da Casa Branca. O que se expõe aqui é que Syriana se diferencia nesta abordagem a não eleger o 11 de Setembro como um embate entre Ocidente e Oriente, como muitos filmes do perÃodo fizeram elegendo a data e os responsáveis como única justificativa pelo drama estadunidense, desconsiderando a própria polÃtica estadunidense aplicada no Oriente Médio durante as décadas de 1980 e 1990.177 A fim de compor uma interpretação distinta, Syriana elege a indústria do petróleo como a grande amarra entre o terrorismo e as relações polÃticas internacionais que afetaram a história recente do paÃs. É nesse ponto que há uma distância estética entre Syriana e grande parte da filmografia do perÃodo, ao ponto de muitos crÃticos destacarem que o espectador terá que prestar atenção à a complexidade da produção. Ou seja, o filme rompe com o horizonte de expectativas do público, pois além de tratar de questões que até o momento foram pouco exploradas – visto o silenciamento, o escapismo e as alegorias –, como o terrorismo e sua relação com instituições dos EUA. Portanto, um dos méritos de Syriana é encarar temas que outras produções até então não tratavam com profundidade, como constituir crÃticas à a polÃtica estadunidense e à a estereotipação do Oriente Médio, principalmente no contexto do furor patriótico e do medo de ataques terroristas. Ao destacar tudo isso, estava além do maniqueÃsmo do terrorismo fundamentalista islâmico, atacando a democracia ocidental. Syriana retoma abordagens polÃticas para o grande público e isso sem simplificar os conflitos no Oriente Médio; não trata da integridade das instituições estadunidenses, como por exemplo o exército, com soldados dispostos a morrer pelo paÃs, no movimento 177 Uma fonte fÃlmica sobre tal presença é a produção Rambo III (1988), na qual seu enredo trata da jornada de John Rambo para resgatar um coronel do exército dos EUA, e seu mentor, no Afeganistão, em meio ao embate deste paÃs contra a URSS. Página 105 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE de filmes influenciados por O resgate do soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998), ressaltando a bravura dos soldados, modelo que se adequou perfeitamente ao momento de consternação patriótica. O diretor e roteirista Steve Gaghan buscou fugir de tais abordagens justamente para apresentar que estas são peças de um mosaico mais complexo, que vai além das premissas do governo e um impulso para a guerra em defesa da nação. Por exemplo, o filme Munique (2005), de Steven Spielberg, tem seus méritos, pois foi lançado quase que simultaneamente com Syriana, propondo crÃticas à s polÃticas antiterroristas. Para tal usou acontecimentos passados, as OlimpÃadas, como metáfora para as ações dos EUA, por cometer o mesmo erro da busca de vingança retratada no filme. Vale ressaltar que Syriana retrata o terrorismo como algo predominantemente relacionado ao Oriente Médio, mas isso se faz justamente pela linha adotada para explicar as teias do terrorismo em âmbito internacional, principalmente em virtude das ações dos EUA, através da indústria petrolÃfera. Esse movimento se tornou uma abordagem diferenciada de produções como por exemplo Fahrenheit 11 de Setembro, que tocou em temas que se aproximavam diretamente de George W. Bush, e não se preocupou propriamente com a historicidade e o processo histórico, mas sim com uma finalidade polÃtica. Enquanto que Syriana compôs uma análise mais complexa das relações dos EUA e sua contribuição para atos de terrorismo. Grande parte das produções hollywoodianas seguiram na narrativa da Doutrina Bush, até mesmo as mais crÃticas, trataram de questões e assuntos que estavam próximos temporalmente e que de algum modo se relacionavam à própria justificativa das polÃticas antiterroristas. Syriana compôs outra interpretação, mostrando uma linha temporal, o processo histórico por trás das ações polÃticas dos EUA. De modo geral, é como se Syriana constituÃsse uma contra-análise do terrorismo, que figurou no imaginário do estadunidense como principal inimigo da democracia e da liberdade e, nessa fundação e disseminação do terror, como algo a ser combatido e exterminado. Mesmo com um roteiro mais denso que o comum, para uma produção de grandes recursos, Syriana conseguiu expor visualmente diversos temas complexos que cercam as relações entre Oriente e Ocidente. Isso foi possÃvel em virtude da estrutura narrativa que foi chamada de hyperlink cinema, termo cunhado pela autora Alissa Quart ao fazer a crÃtica do filme Finais Felizes (Happy Endings, 2005), para a revista Film Comment em 2005. Quart expõe que tal estrutura narrativa foi influenciada pela World Wide Web e tais Página 106 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE filmes têm como caracterÃsticas principais os flashbacks e flashforwards. Ainda, segundo ela, apesar de muitos personagens parecerem ter histórias desconexas, todos estão conectados. Contudo, foi com o crÃtico Robert Ebert que o termo hyperlink cinema se popularizou – mas escrevendo hyperlink movie – quando fez a crÃtica de Syriana para o jornal Chicago Sun-Time. Segundo a interpretação de Ebert: O termo descreve filmes em que os personagens habitam histórias separadas, mas que gradualmente descobrimos como aqueles em uma história estão ligados aos outros. [...] Em um filme hyperlink os motivos de um personagem podem ter que ser reinterpretados depois de conhecermos outro.178 Essa estrutura narrativa serve para apresentar Syriana como uma alegoria revisionista das relações EUA e Oriente Médio, pois seu enredo trata das complexas negociações petrolÃferas, territoriais e diplomáticas – envoltas na corrupção –, nas quais ninguém compreende o cenário geral e suas consequências. O que se expõe aqui é que Syriana rompeu com o horizonte de expectativas, não se tratando de uma obra que se entregou ao modelo estético vigente. Mesmo que os elementos tÃpicos de filmes hollywoodianos sejam facilmente perceptÃveis. Syriana faz um enorme fluxograma sobre a indústria do petróleo, num cenário de ações e consequências, impossÃvel de serem notados por um único indivÃduo ou instituição. A sequência acima mostra a complexidade das diversas conexões, relações e intenções polÃtica e econômicas. Syriana apresenta os trâmites que ocorrem por baixo dos panos, argumentando que os EUA se considera no direito de interferir na polÃtica, economia e cultura de qualquer paÃs. Talvez a grande contribuição de Syriana seja se posicionar para além de um filme comum sobre espionagem e corrupção, pois se propõe a falar ao espectador que não está a par do jogo do petróleo e de como tudo está conectado. Syriana se distancia do horizonte de expectativas do público, tendo em conta que o andamento de sua produção – por volta de 2002 –, decorreu lado a lado aos acontecimentos da implementação da Doutrina Bush, e, claro, acompanhando da produção fÃlmica do perÃodo. Ou seja, Syriana se diferencia de outras produções hollywoodianas do perÃodo por sua estrutura narrativa. Em muitos momentos, caso não houvesse legendas indicando os locais, se tornaria difÃcil 178 EBERT, Robert. Syriana Movie Review. Chicago Sun-Times, Chicago, 08 Dez. 2005. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/syriana-2005>. Acesso em: 05 set. 2014. Página 107 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE verificar onde se passa determinada cena/sequência. Evidentemente tudo faz parte do argumento de Gaghan, de que tudo está conectado, mas ninguém, nenhum personagem, compreende todo o cenário e as consequências de suas ações, numa espécie de “efeito borboletaâ€. Syriana e todas as suas exposições trazem diversos questionamentos: os EUA seriam responsáveis por contribuir para um ambiente propÃcio ao terrorismo em virtude de suas ações no Oriente Médio? A representação da religião como um aspecto central nas ações terroristas se torna um catalisador para enfrentar o imperialismo dos EUA, de forma a não separar o Estado e a religião? O filme proporciona um questionamento das intenções dos EUA e de sua dependência com o Oriente Médio – e suas riquezas naturais –, relacionando não apenas a indústria petrolÃfera, mas aspectos centrais da Doutrina Bush e a Guerra ao Terror para além da justificativa do 11 de Setembro? Estas são apenas algumas das indagações lançadas, que mostram a preocupação da produção em mostrar uma interpretação da luta contra o terror, um esforço em apresentar o processo histórico dos recentes embates dos EUA. George Clooney – que ganhou o Oscar e um Globo de Ouro como melhor ator coadjuvante por Syriana – foi questionado em uma entrevista sobre qual seria a mensagem polÃtica do filme. O mesmo respondeu que Syriana é obviamente um filme polÃtico, sendo o objetivo do filme lançar um debate, não dar respostas ao público, pois eles não as têm.179 Ademais Clooney fala sobre ter sido chamado de traidor e antipatriótico, no espisódio em que se posicionou contra a invasão ao Iraque em 2003,180 pois o ator havia declarado, em uma série de entrevistas na Europa em 2003, que estava frustrado com a polÃtica estadunidense. Clooney declarou que George W. Bush iniciou uma guerra sem sentido contra o Iraque, e que o secretário de defesa, Donald Rumsfeld, cometeu um erro engano ao achar que os EUA teria uma vitória fácil contra o Iraque. Nesse perÃodo, havia uma lista crescente de artistas de vários setores como cinema, música, etc., contrários a polÃtica de George W. Bush e a invasão ao Iraque,181 por 179 CLOONEY, George. ...Syriana... Interviews ... Part 2 of 2. The Tech Online Edition, 13 Dez. 2005. Entrevista concedida a Kapil Amarnath. DisponÃvel em: <http://tech.mit.edu/V125/N61/61syriana.html>. Acesso: 20 dez. 2014. 180 Ibid. 181 CLOONEY: 'america's policies frustrate me'. WND, 23 fev. 2003. DisponÃvel em: <http://www.wnd.com/2003/02/17420/>. Acesso em: 22 dez. 2014. Página 108 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE exemplo, o diretor Martin Scorsese chegou a relacionar outras intenções da administração Bush e sua relação com a indústria do petróleo.182 Tais posicionamentos de George Clooney, bem como de outros diretores, produtores e atores de Hollywood nesse perÃodo, dão conta de uma mudança de posicionamento do cinema na abordagem de temas que circundam as ações do governo, que até o momento eram relacionadas ao Afeganistão e à s polÃticas antiterroristas pós-11 de Setembro. Clooney declarou sobre a intervenção no Iraque: “Hoje em dia só importa quem está no comando. [...] Agora que somos nós – por um tempo, pelo menos. Os nossos adversários vão recorrer a carros-bomba e a ataques suicidas, porque eles não têm como vencer de outra maneiraâ€.183 Clooney há alguns anos já vinha se posicionando contra a polÃtica externa dos EUA, antes de se envolver com Syriana. Tanto as suas entrevistas como as do diretor Stephen Gaghan dão conta da similaridade de seus posicionamentos sobre a polÃtica exterior dos EUA, que pode ser observado em Syriana – mesmo que a primeira opção para o papel de Bob Barnes tenha sido Harrison Ford. A sequência em Beirute, no LÃbano, quando o personagem de Clooney, Bob Barnes, vai pedir permissão ao lÃder espiritual do Hezbollah, foi baseada na experiência que o diretor/roteirista Stephen Gaghan teve na mesma cidade. Gaghan contou, em entrevistas a canais de TV, que em sua viagem a Beirute, para realizar pesquisas para o roteiro de Syriana, assim que chegou ao aeroporto, recebeu um telefonema de um dos contatos de Robert Bauer, pedindo-lhe que entrasse em um carro que o esperava no estacionamento. Segundo Gaghan, circularam pelas ruas do subúrbio, havia homens armados em cima dos prédios, e que em determinado momento, foi encapuzado, mas ao fim chegou são e salvo ao seu destino.184 Esse espisódio serviu como inspiração para o personagem de Clooney, e está atrelada à perspectiva dos operações da CIA, que foram baseadas no livro See No Evil,185 182 CLOONEY in anti-war prostest. BBC News, 20 jan. 2003. DisponÃvel em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/2677881.stm>. Acesso em: 07 jan. 2015. 183 CLOONEY: 'america's policies frustrate me'. WND, 23 fev. 2003. DisponÃvel em: <http://www.wnd.com/2003/02/17420/>. Acesso em: 22 dez. 2014. 184 GAGHAN, Stephen. [05 de outubro, 2006] The Henry Rollins Show. Entrevista concedida a Henry Rollins. The Tech, v. 125, 13 Dez. 2005. DisponÃvel em: <http://tech.mit.edu/V125/N61/61syriana.html>. Acesso: 20 dez. 2014. 185 Ressalta-se que o referido livro foi escrito antes de 11 de setembro de 2001, portanto, observa-se como tal fato conduziu a debates e a preocupações diversas sobre o processo da CIA, e de maneira geral de agências estadunidenses, em atuação no Oriente Médio. Página 109 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE do ex-agente Robert Baer, que relata o tempo em que trabalhou na CIA. Stephen Gaghan e George Clooney se relacionaram pessoalmente com Robert Baer para a construção do roteiro e para o personagem Bob Barnes. Syriana expressa a visão deturpada que muitos estadunidenses têm sobre o Oriente Médio. Isso é apresentado em vários momentos por diversos personagens: Jimmy Pope, que não sabe o que é um Emir em uma reunião; Bryan Woodman, ao falar ao telefone com sua esposa sobre a cultura árabe; dentre outras situações. Contudo, há várias outras situações que tendem a construir discursos de que existem semelhanças culturais, como as relações entre pais e filhos. Uma dessas tramas que trata de pai e filho se passa no Golfo Pérsico e se refere a Sallem e Wasim, paquistaneses, que deixaram a mãe/esposa para trabalhar nos campos de petróleo. Com a fusão das empresas Connex Oil e Killen Oil foram ambos demitidos, e Wasim posteriormente se envolveu com uma organização fundamentalista islâmica e que o levou a cometer um atentado suicida. Stephen Gaghan utilizou de diversos artifÃcios, muitos destes sutis, para apresentar sua visão sobre a influência dos EUA em diversos paÃses do Oriente Médio, como a utilização de gravações da intervenção no Iraque, bem como foram introduzidos no enredo os mÃsseis FIM-92 Stinger. O mÃssil Stinger possui um longo histórico militar, ainda durante a Guerra Fria muitos mÃsseis foram fornecidos pelos EUA aos Mujahadin do Afeganistão no combate a URSS.186 Os EUA tentaram recuperar os Stinger após o fim do conflito em 1989, sem sucesso. Estima-se que mais de 600 unidades estão desaparecidas, muitas das quais foram usadas pelo Talibã contra os EUA em 2001. No filme, os mÃsseis aparecem nas primeiras cenas, desaparecem, retornam nas mãos de um terrorista, que está manipulando jovens desempregados e reaparecem no fim do longa usados num atentado terrorista. O cenário polÃtico pós-11 de Setembro, repercutiu na produção de Syriana e nas análises da crÃtica. As sequências finais, que enfatizam as tramas de Bob Barnes e Wasin, podem ser visualizadas como metáforas sobre qualquer paÃs que sofre impacto da terra do “Tio Samâ€. São diversas cenas que rompem com o ideal patriótico que imperava no cinema hollywoodiano, principalmente dos filmes de guerra entre 2001 a 2003. Claro que houve algumas produções antes de Syriana, das quais já tratamos anteriormente, mas o 186 CAMP, Dick. Boots on the Ground: the fight to liberate Afghanistan from Al-Qaeda and Taliban – 2001-2002. Minneapolis: Zenith Press, 2011. Página 110 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE rompimento com o horizonte de expectativas se distanciou não apenas da filmografia do perÃodo, mas do próprio efeito do 11 de Setembro. Momento o qual não se poderia discutir determinados temas, muito menos apresentar uma narrativa na qual os EUA tivessem qualquer proximidade ou conexão com o terrorismo. O OCIDENTE “VERSUS†O ORIENTE EM SYRIANA Diversas interpretações disputaram o significado dos ataques terroristas do dia 11 de setembro de 2001. O governo e seu incentivo a filmes patrióticos mostra a insistência a construir o acontecimento como legitimação das polÃticas externas do paÃs em meio ao Oriente Médio, o que foi pouco tratado até a invasão do Iraque. É neste ponto que se nota que sem as imagens é impossÃvel compreender o processo histórico que envolve o 11 de Setembro e a luta contra o terrorismo. A TV teve um papel fundamental na disseminação dos atentados e posteriormente ao acompanhar as ações intervencionistas dos EUA no Afeganistão e no Iraque. Sendo que num primeiro momento contribuiu para o discurso da polÃtica antiterrorista, ao propagar e intensificar a ideia dos árabes enquanto potencias terroristas. Esses elementos tem uma aproximação direta com os atentados a Nova Iorque e ao Pentágono, em setembro de 2001, e causaram um efeito no cinema de Hollywood não pelo acontecimento em si, mas pela interpretação e significação do mesmo. Isso afetou diretamente o horizonte de expectativas do público por conta da espetacularização televisiva, que acentuou a concepção do Oriente ameaçador, inimigo do Ocidente, somado ainda com a tradicional aproximação da Casa Branca com produtores/distruidoras de Hollywood (que em muitos momentos mediaram o que é ideal ser lançado ou produzido), e também pelo receio dos diretores, roteiristas, produtores, etc. Syriana apresenta-se enquanto uma contra análise da Guerra ao Terror, mostrando que existem outros fatores por trás das explicações simplificadoras baseadas no 11 de Setembro e na concepção orientalista estadunidense. Em Syriana não existem lugar para uma via unilateral, os EUA atuam no Oriente Médio há décadas, seja por vias convencionais e mais ainda por ações clandestinas que visam a afirmar sua posição de superioridade sobre diversas regiões no Oriente Próximo. No filme, se vê a atuação dos EUA, ao menos desde os anos de 1980, para além da memória histórica de uma tragédia justificada no ódio dos árabes islâmico ao Ocidente, mais precisamente nos EUA. Página 111 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE As primeiras sequências de Syriana se passam no Oriete Médio e trazem uma apreciação do arábe não como uma ameaça, mas de alguém que levanta cedo e vai trabalhar, ao mesmo tempo em que representa uma outra face do arábe. Um som soa da Minarete, torre da Mesquita, que anuncia as cinco chamadas diárias para as orações. O sol nasce em meio à poluição. Um ônibus para, um grupo de homens tenta embarcar, mas alguns destes são impedidos por três homens, que também afastam um senhor idoso. Na fila, há um close em um martelo. Então, um pequeno grupo olha diretamente para a câmera. Corte para a legenda: “SYRIANAâ€. Na tela uma tomada panorâmica da cidade, o intertexto apresenta: Teerã, Irã. É de manhã, som alto, uma mulher muçulmana abotoa suas calças e veste seu turbante e segue para fora do recinto. Se trata de uma festa, a música está bem alta. Bob Barnes, interpretado por George Clooney, socializa com Arash Amiri em meio a outras pessoas, parecem Ãntimos. Nota-se que Barnes sabe falar muito bem a lÃngua local, ele conversa com Arash sobre quando quer concluir uma negociação, e este que responde: “Depois da oraçãoâ€. Corte, Barnes entra com Arash Amiri e seu irmão, ambos do partido Xiita, em um prédio aparentemente abandonado, ele está com uma pasta da qual retira duas baterias e as instala em dois mÃsseis FIM-92 STINGER para testá-los. Arash arrasta um dos mÃsseis para uma sala e o outro é colocado próximo a saÃda. Barnes fica confuso e os questiona, sem resposta. Enquanto os Amiri saem, Bob conta o dinheiro e segue curioso até a outra sala, então é confrontado por um homem de turbante com uma arma. Barnes tenta dialogar, mas ele não fala farsi e o homem sai do prédio. Ao caminhar para fora do prédio, Barnes passa pelos Amiri, que guardam um dos mÃsseis no porta-malas de um carro, após entrarem no carro, uma explosão. Barnes segue seu caminho sem olhar para trás.187 Essas sequências iniciais trazem elementos que rompem com o cenário fÃlmico do perÃodo. Apresentam aspectos culturais e sociais do Oriente Médio, trabalhadores, a religião marcando o cotidiano, algo não muito comum no perÃodo. E mesmo não tendo uma menção direta sobre quem é Bob Barnes, estadunidense ou não, possivelmente alguns espectadores irão associá-lo como tal, em vista do seu comportamento e aspecto diferenciado em relação aos outros personagens. Sobretudo porque o mesmo possui relações com grupos que agem clandestinamente. De modo geral, não há uma distinção acentuada sobre quem é ocidental ou não, mas que há certa proximidade. Nota-se também um certo destaque sobre o personagem Bob Barnes: conhecer a cultura local, entender o idioma, que não o coloca sob umcaráter de dominação cultural, como por exemplo com este personagem falando o inglês com os outros personagens. 187 Syriana: a indústria do petróleo. [Syriana]. Direção de Stephen Gaghan. Roteiro de Stephen Gaghan. EUA. Produzido por Warner Bros, Participant Media, 4M, Section Eight, FilmWorks, MID Foundation. Distribuição Warner Bros, 2005. 1DVD vÃdeo (128 min.); Colorido. [Narração nossa]. Página 112 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE Após estas sequências iniciais no Oriente Médio, Syriana busca apresentar como o cenário global se relaciona com eventos que ocorrem em função das reservas petrolÃferas no Oriente Médio. Bem como é possÃvel observar inúmeras situações em que toda perpecção do contexto de produção, o distanciamento fÃlmico do perÃodo, os discursos de W. Bush, a paranoia frente ao Oriente Médio, não passam de uma construção que se funda náquele orientalismo estadunidense da aplicação do “nós e o elesâ€. Isso se dá pelo jogo de imagens e também através da fala de alguns personagens. Vejamos: Georgetown, Washington-DC, EUA. Dean Whiting (Christopher Plummer), dono da empresa de advocacia Whiting Sloan, conversa com Bennett Holiday (Jeffrey Wright), sobre a Connex Oil, a qual presta serviços, ter perdido um contrato de gás natural no Golfo Pérsico para uma empresa chinesa, e também que uma empresa de pequeno porte, a Killen Oil, conseguiu os diretos para exploração de um dos maiores campos de petróleo do mundo no Cazaquistão. Whiting ressalta que as referidas empresas pretendem se fundir se tornando Connex-Killen, mas o governo quer saber se existem irregularidades. Whiting quer que Holiday investigue para descobrir algo antes do governo. Houston, Texas. Vários advogados e executivos estão em reunião, Holiday está presente. Jimmy Pope (Chris Cooper), dono da Killen Oil, fala sobre a fusão com a Connex, mostrando um acentuado desconhecimento e estereotipação da cultura árabe. Na mesma cena um dos advogados da Whiting Sloan, Sydney Hewitt (Nicky Henson), faz uma pequena piada envolvendo a SuÃça, dizendo que não pode escolher um lado, e apresenta Holiday a todos – Pope parece desconfortável com a presença de Holiday. Corte, em outra sequência, a bordo de um jato particular, Holiday e Hewitt conversam sobre a aprovação da fusão. Hewitt faz comentários irônicos sobre a fusão: que enquanto carros forem movidos a gasolina e não a água e enquanto continuar o caos no Oriente Médio, tudo correrá bem. Ao fim, Hewitt comenta que quando o governo aprovar a fusão, ambos terão casas luxuosas. Genebra, SuÃça. Bryan Woodman (Matt Damon), consultor de energia, está em sua casa com sua esposa Julie (Amanda Peet) e seus dois filhos, Max e Riley (caçula) num momento de descontração durante o café da manhã. Na sequência, em off, uma voz feminina, noticiando a fusão das empresas Connex e Killen, que será a quinta maior empresa de gás e petróleo do mundo e que isso afetará 37 mil trabalhadores em 160 paÃses – enquanto na tela são exibidas imagens de complexos de exploração de gás e petróleo, navios, trabalhadores e Leland Janus, diretor executivo da Connex, cumprimentando Jimmy Pope em uma coletiva de imprensa. Após narrativa em off, Janus discursa sobre os benefÃcios da criação da Connex-Killen Corporation. SuÃça. Em off, ouve-se a entrevista de Brian Woodman (Matt Damon) noticiando a fusão da Connex-Killen, enquanto os vemos dirigindo por Genebra antes da referida entrevista, observando a diferentes paisagens: um prédio e o contraste entre o outdoor da marca de relógios Rolex e abaixo o Arab Bank, e mais a frente no Hotel President Wilson, um grupo de árabes e alguns homens de termo. Voz e imagem sincronizam temporalmente, Bryan está agora explanando sobre o cenário econômico petrolÃfero mundial. Corte, em seu escritório, Woodman conversa com seu filho, a ligação cai, seu chefe lhe conta sobre a festa do Emir Hamed Al-Subaai, que Woodman Página 113 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE se recusa a ir, pois será no dia do aniversário de seu filho. Seu chefe insiste que o Emir é importante para a empresa e que ele pode levar a famÃlia e que os árabes adoram crianças. Durante esta cena, duas TVs estão ligadas, uma mostra as operações noturnas das tropas estadunidenses no Iraque e a outra apresenta o retrato de John D. Rockefellar.188 Ao sair o chefe de Woodman aponta para a TV e comenta que Rockefeller fundou a Universidade de Chicago. Woodman aumenta o volume da TV para ouvir a gravação do coral de Rockefeller. Golfo Pérsico. Uma tomada panorâmica mostrando o complexo petrolÃfero da Connex, um trabalhador chama por outros que estão no alto das torres. Enquanto um grupo de trabalhadores segue em uma van, todos ouvem uma voz, através de megafones, informando aos trabalhadores que a empresa tem um novo proprietário. Depois, um grupo de engenheiros chineses falam aos trabalhadores, com tradução simultânea do mandarim para urdu por um paquistanês, informando que seus serviços não são mais necessários. Entre estes trabalhadores estão: Saleem Ahmed Khan e seu filho Wasin. O tradutor continua dizendo para os trabalhadores que seus vistos de imigração foram suspensos, e dentro de duas semanas poderão ser deportados. Em seguida vemos, Wasim e seu pai caminhando, ao fundo o campo de exploração de petróleo, e conversando sobre a sua terra natal, o Paquistão.189 Nas sequências descritas acima, diferentes personagens e tramas são apresentadas, sendo que todos estão relacionados e, mesmo que estes não percebam, todos são ou serão afetados pelas empresas petrolÃferas em processo de fusão. Conforme o enredo de Syriana avança, observa-se que o filme trata dos jogos polÃticos e econômicos dos EUA frente à negociação do comércio petrolÃfero, claro, sem citar nomes, pois se passa num paÃs fictÃcio, localizado no Oriente Médio. O longa-metragem expõe o favorecimento das relações econômicas constituÃdas nas redes da polÃtica externa em detrimento das investigações da CIA sobre grupos terroristas. Seu objetivo é apresentar a a importância do petróleo para os EUA, pois a fim de deter o domÃnio sobre este recurso, a ameaça terrorista fica em segundo plano, dando lugar aos jogos polÃticos e econômicos. Apesar dos diretores, roteiristas e atores afirmarem não haver uma mensagem polÃtica definida,190 a pelÃcula é uma crÃtica ao imperialismo dos EUA, pois acentua questões já expostas por Edward Said acerca da dominação deste paÃs sobre o Oriente Médio, que se intensificou a partir da Segunda Guerra Mundial com vista a conquista de 188 GAGHAN, Stephen. Syriana Screenplay. Warnerbros, [20--]. DisponÃvel em: <http://pdl.warnerbros.com/wbmovies/syriana/site/med/Syriana-Screenplay.pdf>. Acesso: 02 set. 2014. 189 Syriana: a indústria do petróleo. [Syriana]. Direção de Stephen Gaghan. Roteiro de Stephen Gaghan. EUA. Produzido por Warner Bros, Participant Media, 4M, Section Eight, FilmWorks, MID Foundation. Distribuição Warner Bros, 2005. 1DVD vÃdeo (128 min.); Colorido. [Narração nossa]. 190 Tal afirmação pode ser observada no material extra disponÃvel no DVD nacional de Syriana. Página 114 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE reservas de petróleo.191 Syriana mostra a historicidade de tais relações e as mesmas remetem a questões de uma concepção do Oriente Médio ligadas a prerrogativas econômicas, bem como geopolÃticas. O que se nota é como o próprio cartaz de divulgação do filme apresenta: “Tudo está conectadoâ€.192 Syriana permite a reflexão acerca das artimanhas econômicas e polÃticas dos EUA para controlar zonas estratégicas, almejando objetivos para além da defesa da liberdade e da democracia, tais como controle geopolÃtico através da presença militar e de agências de inteligência há décadas. Sobretudo, seguindo as tradicionais orientações estratégicas dos EUA: controlar territórios como a Europa, a Ãsia, em nosso caso especÃfico o Oriente médio; dominar espaços aéreos e marÃtimos; por fim, dar passagem livre e segura do petróleo para os mercados internacionais.193 O que se vê não é apenas o argumento composto pela dita Doutrina Bush, mas o embate com velhas artimanhas da economia e da polÃtica externa, e que acaba por mostrar que existe um processo histórico para além do recente marco. Essa transição temporal em Syriana é visualmente transposta através do personagem Bob Barnes, agente da CIA em atuação no Oriente Médio, desde a década de 1980, que entra em confronto com as novas abordagens e modelos de ação dos EUA. Tais questões podem ser observadas quando Bob Barnes é confrontado por seus superiores nos EUA, sobre sua missão envolvendo os mÃsseis, na sequência exposta anteriormente. EUA. Bob Barnes dirige por uma rodovia, a legenda apresenta: Langley-Virginia, Agência Central de Inteligência (CIA). Dois agentes, Fred Franks e a chefe de divisão falam sobre Bob Barnes, enquanto ele dirige pelo tráfego de Washington-DC. Os agentes estão preocupados com os memorandos de Barnes sobre o mÃssil entregue aos Amiri no Teerã, capital da República Islâmica do Irã. Franks comenta que convenceu a França e a Inglaterra que nada tiveram a ver a explosão que matou os irmãos Amiri. A chefe da divisão sugere que Barnes seja promovido. Durante esse diálogo, a interposições de cenas de Barnes dirigindo com os agentes dialogando. Corte. No corredor, Barnes aguarda por sua entrevista de promoção, enquanto isso ouvimos um homem falar sobre suas atividades de Barnes a uma banca, alguém faz 191 SAID, Edward W. O Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. 192 Cartaz de lançamento de Syriana (2005). DisponÃvel em: <http://www.imdb.com/media/rm767267328/tt0365737?ref_=ttmd_md_nxt#>. Acesso em: 27 dez. 2014. 193 MEAD, Walter Russel. Poder, terror, paz e guerra: os Estados Unidos e o mundo contemporâneo sob ameaça. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2006. Página 115 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE piada com as missões de Barnes em Beirute na década de 1980. Antes de entrar Terry George, vice chefe da CIA e amigo de Barnes, fala que tudo está bem com o Irã. Corte, na sala, durante a entrevista Barnes tende a seguir um caminho contrário ao de sua entrevistadora, Marilyn Richards, vice conselheira de segurança nacional, que fala que a Ãndia, a Rússia, e mesmo a China serão aliadas, o problema é com Estados e economias falidas, como Marrocos e Paquistão, e acrescenta que o Irã é um aliado cultural natural dos EUA. Richards questiona Barnes se caso mantiverem o embargo energético, algum dia o Irã se tornará um governo amigável ao Ocidente e a iniciativa privada? Barnes diz que é uma situação complicada, porque, apesar de não parecer, os Aiatolás ainda controlam o paÃs. Um dos componentes da CLT (Comitê pela Libertação do Irã) diz que o movimento reformista no Irã é uma das apostas do presidente dos EUA, elemento crucial para assegurar o petróleo para os EUA. Corte. Princeton, New Jersey. Jovens caminham pelo campus, Barnes conversa com seu filho, Robby Barnes, em uma lanchonete, ambos discutem o relacionamento familiar.194 Na sequência descrita acima, o personagem Barnes é apresentado ao público, um agente da CIA com vasta carreira no Oriente Médio e um cidadão comum, com seus problemas pessoais. Sobretudo, é motivo de piada para alguns de seus colegas e superiores, mas aparentemente é uma peça fundamental em meio aos objetivos da agência no Irã, já que possui proximidade e experiência no paÃs. Quando a superiora de Barnes cita alguns potências, desenha um cenário no qual o EUA têm medo desses pequenos paÃses que não se enquadram em seus termos, uma referência a situação da polÃtica antiterrorista, com os paÃses do Eixo do Mal, termo imortalizado em discurso de George W. Bush, composto pelo Iraque, Coréia do Norte e o Irã. No fim do diálogo há o contraste exposto entre as novas entidades (CLT) em confronto com ordem estabelecida no Irã, os aiatolás. CLT trata de uma referência à s recentes entidades criadas pelo governo Bush, podendo a partir disso se expor a possÃvel relação com a Operação Iraque Livre (Operation Iraqi Freedom). Esses apontamentos são um esforço de Syriana em construir uma crÃtica à s polÃticas antiterroristas, sobretudo, trazem elementos que cercam o processo histórico das relações entre o Ocidente e o Oriente. E se tratando de uma produção que busca ir além do marco, a crÃtica de Syriana explora a percepção do Oriente Próximo favorável aos interesses do paÃs defensor do mundo livre e “representante†do 194 Syriana: a indústria do petróleo. [Syriana]. Direção de Stephen Gaghan. Roteiro de Stephen Gaghan. EUA. Produzido por Warner Bros, Participant Media, 4M, Section Eight, FilmWorks, MID Foundation. Distribuição Warner Bros, 2005. 1DVD vÃdeo (128 min.); Colorido. [Narração nossa]. Página 116 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE Ocidente. De modo que lembra as colocações de Edward Said sobre o orientalismo estadunidense. Em comparação [a Europa], o entendimento americano do Oriente parecerá consideravelmente menos denso, embora as nossas recentes aventuras japonesa, coreana e indochinesa deveriam agora estar criando urna percepção “oriental†mais sóbria, mais realista. Mais ainda, o grande aumento da importância do papel económico e politico dos americanos no Oriente Próximo (o Oriente Médio) assume urna grande porção do nosso entendimento desse Oriente.195 O cenário cinematográfico inicial, exposto no segundo capÃtulo, mostra a aproximação de Hollywood do governo, no qual as imagens se voltam a favor de uma polÃtica intervencionista no Oriente Médio, tipicamente republicana, que disseminaram uma visão simplória e caricata de povos do Oriente Médio, mesmo que em grande parte o foco fosse os arábes muçulmanos. De modo que isso se relaciona à utilização de diversos artifÃcios a fim de ligar os Atentados de 11 de Setembro como uma justificativa e um marco da luta contra o terrorismo. Ressaltando novamente que as imagens dos ataques terroristas foram incessantemente exibidas na mÃdia e, posteriormente, em instituições educacionais. As imagens dos atentados e a disseminação do terrorismo como novo mal encontram suporte não apenas na polÃtica de guerra preventiva, mas principalmente no imaginário social que se tem do Oriente Médio, raso e artificial, como aquelas disseminadas pelo próprio cinema, bem como pela mÃdia anos antes do que se intitulou Guerra ao Terror. Golfo Pérsico. Numa pequena sala da Madrassa (escola religiosa), enquanto um grupo de jovens comem, entre eles Wasim e Farooq, todos ouvem o discurso de um clérigo: “Eles tentarão esconder a diferença para insinuar que muçulmanos que falam de religião são pessoas fanáticas ou retrógadas. Dirão que se trata de uma disputa por recursos econômicos ou domÃnio militar. Se acreditarmos nisso faremos o jogo deles e a culpa será toda nossa. Não é possÃvel superar a cisão entre as necessidades humanas e a vida moderna através do livre comércio. ImpossÃvel. O divino e o mundano são um só conceito, o Alcorão. Nenhuma separação entre religião e estado, o Alcorão. Em vez de reis legislando e escravos obedecendo, o Alcorão. A dor da vida moderna não pode ser curada pela desregulamentação, privatização, reforma econômica ou redução de impostos. A dor de viver no mundo moderno 195 SAID, Edward W. O Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 1990, p. 14. Página 117 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE nunca será sanada por uma sociedade liberal. As sociedades liberais fracassaram. A teologia cristã fracassou. O Ocidente fracassouâ€.196 A declaração acima destaca a importância do Alcorão acima de qualquer (???), mesmo que o discurso opositor, EUA, destaque outras prerrogativas, o que importa é a defesa dos ensinamentos da religião islâmica, tudo vai muito além da economia liberal e do modo de vida Ocidental. Na contraposição ao discurso acima, as sequências abaixo mostram que não há uma distinção entre Ocidente e Oriente de forma unilateral, como se em cada um houvesse um consenso entre o “nós†e o “elesâ€, pois em inúmeras situações há conflitos, seja entre os EUA como entre os arábes. França. Abordo de um iate luxuoso, o prÃncipe Meshal Al-Subaai conversa com um grupo de homens sobre sua formatura em Oxford e corrida de cavalos. Corte. Em outra cena, numa sala privada do iate, Meshal está reunido com Reza Barhani e Dean Whiting. Em meio a drinks, Barhani fala que o capitalismo não existe sem desperdÃcio e que devem agradecer a Whiting e aos EUA por produzirem 25% do lixo mundial e 25% da demanda. Whiting brinca com a situação e pergunta o que poderia fazer por Meshal, que se posiciona de maneira esnobe. Como resposta Whiting fala o que pensa sobre Meshal e diz que ele tem medo do irmão Nasir, que talvez queira se tornar o novo Emir. EUA. Off ouvimos a conversa de Fred Franks e a chefe de divisão da CIA sobre a missão envolvendo o prÃncipe Nasir, enquanto na tela Bob Barnes caminha. Voz e imagem sincronizam. Nova cena, numa sala de reunião, Fred Franks, a Chefe da Divisão e outros agentes decidem designar Barnes para uma nova missão em Beirute, LÃbano. Enquanto todos ouvem uma explanação a respeito da famÃlia Al-Subaai, no poder desde os anos de 1920, e de como eles venceram conflitos tribais e governam a região – um paÃs fictÃcio do Oriente Médio –, o apresentador ressalta que a famÃlia enfrentará obstáculos no futuro. Enquanto se ouve ao fundo a explanação, Barnes conversa paralelamente com Franks e a Chefe da Divisão, que lhe falam que ele poderá utilizar suas habilidades culturais especiais nesta missão, que consiste em investigar o prÃncipe Nasir Al-Subaai. Frank conta que Nasir estaria financiando armas que podem ser utilizadas contra os EUA, que ele enviou dinheiro a Al-Qaeda e que mandou um de seus ministros contratar Mohammed Sheik Agiza, responsável por roubar o mÃssil da missão de Barnes. A chefe da divisão comenta que o prÃncipe Nasir é um homem mal, Barnes insiste em falar sobre o mÃssil que está desaparecido, sua chefe diz que no momento ninguém quer ouvir falar desse assunto, a prioridade é outra. A explanação continua, a câmera faz um super close num slide com a face do prÃncipe Nasir, e ouvimos 196 Syriana: a indústria do petróleo. [Syriana]. Direção de Stephen Gaghan. Roteiro de Stephen Gaghan. EUA. Produzido por Warner Bros, Participant Media, 4M, Section Eight, FilmWorks, MID Foundation. Distribuição Warner Bros, 2005. 1DVD vÃdeo (128 min.); Colorido. Página 118 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE sobre a sucessão do trono dos Al-Subaai e que Nasir é talvez o mais ambicioso dos dois filhos do Emir Hamed.197 Tais sequências nos apresentam de forma mais incisiva a representação dos EUA, da visão estagnada e retrógrada frente ao Oriente enquanto região que serve aos seus interesses. De um lado, o futuro Emir, Meshal Al-Subaai, aliado aos EUA, e, de outro lado, seu irmão, Nasir, disposto a seguir outro caminho. A representação das instituições estadunidenses e seu posicionamento sobre o Oriente Médio chegam a ser caricatas – sendo seu contraponto a do personagem Bob Barnes –, que mostra um conhecimento bastante simplório, para não dizer politicamente objetivo, do ficiticio paÃs dos Al-Subaai no Oriente Médio. Claramente próxima da mesma disseminada por aquela da administração Bush/Cheney. O que se apresenta é que sendo favorável aos objetivos ocidentais, ou seja, aos EUA, não haverá qualquer empecilho, se não a história será outra. Assim, de um lado se vê o prÃncipe Nazir, como “o homem malâ€, segundo a CIA, com seu lado reformista exposto em outros cenários. Assim, outro personagem que traz reflexões entre as visões do Ocidente sobre o Oriente Médio é Bryan Woodman, através de seus diálogos com o princÃpe Nasir Al-Subaai, o filho reformista. A relação de ambos se dá por um acidente, Woodman objetivava obter negócios para a empresa em que trabalha, mas não ganhou atenção, isso se deu apenas com a morte acidental de seu filho na casa da famÃlia Al- Subaai. De certa forma, entrou por acidente em meio a essa complexa teia internacional da indústria petrolÃfera. Golfo Pérsico. Um carro dirige pelo deserto até um palácio, o prÃncipe Nasir conversa com um grupo de homens, Woodman o aguarda. Nasir se levanta e diz a Woodman, que seu pai, o Emir Hamed, ordenou a demolição do palácio de Marbella-Espanha, onde o filho de Woodman, Max, morreu, e que lá será construÃdo um parque. Em outra cena, no deserto em meio à s dunas, Nasir pratica falcoaria enquanto conversa com Woodman sobre lhe oferecer os direitos de exploração de campos petrolÃferos de seu paÃs para a empresa que Woodman representa. Woodman calcula que o lucro será de setenta e cinco milhões de dólares e pergunta ao prÃncipe: “Ótimo! Isso é ótimo! Quanto pelo meu outro filho?â€. Woodman fala sobre o histórico econômico do reino do prÃncipe Nasir e que hoje o mundo dos negócios pensa que há cem anos eles viviam e degolavam uns aos outros e que será onde estarão daqui a cem anos. Woodman aceita a proposta em nome da empresa, e o prÃncipe Nasir lhe diz que dará outros cem milhões pelo outro filho e 197 Syriana: a indústria do petróleo. [Syriana]. Direção de Stephen Gaghan. Roteiro de Stephen Gaghan. EUA. Produzido por Warner Bros, Participant Media, 4M, Section Eight, FilmWorks, MID Foundation. Distribuição Warner Bros, 2005. 1DVD vÃdeo (128 min.); Colorido. [Narração nossa]. Página 119 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE que agora Woodman é seu conselheiro econômico. Ao fim Nasir, diz para Woodman lhe contar algo que ainda não saiba sobre o seu paÃs, Woodman fica em silêncio por um instante, em seguida apresenta sua proposta para a construção de um oleoduto através do Irã direto para a Europa.198 Em conjunto com as três últimas descrições de sequências, cronologicamente com a montagem do filme, observam-se diferentes comportamentes do Oriente Médio, para além do que estava sendo amplamente difundido no perÃodo de produção e lançamento de Syriana. Ao ponto que essa perspectiva, do Oriente mais autônomo, moderno e conciente de si próprio, liga-se à exposição de Edward Said no prefácio escrito para a edição de Orientalismo lançada em 2003: Devo voltar a dizer que não disponho de um Oriente ‘real’ de que faça a defesa. Tenho, porém, muita consideração pelos poderes e pelos dons dos povos dessa região, o que me permite continuar a lutar pela ideia que eles próprios têm daquilo que eles próprios são e daquilo que eles próprios querem ser. Tem havido um ataque tão maciço e interessadamente agressivo contra as sociedade árabes e muçulmanas contemporâneas, contra o seu atraso, a sua falta de democracia, a sua anulação dos direitos das mulheres, que nós simplesmente esquecemos que noções como modernidade, esclarecimento e democracia não são de forma alguma conceitos simples e consensuais, passÃveis de ser ou não ser encontrados, como ovos de Páscoa na sala de estar.199 Said aborda o contexto da disseminação da Guerra ao Terror e da crescente propagação do Oriente distante dos ideiais do Ocidente, no qual os conceitos e direitos citados seriam facilmente assimilados de igual maneira, o que acentua na visão ocidental um “atrasoâ€, do “nós†civilizados e o “elesâ€. Tal debate e a complexidade do tema está presente em Syriana, no conflito familiar dos Al-Subaai, e também na CIA. Bob Barnes possui uma visão mais realista e detectou que há riscos com o desaparecimento do mÃssil, conhece a dinâmica do que os povos dali almejam e os conflitos ideológicos dos diferentes grupos, enquanto a CIA segue o protocolo. Portanto, Syriana mostra esse conflito de interpretações e concepções do Oriente, não apenas entre os cidadãos dos EUA e também com os personagens orientais. 198 Syriana: a indústria do petróleo. [Syriana]. Direção de Stephen Gaghan. Roteiro de Stephen Gaghan. EUA. Produzido por Warner Bros, Participant Media, 4M, Section Eight, FilmWorks, MID Foundation. Distribuição Warner Bros, 2005. 1DVD vÃdeo (128 min.); Colorido. [Narração nossa]. 199 SAID, Edward W. Prefácio. In: ______. O Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 2003, p. 14. Página 120 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE Esse todo complexo, com diferentes prismas, ocorre porque Syriana é muito eficaz em estabelecer conexões. O diretor/roteirista Stephen Gaghan utilizou muito da justaposição de diferentes cenas/sequências para expor a complexidade dos diferentes temas que aborda. Em diversos momentos os cortes servem para explicar posicionamentos polÃticos, econômicos, culturais e ideológicos, mas, sobretudo, é constante a contraposição de eventos no Oriente Médio e nos EUA, relacionando a influência de decisões referentes ao petróleo. Syriana é um filme que apresenta os personagens em favor da história, um pouco distante do que o grande público estava acostumado em filmes do gênero, na qual a história serve aos personagens centrais. Sobretudo, isto é desenvolvido por Gaghan através de vários relacionamentos entre pais e filhos e suas divergentes visões de mundo. A citar: Bob Barnes e seu filho Robby, nos EUA; os paquistaneses, Saleem e seu filho Wasim, em um fictÃcio paÃs do Oriente Médio. Tanto é que a narrativa, com o constante deslocamento de locais, não dá espaço para um personagem principal, já que estes estão à mercê das artimanhas do enredo. Ademais, Gaghan expõe a vida profissional e a pessoal de seus personagens, relacionando os motivos psicológicos das escolhas de suas ações, com especial foco, no jogo da corrupção empresarial. O personagem de George Clooney, Bob Barnes, talvez seja o que mais se aproxima de um herói, mais precisamente um anti-herói, pois ele vai ganhando sua redenção conforme o enredo se desenvolve. Barnes ao longo de sua carreira acreditou que seu trabalho auxiliava seu paÃs a se manter uma pátria segura, até o momento em que nota que nunca esteve a par das reais motivações da CIA, dos EUA, sendo apenas uma pequena peça, num jogo no qual ninguém enxerga ou compreende o cenário por completo – uma bela alusão ao próprio público e ao consumo de notÃcias após o 11 de Setembro –, ao ponto de ao fim ser ignorado pela agência. O filme revela que existem poucos agentes como Bob Barnes – lembrando que o personagem foi vagamente baseado no ex-agente da CIA Robert Baer –, e em vários momentos citam missões dele realizadas durante a Guerra Fria, o que é sugerido pela sua atuação na CIA na região há décadas. Ademais, também traz como ponto de reflexão o auxÃlio dos EUA ao Afeganistão contra a invasão soviética no fim da década de 1980. Bob Barnes é um elemento fundamental para a reflexão temporal ao longo de Syriana, pois é o elo entre a década de 1980 e a conivência com certos grupos e a atualidade onde se busca manter distância. Toda essa “descoberta†de Barnes, de agente que segue seu Página 121 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE paÃs a um “problema†para a CIA, se desenrola em meio a sequências que mostram o prÃncipe Nasir enquanto um reformista, que vai na contramão das vontades dos EUA. Rockville, Maryland. Bob Barnes está num bar com seu amigo Stan Goff (William Hurt), agente da CIA aposentado, conversam sobre a vida pessoal de Bob. Em outra cena, ambos caminham pelo estacionamento, Stan fala sobre a corrupção das empresas privadas e que as apoia, cita que a CIA é um negócio de 30 bilhões de dólares, que todos precisam de autorização, e sobre suas despesas privadas. Barnes fala a Terry que tem chance de voltar a Beirute e o questiona se é seguro, seu amigo lhe diz para pedir permissão ao Hezbollah. Beirute, LÃbano. Num subúrbio sob o controle do Hezbollah, Barnes está em um táxi que passava por pequenas ruas observando diferentes cenários: homens armados nos telhados, crianças, mulheres. O táxi é obrigado a parar em uma barreira, homens armados retiram Barnes de dentro do carro, que exclama o nome Said Hashimi e que é canadense, colocam-no em outro carro e lhe põe um capuz. Em um local desconhecido, Barnes está em uma espécie de sala de espera, retiram-lhe o capuz, em seguida é conduzido a uma sala, onde conversa, em árabe, com Said Hashimi, lÃder espiritual do Hezbollah, que elogia o povo estadunidense. Barnes lhe agradece pela recepção e diz estar ali para tratar de assuntos que não envolvem o Hezbollah, Hashimi diz que se é verdade, que pode se considerar bem-vindo ao LÃbano. Corte. Beirute, LÃbano. A beira de um quebra-mar, Barnes se encontra com Mussawi, um antigo contato, que ele insiste em chamar de Jimmy, e lhe mostra uma fotografia do prÃncipe Nasir. Mussawi lhe diz que Nasir está a caminho de Beirute, Barnes lhe pede que o capturem, coloquem-no em um carro, que deve ser atingido por um caminhão a uma velocidade de 80Km/h. Um minuto de silêncio entre os dois, apenas o som das ondas, Mussawi olha para Barnes e diz que é bom tê-lo novamente em Beirute. Corte. Ainda em Beirute, Woodman que está acompanhando o prÃncipe Nasir, ao telefone fala sobre a cidade e que o prÃncipe é um reformista. Enquanto isso Nasir faz um pronunciamento, afirma que ao contrário do plano estadunidense, ele respeita o direito de cada paÃs caminhar em seu próprio ritmo. Woodman deixa o telefonema de lado e tenta prestar atenção ao discurso. Na sequência, a comitiva do prÃncipe Nasir chega a um hotel. O prÃncipe Nasir, Woodman, e um segurança seguem para o elevador, na primeira parada abre-se a porta do elevador e vemos Barnes. Dentro do elevador, Nasir puxa conversa com Barnes, pergunta se ele é estadunidense, que responde ser canadense, o prÃncipe diz ser difÃcil encontrar ocidentais na região. Abre-se a porta do elevador, um homem ameaça entrar no elevador, mas dá um passo atrás. Nasir diz ser uma pena ver poucos ocidentes e todos ficam em silêncio. Corte. No lado de fora do hotel, Nasir está reunido com sua comitiva lendo o The Wall Street Journal, e Barnes, a certa distância, o observa, enquanto almoça um sanduiche com fritas. Após algum tempo, Barnes olha ao seu redor e vê apenas a comitiva e o prÃncipe Nasir, ao fundo deles bandeiras do LÃbano brandem ao vento. No hotel, há a interposição de várias cenas: Um grupo de homens suspeitos chega em caminhonetes pela entrada de serviço do hotel; enquanto isso o prÃncipe Nasir caminha por um dos corredores do hotel; o grupo de homens sobe os andares pela escadaria; Barnes termina o almoço e segue para o seu quatro; os homens caminham pelos corredores; Nasir está agora em seu quarto; Barnes caminha pelo seu andar, observando ao seu redor, entra em seu Página 122 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE quarto, olha pela janela e vê o prÃncipe Nasir também olhando pela janela as caminhonetes suspeitas estacionadas; de repente, Barnes é dominado por três homens armados e colocado no porta-malas de uma das caminhonetes. EUA. Holiday prossegue com sua investigação pesquisando antigos arquivos, em seguida recebe um telefonema. Holiday chega a um bar e encontra seu pai desmaiado sobre uma das mesas. Beirute. Barnes está em uma sala, sem camisa e amarrado a uma cadeira, seu antigo contato, Mussawi, fala sobre métodos de tortura chineses. Em seguida pede os nomes das pessoas que são pagas por Barnes e arranca a unha de um de seus dedos com um alicate. Barnes o chama de Jimmy e fala que ele não é um fanático que segue o Alcorão. Mussawi prossegue com a tortura, exclamando que há uma guerra, enquanto espanca Bob. No momento em que Mussawi diz que irá decapitar Barnes, Said Hashimi adentra a sala e interrompe a tortura. O lÃder espiritual diz estar irritado com Mussawi e que mantem sua palavra, e que Barnes é um convidado do Hezbollah, assim como ele, que lança sua faca e se retira da sala. Golfo Pérsico. Na Madrassa Wasim e Farooq caminham por pelo gramado com Agiza, que os leva até uma sala, debaixo de um alçapão retira o mÃssil FMI-Stinger que estava desaparecido na missão de Barnes no Teerã. Corte. LÃbano. Ainda na sala que foi torturado, Barnes está desacordado, seu corpo contrasta com o piso branco com seu sangue, em off ouve-se a chamada da Minarete, Barnes acorda e se levanta. EUA. Fred Franks e a chefe de divisão receberam informações de que Mussawi está contando a todos que a CIA enviou Bob Barnes a Beirute para assassinar o prÃncipe Nasir. Os agentes estão no escritório de Terry George, que está ao telefone e questiona se podem mata-lo, Frank interfere o telefonema e questiona se seria o Bob. George desliga o telefone e conversam sobre o caso, há uma preocupação de que a tudo chegue à imprensa e ganhe credibilidade. Frank conta que o contato com Mussawi foi armado, que ele agora é um agente do Irã. Terry pede para distanciarem o nome de Bob Barnes da CIA, argumenta que não será difÃcil, pois ele possui muitos trabalhos independentes, que há anos não o controlam, relata ainda, que após o 11 de Setembro, muitos agentes se deixaram dominar pelas emoções, que são tempos difÃceis. Ademais Terry diz que Bob já está sendo investigado, aproveitam-se do que ocorreu no Teerã, para forjar uma investigação contra Barnes. Por fim, Terry diz que muitas pessoas querem o prÃncipe Nasir morto e que Bob conhece muitas pessoas, que podem tê-lo contratado. Em Washington, D.C., Barnes está em uma cama de hospital, enquanto em off inicia-se o seu interrogatório. Agora, Bob está sentado, respondendo sobre seu envolvimento com os irmãos Amiri a dois agentes que lhe pedem que entregue seus passaportes.200 Num cenário de polÃticas antiterroristas, com a intervenção dos EUA no Oriente Médio, e operações como Iraque Livre, com a disseminação da defesa dos ideais de liberdade e democracia, se tomarmos por base as exposições de Syriana, com a trama que 200 Syriana: a indústria do petróleo. [Syriana]. Direção de Stephen Gaghan. Roteiro de Stephen Gaghan. EUA. Produzido por Warner Bros, Participant Media, 4M, Section Eight, FilmWorks, MID Foundation. Distribuição Warner Bros, 2005. 1DVD vÃdeo (128 min.); Colorido. [Narração nossa]. Página 123 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE envolve o personagem Bob Barnes, tais polÃticas tornam-se nada mais que uma falácia dos EUA, voltadas apenas para a disseminação de uma imagen adequada para a opinião pública, para os cidadãos que compreendem esse momento histórico através da narrativa da luta contra o terror e apoiam o governo. Ademais, o conflito de interesses entre a famÃlia Al-Shubai, Nasir, um reformista pró-Oriente e seu irmão Meshal pró-Ocidente, entenda-se EUA, mostra que tudo vai muito além do controle dos EUA. Nota-se isso na relação entre Nasir e o analista Woodman, que se aproximou do prÃncipe, se tornando um acessor, através da morte acidental de seu filho, tendo conquistado lucro para sua empresa através desse acontecimento. Sobretudo, a CIA está tão concentrada na sua fixação no prÃncipe Nasir, construindo a imagem “maléfica†deste que não irá se submeter aos desejos dos EUA, que deixa de lado situações que não estão em seus planos, mesmo sendo alertada pelo agente Barnes. Segue, então, a linha já estabelecidade, fortemente apoiada numa visão do Oriente estativo e submisso, que não irá reagir. Todo esse cenário, é a mais forte alegoria produzida por Hollywood. Muito próxima do que ocorreu antes do 11 de Setembro, o governo mesmo com informações de que poderia ocorrer um atentado ao território nacional, não deu a importância devida. Muitos elementos que são exaltados no perÃodo de produção de Syriana ficam submetidos à s relações que emanam da indústria petrolÃfera. Pode-se notar isso no tratamento que Gaghan dá a CLI (Comitê pela Libertação do Irã), na qual muitos de seus componentes estão ligados à indústria do petróleo, dando a entender que se trata de uma desculpa esfarrapada com outras motivações, como retratado na sequência descrita abaixo. EUA. Benneth Holiday prossegue com sua pesquisa nos arquivos, um de seus assistentes encontra uma transação bancária em russo. Em seguida Holiday vai a mesa de outra assistente que encontrou uma transferência bancária para um internato na SuÃça autorizado por Daniel Dalton em nome da Vidak Ltda. Em seguida Holiday caminha rapidamente através de um corredor e tenta entrar na reunião privada da CLT, Holiday é barrado, mas pede que entreguem um bilhete a Sydney Hewitt. Na reunião, Hewitt recebe o recado, ao fundo a palestra do Secretário de Defesa, que fala sobre a demografia do Irã, os problemas enfrentados e que os EUA os ajudaram. Daniel Dalton também está na reunião assistindo a palestra, ao fundo vemos Hewitt se retirar da sala. Na sala de reuniões da Connex, Holiday está reunido com Jimmy Pope, dono da Killen, Hewitt e alguns executivos e advogados, ele explana sobre sua investigação, que a Killen Oil, via Daniel Dalton e a Petroika Energy Consultants criaram empresas de fachada para os herdeiros do ministro de Recursos Domésticos da República do Cazaquistão, tudo Página 124 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE discutido em uma reunião em janeiro de 2003, em Idaho, EUA. Tommy, um dos advogados diz que esteve na reunião de 2003, mas que não se ateve aos detalhes. Holiday apresenta outras especificidades, um homem interrompe e diz que tudo aconteceu antes da Connex se envolver, Holliday continua a falar da lei de corrupção. Tommy questiona: “Estamos falando da indústria do petróleo?â€. No momento em que Benneth fala da proibição de enviar presentes, quantias em dinheiro para obter vantagens, Jimmy Pope sorri ironicamente e acusa a empresa de advocacia para qual Holiday e Hewitt trabalham, a Whiting Sloan, de enviar dinheiro a Arábia Saudita, Hewitt diz que não é o caso, pois não está sendo investigada. Pope diz que deveria estar e que Daniel Dalton é um bom homem, é seu amigo. Genebra, SuÃça. O prÃncipe Nasir e Woodman discutem sobre o congelamento dos bens do Emir Hamed, que foi processado por outros integrantes da famÃlia, os chamados “prÃncipes descontentesâ€. Nasir vai até o quarto de seu pai, mas é impedido de entrar e olha com descontentamento para Woodman. Nasir dá meia volta e observa seu irmão, Meshal, e um grupo de advogados estadunidenses, e questiona o que eles pretendem. Woodman diz que eles pensam que o petróleo está se esgotando, que 90% do que resta no mundo está no Oriente Médio e cita diversos conflitos ocorridos na região. Woodman diz que isto é uma luta de vida ou morte, que todos acham ótimo que os donos de campos de petróleo esbanjem suas fortunas com futilidades, sem investir em infraestrutura ou na economia. O prÃncipe Nasir pede que Woodman o acompanhe. No quatro do hotel, Nasir expõe suas propostas para reerguer seu paÃs, de criar uma bolsa de valores para o petróleo no Oriente Médio, construir um oleoduto até a Europa pelo Irã, vender óleo para a China, aumentar com eficiência os lucros. E continua, diz que basta o presidente dos EUA ligar para seu pai e reclamar do desemprego nos no Texas, Kansas, Washington, para que em seguida se reduzam os programas sociais de seu paÃs para comprar aviões. Nasir diz que seu paÃs tinha dividas com os EUA, mas que já foi paga, afirma que aceitou uma oferta chinesa, a mais alta, e agora é considerado um terrorista, um comunista ateu. Por fim, fala de Dean Whiting, e que este representa os “prÃncipes descontentes†que processaram seu pai e também seu irmão, além da Connex, e que está pressionando seu pai para cancelar o contrato com a China.201 Estas sequências mostram que em se tratando do domÃnio sobre os recursos petrolÃferos, uma questão econômica, e não precisamente um “choque de civilizaçõesâ€, a percepção, sem grande historicidade dos EUA para com o Oriente Médio, que remonta a segunda metade do séc. XX, vem a somar com essa construção unicamente de um embate ideológico com o fundamentalismo islâmico e a propagação das nações e do povo árabe como danosos aos ocidentais. Abaixo observa-se alguns dos elementos que compõe esse processo histórico expostos por Edward Said: 201 Syriana: a indústria do petróleo. [Syriana]. Direção de Stephen Gaghan. Roteiro de Stephen Gaghan. EUA. Produzido por Warner Bros, Participant Media, 4M, Section Eight, FilmWorks, MID Foundation. Distribuição Warner Bros, 2005. 1DVD vÃdeo (128 min.); Colorido. [Narração nossa]. Página 125 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE Assim, se o árabe ocupa bastante a atencão, é como um valor negativo. Ele é visto como um perturbador da vida de Israel e do Ocidente, ou, em outra perspectiva da mesma coisa, como um obstáculo superável à criação de Israel em 1948. Qualquer história que esse árabe tenha é parte da história que lhe é dada (ou retirada: a diferenca é pequena) pela tradição orientalista. A Palestina era vista – por Lamartine e pelos primeiros sionistas – como um deserto vazio esperando para florescer; os habitantes que porventura tivesse eram supostamente nômades inconseqüentes que nao tinham nenhum direito real sobre a terra, e, portanto, nenhuma realidade cultural ou nacional. Desse modo, o árabe passa a ser concebido como uma sombra que persegue o judeu. Nessa sombra – porque o árabe e o judeu sao semitas orientais – pode ser colocada qualquer desconfianca latente, tradicional. Que o ocidental sinta a respeito do oriental. Pois o judeu da Europa pré-nazista bifurcou- se: o que temos agora é o herói judeu, construÃdo a partir do culto reconstruÃdo do orientalista-aventureiro-pioneiro (Burton, Lane, Renan) e a sua sombra arrepiante, misteriosamente assustadora, o oriental árabe. Isolado de tudo, exceto do passado criado para ele pela polêmica orientalista, o árabe está acorrentado a um destino que o fixa e o condena a uma série de reações periodicamente disciplinadas por aquilo que recebeu de Barbara Tuchman o teológico nome de “terrÃvel espada rápida de Israelâ€. Além de ser anti-sionista, o árabe é também um fornecedor de petróleo. Esta é outra caracrerÃstÃca negativa, posto que, na maior parte das vezes em que se fala do petróleo árabe, o boicote de 1973-4 (que beneficÃou principalmente as companhias petrolÃferas ocidentais e urna pequena elite dirigente árabe) é visto como uma amostra da ausência de quaisquer qualificações morais da parte dos árabes para possuÃrem reservas tão vastas de petróleo. Sem os costumeiros eufemismos, a pergunta que se ouve com maior freqüência é por que motivo se permite que gente como os árabes mantenham o mundo desenvolvido (livre democrático, moral) sob ameaça. De perguntas como essa passa-se frequentemente a sugestão de que os campos de petróleo árabes sejam invadidos pelos fuzileiros.202 Said destacou o aumento significativo dos estudos de orientalismo após a Segunda Guerra em várias instituições acadêmicas nos EUA, onde já era notável a definição do “nós†e do “elesâ€, no qual o Islã, sem uma descrição especÃfica configurava uma cultura, um estado, um religião, sobretudo uma realidade distinta do Ocidente e extremamente baseada em tradiocionalismo, distante da modernidade ocidental.203 É notável o orientalismo estadunidense exposto em Syriana como algo que motiva a oposição ideológica, principalmente através das instituições, com a CIA, moldando e constituindo o árabe de acordo com o interesse da nação. E tamanho é o destaque de Syriana para a questão econômica que além do desinteresse da CIA sobre outras 202 SAID, Edward W. O Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 1990, p. 290-291. 203 Ibid. Página 126 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE situações, que a disputa do trono dos Al-Subaai é fortemente relacionada à pressão dos EUA. Genebra. na suÃte do hotel, o prÃncipe Nasir olha pensativo pela janela, seu irmão o prÃncipe Meshal joga sinuca, o Emir está em uma cadeira de rodas. Nasir se aproxima e questiona seu pai sobre quem irá sucedê- lo, que responde que será Meshal, desapontado critica a decisão, argumentando a incapacidade do irmão. O Emir diz gostar da Europa, que sua decisão é irrevogável e pede que Nasir apoie o irmão, que se recusa o pedir e se retira do local. Na sequência o prÃncipe Nasir está reunido com um grupo de homens sentados e discursa: “Por séculos, os árabes tiveram governantes sem respeito pela lei, monopólios concedidos sobre os bens mais procurados, comércio paralisado, jovens sem possibilidade de emprego. Qualquer um que faça uma crÃtica é jogado na cadeia ou então é morto. E as mulheres são tratadas como cidadãs de segunda classeâ€. Um homem interrompe Nasir dizendo a coroação de Meshal será no dia seguinte, sendo apoiado pelos EUA, que está com dez mil soldados no paÃs. Nasir o responde dizendo que seu pai está fraco e não quer se impor aos EUA, mas outros querem, e completa: “Quando um paÃs tem 5% da população mundial, mas é responsável por 50% dos gastos militares, então, o poder de persuasão desse paÃs está em declÃnioâ€.204 A fala do prÃncipe Nasir Al-Subaai demonstra o caráter imperialista dos EUA. E tendo em conta o contexto histórico da produção, remonta as recentes polÃticas do governo Bush. Destaca-se a ação dos EUA no Iraque, que não teve o aval da ONU, e que contou com enorme efetivo militar, com objetivo de capturar Saddan Hussein e buscar as supostas armas de destruição em massa, nunca encontradas. Tais crÃticas são bastante presentes em diversas análises no pós-11 de Setembro a respeito da Guerra ao Terror e da Doutrina Bush. A sequência acima é uma metáfora bastante incisiva que rebate não apenas a filmografia do perÃodo, mas também a produção acadêmica, que orbita em torno do marco da luta contra o terror. Bush e sua administração, exemplificam o orientalismo estadunidense, tal como há décadas Edward Said denunciou. Tal a importância das colocações de Said que hoje sua obra soa tão atualizada, visto as inúmeras implicações desse “conhecimento†dos EUA sobre o Oriente, muitas vezes caricatas como se vê em Syriana. No prefácio de Orientalismo da edicação brasileira de 2003, Said elencou inúmeros elementos que estão 204 Syriana: a indústria do petróleo. [Syriana]. Direção de Stephen Gaghan. Roteiro de Stephen Gaghan. EUA. Produzido por Warner Bros, Participant Media, 4M, Section Eight, FilmWorks, MID Foundation. Distribuição Warner Bros, 2005. 1DVD vÃdeo (128 min.); Colorido. Página 127 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE presentes no governo Bush e sua polÃtica aplicada ao Oriente, bastante próxima das exposições que Syriana levou aos espectadores. Agora, as livrarias norte-americanas estão repletas de livros com tiras grosseiras que ostentam parangonas gritantes sobre o Islão e o terror, o Islão exposto, a ameaça árabe e a intimação muçulmana, tudo isto escrito por polemistas polÃticos que se reclamam um conhecimento que lhes foi fornecido, a eles e a outros, por especialistas que supostamente penetratam o coração destes estranhos povos orientais longÃnquos que têm sido um tão terrÃvel espinho na “nossa†carne. Acompanhando estes especialistas do negócio das guerras têm estado as omnipresentes CNNs e Foxs deste mundo, juntamente com uma mirÃade de profissionais da rádio evangélicos e de direita, e inúmeros jornalistas de tablóides ou até mesmo de jormais de qualidade mediana, todos eles empenhados em reciclar as mesmas ficções inverificáveis e as mesmas vastas generalizações, de maneira a agitar a América contra o demônio estrangeiro. Mesmo com todos os seus terrÃveis fracassos e o seu pavoroso ditador (que foi em parte criado pela polÃtica norte-americana há duas décadas), se o Iraque fosse o maior exportador mundial de bananas ou de laranjas decerto não teria havido nenhuma guerra, nem nenhuma histeria a propósito das armas de destruição maciça desaparecidas misteriosamente, nem a delocação de uma força militar gigantesca (exército, marinha e força aérea) para um local a sete mil milhas de distância, com o intuito de destruir um paÃs praticamente desconhecido até mesmo dos norte-americanos com educação universitária, e tudo isto em nome da ‘liberdade’. Sem uma noção muito bem congeminada de que aquela gente longÃnqua não era como “nós†e não apreciava os “nossos†valores – o centro exacto do tradicional dogma orientalista, tal como descrevo a sua criação e circulação neste livro – não teria havido guerra.205 O que se pode refletir acerca da colocação de Said, que se liga à exposição mais completa e pormenorizada do Orientalistamo dos EUA, é que a representação do árabe e do Oriente Médio para os estadunidenses é muito mais densa e ligada a um processo histórico permeado por objetivo que vão além de questões ideológicas. O “choque de civilizações†serve como suporte para as ações dos EUA em vários paÃses do Oriente Médio e isso há décadas. Em Syriana, a cena em que o prÃncipe Nasir Al-Subaai destaca a falta de “poder de persuasão†dos EUA, compensada no poder militar, se trata duma marca recorrente, não apenas a da intervenção do Iraque, como também a de outros paÃses da região. As sequências que compõe o clÃmax de Syriana são cruciais para criticar a polÃtica externa estadunidense, seja ao longo dos anos como no perÃodo de W. Bush. Neste 205 SAID, Edward W. Prefácio. In: ______. O Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 2003, p. 15-16. Página 128 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE ponto do filme, há a interposição de forma mais intensa e frenética de todos as linhas de enredo do filme. Golfo Pérsico. Na Madrassa, Wasim estuda o idioma árabe, enquanto um grupo de jovens está orando, Agiza se aproxima. Ambos se sentam e Agiza fala que são um pequeno grupo de pessoas que possuem convicções e ambições, mas que dentro desta comunidade, há um grupo ainda menor que abandona a vida mundana para propagar a verdadeira fé, e diz que Wasim está pronto. Em um campo no deserto, um grupo de garotos jogam uma espécie de beisebol, Wasim e Farooq vão indo em direção a eles e passam por um senhor idoso que ouve ao rádio, noticiando que a Connex-Killer Corporation fez a doação de um hospital infantil em homenagem ao novo Emir, Meshal. Wasim se aproxima de seu pai, que está entre os jovens jogando, e lhe pede dinheiro para o ônibus, em seguida lhe dá um abraço, seu pai estranha sua atitude, e se despedem. EUA. Em Houston, Texas, Holiday e Pope estão em um churrasco familiar no jardim da casa de Pope, eles discutem sobre a investigação que pode cair sobre outras pessoas além de Daniel Dalton. Pope fala que a Holiday que a economia chinesa apenas não cresce mais rápido pela falta de petróleo, e diz que se orgulha disso. Holiday diz a Pope que precisão de outro corpo, de outro nome, este por sua vez sugere alguém da empresa de Holiday. Ambos chegam a um acordo sobre quem indicar para que a fusão das empresas Connex-Killen seja aprovada. Oriente Médio. Bob Barnes parece com pressa e segue dirigindo por uma longa rodovia. Woodman conversa com um grupo de asiáticos, logo vemos o prÃncipe Nasir, que é aplaudido, ambos seguem para fora do local. Woodman fala ao telefone que Nasir tem o apoio de nove dos onze generais. Nasir entre em seu carro, um informante passa os dados do veÃculo para a CIA. O Agente Fred Franks está à frente da operação monitorando tudo via satélite. A comitiva com vários veÃculos segue pela rodovia. EUA. Dentro do elevador, Hewitt elogia o trabalho de Holiday. Na sequência adentram a sala de Leland Janus, presidente da Connex. Ainda sob vigilância, a comitiva do prÃncipe Nasir é obrigada a parar na rodovia, um grupo de beduÃnos está a sua frente com seus animais. Holiday explica os resultados de sua investigação sobre a Killen a Janus, diz que todos aprovam a fusão, que ao final será boa para o povo americano e revela que Sydney Hewitt também está envolvido em operações, como a construção de um oleoduto no Irã. No Golfo Pérsico a uma cerimônia da fusão da Connex-Killen. Vemos Barnes, que parece estar perdido, ele desce do carro e escolhe o caminho que irá seguir. A comitiva de Nasir aguarda a passagem dos beduÃnos, enquanto isso, o prÃncipe tem um momento de descontração com seus filhos. Woodman ao ver tal cena, sugere que Nasir e sua famÃlia sigam no mesmo veÃculo. Nos EUA, está acontecendo à premiação do Empresário do Petróleo do Ano, prêmio que dado a Leland Janus, da Connex-Killen. Na sequência, Barnes vê a comitiva de Nasir e corta caminho para alcança-la, os agentes da CIA monitoram toda a ação. Barnes acena com um pano branco para a comitiva. Woodman o vê e avisa aos motoristas, Nasir também o vê. Barnes os alcança, todos se assustam. Fred Franks parece nervoso ao ver a movimentação. A comitiva para e Barnes desce do carro. Vê-se que um dos agentes da CIA, está prestes a apertar um botão vermelho em seu joystick. Franks ordena que o alvo seja eliminado. Inicia-se uma contagem regressiva. Barnes se aproxima do carro de Página 129 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE Nasir, que o reconhece de seu encontra no elevador, o canadense. E uma explosão acontece. EUA. Os agentes da CIA declaram: “Alvo destruÃdoâ€. Enquanto os agentes conversam, ouvimos aplausos em off. Corte. Voltamos à premiação, Leland Janus está discursando sobre a criação da Connex-Killen, e pede que todos os envolvidos se levantem e ouvimos uma salva de palmas. Golfo Pérsico. No local da explosão, Woodman não foi atingido, mas está ferido, ele sai do veÃculo e vê a cratera que se formou onde estava Bob Barnes e o veÃculo com Nasir e sua famÃlia. EUA. De volta a premiação, Lanus oferece um especial agradecimento ao Emir Meshal Al-Subaai. Golfo Pérsico. Local da explosão, os carros parcialmente destruÃdos, a fumaça contrasta com as antenas de energia, Woodman mexe em seu celular e o vemos caminhar pelo deserto, rumo a cidade ao fundo. Corte, um grupo de pequenos barcos segue pela encosta, em um deles está Farooq e Wasim na proa preparando o mÃssil Stinger que havia desaparecido. Farooq parece relutante, Wasim grita com ele. Abordo do navio tanque Condoleeza Rice, um árabe e dois homens de terno conversam, ao fundo pode-se ver os pequenos barcos. Wasim e Farooq trocam sinais afirmativos, o barco vira bruscamente para a esquerda em direção ao Condoleeza Rice. Wasim na proa do barco está com os olhos fechados, calmo, e então a tela fica esbranquiçada. Na Madrassa, jovens assistem ao vÃdeo de Wasim sobre suas exigências para seu funeral e com a leitura de um poema que ouvimos em off conforme outras cenas são justapostas. EUA. Woodman chega em sua casa e abraça seu filho e sua esposa. No prédio da CIA, alguns agentes guardam os pertences de Bob Barnes em caixas. Fotos de Barnes são apresentadas, enquanto ouvimos a voz em off de Wasim lendo o poema. Holiday chega em casa e seu pai está bêbado em frente a porta, ambos entram na casa. Após alguns créditos a seguinte mensagem: “Apesar de inspirado em uma obra de não ficção, este filme e todos os personagens e eventos retratados nele (exceto algumas imagens de arquivos), são fictÃcios.†Os créditos continuam...206 Se torna clara, para não dizer óbvia, a opção de Stephen Gaghan de expor que os EUA não são tão inocentes quanto tentam transparecer, e então as “vinhetas dÃspares†,segundo o crÃtico, se conectam. Syriana rompe com o poder quase que hipnótico das imagens propagadas ao longo do primeiro mandato do republicano George W. Bush, ao expor através das imagens que afinal o governo estadunidense tem, sim, sua parcela de culpa. Ao fim, há diversos elementos em Syriana que desenham um cenário mais complexo do que a ideia de “Choque de Civilizações†ou no maniqueÃsmo dos discursos de George W. Bush sobre uma “cruzada†entre o bem e o mal, que concretizou a imagem de todo o arábe enquanto uma ameaça em potencial, basta notar a aplicação do Ato 206 Syriana: a indústria do petróleo. [Syriana]. Direção de Stephen Gaghan. Roteiro de Stephen Gaghan. EUA. Produzido por Warner Bros, Participant Media, 4M, Section Eight, FilmWorks, MID Foundation. Distribuição Warner Bros, 2005. 1DVD vÃdeo (128 min.); Colorido. Página 130 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE Patriótico nos EUA. Além das motivações econômicas e polÃticas, todas as tramas principais tem como motivação psicológica dos personagens questões familiares: Wasin distante de sua mãe; Nasir e o conflito ideológico com seu irmão e seu pai, o Emir; Barnes e seu filho; Woodman e a morte de seu filho (na sequência que se passa na festa do Emir, seu filho se afogou na piscina). Essas semelhanças visam mostrar proximidade e não distanciamentos baseados em uma representação caricata do Oriente Próximo, comum a todos os paÃses de origem árabe ou da religião muçulmana. Representação que se acentuou após os ataques de 11 de Setembro, a construção e a abordagem do terrorismo rompe com o horizonte de expectativas das convencionais abordagens fÃlmicas ou mesmo do que se propagou pela Casa Branca e pelos noticiários, dos inimigos do Ocidente, que detestam a democracia e a liberdade. O TERRORISMO EM SYRIANA Syriana foi a primeira produção a construir uma crÃtica consistente as polÃticas estadunidenses após o 11 de Setembro, tratando o terrorismo como fio condutor do processo histórico no qual se insere a Guerra ao Terror, que como exposto anteriormente, justificou diversas polÃticas durante o governo de George W. Bush. Nesse horizonte de expectativas, muitas versões difundidas no perÃodo se remontavam ao “esforço†da nação na luta contra o terrorismo, com a Guerra do Afeganistão imersa na concepção unilateral do marco, como um direito de defesa, e depois com o Iraque, na dita guerra preventiva, ações que eram associadas em discursos presidenciais na ideia do terrorismo fundamentalista islâmico como o mal de todos os males. Syriana utiliza das relações econômicas, geopolÃticas e também do terrorismo para apresentar o complexo mosaico na qual as polÃticas antiterroristas estadunidenses são apenas uma parcela das relações dos EUA com o Oriente Médio. Ao expor as relações clandestinas da polÃtica estadunidense, praticada ao menos nas últimas três décadas, Syriana trata-se de um documento artÃstico que se impõe contra a justificativa promulgada pelos EUA e ininterruptamente presente nos discursos de George W. Bush. Nota-se o cinema enquanto um documento de luta, pois Syriana questionou as representações do Oriente Médio e o discurso simplista de defesa das ideais da nação visto a ameaça teocrática dos terroristas islâmicos. O que se observa em Syriana é que tendo em conta as inúmeras camadas das relações entre EUA e Oriente Médio, se torna Página 131 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE banal que toda uma nação apoie polÃticas intervencionistas baseadas em um único acontecimento, um único momento histórico. Muitas ações polÃticas tomadas pela administração W. Bush se pautaram no antiterrorismo, mas tais ações se tornaram cada vez mais ineficazes e impopulares, tendo em conta que o terrorismo não se trata de um inimigo tradicional – algo representativo foi a suposta morte de Osama Bin Laden durante o governo Obama e comemorado. Nesse contexto os grandes estúdios se viram obrigados a abordar enredos sobre o terrorismo e o Iraque. Era essa a forma de se aproximar de seu público. Se torna fundamental a importância da compreensão da dimensão histórica de Syriana, pois foi produzida entre 2002 e 2005, entre a implementação das polÃticas antiterroristas e lançada no segundo mandato de Bush, quando do desgaste da Guerra ao Terror e suas consequências, como a Guerra no Iraque, que estava se mostrando ineficaz e trazendo comparativos com a Guerra do Vietnã. Ressalta-se que entre 2004 e 2005, as constantes notÃcias sobre a prisão da Baia de Guantánamo, em Cuba, e as torturas ali sofridas por prisioneiros tidos como terroristas pelas autoridades dos EUA, sem os direitos defendidos pela Convenção de Genebra, só vieram a intensificar as falhas da Doutrina Bush. Ano após ano as crÃticas aumentavam, por exemplo, a amplamente divulgada história de três jovens britânicos, “os três de Tiptonâ€, foi apresentada no documentário Caminho para Guantánamo (Road to Guantanamo, 2006), e mostra o cenário da seleção de terroristas para a prisão desde a invasão ao Afeganistão em 2001. Ou seja, Syriana saiu do limbo e do temor que pairava sobre os grandes estúdios, não para dar respostas, mas alternativas. E tal como aponta Hans Robert Jauss, o autor compartilha do horizonte do espectador, portanto, pode-se notar como tais anseios decorrentes do mandato de W. Bush estão presentes em Syriana. De modo que Stephen Gaghan afirmou que sua intenção ao escrever o roteiro não era de fornecer respostas, mas sim de apresentar outras perspectivas, e pode-se dizer que isso ocorreu, pois buscou levar ao público, com a interlocução entre inúmeros personagens e cenários, outras alternativas para o momento vivido pelos EUA. Tendo em vista, a recepção por parte da crÃtica especializada, e como já destacado anteriormente, a sua exaltação por ir contra a corrente da grande maioria de filmes, a abordagem de Syriana se torna uma rica fonte para a problematização do Doutrina Bush e o processo que a antecede. Página 132 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE Grande parte dos esforços do diretor/roteirista de Syriana, Stephen Gaghan, interliga as significações que se amarram a intervenção estadunidense no Oriente Médio, desde os anos de 1980 a ações posteriores, no qual o principal elemento está relacionado ao controle de recursos naturais da região. Pouco apresenta sobre outros aspectos dessa movimentação, como a venda de armas na região. Contudo, é evidente que isso não pode ser posto como uma falha da produção, já que na análise das entrevistas e do próprio enredo, torna-se óbvio que foi uma escolha consciente não tratar deste tema. Tendo em conta que Syriana discute até que ponto, dentro de todo o processo histórico, os EUA possuem a intenção da dominação da área visando os recursos naturais e como isso se aproxima do terrorismo, apresenta como os jogos de poderes se relacionam ao fim do processo. Em fins dos anos de 1980, pode-se observar uma nova revisão para os EUA, não um revisionismo de sua própria história, mas na representação histórica do Middle East. Grande parte dessa nova visão de Oriente Médio está pautada na Revolução do Irã em 1979, que levou a uma nova abordagem dos EUA frente a região, originada dos conflitos e ações polÃticas e militares dos EUA na região, que aos poucos foi se aproximando de Estados clientelistas ainda na década de 1960, em grande parte relacionado ao mercado petrolÃfero, acentuando divergências, que consequentemente levaram a guerras entre os povos muçulmanos nos anos seguintes.207 Esses misséis aparecem primeiramente contra o terror “comunista†quando os EUA apoiavam o Talibã na década de 1980 e, após o desaparecimento, reapareceram sendo usados contra os EUA pela Al-Qaeda. Ou seja, Syriana problematiza a atribuição dos significados que estão previamente e posteriormente atrelados a tais eventos. Após os atentados muitos conceitos se tornaram sinônimos e metonÃmias no imaginário ocidental, como por exemplo islamismo, terrorismo e Oriente Médio, sendo exaustivamente utilizados pela imprensa, numa enxurrada de diferentes representações, muitas destas depreciativas, relacionando estes três conceitos.208 Syriana representa esses conceitos de forma diferenciada da mÃdia, principalmente a estadunidense e isso pode ser 207 PURDY, Sean. O século americano. In: KARNAL, Leandro; et al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2015, p. 240. 208 Um bom exemplo dessas representações pode ser observado em: RABELLO, Aline Louro de Souza e Silva. O conceito de terrorismo nos jornais americanos: uma análise do New York Times e do Washington Post logo após os Atentados de 11 de Setembro. 2006. 171 f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – PontifÃcia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. Página 133 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE observado em seus diversos personagens. A exemplo, Brian Woodman (Matt Damon), em suas conversas com a esposa, sobre o Oriente Médio e o Islã, ou na trajetória dos jovens paquistaneses, a corrupção dos executivos, os jogos polÃticos dentro da CIA. E apesar da construção de sentidos pejorativos sobre o Oriente Médio e o mundo islâmico, destaca-se que existe um número cada vez maior de paÃses muçulmanos que almejam constituir uma relação mais próxima com o Ocidente, interessados no desenvolvimento de suas instituições de maneira democrática.209 Esse aspecto é representado através do prÃncipe Nasir, que diferente de seu irmão pretende dar autonomia para seu paÃs, implementar o ideal da democracia, mesmo que isso signifique romper com o Ocidente e os antigos negócios petrolÃferos, com interferência direta dos EUA e da CIA, mesmo que seja através de um ato terrorista. Stephen Gaghan, ao mostrar os inúmeros cenários pelo quais a polÃtica exterior estadunidense transita e as consequências dessas, mostra que não era sem precedentes, até mesmo lembrando que Reagan há duas décadas já havia declarado a luta contra o terrorismo e mesmo Bill Clinton ao dizer que o terrorismo seria o mal do século XXI. Em Syriana, a significação da Guerra ao Terror transborda o simples dualismo do governo W. Bush, “antes amigos, agora inimigosâ€; o terrorismo fundamentalista islâmico não se trata de questões ideológicas e choques culturais, outras questões estão em jogo. Syriana apresenta o terrorismo como lugar do polÃtico, pois não está descolado dos meandros institucionais estadunidenses. Sua relação percorre diversos momentos, não é fundamentado através de maniqueÃsmos, ao espectador são apresentados pequenos artifÃcios para notar que essas relações decorrem há um longo tempo, principalmente porque se relaciona com a exploração dos recursos naturais. A perspectiva de Syriana frente ao processo histórico dos EUA com o próprio terrorismo não se justifica por atentados terroristas, que carregariam toda uma carga de significação, mas apenas como reflexões de ações e reações no campo polÃtico e econômico. O conceito de terrorismo se tornou campo de justificativa e disputa no cinema pós-11 de Setembro; se fez parte da história oficial, como marco das polÃticas antiterroristas. Syriana trata de repelir a imposição de interpretações, agentes e outros acontecimentos que poderiam romper com o próprio apoio da polÃtica interna à s polÃticas 209 GIAQUINTO, MarÃa Benedicta. Terrorismo: uma lucha de occidente contra la perdida de libertad. Revista Pléyade, n. 2, p. 104-127, 2008. DisponÃvel em: <http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2788097>. Acesso em: 02 abr. 2012. Página 134 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE no exterior. O cinema do seu silenciamento/estranhamento passou a assumir um posicionamento contrário à s intervenções dos EUA e a apresentar os efeitos de tais ações. O grande ponto de Syriana é expor o debate econômico e conectando-o com o terrorismo – e de forma bastante incisiva com um ato terrorista contra uma navio-tanque. E explicita que toda essa movimentação antiterrorista se relaciona ao fato de que uma justificativa econômica não mobiliza os cidadãos, mas sim traz questões ideológicas. Foi assim durante a Segunda Guerra Mundial, bem como todo o perÃodo da Guerra Fria, nazi- facismo e o socialismo. No primeiro, uma vitória catapultou a nação a se tornar grande potência, mas contra o comunismo, foi mais dispendioso, houve efeitos colaterais, com o Vietnã, bem como a aproximação com o talibã remonta o mesmo perÃodo, na contenção da URSS. No pós-guerra, o inimigo era o socialismo, e para os EUA essa guerra ocorre no território vietnamita, se tem um discurso e uma ideologia opositora, e claro, um tipo de filme. E agora, qual o impacto do 11 de setembro? A Europa vivia há muito com ataques terroristas, como por exemplo os atentados em Munique em 1973. Em 2001, os EUA sofreram um ataque em seu território, o lugar sagrado,e a partir daà se tem outro tipo de filme. O que se destaca aqui, é que há décadas o terrorismo fundamentalista islâmico figurava entre as preocupações da comunidade internacional, e mesmo com outros ataques ao território estadunidense, como em 1993, no World Trade Center. A espetacularização dos ataques de 11/09 contribuiu para que a questão do choque entre civilizações somada ao terrorismo de cunho religioso se tornasse a ideologia opositora do momento. Distante do terrorismo de cunho revolucionário de décadas atrás, assosiado a ideologias de esquerda. 210 A representação cinematográfica do terrorista enquanto um inimigo universal era comum e o protagonista, cidadão estadunidense, sempre um patriota incondicional, pronto a fazer o impossÃvel para defender a nação. Neste caso, esse cenário cinematográfico do terrorismo estava envolto na problemática da Guerra Fria, sobretudo as representações do terrorismo transitavam majoritariamente sob o viés ideológico polÃtico, raros casos religiosos, beirando uma organização criminal. 210 DEGAUT, Marcos. O Desafio Global do Terrorismo: polÃtica e segurança internacional em tempos de instabilidade. BrasÃlia: [s.n.], 2014, p. 250. Página 135 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE Segundo Robert Cettl, em Terrorism in American Cinema: an analytical filmography, 1960-2008, o terrorismo como tema para o cinema sempre foi antiamericano por natureza e a luta contra o terrorismo quase sempre foi uma questão de dever cÃvico e na defesa da santidade dos EUA.211 Entre os anos de 1960 e 1970, no contexto da Guerra Fria, apesar de muitos filmes abordarem o terrorismo e utilizarem em seus enredos cada vez mais eventos reais, o terrorismo como tema cinematográfico estava distante do grande público. Segundo Cettl, tal cenário mudou após o filme Domingo Negro (Black Sunday, 1977), no qual terroristas planejaram explodir um estádio lotado na final do Super Bowl, e assim representando o perigo de ataques terroristas dentro de território estadunidense.212 Nesse perÃodo o cinema sobre o terrorismo, em raros casos, tratava de explorar as causalidades polÃticas, o que ocorria era a estereotipação – esse perÃodo foi marcado pelo distanciamento de questões polÃticas nas grandes produções em troca do puro entretenimento dos blockbusters. A caracterização do terrorista ao longo dos anos da Guerra Fria permeava entre os árabes e/ou oriundos do Oriente Médio e os europeus, com claras distinções entres estes. Segundo Cettl, o primeiro além da construção psicológica era representado explÃcita ou implicitamente com patologias sexuais, já os europeus ou mesmo os ocidentais não tinham tal conotação, sua representação relacionava-se ao apelo criminal e eram até mesmo mais glamourosos que os primeiros, por vezes sem uma conotação polÃtica ou ideológica.213 Em produções dos anos de 1980 e 1990, podemos observar a distinção entre o terrorista árabe e o europeu, como exemplo dessa distinção: Duro de Matar (Die Hard, 1988) e True Lies (1994).214 O terrorista árabe é comumente representado coletivamente e não individualmente,215 grande parte das prerrogativas do terrorista é sobre a exaltação de sua grandiosidade para com as vÃtimas, tirando-lhes o direito de decidir sobre suas vidas, sempre numa situação de aprisionamento ou sequestro. 211 CETTL, Robert. Terrorism in American Cinema: an analytical filmography, 1960-2008. Jefferson, N.C.: McFarland & Company, 2009. 212 Ibid., p. 06. 213 Ibid. p. 14. 214 Pode-se ainda citar: Duro de Matar 3 (Die Hard with a Vengeance, 1995); Nova York Sitiada (The Siege, 1998); e no pós-atentados A Soma de Todos os medos (The Sum of All Fears, 2002) e Efeito Colateral (Collateral Damage, 2002). 215 CETTL, 2009, op. cit., p. 09. Página 136 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE Cettl afirma que o primeiro filme importante sobre terrorismo após o 11 de Setembro foi Vôo United 93 (United 93, 2006), por sua abordagem e precisamente no que o autor chama de repressão da “autodeterminação†das vÃtimas e o “auto engrandecimento†dos terroristas, segundo o autor, comum nos filmes de terrorismo do perÃodo da Guerra Fria.216 Pensando sobre esta afirmativa do autor, somada a sua consideração de que o cinema de terrorismo simplesmente parou após os atentados, tal afirmação não é de toda errônea, mas nesse processo histórico o silenciamento e o escapismo das grandes produtoras nos diz muito sobre a atuação do governo Bush para com o terrorismo. Sobretudo, o referido filme, orbitou o marco, o único momento desvirtuoso foi quando mostrou o “lado†espiritual dos terroristas, contribuiu para a oposição ideológica. Segundo a declaração do diretor/roteirista Stephen Gaghan o seguimento do terrorismo de Syriana foi baseado no artigo “To counter terrorismo, create Jobs†de Thomas Friedman, publicado no jornal Star-News, em 24 de janeiro de 2004. Tal artigo trata da relação da falta de emprego para muitos jovens muçulmanos, que recorrem a outras instâncias. O argumento central é que a luta contra o terrorismo deve começar por estes setores, não num confronto de ideias.217 Sobretudo, com a inspiração do referido artigo, Gaghan buscou expor em Syriana que ações terroristas possuem mais camadas e engrenagens polÃticas e econômicas, indo além da estereotipação cultural e religiosa que se tornou comum na mÃdia estadunidense, e como pôde ser observada na análise do segundo capÃtulo, um silenciamento e estranhamento, preenchido com doses de exaltação nacionalista, de exaltação de conflitos no qual o EUA foi o “vencedorâ€. Golfo Pérsico. Vários funcionários foram demitidos em virtude da fusão da Konnex e a Killen Oil, no, o jovem paquistanês Wasim está com um grupo de jovens caminhando em meio a uma rede de transmissão de energia. Enquanto um dos garotos sobe na torre, Farooq, amigo de Wasim, com uma garrafa de bebida exclama: “Se o homem é feito à imagem de Deus, então Deus está profundamente perturbado.†Em meio a conversas diversas, Wasim pergunta a Farooq sobre o emprego com seu tio, este diz não haver emprego algum, dá as costas e segue cantarolando. Várias cenas depois, Wasim está num cais e insiste em trabalhar sem remuneração, Abu Khalifa, tio de Farooq, lhe diz que possui muitos candidatos para a vaga e sugere que Wasim aprenda a 216 CETTL, Robert. Terrorism in American Cinema: an analytical filmography, 1960-2008. Jefferson, N.C.: McFarland & Company, 2009, p. 15. 217 FRIEDMAN, Thomas. To counter terrorism, create jobs. Star-News, 27 Jan. 2004. DisponÃvel em: http://news.google.com/newspapers?nid=1454&dat=20040127&id=mApPAAAAIBAJ&sjid=4h8EA AAAIBAJ&pg=6165,2233337>. Acesso em: 05 jan. 2015. Página 137 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE lÃngua local, o árabe, se quiser conseguir um emprego. Logo depois, no Complexo Habitacional de Operários, Wasim, Farooq e o mesmo grupo de garotos assistem TV e falam sobre a alimentação que tinham na escola islâmica. Na sequência, em frente ao Departamento de Imigração de Residência, Wasim e seu pai, Sallem, estão em uma fila, na qual não é permitido falar, Saleem comenta sobre o calor, seu filho pede para ficar quieto, os soldados chamam a atenção dos dois, Wasim reage e ambos são agredidos.218 Essas sequências transcorrem em meio as outras tramas que se passam em diferentes cidades e paÃses. Optou-se pelo recorte para apresentar a postura de Syriana sobre o perfil dos terroristas, de que não está apenas e unicamente relacionado à religião, que de certo modo surge como uma opção e não fator determinante. A cenas descontraÃdas e os diálogos banais dos jovens sugerem a pouca maturidade e a falta de emprego mostra como estão vulneráveis e eventualmente suscetÃveis a manipulação ideológica/religiosa. E analisando estas imagens em meio a outras sequências sobre as outras tramas, nas quais se discute a fusão das referidas empresas, o luxo usufruÃdo pelo Emir e seus filhos, enquanto Wasim e seu pai sofrem para se manter em outro pais por um emprego, traz uma reflexão mais profunda e realista do que a representação do terrorista megalomanÃaco, de filmes dos anos 1980 e 1990 de Hollywood. A narrativa da Guerra ao Terror recorreu a cultura histórica estadunidense que se baseava em confrontos ideológicos, devendo haver um inimigo a ser combatido. A questão econômica não mobiliza para a guerra e sim para a repressão da liberdade, bem como da defesa da nação e da democracia, mesmo que seja a economia que sustenta grande parte disso, não é o suficiente o discurso polÃtico ir além. A narrativa apresentada em Syriana acentua que o caráter ideológico faz parte do jogo e que o terrorismo fundamentalista islâmico não se trata de um inimigo que será facilmente derrotado, não basta enviar tropas. Lá existem “escolas terroristas†que angariam “candidatos†e lhes dão o suporte para que cumpram seu destino segundo sua interpretação do Alcorão. Maria Benedicta Giaquinto em seu artigo “Terrorismo: uma lucha de occidente contra la perdida de libertad†expôs que: Depois de 11 de setembro de 2001 e os sérios ataques em Madri em 2004 e Londres em 2005, há uma tendência na mÃdia em tratar o termo terrorismo como sinônimo de terrorismo islâmico. Essa confusão 218 Syriana: a indústria do petróleo. [Syriana]. Direção de Stephen Gaghan. Roteiro de Stephen Gaghan. EUA. Produzido por Warner Bros, Participant Media, 4M, Section Eight, FilmWorks, MID Foundation. Distribuição Warner Bros, 2005. 1DVD vÃdeo (128 min.); Colorido. [Narração nossa]. Página 138 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE semântica responde à ameaça real e tangÃvel da existência de uma rede transnacional terrorista de orientação islâmica que demonstrou capacidade de agir em escala global. Mas de modo algum eles significam o mesmo ou são sinônimo. O terrorismo islâmico é um perigo que ameaça a nossa segurança e a do mundo inteiro, demonstrado pela autoria dos ataques nos Estados Unidos, Espanha, Inglaterra e vários outros recentemente. É um terrorismo que não funciona como o terrorismo tradicional. Baseia-se em liderança organizada espiritual ou ideológica-religiosa organizada através de estruturas de rede difusas e dispersas. Está organizado em células ou franquias em que cada um aniquila como ele está interessado. Por isso e porque é atual, é tão perigoso. Os islâmicos radicais atuam em conformidade com os mandatos de sua fé. Eles estão completamente imersos em Deus e submetem-se a sua vontade. Eles consideram o Ocidente como o inimigo antigo e irreconciliável, o único obstáculo importante para a restauração da fé de Deus em seu território e seu subsequente triunfo universal. Eles sentem uma rejeição em relação a tudo que a América representa no mundo, é por isso que eles tentam contra suas expressões mais expressivas: liberalismo polÃtico, democracia, liberdade.219 A defesa dos valores estadunidenses ou do mundo muçulmano, tudo isso se trata apenas de conjecturas se postas num plano mais amplo e complexo. Gaghan mostrou que o que interessa é que as pessoas, grupos, corporações, polÃticos estão sentados na mesma mesa e se beneficiando de alguma maneira. Neste emaranhado de produções fÃlmicas pós- 11 de Setembro observa-se que Syriana é a nota dissonante, as temáticas que ele abre não são poucas, todo mundo se articula, negocia e se estabelece. O terrorismo é um tema em aberto, o Ocidente e o mundo muçulmano é somente um capÃtulo desse tema, um processo em andamento. Syriana é evidencia empÃrica de uma interpretação de que os árabes violaram o lugar sagrado dos EUA, pois não se trata de eliminar um agente ou outro que foi o traidor da pátria, mas se trata de um sistema que funciona sobre essa lógica. Isso pode ser observado através da exploração das imagens do evento, que, naquele momento e seu impacto, descartou qualquer conexão entre os EUA e certos grupos do Oriente Médio. Então, buscou-se justificar uma resposta imediata ao ataque ao solo estadunidense; qualquer ponta solta seria aparada em favor da simplificação sustentada no marco dos Atentados de 11 de Setembro. É neste ponto que se vê que o 11 de Setembro é um acontecimento dentro dum processo histórico mais amplo, envolvendo a disputa entre forças ocidentais, filiadas ao 219 GIAQUINTO, MarÃa Benedicta. Terrorismo: uma lucha de occidente contra la perdida de libertad. Revista Pléyade, n. 2, p. 104-127, 2008. DisponÃvel em: <http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2788097>. Acesso em: 02 abr. 2012. Página 139 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE capital estadunidense em relação ao oriente - diz respeito à exploração do petróleo. De tal modo, a questão econômica não mobiliza, precisa tem uma questão ideológica, logo vem a toma o tema da democracia, em contraponto ao estado islâmico, teocráticos. Portanto, em Syriana o 11 de Setembro é apenas a ponta do iceberg, representações e debates que giram em torno deste evento são simplificações de questões extremamente complexas, mesmo os filmes que tratam dos conflitos oriundos da Guerra ao Terror, sustentada no marco, como a Guerra no Iraque, pois problematizam questões oriundas das ações polÃticas antiterroristas. A metáfora de Syriana é clara, sequer precisa explicitar o tema do Iraque, ou mesmo dos atentados, pois não adianta enviar tropas, eles vão responder com bombas, tal como se vê na cena final de Syriana. As sequências finais de montagem-paralela, com o ataque suicida dos dois garotos ao navio-tanque e Bob Barnes e a comitiva do prÃncipe Nasir, apresentam o uso de táticas terroristas por ambos os paÃses, um com menos recursos e o outro com tecnologia de ponta. A interpretação do que é considerado terrorismo, remete a aspectos polÃticos, ideológicos e econômicos. Tais motivações estariam interligadas dentro desse processo, no qual o terrorismo se tornou um meio e também um problema para os EUA. Paul Virilio, ao falar sobre a Segunda Guerra Mundial, comentou sobre as armas nucleares e sua detonação em Hiroshima e Nagasaki, e destaca que o grande aparato de tais armamentos bélicos se trata do efeito ideológico e da possibilidade de um confronto entre nações e seus efeitos.220 De tal modo, o argumento de Virilio abarca a Guerra Fria e aplicado ao nosso debate do uso de armamentos bélicos, de grande ou pequeno porte, que não se limita a territórios especÃficos ou nações. O terrorismo fundamentalista islâmico não se trata de um inimigo comum, não possui bandeiras, territórios especÃficos, ou qualquer sÃmbolo que efetivamente os revele, a não ser o espetáculo e seus efeitos. Os EUA e suas ações “clandestinas†em outros paÃses, classificadas como terroristas, como na Nicarágua, ficam a margem, tendo em vista seu poder enquanto potência mundial. O cinema estadunidense no inÃcio da Segunda Guerra Mundial se resumia a filmes escapistas ou a filmes patrióticos, mas a partir do momento que o paÃs entrou no conflito, juntamente com os Aliados, empreendeu um esforço efetivamente propagandÃstico.221 E referente a Guerra ao Terror, a TV teve grande impacto e contribui 220 VIRILIO, Paul. Guerra e Cinema. São Paulo: Página Aberta, 1993. 221 Cf. PEREIRA, Wagner Pinheiro. O poder das imagens: cinema e polÃtica nos governos de Adolf Hitler e de Franklin D. Roosevelt (1933-1945). São Paulo: Alameda, 2012, p. 609. Página 140 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE para a disseminação do inimigo, dando base à criação da investida ideológica, acentuando o maniqueÃsmo, Ocidente versus Oriente, deixando à margem, distante dos holofotes, questões prioritárias para o governo, mas não para a opinião pública, que aumentou muito a popularidade de George W. Bush, sendo pouco questionado de imediato. O cinema pós- 11 de setembro simplesmente silenciou-se sobre o terrorismo, e foi Syriana que rompeu com a “cegueira momentâneaâ€. O efeito da implementação das polÃticas antiterroristas teve efeitos desastrosos não só no exterior, mas afetou a vida do estadunidense. Tal como destaca Paul Chevigny: Apesar das muitas ações empreendidas contra terroristas, e contra estrangeiros em geral, desde o 11 de setembro, acho que o objetivo de controlar o povo americano e criar uma agenda doméstica repressiva está bem configurado. Isso vem sendo levado a cabo com o cerceamento da privacidade e, de modo mais geral, dos direitos dos suspeitos, mediante a discriminação maciça contra estrangeiros de origem árabe e muçulmana, ações legais repressoras e intervenções na garantia do habeas corpus. Por outro lado, não quero exagerar: felizmente, o alcance da repressão tem sido limitado, graças a uma certa resistência popular, nos tribunais e até mesmo dentro da própria administração pública.222 Esse caráter da polÃtica interna, repressiva a possÃveis terroristas em território nacional, foi imprescindÃvel para atenuar o caráter ideológico da Guerra ao Terror, pois chegou ao ponto de retirar direitos básicos em favor de uma guerra cujo inimigo jamais será exterminado. E isso em virtude das próprias ações dos EUA, como acentua Syriana. Três décadas antes, o envio de tropas ao exterior, sobre pretexto da luta contra o socialismo, já havia deixado uma marca no paÃs, que aparentemente foi esquecida. Sobretudo, nesse perÃodo, já era nÃtida as imagens do árabe ligado a inúmeros estereótipos, diferentes dos comunistas. Isso transparecia na mÃdia, tal representação foi destaca por Edward Said em 1978, antes da intensificação da associação do árabe como potêncial terrorista. Nos filmes e na televisão o árabe é associado à libidinagem ou à desonestidade sedenta de sangue. Aparece como um degenerado super sexuado, capaz, é claro, de intrigas astutamente tortuosas, mas essencialmente sádico, traicoeiro, baixo. Traficante de escravos, cameleiro, cambista, trapaceiro pitoresco: estes são alguns dos papéis tradicionais do árabe no cinema. O chefe árabe (de saqueadores, piratas, insurgentes “nativosâ€) é muitas vezes visto rosnando para o herói e a 222 CHEVGNY, Paul. A repressão nos Estados Unidos após o atentado de 11 de setembro. Sur, Rev. int. direitos human [online], v. 1, n. 1, 2004. DisponÃvel em: <http://www.scielo.br/pdf/sur/v1n1/a07v1n1.pdf>. Acesso em: 15 out. 2013. Página 141 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE loira ocidentais capturados (ambos impregnados de integridade): “Meus homens vão matar vocês, mas... eles gostam de se divertir um pouco antesâ€. Enquanto fala, ele olha sugestivamente de soslaio: esta é uma degradação comum do xeque feito por Valentino. Nos filmes ou nas fotos de notÃcias, o árabe é sempre visto em grandes números. Nenhuma individualidade, nenhuma caracterÃstica ou experiência pessoal. A maior parte das imagens apresenta massas enraivecidas ou miseráveis, ou gestos irracionais (logo, desesperadoramente excêntricos). À espreita, por trás de todas essas imagens, está a ameaca da jihad, Resultado: um temor de que os muculmanos (ou árabes) tomem conta do mundo.223 Em Syriana, o terrorismo e os terroristas são tratados como um produto das ações dos EUA em sua interferência geográfica, polÃtica e econômica no Oriente Médio. O roteiro de Stephen Gaghan vai na contramão das abordagens e representações do terrorismo e do terrorista, não se referindo ao habitual tratamento coletivo e estereotipado de um ódio irracional pelos EUA, sempre portando armas de destruição em massa, presentes em incontáveis filmes hollywoodianos e prontos para destruir a nação. Syriana elenca vários elementos a fim de criticar esse ponto de vista O terrorista não é representado como um ser coletivo, pertencente a um grupo e megalomanÃaco, como filmes dos anos 1980/90. Aqui existe um caráter mais “humanizadoâ€, busca-se mostrar que estes indivÃduos são em partes reflexos do impacto de ações polÃticas e econômicas dos EUA. SYRIANA E A CRÃTICA ESTADUNIDENSE Syriana foi lançado em 23 de novembro de 2005, com custo de produção de 50 milhões de dólares, arrecadando mais de 93 milhões de dólares em bilheteria, sendo mais da metade apenas nos EUA.224 O termo que dá o tÃtulo do filme, syriana, é utilizado por Washington D.C. sobre uma possÃvel reorganização do Oriente Médio –, que num horizonte de expectativas após o 11 de Setembro era um tema que havia sido pouco explorado em Hollywood, a não ser por produtoras independentes e/ou do exterior. Ressalta-se que um dos principais motivos que circundam as explicações das investidas dos EUA no Oriente Médio, além da explicação oficial da polÃtica antiterrorista, se referia a teorias sobre as reservas petrolÃferas da região, que no apelo do drama dos atentados, 223 SAID, Edward W. O Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 1990, p. 291. 224 SYRIANA (2005). Box Office Mojo, [20--]. DisponÃvel em: <http://www.boxofficemojo.com/movies/?id=syriana.htm>. Acesso em: 27 dez. 2014. Página 142 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE foi deixado à margem, e que é o eixo norteador de Syriana para sua interpretação frente ao momento histórico que trata. Como já destacado, um dos artifÃcios narrativos utilizados por Syriana para compor uma explicação das relações entre os EUA e Oriente Médio foi o chamado hyperlink cinema. Ao apresentar as histórias aparentemente distintas, revela aos poucos como se complementam, mas no qual ninguém tem conhecimento do todo. Por exemplo, Bob Barnes, confiou e trabalhou cegamente em pró dos EUA, mas descobriu que era apenas uma pequena peça e no clÃmax do filme foi morto por seu próprio paÃs, num ataque militar, resultado das polÃticas envolvendo o petróleo. Uma espécie de metáfora sobre toda a nação cega pelo patriotismo, que minou outras interpretações, alocando uma gama de significados e justificativas ao 11 de Setembro. A metáfora também serviria para alguns crÃticos, que exaltaram Syriana apenas anos a frente, quando ao criticarem outras produções, que recorreram a elementos e questões expostas na produção estrelado por George Clooney. Ademais, Syriana teve um grande número de crÃticas, em vários jornais e revistas dos EUA.225 As crÃticas ao filme foram variadas, com posicionamentos polÃticos diversos, mas muitos pontos em comum foram exaltados pela crÃtica, principalmente sobre complexidade do roteiro e a retomada do cinema de cunho polÃtico em Hollywood. No jornal The Wall Street Journal, Joe Morgenstern, no artigo intitulado “Glib lines in the Sand: Oil and truth don't mix in Mideast thriller ‘Syriana’â€, expôs: “No inÃcio, é difÃcil seguir ‘Syriana’, [...], embora os fragmentos são inteligentemente elaborados, o filme, com seu ponto de vista onipotente, transmite um poderoso sentimento de ameaçaâ€.226 Após expor a composição do enredo da produção, o crÃtico destaca a sequência mais emblemática segundo sua experiência estética: “Ele [o diretor/roteirista Stephen Gaghan] nos desafia a conectar vinhetas diversas e aparentemente dÃspares de força bruta exercida a partir de negócios duvidosos em Washington a um fracassado 225 Somando cerca de quarenta, que foram catalogadas e traduzidas para a presente pesquisa, mas optou-se por expor apenas as que trouxeram questões destoantes e pertinentes à a problemática da pesquisa, muitas das quais são de jornais de grande circulação no território estadunidense, todos estes online, sendo estes: The Wall Street Jornaul; The New York Times; USA Today; Los Angeles Times; Daily News of New York; New York Post; Washington Post; Chicago Sun-Times; The Denver Post; Chicago Tribune. Muitas informações obtidas nas crÃticas foram desse grupo de jornais, utilizadas na análise a fim de auxiliar na apreciação da obra, o que não excluiu a pesquisa a várias outras mÃdias. 226 MORGENSTERN, Joe. Glib lines in the Sand: Oil and truth don't mix in Mideast thriller ‘Syriana’. The Wal Street Journal, Nova Iorque, 25 Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://online.wsj.com/articles/SB113286793922605943>. Acesso: 05 set. 2014. Página 143 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE homicÃdio da CIA, sob a deslumbrante luz do sol do Golfo Pérsicoâ€.227 Neste trecho de sua crÃtica, Morgenstern faz referência especÃfica a uma das sequências finais do longa- metragem, na qual ocorrem diversos acontecimentos simultaneamente. Contudo, Morgenstern considerou que: [...] grande parte da escrita parece não-digerida ou furada (“Corrupção, é por isso que ganhamosâ€, diz um advogado do Texas) e cega em sua representação de um governo americano – leia-se administração Bush – disposto a fazer qualquer coisa a qualquer um por causa do petróleo. Tudo pode ou não ser conectado, mas “Syriana†é rápido e vago com suas conexões.228 Essa apreciação do crÃtico soa um tanto patriótica. Mesmo tendo elogiado que a produção expõe “fragmentos inteligentemente elaboradosâ€, ele os considera vagos/furados, apenas a fim de justificar seu enredo sobre a indústria do petróleo. Essa interpretação é justificável frente ao contexto histórico e, sobretudo, fÃlmico do perÃodo. A simplicidade de abordagens diretas que pairavam no mainstream de Hollywood, a narrativa de Syriana contrasta com perspectiva de protagonistas mais bem definidos, quando se trata do terrorismo ou de um agente dos EUA que defende o paÃs, e não o questiona, como Bob Barnes. De modo geral, Morgenstern é um tanto superficial em sua crÃtica, mesmo pelas poucas linhas, elogiou como impressionantes a atuação de alguns atores, mas as conexões propostas pelo filme entre corrupção, petróleo e o governo não são convincentes. Claudia Puig, do USA Today, em seu texto “Syriana explodes on the screenâ€, é favorável à crÃtica proposta pela produção e sua abordagem complexa, para ela: “Syriana é um conto emocionante e fascinante de intriga polÃtica que abrange três continentes, com seu foco no Oriente Médio volátil. É um retrato global do perigo, engano e da desilusão, sem escassez de vÃtimas humanasâ€.229 Sobretudo, Puig exaltou o valor da pelÃcula: Gaghan supõe que seu público é inteligente o suficiente para acompanhar sua turnê explosiva pela petropolÃtica global. O resultado é instigante e inquietante, emocionalmente envolvente e intelectualmente estimulante. Gaghan nos sacode e nos conduz a 227 MORGENSTERN, Joe. Glib lines in the Sand: Oil and truth don't mix in Mideast thriller ‘Syriana’. The Wal Street Journal, Nova Iorque, 25 Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://online.wsj.com/articles/SB113286793922605943>. Acesso: 05 set. 2014. 228 Ibid. 229 PUIG, Claudia. Syriana explodes on the screen. USA Today, McLean, 22 Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://usatoday30.usatoday.com/life/movies/reviews/2005-11-22-syriana_x.htm>. Acesso: 28 ago. 2014. Página 144 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE questionar as polÃticas mundiais – sem predicar ou simplificar as complexas realidades econômicas e polÃticas. Precisamos de mais filmes como este.230 Nota-se aqui um bom exemplo da aproximação de Syriana com o momento vivido pelo paÃs e pelo vazio de abordagens crÃticas do cinema, pois não conduz suas reflexões de maneira a trazer simples colocações ou mesmo de não tocar na temática terrorista, indo além do horizonte de expectativas do espectador. Numa Hollywood de grandes bilheterias, no emergente mercado das adaptações dos comic books, algumas alegorias, filmes sobre a vida após os atentados, filmes de guerra ou documentários focando apenas um tema em questão, como por exemplo a Guerra do Iraque. Como Puig afirmou “Gaghan nos sacodeâ€, a produção conduz o espectador a refletir acerca de temas complexos, num esforço de apresentar o cenário da polÃtica externa estadunidense, que consequentemente reflete na polÃtica interna, de repressão dos direitos individuais, bastante intensa durante o primeiro mandando de Bush filho. Em “And Justice for Oil†– um trocadilho com “And Justice for Allâ€, trecho final do Juramento a Bandeira (Pledge of Allegiance to the Flag231) –, Lou Lumenick, do The New York Post, inicialmente exalta Syriana enquanto uma produção ambiciosa e com perguntas difÃceis, e faz uma breve relação entre o filme, no qual Stephen Gaghan foi roteirista, Traffic e a polÃtica de drogas no paÃs com outro vÃcio dos EUA, o petróleo. Ademais, exalta Syriana frente ao cenário cinematográfico do perÃodo: O público vai ter que prestar muita atenção (e possivelmente assisti-lo novamente) nesta história repleta de detalhes, suficientes para encher uma minissérie de seis horas. Este filme é para calar aqueles que se queixam dos filmes bobos de Hollywood. [...] Embora as tendências de esquerda do filme sejam muito claras, não pretende nos convencer – pelo contrário, Gaghan não tem a pretensão de ter as respostas para as complexas questões que expõe.232 230 PUIG, Claudia. Syriana explodes on the screen. USA Today, McLean, 22 Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://usatoday30.usatoday.com/life/movies/reviews/2005-11-22-syriana_x.htm>. Acesso: 28 ago. 2014. 231 Pledge of allegiance to the flag: “I pledge allegiance to the flag of the United States of America and to the republic for which it stands, one nation under god, indivisible, with liberty and justice for allâ€. Federal Citizen Information Center, [20--]. DisponÃvel em: <http://publications.usa.gov/epublications/ourflag/pledge.htm>. Acesso em: 09 set. 2014. 232 LUMENICK, Lou. And Justice for Oil. The New York Post, Nova Iorque, 23 Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://nypost.com/2005/11/23/and-justice-for-oil/>. Acesso: 25 ago. 2014. Página 145 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE Há certas similaridades com o posicionamento da crÃtica anterior, de exaltação da produção. Lumenick apresenta Syriana como uma alternativa aos filmes hollywoodianos do perÃodo, segundo ele, “[...] uma cosmovisão cÃnica, mas uma que Gaghan sustenta com seu roteiro meticulosamente fundamentado, muito vagamente baseado em um livro de longa data do agente da CIA, Bob Baer, a inspiração para o personagem de Clooneyâ€.233 Como já exposto, poucas foram as produções que se propuseram a tratar de temas polÃticos. Ainda havia uma relutância a tratar desses assuntos, a retomada do posicionamento crÃtico foi lenta e gradual. Torna-se interessante a paronÃmia do tÃtulo do artigo de Lumenick – mesmo não sendo de sua autoria234–, que na tradução literal seria “petróleo para todosâ€, mesmo que sútil, a crÃtica como um todo percorre a linha de pensamento no qual o estilo de vida – e porque não a própria liberdade e democracia –, dos EUA então profundamente relacionados aos recursos naturais, especialmente com o petróleo e o gás natural. Kenneth Turan, do Los Angeles Times, assim como todos os crÃticos analisados, relacionou a estrutura narrativa de Syriana com Traffic (Traffic, 2000): Gaghan, vencedor do Oscar pelo roteiro de “Trafficâ€, não se intimida ao usar ingredientes de Hollywood, como o melodrama e atores famosos. Mas o que ele faz com eles é o oposto deste padrão. Gaghan usa os artifÃcios do gênero para apresentar sua crÃtica contundente de como os EUA atua para proteger os seus interesses, como tentamos e fazemos o mundo dançar a nossa música. Este é um filme que dá um nó na cabeça e é mais crÃtico do que você possa pensar.235 Essa percepção de Turan dá indicativas do horizonte de expectativas do cinema estadunidense num cenário no qual o espectador – nem Hollywood – não está habituado a refletir sobre a polÃtica interna e externa dos EUA e sua Guerra ao Terror. Turan ressalta a estrutura narrativa de Syriana e sua complexidade, sendo tão confusa quanto envolvente, e ao deixar o espectador um passo atrás, é o que garante a sensação de veracidade da tese proposta por Syriana, ou como Turan expõe “de como os EUA atua 233 LUMENICK, Lou. And Justice for Oil. The New York Post, Nova Iorque, 23 Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://nypost.com/2005/11/23/and-justice-for-oil/>. Acesso: 25 ago. 2014. 234 Segundo o crÃtico Lou Lumenick, não é ele quem escreve os tÃtulos de seus artigos. LUMENICK, Lou. NYPost.com Feedback. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <daniel.mattos@live.com> em: 10 set. 2014. [não publicado] 235 TURAN, Kenneth. 'Syriana': Provoking Thought on the Fight for Oil. Los Angeles Times, Los Angeles, 23 Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://www.npr.org/templates/story/story.php?storyId=5024435>. Acesso em: 07 set. 2014. Página 146 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE para proteger os seus interesses, como tentamos e fazemos o mundo dançar a nossa músicaâ€. Ressalta-se que isso se dá num contexto em que assuntos referentes ao terrorismo e ao Oriente Médio são delicados, com acréscimo à s conturbadas investidas do governo W. Bush no Afeganistão e principalmente na impopular guerra no Iraque – que já era comparada ao Vietnã. A produção e lançamento de Syriana se deram entre as eleições e o primeiro ano do segundo mandato de W. Bush. Na disputa com John Kerry, George W. Bush venceu com margem superior a 50%, pois usou como tática buscar os votos no eleitorado conservador, com base em sua polÃtica antiterrorista, o que também servia como ponto fraco para Bush em favor de Kerry, como a Guerra no Iraque e os abusos cometidos por soldados estadunidenses. Nota-se que eventualmente haverá essa disputa e visão contrastante entre vários crÃticos. O crÃtico Anthony Oliver Scott, do The New York Times, em seu artigo “Clooney and a maze of collusionâ€, faz elogios a Syriana como um dos melhores thrillers geopolÃticos em um longo perÃodo, com as apresentações gerais sobre o diretor e a abordagem do filme, mas alerta que: Analisar seus detalhes requer uma boa dose de atenção: informações importantes são transmitidas através de conversas sussurradas e olhares paralisados, e as vezes você desejará um diagrama de todos os padrões de influência, conexão e coincidência. Mas o trabalho mental de descobrir exatamente o que está acontecendo é parte do que faz do filme uma experiência tão rica e divertida. E vale apena enfatizar – o caminho que o Sr. Gaghan, com notável convicção e confiança, tanto em honra como em conflito com as convenções do gênero – o seu puro valor como entretenimento. Uma vez que trata de algumas realidades contemporâneas controversas, é provável que seja saudado com uma boa quantidade de comentários questionadores. Embora “Syriana†seja expressamente uma obra de ficção, sem dúvida será submetida a uma série de verificações dos fatos, e sua visão escura e conspiradora do presente e do passado recente provavelmente será desafiada, seja porque é demasiada complicada ou porque não é complicada o suficiente.236 Neste trecho pode-se observar que o crÃtico considera a narrativa complexa e que será um desafio para o espectador, mas sendo exatamente por isso que serve como entretenimento ao público. Acentua que muitas situações serão alvo de comentários sobre 236 SCOTT, Anthony Oliver. Clooney and a maze of collusion. The New York Times, Nova Iorque, 23 Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://movies2.nytimes.com/2005/11/23/movies/23syri.html>. Acesso em: 03 set. 2014. Página 147 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE a veracidade dos argumentos defendidos, e também ressalta o trabalho de Gaghan em trazer à tona as relações entre o passado e o presente das relações dos EUA. De modo geral, o crÃtico é favorável à produção, já de antemão indicando que se trata de um filme complexo, mas importante com outra interpretação sobre a realidade atual dos EUA. Scott destacou que muito do que o filme quer dizer está nos personagens, como por exemplo, na composição do personagem Bob Barnes: “Quando pressionado por informações – por um burocrata agressivo do governo ou por seu filho adolescente impaciente (Max Minghella) – sua resposta padrão parece ser, ‘é complicado’â€.237 Scott ainda escreve que: Estes cinco personagens – Bob, Wasim, PrÃncipe Nasir, Bennett e Bryan – são uma espécie de herói composto, embora seu heroÃsmo, coletivo e individual seja altamente ambÃguo. Nenhum deles possui a consciência limpa ou um motivo especÃfico, e nenhum deles conquista a simpatia do público. A ganância e a ambição por vezes coincidem com idealismo, a ganância com tons de honestidade. Todos os cinco são afetados por problemas familiares – as decepções mútuas entre pais e filhos é o principal motivo psicológico do filme – lançando-os para o mundo do dinheiro, da polÃtica e do poder como uma maneira de fugir da infelicidade.238 Para o crÃtico, a composição dos personagens assume o formato de anti-heróis, já que não firma concepções genuinamente altruÃstas e que separados apresentam diferentes perfis, mas que compactados poderiam ser compreendidos como um sentimento mútuo que move necessidades básicas. Sobretudo, se tratam de muitos personagens, diferente do que o público está acostumado; por vezes uma figura que possa assimilar referências especÃficas. Ao final da crÃtica Scott destaca que: Tudo isso é para dizer que “Syriana†é, no final, um filme. Ao invés de dispensar os sinalizadores familiares da narrativa de Hollywood, ele traz um estado de maior atenção e empurra os clichês de heroÃsmo e suspense em direção a algo muito mais inquietante. Algo que você pode até chamar de realismo.239 Na apreciação da crÃtica de Scott, vê-se que Syriana se distancia dos enredos comuns, muito diferente da linha que vinha sendo empregada nos filmes recentes como o heroÃsmo dos filmes de guerra, o silenciamento/escapismo, ou o tratamento das vÃtimas 237 SCOTT, Anthony Oliver. Clooney and a maze of collusion. The New York Times, Nova Iorque, 23 Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://movies2.nytimes.com/2005/11/23/movies/23syri.html>. Acesso em: 03 set. 2014. 238 Ibid. 239 Ibid. Página 148 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE dos Atentados de 11 de Setembro, se trata de um distanciamento das noções comuns, uma abordagem mais “realistaâ€. No entanto, algo não destacado por Scott, é que por mais que o diretor saia desse lugar comum, faz uso de atores famosos como um artifÃcio de conexão com o público. Jack Mathews, do Daily News of New York – como todos os crÃticos analisados –, dedicou grande parte de sua crÃtica a tratar da complexidade de Syriana: PolÃtica externa e nossas várias intrigas no Oriente Médio. Também seria bom se eu pudesse explicar E=mc². Tanto o enredo de “Syriana†como a famosa teoria de Einstein são igualmente incompreensÃveis na primeira – ou terceira – visualização. A presença de George Clooney, Matt Damon e outros bons atores, nos auxiliam na sensação de ignorância ao longo do desenvolvimento do filme. E ao final, quando você pensa sobre isso por alguns dias, não batem. Na verdade, o filme é um dos thrillers polÃticos mais inteligentes e ambiciosos em anos. Mas se você encontrar um filme mais difÃcil de acompanhar este ano será em mandarim e sem legendas. 240 Apesar da ironia e metáfora exagerada, Mathews apresenta indÃcios do cenário fÃlmico, no qual thrillers polÃticos não estavam em alta, e grande parte das produções não eram objetivas, senão escapistas, sobre a polÃtica ou ao terrorismo. Destaca-se que o lançamento de Syriana foi em dezembro de 2005, no fim do primeiro ano da reeleição de George W. Bush, quando houve queda da popularidade do presidente – a lembrar seu desdém para com o furação Katrina –, e o desgaste do discurso da expansão dos ideais estadunidenses de liberdade e democracia. Neste momento, no impopular conflito no Iraque, com os escândalos envolvendo soldados, noticiados pela mÃdia em geral, que teriam torturado supostos terroristas, presos sob o Ato Patriótico, na BaÃa de Guantánamo. Assim, após analisar as diferentes camadas do enredo de Syriana, Mathews faz sua apreciação do visual do personagem de George Clooney e uma sútil crÃtica ao vice- presidente dos EUA: Clooney, por razões que você deveria perguntar a Charlize Theron, ganhou 15 quilos para seu papel, e mostra seu novo intestino em uma cena em que Barnes está em seu próprio sangue depois de ser torturado. (Se Dick Cheney assistir ao filme, eu me pergunto se ele concordará 240 MATHEWS, Jack. The Sludge Report. New York Daily News, Nova Iorque, 23 Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://www.nydailynews.com/archives/nydn-features/sludge-report-oil-fueled-thriller-syriana- complex-ambitious-insoluble-oil-tale-thick-intrigue-article-1.592170>. Acesso em: 29 out. 2014. Página 149 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE que arrancar as unhas de um prisioneiro garantirá uma isenção da CIA.).241 A mensão de Mathews a Dick Cheney é uma consequência direta da reflexão proposta pela cena de tortura, a de remeter aos abusos da legislação antiterrorista. Tais elementos contribuÃram para o surgimento de uma série de produções hollywoodianas crÃticas e com roteiros abordando temas tabus, como veremos em filmes como A Situação (Rendition, 2007) e Rede de Mentiras (Body of Lies,2008). Este filme, com outro ator ganhando peso e também como uma cena de tortura, soma-se ainda à s franquias de terror/horror como Jogos Mortais e O Albergue. Já a menção de Mathews ao visual adquirido por Barnes foi citado por diversos crÃticos, como um mergulho no personagem – Charlize Theron fez algo ainda mais radical no filme Monster (2003). A cena de tortura teve suas consequências para Clooney, após cerca de vinte takes sem dublês. Como consequência dos golpes, sofreu uma lesão na coluna vertebral, e passou a ter crises de enxaqueca, tendo declarado que chegou a considerar o suicÃdio, enquanto ainda estava no hospital.242 Ademais, parte dessa complexidade da trama de Syriana se deve, além da intenção do roteiro, à dificuldade em tratar de tantos temas que dão impulso a produção. Como por exemplo o personagem de Clooney, que foi vagamente inspirado no ex-agente da CIA, Robert Baers, também autor do livro que inspirou o longa, See No Evil (2002), que revelou diversas artimanhas utilizadas pelo governo Bush para a realização das investidas no Afeganistão e no Iraque. Além dos temas que foram transferidos ao personagem, com base na vida real do ex- agente, outros elementos deram conta de acentuar o seu peso na trama. Claramente o personagem de Clooney chamou mais atenção, tendo em conta que ganhou um Oscar e um Globo de Ouro como melhor ator coadjuvante, tido como o ponto emocional do filme. Muitos crÃticos elogiaram sua performance. Desson Thonson do The Washington Post, escreveu acerca dos elementos que envolvem o personagem Bob Barnes: 241 MATHEWS, Jack. The Sludge Report. New York Daily News, Nova Iorque, 23 Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://www.nydailynews.com/archives/nydn-features/sludge-report-oil-fueled-thriller-syriana- complex-ambitious-insoluble-oil-tale-thick-intrigue-article-1.592170>. Acesso em: 29 out. 2014. 242 THR Staff. George Clooney Considered Suicide After Injury on 'Syriana' Set. The Hollywood Reporter, Hollywood, 13 Nov. 2011. DisponÃvel em: http://www.hollywoodreporter.com/news/george-clooney-descendants-alexander-payne-261009>. Acesso em: 30 abr. 2017. Página 150 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE O que está acontecendo com o mundo dele? Parece que a CIA não precisa mais de agentes experientes como Bob – aqueles que conhecem o terreno cultural. Hoje em dia, tudo se resume ao reconhecimento por satélites e a mÃsseis teleguiados. O que o torna um soldado obsoleto, ainda lutando para pagar as contas da faculdade de seu filho? Estas são questões urgentes para Bob, mas em “Syriana†é apenas uma pequena ondulação em um mundo selvagem. Todos estão presos no fluxo viscoso, lutando contra riscos pessoais, sem se importar com as consequências.243 Thonson questiona os motivos pelos quais o governo não dá mais importância a agentes que conhecem a cultura do local onde atuam, atribuindo um distanciamento entre o caráter humano e a frieza da polÃtica internacional estadunidense – esse mesmo elemento da compreensão cultural foi explorado anos depois em Rede de Mentiras (2008). Mas há uma defesa da relevância desses agentes, pois várias são as cenas nas quais o conhecimento de Barnes é aplicado: primeiramente na sequência inicial na qual ele vende os mÃsseis aos irmãos do partido Xiita; depois no debate com seus superiores sobre o controle dos Aiatolás no Irã; e a na sequência em Beirute, LÃbano, em que ele conversa em árabe com Said Hashimi, lÃder espiritual do Hezbollah. Este é um personagem que busca a redenção, uma metáfora visual, pois Bob, que serviu por anos sua nação, descobre ser apenas um peão num imenso tabuleiro de xadrez, e que suas virtudes e sua devoção foram usadas para fins aos quais jamais terá conhecimento. Grosso modo, uma metáfora para o espectador sobre a cegueira patriótica dos primeiros anos pós-11 de Setembro, que minou diversos outros elementos que compõem a polÃtica externa dos EUA. Um desses elementos é central no enredo de Syriana, ponto que foi tratado por Robert Ebert: ‘Syriana’ é um filme infinitamente fascinante sobre petróleo e dinheiro, EUA e China, comerciantes e espiões, PaÃses do Golfo e estado do Texas, reforma e vingança, corrupção e traição. Suas histórias interligadas conduzem a um fato: há menos petróleo do que o mundo necessita e isso tornará algumas pessoas ricas e outras morrerão. O filme parece tomar partido, recua um passo, e avança novamente. [...] O enredo do filme é tão complexo que não deverÃamos supor que o compreenderÃamos, mas, que serÃamos envolvidos por ele. Uma vez que nenhum dos personagens entende todo o quadro, por que precisarÃamos? Se o filme vai e volta entre os bons e os maus, nós serÃamos os bons, é claro. Ou se fosse uma crÃtica a polÃtica estadunidense, poderÃamos ser os vilões. Mas e se todo mundo é um 243 THONSON, Desson. ‘Syriana’: Slick Take on the Price of Crude. Washington Post, Washington, D.C. 09 Dez. 2005. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp- dyn/content/article/2005/12/08/AR2005120802241.html>. Acesso em: 02 set. 2014. Página 151 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE cara mau, porque os mocinhos não usariam terno para jogar este jogo?244 A reflexão de Ebert aponta para a visão global que Syriana apresenta, assumindo um posicionamento contrário ao governo e ao mesmo tempo mostrando que todos possuem uma parcela de culpa, pois não existem heróis. Ainda destaca a complexidade que o filme apresenta, ou seja, de que o público terá dificuldades em compreendê-lo por completo. Tendo em conta que o filme foi lançando num momento de crescente crÃtica à administração de George W. Bush, crises em diversos aspectos, tanto na polÃtica interna como externa, a produção conduz a crÃtica ao momento vivido pelo paÃs, principalmente no papel exercido em outros paÃses, nesse caso sobre os recursos naturais e as motivações/justificativas para tal, num plano próximo, a guerra no Iraque. Deste modo, uma das formas de compor essa crÃtica polÃtica é na complexidade das relações dos diferentes eixos do enredo do filme, como citado por Ebert: ‘Syriana’ é um filme que sugere que o Congresso pode realizar audiências intermináveis sobre os lucros das empresas de petróleo e nunca descobrir a resposta, porque a verdadeira história é tão labirÃntica que ninguém – nem os executivos das companhias de petróleo, nem os prÃncipes árabes, nem os espiões da CIA, nem os comerciantes em Genebra, compreendem todo o cenário.245 Na perspectiva de Ebert, esse trecho sugere que o filme aborda o cenário como um emaranhado de relações polÃticas e econômicas complexas, o qual ninguém visualiza completamente. Deve-se ter em conta que em maior ou menor grau o horizonte de expectativas do diretor e dos espectadores é compartilhado e isso é um elemento chave na constituição do filme. Contudo, o significado de uma obra, ou melhor do filme, não é estático, se modifica com o processo histórico. Em seu lançamento, o enredo de Syriana foi tido como complexo. Pode-se notar, segundo alguns crÃticos, que naquele momento se rompeu com o efeito da Guerra ao Terror, por abordar temas polÃticos delicados, contudo, o próprio terrorismo foi utilizado como elemento principal da crÃtica polÃtica de Syriana e quase não foi exaltado pela crÃtica. Ademais, é perceptÃvel como a escrita do roteiro de Syriana vem não apenas de outras experiências de Stephen Gaghan, como também dos eventos que estavam em 244 EBERT, Robert. Syriana Movie Review. Chicago Sun-Times, Chicago, 08 Dec. 2005. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/syriana-2005>. Acesso em: 05 set. 2014. 245 Ibid. Página 152 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE desenvolvimento no perÃodo de sua elaboração, principalmente sobre a intervenção dos EUA no Iraque. Isso pode ser observado na crÃtica de Lisa Kennedy, do Denver Post, que expôs, a partir de uma fala de Stephen Gaghan, que Traffic (2000) o influenciou muito – no qual foi roteirista –, na direção/roteiro de Syriana, e pode ser notado principalmente na construção narrativa, e outros pontos de sua visão sobre o recente cenário polÃtico pós- 11 de Setembro: Gaghan disse que aprendeu muito a partir de “Trafficâ€, mas que a experiência o incitou a fazer outras coisas. E após os atentados de 11/09 se sentiu menos inclinado a deixar seus personagens – ou o público – a vontade. “Houve um sentimentalismo que orientou ‘Traffic’, que eu acho não se justificar hoje em dia, não na sequência do 11/09 e a resposta dos EUAâ€, disse ele. “Na era de Abu Ghraib [prisão iraquiana], na época de usar gulags [campos de trabalho forçados soviéticos], Solzhenitsyn [romancista, dramaturgo e historiador russo] escreveu a respeito de fazer uma espécie de tortura extralegalâ€. Por mais difÃcil que pareça, “Syriana†não é uma polêmica. Mas, embora muitas vezes apareçam incógnitas desconfortantes, uma coisa permanece clara: Gaghan acredita que nosso vÃcio em petróleo estrangeiro nos torna vulneráveis não apenas aos terroristas, mas a algo ainda mais corrosivo para uma nação livre: a corrupção.246 A partir da crÃtica, é possÃvel notar a perspectiva do diretor de Syriana frente ao cenário cinematográfico estadunidense e a postura do governo sobre o evento – debates em âmbito das relações internacionais, a problematização da “paz mundialâ€, a ofensiva contra o Afeganistão,247 que supostamente estaria apoiando grupos terroristas islâmicos, e por seguinte, investidas e acusações contra o Iraque,248 sem o apoio da ONU e com frágeis argumentos. Não à toa, Gaghan citou as antigas Gulags da URSS, onde pessoas contrárias ao governo eram colocadas em trabalho forçado. Nos EUA, sobre o Iraque, houve apoio de instituições favoráveis à postura conservadora do governo naquele momento, como se observa na fala de Stephen Gaghan, citada na crÃtica de Lisa Kennedy: “O pessoal da American Enterprise aparentemente saiu, o que foi perfeitoâ€, disse ele, referindo-se ao American Enterprise Institute, um grupo de pesquisa baseado em Washington. “É exatamente o que 246 KENNEDY, Lisa. “Syriana†uncomfortable, just as director wants it. The Denver Post, Denver, 08 Dec. 2005. DisponÃvel em: <http://www.denverpost.com/entertainment/ci_3292788>. Acesso em: 07 set. 2014. 247 Referenciada também como Segunda Guerra do Afeganistão e Operação Liberdade Duradoura, teve inicio em 07 de outubro de 2001, ainda está em curso, tendo o atual presidente, Barack Obama, declarado a retirada do exército estadunidense até 2014. 248 Também chamada de Ocupação do Iraque, continuação da Guerra do Golfo, e também como Operação Liberdade do Iraque, iniciou-se com a invasão do Iraque em 20 de março de 2003 pelos EUA e seus aliados, Reino Unido, Espanha, Itália, Polônia e Austrália, e encerrou-se em 18 de agosto de 2010. Página 153 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE aconteceu com o Iraque. Eles não querem ouvir as más notÃcias. Eles não têm ideia do que está acontecendoâ€.249 Pode-se notar indÃcios do posicionamento de Gaghan quanto a situação polÃtica estadunidense e seu objetivo com Syriana, ou seja, apresentar as diferentes facetas polÃtica e econômicas dos EUA no exterior. Não por acaso o diretor citou uma instituição associada a posição conservadora do governo. Esse cenário se completa com os vários discursos maniqueÃstas na voz do ex-presidente George W. Bush, que se referiam a luta entre o “bem†e o “malâ€. Todos esses elementos encontram sua parcela de crÃtica em Syriana e em sua interpretação do processo histórico das relações dos EUA no Oriente Médio. Os temas de Syriana são muitos, e muitos crÃticos focaram seus comentários acerca de um ou outro, e dando uma visão geral do que o filme aborda. Matt Pais, do Chicago Tribune, enfatiza o enfoque dado pelo enredo de Syriana à polÃtica externa dos EUA aplicada ao Oriente Médio. Uma denúncia alarmante da disputa global por petróleo, “Syriana†mistura vinhetas de polÃticos estadunidenses com a realeza do Oriente Médio, como uma sopa de comentários sociais. Ao contrário de “Havocâ€, [filme com abordagem semelhante a Traffic] ele [Gaghan] se recusa a estereotipar os estrangeiros e em vez disso conduz um olhar severo acerca das relações internacionais dos EUA.250 Matt Pais cita o filme Havoc, lançado poucos meses antes de Syriana, para mostrar a abordagem diferenciada de Gaghan para Syriana, mas isso se explica porque o roteiro de Havoc começou a ser escrito em 1994 por Jessica Kaplan, outro contexto histórico. A grande maioria dos crÃticos exaltou o valor artÃstico de Syriana por retomar os filmes de teor polÃtico, principalmente verificando as referências posteriores quando do comentário sobre outros filmes. De certo modo é perceptÃvel que a própria crÃtica estava ainda sobre a áurea dos discursos patrióticos e antiterroristas. A guerra do Iraque mostrava seu desgaste, mas no cinema cresceu cada vez mais, mas a força do 11 de Setembro e a 249 KENNEDY, Lisa. “Syriana†uncomfortable, just as director wants it. The Denver Post, Denver, 08 Dec. 2005. DisponÃvel em: <http://www.denverpost.com/entertainment/ci_3292788>. Acesso em: 07 set. 2014. 250 PAIS, Matt. Fast-Paised review: Syriana. Chicago Tribune, Chicago, 08 Dec. 2005. DisponÃvel em: <http://www.chicagotribune.com/entertainment/movies/mmx-0501208-movies-review-syriana-pais- story.html>. Acesso em: 01 set. 2014. Página 154 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE ideia do terror(ismo) ligado a ele ainda tinha grande efeito. Os crÃticos questionaram as densas e complexas polÃticas internacionais dos EUA, e exaltaram esses aspectos em Syriana, mas não se posicionaram frente a luta contra o terrorismo. Isso evidencia o que Jauss chamou de mudanças de horizontes observado pela distância estética, já que Syriana apresentou a conscientização251 de uma nova abordagem frente ao cenário “recatado†de Hollywood. Vários elementos foram ressaltados pela crÃtica especializada estadunidense, citando os filmes sobre o caso Watergate, ou seja, nota-se a exaltação de Syriana como uma produção que retomou discussões sobre o cenário polÃtico. Sobretudo, muito se destacou que esse cinema crÃtico somente veio a partir de 2007, tal como destacou Robert Cettl: “A onda subsequente de filmes terroristas a partir de 2007 anulou todas as preocupações anteriores com uma precisão clara e cirúrgicaâ€.252 E cita: “Charlie Wilson’s War [2007] redefiniu a Guerra Fria e preparou o terreno para o terrorismo que se seguiu – agora claramente enraizado no Oriente Médioâ€.253 Interessante notar que essa aproximação do Oriente Médio e o terrorismo com a Guerra Fria está presente em Syriana. Syriana foi elogiado em muitos aspectos pela crÃtica cinematográfica e obteve boa repercussão em meio ao público – se tomarmos por base a arrecadação do filme. Mas sendo que Syriana é uma apreciação crÃtica a imagem da população do Médio Oriente como apáticas ou mesmo distantes culturamente do Ocidente, ao mesmo tempo que mostra diferentes interpretações de elementos culturais e seus significados para ambos. Este ponto não foi exaltado nas crÃticas. O que poderia mostrar que mesmo que Syriana fosse além e criticasse não apenas a visão estadunidense do Oriente Médio e dos árabes, isso ainda era delicado no perÃodo, bem como as referências ao terrorismo cometido pelos EUA. Syriana foi além dos estereótipos e da padronização cultural do Oriente, tÃpicas daquelas denunciadas por Edward Said. Muitas destas fundamentadas no “choque de civilizações†de Samuel Huntington. E mesmo numa reconstrução dita “ficcional†por 251 PAIS, Matt. Fast-Paised review: Syriana. Chicago Tribune, Chicago, 08 Dec. 2005. DisponÃvel em: <http://www.chicagotribune.com/entertainment/movies/mmx-0501208-movies-review-syriana-pais- story.html>. Acesso em: 01 set. 2014. 252 CETTL, Robert. Terrorism in American Cinema: an analytical filmography, 1960-2008. Jefferson, N.C.: McFarland & Company, 2009, p. 15. 253 Ibid. Página 155 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE seus produtores sobre o que ocorre no Oriente Médio, Syriana traz outra visão frente à presença estadunidense no território, a fim de expor as expectativas e discussões pelas riquezas cobiçadas por todo o globo, para além das interpretações e simplificações que foram disseminadas pela Doutrina Bush. Syriana foi certamente uma das produções mais significativas fÃlmicas sobre o terrorismo, sobretudo pela forma como tratou do tema num cenário cinematográfico permeado pelas respostas oficiais ao evento. Mostra que foi além de alegorias, metáforas ou sutilezas fÃlmicas, direto ao ponto, em meio a uma censura implÃcita sobre relacionar o terrorismo como efeito direto de ações dos EUA. Mas muito dessa censura implÃcita a certos temas, como Oriente Médio, terrorismo, ainda ficaram mais sutis ao longo das crÃticas. Havia naquele momento certas resistências, mas muitos pontos de Syriana foram exaltados quando o lançamento de outras produções anos depois. Pois Syriana explora temas para além das representações dum súbito ataque de terroristas islâmicos dominados por seu ódio aos ideais de liberdade e democracia da maior potência do planeta. Syriana se torna singular, porque distanciou-se das convenções e representações “heroÃcas†do povo estadunidense em meio ao drama; evento causado por um eventual “choque de civilizaçõesâ€. Sobretudo, Syriana é um fruto desse momento histórico, pois incorporou elementos presentes na implementação da Doutrina Bush, que faziam parte do horizonte dos expectadores. O efeito estético de Syriana para a crÃtica cinematográfica apresenta-se como uma redefinição e revalorização dos filmes de cunho polÃtico. Para o grande público, a julgar pela arrecadação da bilheteria, teve grande respaldo, cerca de 50 milhões de dólares nos cinemas dos EUA, e mais de 93 milhões ao redor do globo.254 Para Hollywood, não é uma boa arrecadação, mas se pensar que filmes blockbusters com abordagens diretas sobre o terrorismo e com narrativa densa num contexto pós-11 Setembro, em que nem mesmo produções clichês e romantizadas sobre sobre temas próximos tiveram grande destaque, pode-se dizer que o problema é mais profundo. Vale ressaltar que Syriana vai na contramão de uma abordagem direta, simples e especÃfica acerca da polÃtica estadunidense. Evidentemente que se torna apenas especulativo a apreciação da 254 SYRIANA (2005). Box Office Mojo, [20--]. DisponÃvel em: <http://www.boxofficemojo.com/movies/?id=syriana.htm>. Acesso em: 27 dez. 2014. Página 156 CAPÃTULO III – SYRIANA: A NOTA DISSONANTE compreensão da produção, mas mostra um avanço narrativo em meio a filmes com abordagens romantizadas da Guerra ao Terror, lançadas pouco meses depois. Nesse ponto, a exaltação do filme como uma retomada da abordagem polÃtica, se projeta nessa ansiedade por produções com teor crÃtico, mas a reflexão histórica proposta por Syriana, exposta através dos eixos de diferentes perspectivas foi interpretada como complexa e de difÃcil assimilação pelos crÃticos para o espectador comum. Assim, Syriana rompeu com as expectativas de seu público apresentando temas que estavam em voga, devido ao silêncio e estranhamento causado pelos Atentados de 11 de Setembro, pois as grandes produções hollywoodianas ainda estavam se entregando a crÃticas sutis, desviando ou criando alegorias. Syriana é definitivamente mais direto e objetivo, mesmo que não apresente respostas, mas lança diferentes perspectivas, para outras interpretações para além do marco e da luta contra um inimigo ameaçador vindo do Oriente Médio. Página 157 A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR CapÃtulo IV CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR A linguagem cinematográfica tem uma importância significativa em meio à história dos EUA, constantemente estudada como forma de compreender os processos históricos e eventos que envolvem este paÃs. De tal modo, se torna imprescindÃvel compreender o processo de recepção que envolvem as produções fÃlmicas, a fim de notar o seu dialogo com a sociedade e as distintas interpretações e significações. Sobretudo, as crÃticas cinematográficas se tornam fundamentais para a compreensão das inúmeras temáticas que circundam a Guerra ao Terror tal como o 11 de Setembro, Guerra do Afeganistão, Guerra do Iraque, e questões especÃficas que figuram dentro destes: o terrorismo, o Oriente Médio, a tortura, os árabes, os soldados estadunidenses, etc. Em meio ao cenário cinematográfico, não há como deixar de ponderar que a crÃtica cinematográfica escrevia seus comentários em meio ao desenvolvimento da Doutrina Bush e dos conflitos que visavam a luta contra o terrorismo. Vale notar como a TV teve um papel fundamental na difusão dos atentados de 11 de Setembro, que exerceram forte influência sobre o cinema e claro sobre os espectadores, e, posteriormente, no passo a passo da presença do exército estadunidense no Afeganistão e no Iraque. De tal modo, durante todo o governo Bush observar-se-á diferentes momentos e interpretações da crÃtica cinematográfica. Num primeiro momento com as grandes produtoras alterarando/modificando vários filmes que fizessem referência direta ao evento, produções independentes e/ou estrangeiras que buscaram representar ou refletir sobre o ocorrido, e ainda os filmes que reforçaram o escapismo e/ou o esforço de guerra. Aos poucos, os filmes começaram a tratar as consequências e as crÃticas à polÃtica do governo Bush, tais produções buscaram representar os jogos polÃticos e econômicos dos EUA em meio a Doutrina Bush, bem como retratar os conflitos no Afeganistão. Em menor grau e principalmente no Iraque diversas produções com esse viés apareceram ao longo dos anos, mas se tornaram mais evidentes com a queda de popularidade de George W. Bush e sua influência no Congresso, em grande parte no seu segundo mandato. Visto a imensidão de filmes produzidos apenas no governo de George W. Bush, e que transitam entre esses dois momentos. Neste ponto, algumas produções se sobressaÃram, seja por questões técnicas e/ou pelo enredo/narrativa, tendo alcançado maior apelo em meio aos crÃticos e/ou público. Evidentemente essa prerrogativa se faz necessária pela quantidade de filmes lançados, bem como pela forma como se relacionam Página 159 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR com o contexto histórico de sua produção e da forma como se liga ao processo de uma escrita fÃlmica sobre os 11 de Setembro e a Guerra ao Terror. Assim, neste capÃtulo, a tese reforçará o dialogo entre arte e sociedade, trazendo as crÃticas sobre os filmes que de algum modo se relacionam com a Guerra ao Terror, como os atentados de 11 de Setembro, tratada como marco periodizador tanto para o cinema, como da luta contra o terrorismo internacional. Sobretudo, trata-se de notar o horizonte de expectativas do cenário cinematográfico, e claro da experiência estética que não se trata de uma simples ruptura, iniciadas com as representações dos eventos do dia 11 de setembro de 2001 ou mesmo do tratamento cinematográfico do terrorismo em suas diversas faces. A notar também a distância estética de muitas produções, pois como se viu nos capÃtulos anteriores, houve alguns esforços no tratamento de tais temas, tal como o dia 11 de setembro e os ataques – de imediato um tópico delicado –, e também os efeitos das polÃticas antiterroristas de George W. Bush e as relações como o próprio passado dos EUA no Oriente Médio – tal como tratado em Syriana (2005). Como exposto nos capÃtulos anteriores, após os Atentados de 11 de Setembro, o cinema sobre o terrorismo simplesmente parou, retornando apenas anos depois, e as primeiras representações sobre o dia dos ataques terroristas de setembro de 2001 ficaram a cargo de produções, em sua maioria, de baixo orçamento. Isso devido ao grande impacto causado não apenas pelo evento em si, mas por sua espetacularização através da TV, e, claro, da exploração polÃtica pelos republicanos. Destacou-se que Hollywood se distanciou dos temas da Guerra ao Terror e somente com o passar dos anos e o desgaste da Doutrina Bush foi tratando do tema. Ao longo do governo Bush, houve inúmeras manifestações, sejam estas favoráveis ou não a luta contra o terrorismo, que iam de um patriotismo intenso amparado no 11 de Setembro à s reflexões e questionamentos sobre a ação dos EUA décadas antes. Os conflitos oriundos da Doutrina Bush, Guerra do Afeganistão e Guerra do Iraque não tiveram o mesmo peso dentro do cinema, com grande destaque para a última, bastante controversa, desde o anúncio da intervenção, em março de 2003, e alguns escândalos envolvendo soldados dos EUA, que levou a um aumento da desaprovação do então presidente Bush. Sobretudo, grande parte dos questionamentos se voltam a Guerra ao Terror e seus efetios, mas principalmente sobre o Iraque, a filmografia e a análise da crÃtica mostram campos de disputa sobre a forma como Hollywood deve representar e levar tais temas ao espectador. Página 160 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR A CRÃTICA CINEMATOGRÃFICA E A REPRESENTAÇÃO/REMEMORAÇÃO DO 11 DE SETEMBRO A TV teve um papel considerável no impacto do 11 de Setembro, que contribuiu para o escapismo e o silenciamento por parte dos grandes estúdios cinematográficos. Vários documentários surgiram a fim de ir além da representação espetacularizante da TV, mas sem o sucesso das produções hollywoodianas. Destaca-se que, apenas alguns anos depois, especialmente após a reeleição de George W. Bush, em 2005, gradualmente surgiram produções que incorporaram o impacto dos atentados e os efeitos da Guerra ao Terror, tanto produções crÃticas como algumas ainda favoráveis à Casa Branca. Ademais, principalmente no que condiz ao ataque ao World Trade Center, é notável perceber que na exploração e espetacularização da cobertura televisiva houve um grande esforço em trazer estas imagens como sendo a própria e clara realidade, um documento histórico objetivo. De certo modo, na leitura e análise das crÃticas, conforme surgiram produções sobre os atentados, observa-se uma espécie de legitimação das imagens presentes em documentários contra as imagens televisivas, como sendo documentos históricos, pois estas foram filmadas pelos transeuntes que presenciaram o acontecimento. Isto mostra uma busca em distanciar as imagens dos atentados da institucionalização da TV; seria uma apreciação favorável a uma liberdade do câmera amador respondendo aos ângulos e enquadramentos de acordo com a emoção daquele momento, grosso modo, uma maior liberdade na escolha do que filmar.255 De tal modo é notável como as imagens televisivas, ao vivo, eram narradas e compreendidas instantaneamente por repórteres, num primeiro momento, e posteriormente por peritos e acadêmicos, bastante próximos do governo Bush/Cheney, muitos dos quais com “ortes convicções sobre o Oriente Médio,256 muitas vezes tratado como um lugar que “produz†terroristas. E claro, muito disso vem da concepção da TV enquanto reprodutora do “realâ€, e suas imagens “isentas†de subjetividade, ainda mais sendo estas ao vivo, como no caso dos atentados. É neste ponto que, ao analisarmos o cinema deste perÃodo, deve-se compreender sua recepção e como o movimento 255 Cf.: XAVIER, Ismail. Cinema: revelação e engano. In: _____. O olhar e a cena: melodrama, Hollywood, cinema novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 36. 256 Cf. SAID, Edward W. Prefácio. In: ______. O Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 2003. Página 161 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR cinematográfico se deu, que filmes seguiram o marco e quais eventualmente buscaram ir além da espetacularização. Uma das primeiras a tratar dos Atentados de 11 de Setembro foi WTC: the First 24 hours (2002), e no ano seguinte Collateral Damages (2003). Esta uma espécie de continuação/complementação daquela. Muitas crÃticas relacionam os dois documentários, apesar de terem um ano de diferença em seus lançamentos, isso possivelmente por terem sido exibidos em conjunto no Film Forum em Manhattan em 2004. Portanto, far-se-á a exposição das duas produções. Stephen Holden do The New York Times, ao iniciar sua crÃtica aos documentários de Sauret, faz uma breve contextualização do cenário cinematográfico: “Nos dois anos e meio desde que ocorreram, os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 ficaram tão enredados na polÃtica, na especulação e no debate que, ao olhar para trás, pode-se distrair do trauma dos próprios atentados terroristasâ€.257 Postula também que os atentados se tornaram mais compreensÃveis com o passar do tempo. Tais afirmações nos dão uma ideia do horizonte de expectativa258 dos espectadores, isto num cenário direcionado para uma abordagem polÃtica do marco, muito mais do que uma reflexão sobre o ocorrido, que veio a impactar na filmografia sobre o assunto. Não à toa, Holden vê ambos os documentários como peças importantes para a compreensão dos atentados e o primeiro, WTC, faz uma meditação da tragédia através das imagens e Collateral Damages explora o impacto do evento através das memórias dos bombeiros. Esta primeira crÃtica já apresenta o tom principal sobre os documentários de Étienne Sauret, trabalhando o evento de forma mais delicada e emotiva que o que foi levado aos espectadores pela televisão. Keith Phipps, The A.V. Club, ao escrever sobre o segundo documentário, Collateral Damages, pontou também suas considerações sobre WTC e afirma: “Como um documento, é inestimável, e como uma experiência de visualização, é um pouco chocanteâ€.259 Assim, considera WTC uma peça importante por 257 HOLDEN, Stephen. Anguished Emotions, Smoldering Since 9/11. The New York Times, Nova Iorque, 03 Mar. 2004. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/movie/review?res=9A03E6DD1631F930A35750C0A9629C8B63>. Acesso em: 20 fev. 2017. [Todas as crÃticas utilizadas nessa tese foram traduzidas por nós] 258 JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ãtica, 1994. 259 PHIPPS, Keith. Collateral Damages (w/ WTC: The First 24 Hours and Imagine). The A.V. Club, Chicago, 02 Mar. 2004. DisponÃvel em: <http://www.avclub.com/review/collateral-damages-w-wtc- the-first-24-hours-and-im-5204>. Acesso em: 21 fev. 2017. Página 162 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR trazer novamente o tema do 11 de Setembro ao público – em sua reexibição –, não mais tão comum em 2004, com certo tom para a beleza e a veracidade pela proposta de apresentar praticamente sem palavras ou comentários em off o cenário dos atentados. E sobre Collateral Damages o crÃtico declarou: “O que emerge é um retrato de pessoas que superaram o chamado do dever e voltaram marcadas pelo seu heroÃsmoâ€.260 O tema do heroÃsmo é muito presente em diversas crÃticas, principalmente quando estas se referem a filmes que tratam dos atentados, uma grande exaltação de quem prestou socorro à s vÃtimas. Ademais, nessa crÃtica notam-se indÃcios de que nesse momento da exibição de ambos os documentários, o primeiro de 2002 e outro de 2003, exibidos em 2004, outros temas estavam em pauta na mÃdia. Os holofotes estavam agora voltados para a intervenção dos EUA no Iraque, que como ver-se-á foram responsáveis pelo surgimento das primeiras crÃticas à s polÃticas antiterroristas de Bush no cinema. Ken Fox do TV Guide Magazine exaltou a importância de Collateral Damages ao apresentar que os bombeiros seriam um tipo diferente de vÃtima civil, e que o diretor Étienne Sauret lhes proporcionou apresentar as desvantagens de serem os heróis, em virtude das trágicas situações que enfrentaram261. Nessa mesma linha, Fred Camper do Chicago Reader elogiou os documentários afirmando que Sauret “[...] foi além dos fatos para criar momentos tristes para a catástrofeâ€.262 E Ronnie Scheib da Variety faz crÃtica especÃfica a Collateral Damages declarando que: “Embora o documentarista Étienne Sauret não apresente nada de novo para a temática, a imagem pensativa e comprimida lança uma luz diferenciada no trauma do 11/09 e suas consequências devastadorasâ€.263 O cenário que se constrói na avaliação dos crÃticos citados, mesmo com um ano de diferença entre os documentários, é de produções que apresentaram perspectivas diferentes da exploração televisiva, algo mais intimista e de certo modo mais emotiva, trabalhando o seu impacto. Por vezes transparece o elogio do real e a busca por legitimar 260 PHIPPS, Keith. Collateral Damages (w/ WTC: The First 24 Hours and Imagine). The A.V. Club, Chicago, 02 Mar. 2004. DisponÃvel em: <http://www.avclub.com/review/collateral-damages-w-wtc- the-first-24-hours-and-im-5204>. Acesso em: 21 fev. 2017. 261 FOX, Ken. Collateral Damages. TV Guide Magazine, Radnor Township, 25 Mar. 2003. DisponÃvel em: <http://www.tvguide.com/movies/collateral-damages/review/137335/>. Acesso em: 21 fev. 2017. 262 CAMPER, Fred. Collateral Damages and WTC: The First 24 Hours. Chicago Reader, Chicago, 09 Set. 2004. DisponÃvel: http://www.chicagoreader.com/chicago/collateral-damages-and-wtc-the-first-24- hours/Film?oid=1071804>. Acesso em: 20 fev. 2017. 263 SCHEIB, Ronnie. Collateral Damages. Variety, Nova Iorque, 24 Fev. 2004. DisponÃvel em: <https://variety.com/2004/film/reviews/collateral-damages-1200534821/>. Acesso em: 21 fev. 2017. Página 163 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR as imagens destes documentários como algo mais pura e distante das imanges exibidas na TV. Em tom um poco diferente, temos Underground Zero (2002), que contém vários curtas-metragens, que intercalam a representação e questionamentos sobre os atentados. O crÃtico Mick Lasalle em seu artigo “‘Underground Zero’ a needed catharsis / It's the first film to be made, released after terrorist attackâ€, publicado no San Francisco Chronicle, ao realizar sua resenha faz uma breve contextualização do perÃodo: Nos últimos oito meses [setembro de 2001 a maio de 2002], o cinema permaneceu em um limbo peculiar. Embora vivamos em um mundo pós-11 de setembro, os filmes não o representaram. Todos os ‘novos’ lançamentos foram filmados antes de setembro e isso trouxe alguns momentos desconcertantes nos cinemas: o World Trade Center aparece na tela e, por cinco ou dez segundos, o público esquece o filme que está assistindo e tenta superar o abalo do choque e do sofrimento.264 Lasalle cita Underground Zero como sendo a primeira produção a ser produzida e lançada após os atentados. Isso pode gerar certa confusão, já que a produção WTC: the First 24 hours foi sido exibida nos EUA, alguns meses antes.265 A questão é que se trata da primeira produção cujas cenas foram produzidas e não obtidas de cenas do evento, como foi com WTC e outros documentários. Lasalle é enfático e agrega uma considerável importância ao documentário: Pense em “Underground Zero†como a ponte entre os filmes que hoje estão em cartaz e os filmes que veremos daqui um ano. Em breve Hollywood vai deixar seu estado de esquecimento do feliz pré-11 de setembro e entrar em sua outra condição favorita, a bem-aventurada negação. “Underground Zero†é uma oportunidade para o público e, em certo sentido, para a arte tirar um tempo para respirar, para fazer uma pausa, reconhecer a tragédia e chorar.266 A aclamação de Lasalle para Underground Zero se trata da baixa produção sobre o tema que dominou o cenário fÃlmico pós-atentados. O crÃtico aborda o horizonte de 264 LASALLE, Mick. “Underground Zero†a needed catharsis / It’s the first film to be made, released after terrorist attack. San Francisco Chronicle, São Francisco, 08 Maio 2002. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/movies/article/Underground-Zero-a-needed-catharsis-It-s-the-2839382.php>. Acesso em: 22 fev. 2017. 265 Em e-mail questionando Mick LaSalle, expus alguns elementos frente a sua afirmação, o crÃtico respondeu que eu talvez estivesse correto. LASALLE, Mick. Question about your critic - From Brazil. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <daniel.mattos@live.com> em: 24 mar. 2017. [não publicado] 266 LASALLE, 2002, op. cit. Página 164 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR expectativa do público estadunidense, não bastando pensar a exibição de poucos segundos das Torres Gêmeas, mas sim de um filme completo que trate dos sÃmbolos de Nova York que estão emergidos no imaginário social e este filme seria Underground Zero. Sobretudo, a previsão de LaSalle se estendeu alguns anos, pois as representações dos atentados começaram a aparecer no mainstream a partir de 2006. Ademais, há uma reflexão sobre o que representam as imagens do WTC para o espectador. A experiência estética ainda é um tabu e isso grande parte das grandes produtoras procurou evitar, não tratando do evento pela clássica narrativa cinematográfica, da sequência dos acontecimentos, mas apenas por pequenas referências para não se desviar completamente da narrativa de determinado filme. Essa transição que Lasalle pontua, do esquecimento à negação, é constantemente referido por autores e crÃticos, na qual o cinema de terrorismo simplesmente parou e na sequência não tratou dos temas que o envolvem de maneira satisfatória. Fred Camper enfatiza o efeito dos 13 curtas-metragens de Underground Zero por encorajar o espectador a “[...] pensar analiticamente sobre as respostas que possuem e a fonte de ódio dos terroristasâ€.267 Essa exposição é interessantÃssima, pois muitos crÃticos, apesar de não realizarem uma análise de cada um dos curtas, citaram The Voice of Prophet de Robert Edwards – citado no capÃtulo 02 –, no qual o chefe de segurança Rick Rescorla, três anos antes do 11 de Setembro, falou sobre o terrorismo e que este, no futuro, seria a motivação de guerra para os EUA.268 Mas este tom de questiomento não foi unânime, por exemplo, Scott Tobias avaliou Underground Zero como: “Tão artisticamente diversa como ideologicamente uniforme, a produção de 76 minutos sobrepõe-se ao esquerdismo de [Noam] Chomsky em um exame multifacetado do sofrimento, da guerra, do racismo, da espiritualidade, do terrorismo e de outras questõesâ€.269 Nesse trecho pode-se notar uma aparente linha de exclusão do crÃtico acerca de questionamentos sobre o porquê dos atentados, em favor de uma representação intimista e emotiva. Tendo em conta a citação de Chomsky como algo 267 CAMPER, Fred. Underground Zero. Chicago Reader, Chicago, 13 Jun. 2002.DisponÃvel em: <http://www.chicagoreader.com/chicago/underground-zero/Film?oid=1050772>. Acesso em: 23 fev. 2017. 268 Underground Zerø. [Underground Zerø]. Direção de Frazer Bradshaw, Eva Ilona Brzeski, Norman Cowie, David Driver, Robert Edwards, Rob Epstein, Jeffrey Friedman, John Haptas, Paul Harrill, Laura Plotkin. EUA. Produzido por Caveh Zahedi e Jay Rosenblatt, 2002. 1DVD vÃdeo (76 min.); Colorido. 269 TOBIAS, Scott. Underground Zero. The A. V. Club, Chicago, 17 Jun. 2002. DisponÃvel em: <http://www.avclub.com/review/underground-zero-17296>. Acesso em: 23 fev. 2017. Página 165 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR negativo, já que é um conhecido crÃtico da polÃtica externa dos EUA – o autor concedeu diversas entrevistas que foram posteriormente lançadas no livro 9-11 em novembro de 2001 e no Brasil em 2002 com o tÃtulo 11 de Setembro. Há um forte caráter em exaltar a data, o marco, como algo único e que precisa de um registro adequado, pois a cobertura televisiva não dava conta da profundida que o tema necessitava, mas tais produções tiveram pouca expressão no grande público. E é neste clima que muitas produções são realizadas, sem aprofundar causas, mas nos efeitos, focando no marco. Assim, em 7 Days in September (7 Days in September, 2002) o diretor, Steven Rosenbaum, representou, através das diferentes gravações, a capacidade do nova- iorquino se unir em meio à tragédia, mostrando certa tendência dos documentos que foram lançados após o 11 de Setembro. Kevin Thomas, do Los Angeles Times, expõe: O resultado é uma narrativa ao mesmo tempo pessoal, admiravelmente coerente e, acima de tudo, encorajadora. Ironicamente, em meio a uma tragédia em espiral, o filme mostra indivÃduos experimentando um sentimento de alegria, enquanto se lançam no processo de recuperação, substituindo o sentimento crônico de desconforto e incertezas que hoje domina o paÃs.270 Essa exposição mostra que o documentário, dentre outros, buscou levar ao expectador momentos de reflexão através das imagens do evento, as mesmas imagens trágicas tornam-se também o antidoto para a consternação. Também mostra um perÃodo de instabilidade social e politica, que afetou o cinema, pois há um enorme movimento entre os crÃticos em apreciar abordagens que sejam mais focadas no heroÃsmo e no drama vivido pelos cidadãos, fugindo de temas questionadores. As produções focam no marco e mostra o impacto deste na produção do perÃodo. No TV Guide Magazine, Ken Fox acentuou esse aspecto ao frisar as pessoas que gravaram as imagens usadas pelo diretor: Poucos daqueles nova-iorquinos se chamariam cineastas; eles são estudantes, programadores de computador, designers gráficos e carteiros que passaram a ter acesso a câmeras de vÃdeo e as usaram para gravar a história. As imagens que capturam – brutas, imediatas, à s vezes 270 THOMAS, Kevin. Heartening Response to Disaster in “7 Daysâ€. Los Angeles Times, Los Angeles, 13 Set. 2002. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2002/sep/13/entertainment/et-sevendays13>. Acesso em 23 fev. 2017. Página 166 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR poéticas – oferecem um panorama único de 360 graus da vida em Nova York durante esse perÃodo terrÃvel 271 Ken Fox faz diversos elogios ao documentário numa espécie de euforia pela comoção das gravações feitas pelos transeuntes que presenciaram os atentados, chegando a citar que “[...] o filme não só se destaca como um importante documento coletivo da época, mas faz uma contribuição valiosa para a crescente compilação da narrativa sobre o 11/09â€.272 Narrativa esta que fortalece o marco numa defesa das imagens amadoras como uma alternativa à s imagens institucionalizadas e engessadas das redes televisivas dos ataques, tal como o crÃtico cita “brutas, imediatas, à s vezes poéticasâ€, ou seja, não são estilizadas, sem enquadramentos, apenas almejando ser objetivas em sua subjetividade. Existe uma disputa narrativa pelo 11 de Setembro a TV ou o cinema. Em seguida, temos a produção 11 de setembro (11'09''01 – September 11, 2002), que contém onze curtas-metragens, alguns com crÃticas bastante acentuadas e outras mais sutÃs sobre o 11 de Setembro debatendo os usos do evento, seu significados e efeitos, em certos momentos questionando-o enquanto data importante, como marco. O crÃtico Michael Wilmington, do Chicago Tribune, expôs alguns elogios à produção, de modo geral apresentando-a como um manifesto fÃlmico, o que eventualmente levou ao atraso de mais de um semestre para o lançamento nos EUA. Às vezes o mundo do cinema, como o mundo em geral, nos dá algo extraordinário que também é uma lembrança dolorosa de oportunidades perdidas. Um exemplo é “11 de Setembroâ€, um filme muitas vezes brilhante, revelador, profundamente interessante e abrangente. Nele, 11 grandes cineastas mundiais criaram vinhetas cinematográficas: retratos de suas reações após o 11 de setembro de 2001 e o massacre do World Trade Center. Esses cineastas [...] tiveram controle artÃstico absoluto e apenas uma exigência. Cada segmento deveria ter exatamente 11 minutos, nove segundos e uma sequência, para coincidir poeticamente com o estilo europeu de datação 11-09-01. [...] Alguns dos 11 curtas são brilhantes, mesmo com suas falhas, são provocantes e reveladores. E, em geral, as perspectivas das vinhetas – mesmo entre os diretores profundamente crÃticos a polÃtica externa dos EUA – são humanistas e antiguerra, cheios de raiva pelo massacre e empáticos pelas vÃtimas. Porque levou tanto tempo para chegar aos nossos cinemas? Depois da estréia norte-americana no Toronto Film Festival do ano passado – onde “11 de setembro†teve uma recepção com crÃticas mistas – alguns 271 FOX, Ken. 7 Days In September 2002. TV Guide Magazine, Radnor Township, 2002. DisponÃvel em: <http://www.tvguide.com/movies/7-days-in-september/review/136243/>. Acesso em 23 fev. 2017. 272 Ibid. Página 167 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR dos curtas foram chamados de antiamericanos na imprensa e o lançamento do filme foi adiado.273 O trecho destaca o objetivo geral da obra, como o apelo antiguerra e a crÃtica à polÃtica externa dos EUA, e além disso apresenta a justificativa do atrasado de mais de dez meses para o seu lançamento nos EUA. O receio das grandes produtoras e distribuidoras do paÃs é um dos primeiros aspectos, somado ao esforço do próprio governo em não explorar o evento em si, ao menos no primeiro ano pós-atentados. Mas após a invasão do Iraque em março de 2003, nos meses seguintes surgiram questionamentos, já que grande parte da população não era a favor, um perÃodo de queda da popularidade de Bush. Sobretudo, o discurso geral da produção percorre o tratamento de diferentes 11 de Setembro – como também uma alternativa ao que a mÃdia estadunidense chamou de marco histórico (uma tragédia sem precedentes) –, ou seja, chama a atenção para que outros eventos tenham também um lugar na história. Um exemplo disso pode ser observado no horizonte de expectativa de crÃticos como Stephen Hunter, do Washington Post, que em seu artigo “'September 11': Towers and Babbleâ€, mostra seu descontentamento com a abordagem histórica feita por alguns dos curtas-metragens. Segundo o crÃtico: Dos curtas, dois são ótimos, alguns mais divertidos ou provocantes, mas os demais são muito impertinentes. Eu, faria sem o entusiasmo radical do cineasta britânico Ken Loach, que usa seus 11 minutos para lembrar ao mundo que em outro 11 de setembro, Salvador Allende foi deposto no Chile, um ato que ele atribui aos Estados Unidos [...]. Eu me pergunto, porque os mais de 3.000 americanos mortos nas torres ou no Pentágono seriam responsáveis pela ação da CIA no Chile a 30 e poucos anos atrás? [...] O curta de Israel, dirigido por Amos Gitai, também é desagradável. Tecnicamente, é uma peça cinematográfica virtuosa, uma única tomada de 11 minutos com atores vagando dentro e fora do quadro, numa brilhante coreografia. Mas o impulso do curta é tendencioso. Também se passa em um 11 de setembro, no local de um atentado em Jerusalém, e mostra a dificuldade de uma repórter de TV em relatar o evento ao vivo, em virtude das notÃcias vindas de Nova York. Seu ponto: “Ei, isso vem acontecendo para nós há muito mais tempo do que a vocêsâ€. Eu não posso descrever todos [os curtas], então vamos diretamente para o mais estranho. A fábula do homem cobra, do grande cineasta japonês, Shohei Imamura. Hmmm, o que isso tem a ver com 11 de setembro? Eu só posso suspeitar que Imamura, que dirigiu o grande “Vengeance is Mine†[1979] e “Black Rain†[1989] há muitos anos, pensou que a oferta do produtor francês Alain Brigand era 273 WILMINGTON, Michael. Global giants of film tackle a tough subject: ‘September 11’. Chicago Tribune, Chicago, 05 Set. 2003. DisponÃvel em: http://articles.chicagotribune.com/2003-09- 05/entertainment/0309050277_1_youssef-chahine-star-massacre>. Acesso em: 29 jul. 2015. Página 168 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR ridÃcula. Mas ele pegou o dinheiro e fez o filme que queria fazer, e a piada é sobre o pobre Sr. Brigand! O filme de Imamura é ambientado em 1945 (!) e conta a história de um soldado japonês (Tomorowo Taguchi) que voltou da guerra tão traumatizado que decidiu deixar de ser um homem, e se tornar uma cobra. Então o filme o segue enquanto se desliza pela poeira, perturbando a esposa, os pais e os aldeões. Vou avisar a potenciais espectadores que o filme contém uma cena tão repugnante, que até mesmo um estômago de ferro como o que eu tinha, teve que desviar – pensem em cobras e ratos pessoal.274 Apesar dos elogios, as questões de virtuosidade técnica de alguns curtas, o teor antiamericano destes não foi recepcionado positivamente por muitos crÃticos estadunidenses, como Stephen Hunter. Não importa qualquer outro debate histórico nesse momento, metáforas ou alegorias visuais como a do “homem-cobraâ€, sobre a natureza humana e guerra. Questionar a memória histórica da Segunda Guerra Mundial, com relação ao Japão, é um tema delicado, bem como um curta que se passar em Israel, um 11 de Setembro para os árabes. Reflexões que não seriam bem vistas num momento em que há um esforço para a luta contra um novo inimigo, o forte apelo patriótico. Ademais, Hunter expõe que este é o momento dos EUA, seu marco. Destaca-se que houve diferentes reações ao 11 de Setembro dos EUA em outros paÃses, como expõem Strobe Talbott Chanda Strobe no livro A era do terror: o mundo depois de 11 de setembro, lançado em 2002: O segundo choque para muitos americanos em 11 de setembro foi o espetáculo – tão explorado pela cobertura televisiva ocidental – dos jovens palestinos dançando e comemorando nas ruas. Nos dias e semanas seguintes, entre os entrevistados na televisão figuraram intelectuais egÃpcios que manifestaram sua desaprovação em relação aos ataques, mas cuja mensagem mais sincera parecia ser a de que os Estados Unidos mereciam aquilo. Em outubro, noticiou-se uma nova moda entre as mães paquistanesas: dar aos filhos recém-nascidos o nome de Osama.275 A citações dos autores, que acentuam a ideia dum embate cultural, mostram que num cenário fÃlmico no qual no inÃcio de 2002 surgiram algumas produções abordando os atentados em si, por vezes contando com cenas filmadas no dia dos atentados, questionar a importância, impacto e consequências do acontecimento traria crÃticas 274 HUNTER, Stephen. “September 11â€: Towers and Babble. The Washington Post, Washington, D.C., 05 Set. 2003. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp- dyn/content/article/2003/09/05/AR2005040200618.html>. Acesso em: 28 jul. 2015. 275 TALBOTT, Strobe; CHANDA, Nayan. (Orgs.). A era do terror: o mundo depois de 11 de setembro. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 15-16. Página 169 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR negativas, tendo em conta que no imediato pós-atentados, o tratamento oficial foi via de regra, polÃtico, e não voltado à reflexão sobre os efeitos causados pelo evento na população nova-iorquina, bem como no restante dos EUA. De certo modo, 11 de Setembro (2002) mesmo sendo uma importante produção sobre o perÃodo, foi marginalizada, distanciou-se do horizonte de expectativas do público, que buscou uma experiência estética que lhe confortasse – e mesmo hoje na apreciação da distância estética nota-se certo estranhamento há alguns dos curtas, apesar de em meio a outros documentário, 11 de Setembro ser bastante citado por crÃticos e autores de cinema, como o mais representativo sobre os atentados. O diretor Alejandro González Iñarritu, quando questionado sobre o porquê de seu curta-metragem ser o único que abordou especificamente a queda das Twin Towers, respondeu: Sim, porque eu não senti que poderia fazer qualquer coisa sobre antes ou depois do evento em si. Era muito recente. Eu queria apenas observar o que diretamente me afetou. Eu não queria reduzir meus 11 minutos a alguma declaração polÃtica. Mesmo se eu pudesse, é simplesmente impossÃvel nesse tempo expressar a complexidade polÃtica desse evento. Eu só quis fazer algo abstrato que teria valor a longo prazo. Se eu fosse realizar esse projeto agora, eu faria um filme completamente diferente, porque tanta coisa aconteceu – Afeganistão, Iraque, e nenhuma arma de destruição em massa. Você começa a dizer: “Espere um minuto. Essa coisa não era tão simples quando os EUA foram atacadosâ€. Mas naquela época eu queria focar as vidas humanas que se perderam e o incrÃvel terror de 3.000 pessoas morrerem daquela maneira. Eu queria que fosse uma cerimônia de luto com gritos de Ãndios como no meu paÃs, orando por eles e suas famÃlias. Eu queria fazer uma declaração, que é a de que temos nos matado desde Caim e Abel, e como ainda podemos continuar a usar Deus para justificar esse tipo de coisas? Eu tentei ir além da polÃtica.276 A declaração de Iñarritu exemplifica perfeitamente tal cenário, no qual pairavam apenas dúvidas, com o qual o governo claramente utilizou para uma mobilização polÃtica. A opção de Iñarritu foi a de parcialmente abrir mão das imagens e deixar o espectador à s escuras. Nos mais de três minutos iniciais apenas se ouvem sons aleatórios em off seguidos do som de um avião e então, um estrondo... vê-se a primeira imagem de uma série com pessoas saltando das Torres Gêmeas, rapidamente intercalando com a escuridão da tela, em off comentários de sobreviventes e noticiários. De repente, sem som qualquer, 276 IÑARRITU, Alejandro González. Entrevista concedida a Scott Tobias. The A.V. Club, Chicago, 23 Dez. 2003. DisponÃvel em: <http://www.avclub.com/article/alejandro-gonzalez-inarritu-13845>. Acesso em: 01 out. 2015. Página 170 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR apenas as torres desabando e por fim, a escuridão novamente.277 A opção de Iñarritu é emblemática, em meio à torrente de imagens as quais o espectador foi exposto, o diretor decidiu criticar a exploração midiática, mas as imagens dos jumpers podem ter causado reações diversas no público, em algumas crÃticas pode-se notar o estranhamento ao referido curta. De modo geral, há uma preocupação com a reflexão temporal ao longo dos curtas-metragens do 11 de Setembro, que é justamente a motivação de grande parte das crÃticas negativas sobre a produção, seja na abordagem polÃtica como histórica, nota-se um profundo anseio sobre qual seria o impacto dos atentados, e principalmente sobre como tratá-lo. Lentamente se vê o tratamento dos ataques terroristas de 11 de setembro como um marco, a medida que o terrorismo se tornou a pauta das polÃticas de George W. Bush, bem como em que o tratamento do evento em si não foi discutido de forma direta, como pode-se observar através do cinema. De tal modo, as primeiras produções posteriores aos ataques de setembro de 2001 mostram campos de disputa: de um lado grandes produtoras distanciando-se do evento, modificando, adiando, relançando e criando produções permeando o esquecimento e exaltando o patriotismo para um esforço de guerra, de outro lado algumas produções que não alcançaram o grande público, mas buscaram ir na contramão da mÃdia televisiva, apesar de haver diferentes posicionamentos também neste segmento. Nesse cenário fica evidente a disputa pela legitimidade das imagens do 11 de Setembro, como se usou tais imagens e em que sentido, tendo em conta que o público foi exaustivamente exposto a diferentes gravações, quadros, ângulos, sob os quais ponderava-se a favor de um patriotismo exacerbado ou uma reflexão mais madura e ampla 277 11 de Setembro [11’09’’11 – September 11]. Direção de Youseff Charine, Amos Gitai, Alejando Gonzáles Iñarritu, Shôhei Imamura, Claude Lelouch, Ken Loach, Samira Makhmalbaf, Mira Nair, Idrissa Ouedraogo, Sean Penn, Danis Tanovic. Roteiro de Youssef Chahine (segmento: Egito), Sabrina Dhawan (segmento: Ãndia), Amos Gitai (segmento: Israel), Alejandro González Iñárritu (segmento: “Méxicoâ€), Paul Laverty (segmento: Reino Unido), Claude Lelouch (segmento: França), Ken Loach (segmento: Reino Unido), Samira Makhmalbaf (segmento: Irã), Idrissa Ouedraogo (segmento: Burkina- Faso),Sean Penn (segmento: “Estados Unidosâ€),Marie-Jose Sanselme (segmento: Israel), Danis Tanovics (segmento: Bosnia-Herzegovina), Daisuke Tengan (segmento: Japão),Pierre Uytterhoeven (segmento: França), Vladimir Vega (segmento: Reino Unido) . Reino Unido, França, Egito, Japão, México, EUA, Irã. Produzido por CIH Shorts, Catherine Dussart Productions (CDP), Comme des Cinémas, Galatée Films (as Galatee Films), Imamura Productions, La Générale de Production, Les Films 13, Les Films de la Plaine, MISR International Films, Makhmalbaf Film House (segmento: “Iranâ€), Makhmalbaf Productions, Sequence 19 Productions, Sixteen Films, Studio Maj, StudioCanal, Zeta Film. Distribuido por Europa Filmes. 2002. 1 DVD vÃdeo (134 min.). Colorido. Página 171 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR sobre o que ocorreu. Esta última bastante impopular nos primeiros meses. Paira no ar, uma espécie de disputa narrativa, sobre qual o ângulo, enquadramento sobre o marco. Umas das primeiras produções hollywoodianas a mostrar Nova Iorque após os atentados ao WTC – intencionalmente, sem ter sido gravada antes do acontecido –, foi A Última Noite (25th Hour, 2002),278 baseado no romance homônimo de David Benioff, lançado antes de 2001. O diretor da adaptação, Spike Lee, é conhecido por abordar temas sobre a cidade de Nova Iorque em seus distintos semblantes; não foi surpresa ser um dos primeiros a tratar a cidade ainda sob a névoa dos atentados. O filme mostra Monty, personagem interpretado por Edward Norton, em sua última noite de liberdade após ser condenado por tráfico de drogas. Lou Lumenick, crÃtico do New York Post, em seu artigo “His finest ‘hour’â€, faz elogios sobre a abordagem de Spike Lee: “[...] o filme usa brilhantemente a transição na vida de Monty como uma metáfora poderosa sobre as mudanças e tudo que passamos depois daquela terrÃvel terça-feira de setembroâ€.279 Além de exaltar como Lee captou o clima de Nova York, Luminick em certo trecho aclama o diretor como um dos melhores de sua geração. Em entrevista ao Blackfilm.com, Spike Lee explicou o porquê de não seguir as demais produções que optaram por não incorporar os atentados terroristas: Porque eu sou nova-iorquino. Alguns estúdios tiveram a chance de mostrar imagens do WTC, mas eles escolheram pular fora. O projeto foi baseado no pano de fundo. Eu não acho que eles [executivo, produtores] deveriam temer a sensibilidade do público para com o filme. Eu não acho que “Homem-Aranha†teria feito um centavo a menos se eles tivessem mantido as imagens [um helicóptero preso por teias gigantes entre as Torres Gêmeas], mas isso foi decisão deles, e neste filme eu pude decidir e gostaria de acrescentar que minha escolha sobre o 11/09 não foi uma grande decisão, fiz isso em um milésimo de segundo. Eu sabia que eu ia fazer, apenas tinha que pensar como. Essa foi uma decisão muito mais difÃcil, porque eu não queria ofender ninguém, e nós sabÃamos que havia uma maneira de lidar com bom gosto, sem fugir do que aconteceu.280 278 LUMENICK, Lou. His finest “hourâ€. The New York Post, Nova Iorque, 19 Dez. 2002. DisponÃvel em: <http://nypost.com/2002/12/19/his-finest-hour/>. Acesso em: 03 ago. 2015. 279 Ibid. 280 LEE, Spike. 25th Hour: An Interview with Spike Lee. Blackfilm.com, Dez. 2002. Entrevista concedida a Wilson Morales. DisponÃvel em: <http://blackfilm.com/20021220/features/spikelee.shtml>. Acesso em: 02 out. 2015. Página 172 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Assim, A Última Hora não tratou o 11 de Setembro especificamente, mas como pano de fundo, e nota-se que apesar das poucas referências, naquele momento tratar do evento era ainda delicado. O tom de grande parte das crÃticas compartilha do sentimento de perda, ao mesmo tempo em que tem resistência sobre qualquer referência ao evento, como a representação do Marco Zero. Spike Lee, no entanto, prefere a discussão e inserção de elementos acerca dos ataques, pois já fazem parte do “novo†cenário nova- iorquino, sendo sua produção a primeira do mainstream a “naturalizar†o evento, ao invés do silênciamento optou pela sutileza da linguagem fÃlmica. Uma das formas que o diretor utilizou para não “escapar†dos atentados, pode ser observada logo no inÃcio do filme, no “Marco Zeroâ€, onde estava o complexo do WTC. A sequência mostra o tributo de luzes proporcionado por 88 holofotes que recriam a estrutura das Torres Gêmeas, e por fim tomadas panorâmicas de diferentes pontos de Nova Iorque281. Em outra cena que toma como fundo o “Marco Zeroâ€, houve crÃticas variadas em algumas análises. Desson Howe, do Washington Post, expôs: Lee faz uma tentativa incoerente para amarrar a história com a calamidade do 11 de setembro de 2001. No apartamento de Francis próximo ao Marco Zero, podem-se observar os trabalhadores limpando aquele buraco desolado [os escombros do WTC]. Isso pode parecer perversamente pitoresco, mas o que isso faz para a história? Claro que é uma paisagem infernal e Monty enfrenta o inferno, mas e daÃ? 282 A. O. Scott, em Confronting the Past Before Going to Prison, comentou sobre a mesma cena: “[...] dois personagens falam em um apartamento com vista para o Marco Zero, cujo a imersão no brilho e nas sombras tornam impossÃvel concentrar-se no diálogo: um caso de ficção e choque de realidade.â€283 Scott destaca que a imagem do WTC ao fundo atrapalha a concentração ao diálogo dos personagens, mas destaca a sensibilidade do diretor ao tentar tratar e relacionar o enredo, de um livro lançado antes dos atentados, com o clima de Nova Iorque, ao contrário de Desson Howe, que mesmo mencionando o 281 A Última Hora. [25th Hour]. Direção de Spike Lee. Roteiro de David Benioff, EUA. Produzido por Julia Chasman, Jon Kilik, Spike Lee e Tobey Maguire. Distribuido por Touchstone Pictures, 2002. 1DVD vÃdeo (135 min.); Colorido. 282 HOWE, Desson. “25th Hourâ€: Overly Spiked Punch. The Washington Post, Washington, D.C., 10 Jan. 2003. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/archive/lifestyle/2003/01/10/25th-hour- overly-spiked-punch/5b339b5e-6319-460e-bc3b-e22f6950ceb7/>. Acesso em 04 out. 2015. 283 SCOTT, Anthony Oliver. Confronting the Past Before Going to Prison. The New York Times, Nova Iorque, 19 Dez. 2002. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/2002/12/19/movies/19HOUR.html>. Acesso em: 04 ago. 2015. Página 173 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR esforço de Lee em aproximar o filme com o WTC fez questão de não tratar desse ponto em sua crÃtica. 284 Stephen Prince destacou que: A indústria considerou o 11 de setembro como um tipo de veneno de bilheteria, como um tópico que o público preferiria não ver retratado nas telas do cinema, e assim os estúdios odiavam produções em andamento que escolhiam os ataques como assunto. Spike Lee foi o primeiro grande cineasta a referir-se ao 11/9, embora o filme em questão não seja principalmente sobre o 11/09. Era apropriado que Lee fosse o primeiro diretor importante a assinalar a perda das Torres Gêmeas, porque ele é um nova-iorquino. 285 O que se pode observar é que a recepção do público se tornou uma dúvida para diversos diretores, produtores, estúdios, e também dos crÃticos. Não se sabia exatamente como abordar o tema. Spike Lee, em sua declaração fala sobre o cuidado em não ofender seus espectadores, os atentados não poderiam ficar de fora do filme, mas tudo deveria ser feito com bom gosto, pois os EUA, ainda estavam em luto286. Michael Wilmington, do Chicago Tribune, chegou a comentar que “[…] muito do que faz o filme tão poderoso vem da melancolia, dos sentimentos e da consternação de Lee sobre Nova York, no auge do drama e da união pós-11/09.†287 Assim, A Última Hora mesmo não tratando dos atentados em si trouxe-os como pano de fundo e as poucas referências já mostravam que naquele momento tratar do evento era ainda delicado, como se pôde observar nas crÃticas citadas. O tom de grande parte das crÃticas compartilha do sentimento de perda, ao mesmo tempo em que tem resistência sobre qualquer referência ao evento, como a representação do Marco Zero. Spike Lee, no entanto, prefere a discussão e inserção de elementos acerca dos ataques, pois já fazem parte do “novo†cenário nova-iorquino, sendo sua produção a primeira do 284 HOWE, Desson. “25th Hourâ€: Overly Spiked Punch. The Washington Post, Washington, D.C., 10 Jan. 2003. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/archive/lifestyle/2003/01/10/25th-hour- overly-spiked-punch/5b339b5e-6319-460e-bc3b-e22f6950ceb7/>. Acesso em 04 out. 2015. 285 PRINCE, Stephen. Firestorm: American film in the age of terrorism. New York: Columbia University Press, 2009 286 LEE, Spike. 25th Hour: An Interview with Spike Lee. Blackfilm.com, Dez. 2002. Entrevista concedida a Wilson Morales. DisponÃvel em: <http://blackfilm.com/20021220/features/spikelee.shtml>. Acesso em: 02 out. 2015. 287 WILMINGTON, Michael. Finest “hourâ€. Chicago Tribune, Chicago, 10 Jan. 2002. DisponÃvel em: <http://articles.chicagotribune.com/2003-01-10/news/0301110074_1_superb-edward-norton-director- spike-lee>. Acesso em: 03 ago. 2015. Página 174 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR mainstream a “naturalizar†o evento, ao invés do silenciamento optou pela sutileza da linguagem fÃlmica. Com certo estranhamento, o horizonte de expectativa pós-atentados apresenta certas constantes, mas mesmo nestas, inconstâncias. Muitas produções que trataram dos atentados, que majoritariamente se referiam apenas a Nova Iorque, se tratando de homenagear as vÃtimas e trazendo um apelo de opção à s imagens da grande mÃdia, entenda-se em partes a TV, e contando com imagens amadoras do acontecimento, eram bem vistas pela crÃtica. Por outro lado, se buscassem o questionamento ou crÃtica ao “momento†histórico dos estadunidenses, não seria bem recepcionado ou em alguns casos nem mesmo lançado no território dos EUA – tendo em conta que parte desse papel em decidir se haveria uma boa recepção dos filmes, ficou a cargo das produtoras e distribuidoras estadunidenses. Curiosamente, neste primeiro momento, entre 2001 e 2002, quando uma obra de ficção, mesmo aos moldes hollywoodiano, é lançada e trata sutilmente da queda das Torres Gêmeas, causa desconforto. Essas diferentes recepções de representações do 11 de setembro, mostram o quão arenoso era o cenário fÃlmico do perÃodo. A partir do segundo mandato de Bush, o tratamento dos temas sobre o terrorismo e o próprio 11 de Setembro começaram a aparecer, e agora aos moldes Hollywoodianos, reforçando a ideia dum marco, filmes como Vôo United 93 (United 93, 2006) e As Torres Gêmeas (World Trande Center, 2006). Grande parte dos crÃticos seguem uma linha mais pessoal sobre a recepção de tais filmes, trazendo o patriotismo em primeiro plano, do que resenhando o filme para os espectadores, mesmo que desse modo possam convencer mais pessoas a assistirem o filme. O crÃtico David Denby, do The New Yorker, no trecho abaixo fez uma breve descrição do enredo da produção Voo United 93: O filme começa lentamente, com a oração matutina dos rapazes de olhar doce que se tornarão terroristas; a rotina no aeroporto de Newark, onde começou o voo 93 com destino a San Francisco; os passageiros se acomodam pacificamente no avião; a perplexidade no centro de comando da Administração Federal de Aviação quando o primeiro e depois outro voo saem fora do curso. Quando o voo 93 é sequestrado, os passageiros inicialmente responderam com pânico, enquanto os controladores de voo, em terra, quase sem acreditar, tentam (sem sucesso) alertar os militares. Constantemente, a edição se torna mais rápida, o diálogo se torna mais conciso e categórico, e começamos a pegar detalhes em flash, no canto do olho da câmera. Os sequestradores matam os pilotos, mas Greengrass [diretor] não mostra nossas mortes; Página 175 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR nós apenas vemos seus corpos sendo arrastados pelo cockpit, do ponto de vista de um comissário de bordo no meio do avião. Rejeitando o padrão de encenação frontal e central, Greengrass trabalha com fragmentos que são parcialmente compreendidos. Quando os passageiros se revoltam, a violência não é falsa, artisticamente editada, mas uma corrida caótica, e não é realizada por tipos carismáticos que demonstram sua proeza. Em uma história de heroÃsmo coletivo e anônimo, não queremos que Denzel Washington assuma o controle ou Gene Hackman, furioso, peça para os militares intervir. Greengrass usa atendentes de voo reais, controladores de ar e pilotos e mistura-os com atores pouco conhecidos ou desconhecidos. Como um conjunto, os atores são distantes, mas de uma boa maneira – eles exibem uma combinação de incompreenssão e inteligência, confusão e vigilância, que parece correta. Eles vivem dentro do momento sem defini-lo. A partida do voo 93, agendada para as 08 da manhã, foi adiada. Quando o avião saiu do chão, os ataques ao World Trade Center ficaram a poucos minutos de distância. No filme, uma vez que o voo está no alto, Greengrass adere ao tempo real e os minutos passados têm uma urgência quase demonÃaca. Isto é o verdadeiro cinema existencial: existe apenas o instante seguinte, e um depois desse, e o que você vai fazer? Muitos filmes estimulam a tensão com astúcia e manipulação. Na medida do possÃvel, este filme faz isso em linha reta. Algumas pessoas fizeram uso extraordinário desses minutos atormentados e “United 93†honra totalmente o que era original e espontâneo e corajoso, em sua recusa em ir silenciosamente. 288 O tom da crÃtica de David Denby segue muito próximo da grande maioria dos crÃticos em inúmeros aspectos: produção, edição, filmagem, atores. Todos estes elementos foram enaltecidos e tratados como fundamentais na representação do sequestro do voo 93 da United. Denby chegou a citar as cenas que mostram os terroristas orando antes de sequestrar o avião, sem qualquer discussão, apenas que se trata de um elemento importante – não foi o único a deixar de apontar a importância do tratamento “humanizado†aos terroristas. Ademais, Denby destacou a importância da seleção do elenco. Tal opção vai na contramão de uma exaltação aos moldes star system de chamar a atenção para os filmes através de atores/atrizes, que em muitos casos possuem uma espécie de carga de atuação para determinado gênero fÃlmico. Buscou-se algo mais neutro ou mesmo natural para a dramatização do que possivelmente ocorreu dentro do avião, já que o roteiro se baseou em investigações e em relatos das ligações telefônicas feitas durante o voo dos passageiros para seus familiares. 288 DENBY, David. Last Impressions – “United 93†e “The Death of Mr. Lazarescuâ€. The New Yorker, Nova Iorque, 11 Maio 2006. DisponÃvel em: <http://www.newyorker.com/magazine/2006/05/01/last- impressions>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 176 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Esses elementos de realismo e as fontes para a reconstituição dos eventos retratados no filme podem ser notados também na crÃtica de Claudia Puig publicada no USA Today: United 93 é um retrato incansável, poderosamente visceral e assustador dos trágicos acontecimentos a bordo de um dos voos sob controle de terroristas na fatÃdica manhã de 11 de setembro de 2001. Pesquisas minuciosas de relatórios de gravações de voos, dos controladores de tráfego aéreo e com funcionários da aviação, bem como chamadas de celular feitas aos membros da famÃlia por alguns dos passageiros, é inegavelmente o filme mais doloroso e cativante lançado este ano. O que o escritor/diretor Paul Greengrass recriou não é apenas o devastador drama humano a bordo do voo, mas também a reação das autoridades em terra à medida que se tornam cientes – e impotentes – frente ao horror dos acontecimentos. Filmado em tempo real e com câmeras de mão, ele tem a urgência e a qualidade de um documentário em vez de um filme de grande estúdio. Nunca saberemos exatamente o que aconteceu a bordo desse voo, mas o United 93 nos dá uma boa hipótese. A resposta dos passageiros nem sempre é corajosa e inspiradora; alguns choravam ou recuavam frente a atos de bravura. Mas sempre é fascinante. Embora o filme não tente suavizar o golpe doloroso, ele surge como um memorial plausÃvel para as 44 pessoas a bordo, vários dos quais tentaram lutar contra os terroristas. O elenco é uma revelação. Greengrass escolheu sabiamente utilizar uma meia dúzia de profissionais reais para aumentar a sensação de verossimilhança. Mais notável é Ben Sliney, responsável pelo centro de comando da FAA [Administração Federal de Aviação], que ajuda a tornar a história mais reveladora e concisa. A escolha do diretor por atores desconhecidos, em oposição à s estrelas, para atuar como os passageiros e a equipe, também aumenta a sensação de que estamos assistindo pessoas reais lutando por suas vidas.289 É perceptÃvel o tom de exaltação da obra pela crÃtica Claudia Puig, pois faz sua resenha pautando-se nos elementos que valorizam os passageiros como heróis, com um elenco que traz veracidade e realismo para a reconstituição daquele acontecimento. Parte dessa apreciação está estritamente ligada aos ataques terroristas em Nova Iorque e ao Pentágono, pois supostamente os passageiros do voo United 93 evitaram que acontecesse algo semelhante ao que ocorreu à s Torres Gêmeas. Nestas duas crÃticas não há qualquer apreciação de cunho polÃtico ou frente à guerra ao terrorismo que seguiram nos dias seguintes aos ataques terroristas; o foco é o que possivelmente ocorreu naquele voo. De modo que o que está em jogo é se o público 289 PUIG, Claudia. Wrenching ‘United 93’ is harrowing in its realism. USA Today, McLean, 24 Abr. 2006. DisponÃvel em: https://usatoday30.usatoday.com/life/movies/reviews/2006-04-24-united-93_x.htm#>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 177 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR estaria preparado para assistir a estas imagens que não foram transmitidas ao vivo ou em qualquer outro lugar,; imagens que vieram da imaginação dos roteiristas e do diretor da produção como base em ligações e dados posteriores, já na definição do 11 de setembro de 2001 como marco. Peter Travers da revista Rolling Stones traz exatamente a problemática da recepção do filme pelo público estadunidense, se o mesmo estaria preparado para vislumbrar esse momento. Não parece importar que o United 93, escrito e dirigido, com o brilho fulminante e compaixão, por Paul Greengrass, é uma conquista monumental que está acima de qualquer filme deste ano. De acordo com as pesquisas, o público pretende evitá-lo. É muito cedo, dizem-nos, para um filme sobre o 11 de setembro. É muito especulativo observar uma reconstituição do que poderia acontecer naquela manhã no voo 93 da United Airlines – partindo de Newark para San Francisco – quando trinta e três passageiros e sete membros da equipe se levantaram contra os quatro sequestradores, armados com faca, que mataram os pilotos e assumiram o controle do avião. É muito difÃcil assistir pessoas corajosas perderem suas vidas enquanto lutam para que o avião não chegue ao seu alvo presumido em DC, e sim cair em um campo na Pensilvânia. Eu pergunto: o público americano deve sempre ser amedrontado pela fantasia? A dura realidade está fora dos limites no multiplex? 290 Além dos elogios, neste trecho de sua crÃtica, Peter Travers elogiou a escolha do elenco, além de fazer referências à filmografia de Paul Greengrass – algo de praxe nas crÃticas que encontramos –, elogiando o diretor por The Bourne Supremacy e sua abordagem polÃtica, e por fazer exatamente o contrário em Voo United 93, exaltando a busca dele pela autenticidade e valorização dos passageiros. O trecho em negrito representa um questionamento de muitos crÃticos, dos limites da representação fÃlmica e claro, se o público está preparado para reviver os atentados. O efeito das imagens transmitidas ao vivo no dia dos ataques terroristas ainda está presente no imaginário estadunidense e se faz presente no horizonte de expectativas dos espectadores. As relações entre o conhecimento dos eventos, a ficção e o impacto das imagens “reais†pode ser notada na crÃtica de Marjorie Baumgarten do The Austin Chronicle: Desta vez não podemos nos confortar com as palavras “É apenas um filmeâ€. O conhecimento prévio da horrÃvel realidade de 11 de setembro 290 TRAVERS, Peter. United 93. Rolling Stones, Nova Iorque, 28 Abr. 2006. DisponÃvel em: <http://www.rollingstone.com/movies/reviews/united-93-20060428>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 178 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR de 2001 torna United 93 uma proposta difÃcil para alguns espectadores que temem rever as emoções daquele dia. No entanto, seria equivocado temer esse filme como uma exploração descarada de Hollywood de uma tragédia nacional em busca de lucros egoÃstas na venda de pipocas. O United 93 é um retrato sóbrio, humanÃstico dos literais “primeiros socorristas†dos Estados Unidos – os passageiros no único voo que não atingiu o seu alvo no 11 de setembro, porque as chamadas telefônicas em voo aos entes queridos forneceram informações sobre os ataques já bem-sucedidos e estimularam a rápida compreensão de que as aeronaves em que estavam a bordo se tornaram a linha de frente instantânea de um campo de batalha sem precedentes. Embora não exclua a coragem e o raciocÃnio rápido dos passageiros condenados, o United 93 evita transformá-los em heróis a serviço de despertar o espÃrito nacional à maneira de muitos de nossos polÃticos, que usaram esses indivÃduos como exemplos do poder e da retaliação americana. O United 93 foi feito com o apoio das famÃlias dos falecidos, que, entre outras coisas, ajudaram os cineastas a apreender algumas coisas sobre as conversas finais com seus entes queridos. No entanto, tudo o que ocorreu no voo 93 é uma suposição. O que o escritor-diretor [Paul] Greengrass captura, melhor do que qualquer outra especulação que eu vi, é a sensação de caos e pânico que deve ter tomado os passageiros. O que testemunhamos não é tanto um contra-ataque organizado quanto o pânico, a última tentativa de autopreservação. A sobrevivência, em vez do nacionalismo, é o instinto trabalhado aqui, e a filmagem com câmeras à mão melhora nosso senso do caos fragmentado. [...] Embora a história contada no United 93 seja bastante especÃfica, o foco do filme na confusão e na incompreensão, a torna a história de todos os americanos. Cada um de nós tem uma história para contar sobre onde estávamos ou como ouvimos as notÃcias no 11 de setembro. E, em sua maior parte, são histórias da luta individual para desviar a mente em torno de algo tão insondável, para destruir o caos. Esta é a intenção de United 93 em refletir sobre a nossa experiência americana universal. A situação no Voo 93 foi terrÃvel e exigiu resposta imediata, e o rápida transição que estas pessoas atravessaram quando mudaram de indivÃduos assustados para ativistas alinhados é uma versão acelerada – e mais árdua – do que todos nós passamos enquanto lutávamos para chegar a um acordo com o dia em que nosso mundo mudou. 291 Para Marjorie Baumgarten o filme aparentemente é mais um documento do que uma obra de ficção sobre o 11 de Setembro, por se tratar da primeira obra ficcional de Hollywood sobre os acontecimentos daquele dia, e que evoca inúmeras lembranças e significados para os espectadores, e claro, para os crÃticos. No trecho da crÃtica citado acima, nota-se um tratamento bastante afetivo frente à representação dos passageiros, mesmo que a crÃtica tenha exposto que o filme não os trata como heróis. Com certo ar de objetividade em seu tratamento, a própria autora acaba por exaltá-los como tal. Sobretudo, 291 BAUMGARTEN, Marjorie. United 93. The Austin Chronicle, Austin, 28 Abr. 2006. DisponÃvel em: <https://www.austinchronicle.com/calendar/film/2006-04-28/360527/>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 179 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR fica evidente que o horizonte para a apreciação do evento deve, mesmo que isso não aconteça, se abster de abordagens ou posicionamentos polÃticos, para dar lugar a construção de uma espécie de memorial fÃlmico. Um exemplo desse aparente descompromisso polÃtico de Voo United 93 aparece no seguinte trecho da crÃtica de Ty Burr publicada no The Boston Globe: É muito cedo? Talvez. Provavelmente. Mas se quisermos suportar as realidades inimagináveis de 11 de setembro de 2001, adaptadas a um filme de Hollywood de duas horas, essa é a maneira de fazê-lo. [...] Em certas partes, “United 93†trabalha duro para se manter apolÃtico, os espectadores que esperam o patriotismo à direita, apontando os dedos para a esquerda, ou o martÃrio americano vai se desapontar. (Como os lunáticos convencidos de que tudo foi encenado [os ataques terroristas], neste caso, este filme também faz parte do encobrimento do governo. Essa é a grande coisa sobre as teorias da conspiração – elas são flexÃveis o suficiente para se adaptarem a qualquer paranoia). O filme eloquentemente define a barreira para todas as histórias subsequentes do 11/09; uma a espera, é “As Torres Gêmeas†de Oliver Stone, prevista para agosto, novamente com um pavor penetrante. 292 Ty Burr defendeu o valor da produção, como a forma ideal para representar os Atentados de 11 de Setembro, bem como que definiria a forma como qualquer história deveria ter como modelo. Como se pode notar, distante da exploração polÃtica e sim na rememoração respeitosa para as vÃtimas e os espectadores estadunidense, segundo o crÃtico. Essa defesa do teor apolÃtico de Voo United 93 foi bastante recorrente nas crÃticas – com exceções como se verá nas próximas linhas –, até mesmo a representação dos terroristas foi pouco destacada pela crÃtica. A crÃtica estadunidense tomou por modelo fÃlmico ideal para o tratamento dos 11 de Setembro e foi bastante exaltada, exatamente por “distanciar-se†do contexto polÃtico e social do perÃodo, já que os espectadores estavam em constante contato com os efeitos da guerra do Iraque através da TV. E neste aspecto Voo United 93 surge como forma de retornar aos acontecimentos de forma a exaltar os passageiros/heróis que evitaram que outro alvo fosse atingido. Ken Fox, TV Guide Magazine, vislumbrou o filme pela seguinte perspectiva: Os heróis do United 93 eram um grupo de pessoas comuns que tinham o sombrio benefÃcio de saber exatamente como sua viagem terminaria; 292 BURR, Ty. Terror, in real time – ‘Unted 93’ lets us feel again what we felt on 9/11 – whether we’re ready to or not. The Boston Globe, Boston, 28 Abr. 2006. DisponÃvel em: <http://archive.boston.com/ae/movies/articles/2006/04/28/terror_in_real_time/>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 180 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR com nada a perder e apegados à esperança de que poderiam realmente se salvar, eles decidiram agir coletivamente. A vontade de se levantar, resistir e lutar é o que os torna heroicos, mais “americanos†no melhor sentido possÃvel desse conceito (mesmo que de fato tenham matado algum dos sequestradores antes de bater, um momento brutalmente gratificante no filme, é questionável). E sem nenhum contexto histórico diferente do que as audiências trazem (Greengrass teria deixado cair um tÃtulo adiantado declarando que “a guerra dos Estados Unidos contra o terrorismo começouâ€), revivemos todo o choque e a incerteza terrÃvel do 11 de setembro enquanto vemos a maior parte disso pela primeira vez. Goste ou não, este poderoso filme, executado de forma impecável, conduz os espectadores a bordo do United Flight 93, esse voo fatÃdico e nos pede para considerar como agirÃamos sob essas mesmas terrÃveis circunstâncias. 293 Contudo, em meio aos elogios ao filme, há crÃticos que, mesmo enaltecendo a obra, questionam o porquê de sua realização, não por seu apelo ao tratar de um evento recente e delicado para a audiência, sobre qual a necessidade de levar aquele terrÃvel dia à s telas do cinema. Manohla Dargis, The New York Times, foi um exemplo desse questionamento: Uma narrativa eloquente, uma recriação meticulosamente de bom gosto sobre a queda do quarto e último avião sequestrado por terroristas islâmicos em 11 de setembro, “United 93†é o primeiro filme de Hollywood a enfrentar esse dia terrÃvel. Não será o último. (Próximo, pronto ou não: “World Trade Center†de Oliver Stone) Precedido por ambos, o entusiasmo esperado e o alÃvio genuÃno de que o filme é tão bom quanto ele é – e é bom, de modo a sobrecarregar sentimentalmente, que pode provocar lágrimas e dor de cabeça – foi escrito e dirigido pelo cineasta britânico Paul Greengrass, que atravessou o oceano para fazer o filme americano do ano que lhe faz sentir-se mal. [...] Ao contrário de “Fahrenheit 11 de setembro†de Michael Moore, o filme não procura onde o presidente estava naquele dia, nem porque Osama bin Laden ordenou o ataque; o foco é propositalmente limitado. Mas esse limite, juntamente com a falta de personagens plenamente conscientes e a ausência de qualquer contexto histórico ou polÃtico, levanta a questão do porquê, apesar do imperativo comercial usual (mesmo que instável), este filme em particular foi feito. Para nos sacudir à complacência? Nos lembrar daqueles que morreram? Nos unir, como o tÃtulo do filme parece sugerir? Nos entreter? Para ser sincera, não tenho ideia. Eu não preciso de um filme de estúdio para me lembrar da humanidade dos milhares que foram assassinados naquele dia ou os milhares que morreram nas guerras empreendidas em seu nome. [...] 11 de setembro moldou nosso discurso polÃtico e até mesmo se infiltrou em nossa cultura popular, embora, como de costume, Hollywood tenha se atrasado muito nesse tema. No entanto, cinco anos após o fato e todos os livros, artigos de jornais e revistas, comitês e escândalos, acho que precisamos de algo mais de nossos artistas de cinema do que outro 293 FOX, Ken. United 93. TV Guide, Radnor Township, 28 Abr. 2006. DisponÃvel em: <http://www.tvguide.com/movies/united-93/review/279908/>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 181 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR passeio de emoção e ataques emocionais. “United 93†inspira piedade e terror, sem dúvida. Mas a catarse? Ainda estou esperando por isso. 294 A autora se mostra inquieta com esse novo cenário fÃlmico que circunda os 11 de Setembro, cita filmes que representarão o evento, e outros que trataram de questões polÃticas. Nota-se que a crÃtica não deixou de lado as consequências dos 11 de Setembro, mas os aproximou, destacando ainda, que Hollywood demorou a tratar do tema. Ademais é uma das poucas crÃticas que questionaram a exploração emocional do voo United 93. Mick LaSalle, do The New York Post, é ainda mais enfático em sua crÃtica sobre a produção, mesmo elogiando-a, acentuou determinados posicionamentos que para ele atrapalharam a representação dos passageiros do voo United 93. Para falar sobre “United 93†em termos crÃticos impassÃveis é quase que perder o ponto, porque ninguém vai assistir este filme em um estado de espÃrito insensÃvel, não por muitos anos. As pessoas que veem este filme sobre o 11 de setembro – uma dramatização poderosa e reflexiva do acidente terrorista do voo United 93 – podem reagir de várias maneiras, mas eu suspeito que todos reagirão com mais paixão do que esperam. Eu fui da antecipação plácida à raiva fervente em menos de três minutos. A maior parte da minha raiva foi dirigida aos assassinos representados na tela, mas parte disso é em como eles foram inicialmente apresentados. O diretor-escritor Paul Greengrass faz algo no “United 93†que convida a controvérsia. Ele não começa seu filme com os passageiros, mas com os terroristas rezando em seus quartos. Então ele corta para um horizonte americano, enquanto as orações em árabe são pronunciadas em voz alta. Mais tarde, quando nos encontramos com os passageiros, é quase como se fosse pelos olhos dos terroristas. Este é um erro em todas as formas possÃveis – um lapso estético, um lapso de gosto e julgamento, e algo que levanta a questão: será que Greengrass compreende a natureza moral do evento que ele está retratando? Afinal, o acidente do voo 93 de San Francisco, no qual os passageiros se levantaram e lutaram contra os terroristas, não era apenas uma coisa triste, mas interessante. Era uma história boa versus uma malvada, de cidadãos desarmados, que, em questão de minutos – enfrentando a situação mais aterrorizante imaginável – superaram seu medo, se organizaram e lutaram por sua única oportunidade de sobrevivência. No processo, eles pouparam ao paÃs um trauma cataclÃsmico (a destruição da Casa Branca ou do Capitólio) e se tornaram heróis. Não falsos heróis, não uma criação de propaganda, mas essa coisa rara e real. Para fazer justiça a esse evento, a abordagem clÃnica e reservada de Greengrass é sobretudo correta. O tratamento clássico MGM ou o tratamento sentimental da Disney, teria sido degradante para a realidade dessas pessoas e o que elas fizeram. Mas uma representação adequada não requer, e não é reforçada, por uma 294 DARGIS, Manohla. Defiance Under Fire: Paul Greengrass’s Harrowing ‘United 93’. The New York Times, Nova Iorque, 28 Abr. 2006. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/2006/04/28/movies/defiance-under-fire-paul-greengrasss-harrowing- united-93.html>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 182 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR tentativa de humanizar as motivações pessoais dos assassinos. Não só os terroristas não merecem a dignidade de ser humanizados na arte, mas qualquer consideração, limitada pela exigência de que a arte seja tenha sentido, é obrigatório que seja imprecisa. Precisamos realmente ver um dos terroristas que possa ser um pouco melhor do que os outros três? Mesmo que isso fosse verdade, não teria nada a ver com a indispensável história do voo 93, que é toda sobre os passageiros. 295 Mick LaSalle foi enfático em sua crÃtica, mesmo destacando o “hiper-realismo†do filme e que nada é “romantizadoâ€, para ele é um filme sobre e para os cidadãos dos EUA, um memorial aos passageiros/vÃtimas, verdadeiros heróis da nação, não heróis fabricados pela mÃdia, pela propaganda. Nota-se aqui uma espécie de modelo fÃlmico a ser seguido para as produções posteriores, no qual qualquer detalhe que dê espaço aos terroristas, seus ideias e princÃpios para o ataque, não serão bem recebidos. Isso se deve à forma como o terrorismo está relacionado ao acontecimento, aos ataques terroristas, ou seja, o acontecimento está amarrado à ideia do terrorismo, que conduziu os esforços nacionais, é um ponto sensÃvel para explorar. LaSalle chega a destacar que mesmo passando cinco anos do evento, o espectador ainda não está preparado, mesmo que este ache que sim.296 Roger Ebert é um pouco mais direto em sua crÃtica, buscou mostrar o caminho percorrido pelos espectadores e seus objetivos: Não é muito cedo para “United 93â€, porque não é um filme que sabe que algum tempo passou desde o 11 de setembro. Toda a história, cada detalhe, é contada no tempo presente. Sabemos o que sabem quando eles sabem, e nada mais. Nada sobre a Al Qaeda, nada sobre Osama Bin Laden, nada sobre o Afeganistão ou o Iraque, apenas os eventos que se desenrolam. Este é um filme magistral e comovente, e honra a memória das vÃtimas. [...] O filme começa em uma tela preta, e ouvimos um dos sequestradores lendo em voz alta o Alcorão. Há cenas dos sequestradores orando, e em muitas ocasiões em que evocam Deus e se dedicam a ele. Esses detalhes podem ofender alguns espectadores, mas são quase certamente precisos; o sequestro e a destruição dos quatro aviões foi realizado como uma missão divina. Que a maioria dos muçulmanos desaprova o terrorismo, não faz diferença; no dia 12/9, houve uma vigÃlia à luz de velas no Irã para os Estados Unidos. Que os terroristas encontram sua justificativa na religião, também não faz diferença. Grande parte das nações na maioria das vezes entra na batalha evocando a proteção de seus deuses. Mas o filme não descreve 295 LASALLE, Mick. Agony, heroism of ‘United 93’ shown with nearly unbearable realism. San Francisco Chronicle, São Francisco, 28 Abr. 2006. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/movies/article/Agony-heroism-of-United-93-shown-with-nearly- 2519698.php>. Acesso em: 01 jul. 2017. 296 Ibid. Página 183 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR os terroristas como vilões. Não é necessário. Como todos os outros no filme, eles são pessoas de aparência comum, tratando de seus vidas. “United 93†é incomparavelmente mais poderoso porque retrata todos os seus personagens enquanto pessoas presas em um progresso inexorável em direção à tragédia. O filme não contém polÃtica. Nenhuma teoria. Nenhum bate-papo pessoal. Não há discursos patrióticos. Nunca vemos o grande quadro. [...] Assistir “United 93†é ser confrontado com a sombria realidade caótica desse dia de setembro de 2001. O filme é profundamente perturbador, e algumas pessoas podem ter que deixar o cinema. Mas teria sido muito mais perturbador se Greengrass o fizesse de forma convencional. Ele não explora, ele não tira conclusões, ele não aponta o dedo, ele evita “interesse humano†e “dramas pessoaisâ€, simplesmente observa. O ponto de vista do filme me lembra “Winds of Desire†[Asas do Desejo (1987)]. Eles observam o que as pessoas fazem e estão tristes, mas não podem intervir.297 Esses trechos da resenha de Roger Ebert, são semelhantes aos de Mick LaSalle no que condiz a qualidade e importância da pelÃcula – tal como as crÃticas aqui expostas –, mas destoa sobre a representação dos terroristas. Para LaSalle pouco lhe importa ver o lado “humano†dos sequestrados. Este filme é sobre os passageiros, nada mais. Já Ebert é mais “diplomáticoâ€, levando em conta que estes possuem suas razões e justificativas, mas ao fim exalta o lado artÃstico, como se fosse uma observação real do evento, além da analogia dos passageiros como anjos, tal como o filme referenciado. Ademais, é interessante que Ebert situa Voo United 93 como se fosse feito no “tempo presenteâ€, como se aproximasse do horizonte de expectativas do público naquele dia, que não tinha conhecimento algum sobre o que e porque aconteceu, eventualmente, apenas as imagens ao vivo daquele dia. Dana Stevens, do Slate Magazine, analisa Voo United de maneira distinta dos crÃticos acima, LaSalle e Ebert, mesmo destacando a qualidade da produção como grande parte da crÃtica, não concebendo o filme como apolÃtico. A resposta ao United 93, a imaginação ao estilo docudrama de Paul Greengrass, sobre o que poderia ter ocorrido no condenado voo de 81 minutos, tem recebido elogios, quase que universalmente, em tons calmos e múrmuros, tanto da esquerda como da direita. O New York Post o chama de um filme “respeitoso e inspiradorâ€, “de forma alguma exploradora ou emocionalmente manipuladorâ€, enquanto o Village Voice elogia sua “discrição†e os cristãos chamam Greengrass de “o Maya Lin [artista estadunidense] do cine-memorialistaâ€. Esta curiosa ênfase crÃtica no gosto, que presume que a evocação mais bem-sucedida do 11 de setembro deve ser aquela que exerce a máxima restrição, expõe o desconforto que ainda sentimos sobre as representações desse dia 297 EBERT, Roger. United 03 Review. Chicago Sun-Times, Chicago, 27 Abr. 2006. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/united-93-2006>. Acesso em 01 jul. 2017. Página 184 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR terrÃvel. Em que medida, em que nÃvel de detalhes horrÃveis, podemos nos permitir revive-lo? Em que medida queremos? E mesmo que alguém, digamos, Paul Greengrass, possa criar a representação ideal do 11 de setembro (com maior bom gosto, o mais meticulosamente pesquisado, o mais “verdadeiroâ€), o que aproveitaremos ao assistir isto? [...] Como se sentisse que o público americano precisasse de uma ruptura com esta claustrofobia enlatada, Greengrass constrói em sua história um ato catártico de violência antiterrorista que pode ou não ter ocorrido no voo real. Eu vou abster-me de descrever este ato para preservar pelo menos um pedaço do suspense tradicional ao estilo fÃlmico. Mas vale a pena notar que este possÃvel ataque imaginário é o único momento que permite que aos espectadores trazer à tona suas fantasias de vingança do 11 de setembro (“Tome isso, Osama!â€). Em diversas outras cenas, Greengrass mantém uma neutralidade quase irritante – uma neutralidade que, à s vezes, permeia o que poderia levar a alguns espectadores a entender como uma simpatia pelo demônio. Em uma cena final, Greengrass cruza as orações finais dos sequestradores (“Allahu akbarâ€) e as dos passageiros (“Pai nosso, que estais no céuâ€). A mensagem implÃcita da cena – que os terroristas e as vÃtimas se voltaram para o seu Deus nesses horrÃveis momentos finais – parece contrariar a missão aparente do filme: honrar os passageiros que se rebelaram e invadiram a cabine de comando. Greengrass não ousaria dizer, e pode não acreditar, que os quatro sequestradores demonstraram sua própria forma distorcida de coragem (uma afirmação de que, nos dias com-nós-ou-contra-nós pós-11/09, custou a Bill Maher seu trabalho na ABC298), mas a intercalação das orações sugere exatamente isso, talvez contrariamente a intenção do cineasta. É um dos momentos em que sua tentativa de cobrir todas as bases faz o filme não parecer complexo, mas simplesmente confuso. [...] O mais próximo que este filme chegou a uma declaração polÃtica – e possivelmente a única linha cômica no filme – é a rápida pergunta de um oficial sob pressão: “Temos alguma comunicação com o presidente?†Greengrass pode não querer vir a público e dizê-lo, mas a risada cansativa do público deixou claro: à medida que entramos no quarto ano da guerra a ser travada na vigÃlia do 11 de setembro (e, pelo menos em parte, em seu nome), ainda não há uma resposta satisfatória a essa pergunta. 299 Dana Stevens possui uma orientação bastante diversa de seus colegas crÃticas – em partes pela orientação polÃtica do Slate –, não faz pontuações negativas quanto à representação dos terroristas/sequestrados, de um momento apenas dos estadunidenses, e 298 O comediante Bill Maher fez um comentário em 17 de setembro de 2001 que foi considerado ofensivo no contexto do drama e da sensibilidade dos estadunidenses. Segundo reportagem do jornal San Francisco Chornicle: “Pouco depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, o comediante Bill Maher foi criticado por funcionários da Casa Branca por ter dito: ‘Nós é que somos os covardes que lançam mÃsseis de cruzeiro a 2.000 milhas de distância. Isso é covarde. Permanecer no avião quando ele atinge o prédio, digam o que quiserem, não é covarde’â€. GAROFOLI, Joe. Talk host’s towering rant: S.F. not worth saving. San Francisco Chronicle, São Francisco, 11 de Nov. 2005. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/cgi-bin/article.cgi?file=/c/a/2005/11/11/MNGFMFMNV41.DTL>. Acesso em: 05 jul. 2017. 299 STEVENS, Dana. United We Fall. Slate Magazine, EUA, 27 Abr. 2006. DisponÃvel em: <http://www.slate.com/articles/arts/movies/2006/04/united_we_fall.html>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 185 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR não trata isso como algo natural, pela representação das ideologias dos opostos a bordo do avião, mas de certo modo, como algo que não foi totalmente intencional por parte do diretor. Tal qual, ela traz a tona um horizonte de expectativas do público, que busca rememorar os eventos de 11 de setembro aos moldes de valorizar o paÃs e sua perda, mas dando destaque a um sútil tratamento do filme como uma vingança reconfortante para os espectadores estadunidenses. Nota-se que esse horizonte de expectativas para as representações do 11 de Setembro, ao menos pela crÃtica, a partir deste primeiro filme, se torna um modelo a ser seguido, que objetiva em lançar mão de crÃticas ao governo a fim de tratar dos eventos da forma “corretaâ€, sem trazer à tona o processo histórico que levou aos atentados e principalmente a eventos posteriores, que circundam a produção do próprio filme. O filme possui um posicionamento especÃfico, com representações que não se referem ao ódio aos terroristas, daquele momento histórico, houve, sim, uma apreciação que decorre dos efeitos da Guerra ao Terror. Tal como escreveu Brian Lowry: Tenso, visceral e previsivelmente doloroso, “United 93â€, Paul Greengrass, já bastante discutido, mira no 11 de setembro e ajusta algum impacto emocional para a autenticidade, capturando a sensação de caos sobre os acontecimentos angustiantes deste dia. O resultado é um drama tenso e documentário que, metodicamente, constrói uma sensação de pavor apesar do resultado preordenado. Enquanto a atenção da mÃdia se concentrou na reação ao trailer do filme, classificações fortes para projetos de TV anteriores do Flight 93 sugerem que haverá uma curiosidade considerável, mórbida ou não, sobre o “United 93â€, que deve se traduzir em bilheteria considerável. Na verdade, uma certa miopia parece ter ultrapassado as mãos que se torciam sobre a pergunta “É tão cedo?â€. O “Fligth 93†da A&E [Rede de TV], uma conquista restrita e impressionante com um orçamento de filme feito para TV, e o documentário da Discovery Channel “The Flight That Fought Back†[2005] foram grandes sucessos para essas redes [de TV] a cabo. Inevitavelmente, ver os mesmos eventos em uma tela de cinema fornece um golpe adicional, embora a abordagem do escritor e diretor Greengrass – filmando intensamente uma dúzia de pessoas da aviação e militares que interpretam a si mesmos – parece estar mais determinada a criar a sensação de “Você está lá†do que levar a audiência a chorar a noite. [...] Desde o inÃcio, houve algo de trágico e edificante sobre o Voo 93, o único avião que não atingiu seu alvo, graças a atitude heroica dos passageiros. Nesse sentido, o acontecimento tornou-se um sÃmbolo facilmente elevado ao status quase mÃtico através de frases de efeito Página 186 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR (“Let’s rollâ€) e revistas de notÃcias ansiosas em entrevistar os parentes dos sobreviventes. 300 Brian Lowry, assim como os outros crÃticos, elogiou a qualidade e a busca do realismo pelo diretor/roteirista Paul Greengrass ao longo de sua resenha, tratando o filme como uma homenagem aos passageiros/vÃtimas do voo United 93. Seu apontamento sobre as outras produções, feitas diretamente para a TV, sobre o mesmo evento, acentua o valor da linguagem cinematográfica, como uma experiência diferenciada, em diversos pontos que vão desde questões técnicas e produção (enquadramento, ângulos, sonoplastia, orçamento, etc.) como a própria recepção (Sala de cinema em contraste com o ambiente da sala de estar, etc.). Outro ponto interessante exaltado por Lowry, é o que conduz a construção da imagem de heróis aos passageiros inserindo-os na sequencia causal dos acontecimentos. O voo 11 da America Airlines e o voo 175 da United Airlines colidiram com as Torres Gêmeas, em Nova Iorque, e o voo 77 da United Airlines atingiu o Pentágono, no estado da Virginia. Segundo dados oficiais, o voo 93 da United Airlines, o quarto avião sequestrado, tinha como alvo a Casa Branca ou o Capitólio, mas com a ação dos passageiros os próprios terroristas teriam causado a queda do avião – no filme os passageiros lutaram contra os terroristas, assumiram o controle e tentaram, sem sucesso, estabilizar o avião. As imagens do choque do Voo 175 na segunda torre e a quedas das Torres Gêmeas foram amplamente divulgadas pela mÃdia. Todos esses aspectos em torno do destino dos passageiros, que se tornaram heróis nacionais, tinham uma ponta solta, o que ocorreu dentro do avião, o desfecho era de conhecimento do público, e a representação deste momento deveria ser a altura, não apenas uma homenagem, mas mostrando a bravura dos passageiros. Esses elementos mostram como esse momento da história dos EUA é escrita através das imagens; o voo 93 não foi acompanhado ao vivo, os poucos registros do que ocorreu foram os telefônicos e da caixa preta do avião. De modo que inúmeras especulações surgiram sobre o que ocorreu e mesmo sobre quem provocou a queda, os terroristas ou os passageiros – e teorias conspiratórias de que foi o próprio governo dos EUA como sugere o documentário independente Zeitgeist (2007). Essa abordagem 300 LOWRY, Brian. Review: ‘United 93’. Variety, Nova Iorque, 19 Abr. 2006. DisponÃvel em: <https://variety.com/2006/film/awards/united-93-2-1200516858/>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 187 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR voltada à bravura dos passageiros compõem esse cenário fÃlmico do tratamento desse dia, tanto que os filmes sobre a Guerra ao Terror e seus efeitos não causam tanta comoção como se referir aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Contudo, o tratamento aos soldados nos filmes sobre a Guerra do Iraque, carregam certa dose de heroÃsmo, como veremos mais adiante. O modelo fÃlmico que está no horizonte de expectativas é o da rememoração do trágico dia que assolou o território dos EUA, o que não se deve fazer de forma alguma, é usá-lo para questionamentos polÃticos. De modo, que muitos crÃticos (as) falaram sobre como Voo United 93 (United 93, 2006) honrou as vÃtimas com seu realismo, seu tom apolÃtico, e respeito pelas vÃtimas, tendo elogios de todas as correntes polÃticas, sem exploração ideológica ou de crÃtica a Guerra ao Terror. Claro, que como vimos, isso não foi unÃssono, alguns crÃticos apontaram elementos que põe em dúvida está representação, como a que diz respeito aos terroristas, e questionou o porquê de o diretor fazer isso, se foi consciente ou não. Optar por qualquer referência ao terrorismo, ou mesmo discutir sobre as ações posteriores, utilizando um evento com imagens recentes na memória do espectador estadunidense, como as imagens do choque do voo 175 na Torre Norte do World Trade Center seria mal recepcionado. O horizonte de expectativas nesse momento, ao menos no que diz nas representações do que ocorreu especificamente no dia 11 de setembro, era o do tratamento da luta dos EUA e deveria ajudá-los a compreendê-la e superá-la, excluindo certos momentos indesejáveis. Ou seja, as representações do evento deviam seguir o teor da rememoração do que ocorreu aos EUA, ao drama nacional, e isso ficou nÃtido na produção que será tratada a seguir. O filme As Torres Gêmeas (World Trade Center, 2006) causou certa preocupação devido ao histórico de seu diretor, que era conhecido por sua postura crÃtica e revisionista da história dos EUA, Oliver Stone, e de como seria o tratamento dado um dos acontecimentos em torno do dia 11 de setembro, devido a sua linha autoral. Para surpresa de muitos o diretor entregou uma produção aos moldes desse horizonte estético, em partes próximo ao filme Voo United 93, um memorial aos 11 de Setembro. Essa diferente abordagem do diretor em As Torres Gêmeas foi bastante destacada pela crÃtica, como muitos o cobrindo de elogios. Toda essa movimentação em torno de Oliver Stone pode ser observada em diversas crÃticas, tal como a feita por Willian Arnold, do Seattle Post-Intelligencer: Página 188 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Quando foi anunciado no ano passado que Oliver Stone estava fazendo um filme sobre o 11 de setembro chamado “World Trade Center†[No Brasil: “As Torres Gêmeasâ€], o pressuposto era que seria outra das suas opiniões sombrias e revisionistas da história moderna, talvez algo da ordem de “JFKâ€. Mas surpresa! A conquista de Stone em 11 de setembro não poderia ser menos polÃtica – ou controversa. É uma história de sobrevivência direta, respeitosa, bem animada e de homenagem à s vÃtimas, sobreviventes e socorristas daquele dia, há cinco anos, que mudou o nosso mundo para sempre. Qualquer pessoa que esteja procurando um filme de várias camadas, “Syrianaâ€, do cineasta mais suspeito de Hollywood, pode se sentir razoavelmente desapontado. Não há nenhum subtexto e o roteiro não aspira ser mais do que um filme bem feito para a televisão. Mas Stone reuniu toda sua habilidade cinematográfica para trazer ao menos um ponto de vista da história do 11 de setembro com sensibilidade e estilo, e ele capta os momentos mais altos e o sacrifÃcio do dia sem um pingo de provocação ou sentimentalismo à Hollywood. [...] Ao mesmo tempo, o diretor lentamente, mas seguramente, constrói seu caso de que a tragédia – pelo menos em seus primeiros dias – uniu o paÃs e trouxe o melhor de seu povo. Então ele habilmente termina o filme de forma emocionante. Os seguidores de Stone e muitos de seus defensores crÃticos provavelmente sentiram que ele tinha a responsabilidade de nos dar mais do que isso ou, pelo menos, retratar o evento no contexto de seus danos ao paÃs e sobre o atoleiro que se tornou a guerra que surgiu disso tudo. Mas, em sua defesa, ele não é partidário, sua paixão pela história parece bastante sincera e ele trata o assunto com dignidade e inteligência, que faz do seu filme uma peça de complemento adequada ao outro drama de Hollywood sobre o 11/09, “Voo United 93â€.301 Esse é o tom de grande parte das crÃticas sobre o filme As Torres Gêmeas e também sobre a improvável e elogiada, direção de Oliver Stone, sobre sua visão de dois agentes portuários de Nova Iorque, que ficaram presos em meio aos destroços das Torres Gêmeas e sobreviveram. Muito se discutiu entre os crÃticos, a respeito do impacto das imagens transmitidas pela TV, bem como sobre a distância temporal necessária para ter uma representação hollywoodiana sobre o 11 de Setembro. Tal apontamento aparece em inúmeras crÃticas, como a que foi publicada no jornal New York Daily News por Jack Mathews: Quando assistÃamos colapso das torres gêmeas na manhã de 11 de setembro de 2001, parecia um caso de vida imitando a arte – as imagens pareciam cenas de um filme de catástrofe. Agora, com o “As Torres Gêmeas†de Oliver Stone, a arte imita a vida e, ao completar o cÃrculo, Stone mostra o poder transcendente do filme ao capturar o momento. “As Torres Gêmeas†não é o primeiro excelente filme sobre o 11 de setembro – essa distinção é feita para “Voo United 93â€, de Paul 301 ARNOLD, William. Stone delivers a dignified and intelligent 9/11 film. Seattle Post-Intelligencer, Seattle, 08 Ago. 2006. DisponÃvel em: <http://www.seattlepi.com/ae/movies/article/Stone-delivers-a- dignified-and-intelligent-9-11-1211112.php>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 189 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Greengrass, lançado no inÃcio deste ano, o primeiro a atingir o ponto emocional daquele dia. A polÃtica e a divisão vieram mais tarde; no 11 de setembro, os americanos estavam unidos na esperança de que os sobreviventes fossem encontrados. Como aconteceu, apenas 20 pessoas caminharam, rastejaram ou foram retiradas dos escombros e “As Torres Gêmeas†centra-se em dois dos últimos: os oficiais da Autoridade Portuária, John McLoughlin (Nicolas Cage) e William Jimeno (Michael Peña). Depois de cenas que mostram certa tranquilidade sob um céu azul em Nova York, “As Torres Gêmeas†nos mostra McLoughlin e Jimeno saindo de suas casas em Orange County, N. Y., e New Jersey, na rotina de seus empregos, e depois – como primeiros socorristas – nas torres gêmeas. Assim como Jim [James] Cameron nos colocou a bordo do Titanic e nos levou para baixo com o navio, Stone nos coloca no WTC com John e Will e – exceto para visitas essenciais e comoventes com suas famÃlias preocupadas e cada vez mais em pânico, e as tentativas de resgate acima [dos escombros] – nos mantém lá. É tão angustiante como aparece no filme; o som das torres implodindo é entorpecente e o medo que sentem os agentes presos, com milhões de toneladas de detritos ao redor deles, é realista. Cage e Peña, atuam quase todo o tempo apenas com seus pescoços e praticamente no escuro, são muito convincentes como homens tentando ajudar um ao outro a permanecerem acordados e vivos, as ansiedades e a quase histeria de suas esposas, são transmitidas com uma convicção comovente de Maria Bello e Maggie Gyllenhaal. Este é um dos filmes mais simples que Stone já fez (“Nascido em 4 de julhoâ€, “JFKâ€), e um dos mais poderosos. Olhe atentamente para a última cena, de uma reunião organizada dois anos depois do 11 de setembro, e você verá que os atores conhecem os personagens que eles interpretam. É uma boa sacada.302 Jack Mathews fez uma crÃtica bastante favorável ao filme de Oliver Stone, exagerada de certo modo, já que declarou que o diretor “capturou o momentoâ€, como se fosse tão vivido como as imagens ao vivo transmitidas pela TV das Torres Gêmeas desmoronando. Para exaltar o novo filme de Stone, critica os anteriores, que possuem forte apelo polÃtico, e faz uso de outros blockbuster para elevar a abordagem de As Torres Gêmeas. Esse movimento de denegrir a filmografia de Oliver Stone, se tornou recorrente nas avaliações desse novo empreendimento do diretor – houve exceções, que serão apresentadas adiante –, por vezes tratando-a como a forma correta de representar a história recente dos EUA, selecionando e excluindo certos acontecimentos. E neste ponto, surge também o debate e comparação entre As Torres Gêmeas com a primeira representação do 11 de Setembro, Voo United 93, muitas vezes referenciada como o modelo para os filmes subsequentes. 302 MATHEWS, Jack. Movie harrowing but heartwarming. New York Daily News, Nova Iorque, 04 Ago. 2006. DisponÃvel em: <http://www.nydailynews.com/archives/news/movie-harrowing-heartwarming- article-1.604845>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 190 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Anthony Oliver Scott, do The New York Times, faz avaliações entre as duas produções, apresenta o cenário fÃlmico e também de outros elementos que envolvem o filme de Oliver Stone: Como vai responder Hollywood? Está questão começou a surgir não muito tempo após os ataques de 11 de setembro – surpreendentemente logo depois, se não me falha a memória. Era impossÃvel se afastar desse pensamento, mesmo no meio do horror e da confusão, de que os próprios ataques representavam um cenário de filme grotescamente literal. Qual o outro quadro de referência que temos para queimar arranha-céus e de aviões sequestrados? E então, nossos olhos e mentes foram imediatamente saturados com as imagens reais, repetidamente, – o impacto do segundo avião; as plumas de fumaça provenientes dos topos das torres gêmeas; os cidadãos em pânico cobertos de cinzas – que a própria noção de reconstrução cinematográfica parecia pior do que redundante. Ninguém precisava ser informado de que não era um filme. E, ao mesmo tempo, ninguém poderia duvidar de que, algum dia, seria. E agora, à medida que o quinto aniversário se aproxima, é. Durante algum tempo, muitos filmes pareciam lidar com o 11 de setembro de forma oblÃqua ou alegórica. Mas “Voo United 93â€, de Paul Greengrass, e “As Torres Gêmeasâ€, de Oliver Stone, em vez de cavar em busca de significados e metáforas, representam um retorno ao literal. Ambos os filmes revisitam a experiência imediata de 11 de setembro, estabelecendo uma perspectiva estreita e preenchendo o máximo de detalhes. O Sr. Stone, cujo filme ocorre no Ground Zero, não compartilha a estética clÃnica, quase documental do Sr. Greengrass. Sua sensibilidade é de um drama com grandeza visual, emoção arrebatadora e intensa, mas as vezes exagerada. Há muitas palavras que um crÃtico pode usar para descrever os filmes do Sr. Stone – irritante, brilhante, irresponsável, provocativo, longo –, mas sútil não estaria na lista. O que o torna o homem certo para o trabalho, já que não há nada de sútil nas emoções do 11 de setembro. Mais tarde, haveria complicações, nuances, temas tristes, pois o evento e suas consequências foram inevitavelmente levados ao redemoinho obscuro e furioso da polÃtica americana. Mas esse é o território que o Sr. Stone, de forma pouco caracterÃstica, evita. [...] Mas o Sr. Stone e a Sra. Berloff [roteirista], como o Sr. Greengrass [diretor de Voo United 93], mantêm distância da polÃtica pós-11/09. Os dois homens [personagens do filme] enterrados sob o World Trade Center não sabem o que os atacou, e todos os outros estão muito ocupados para começar a aprender o vocabulário exótico, que todos nós acabarÃamos adquirindo. Este filme não tem nada a dizer sobre Osama bin Laden, Al Qaeda ou a Jihad. Isso vem depois. No 11 de setembro de “As Torres Gêmeasâ€, o sentimento transcende a polÃtica, a recriação surpreendentemente fiel do filme e a realidade emocional do dia produzem um tipo curioso de nostalgia. Não é que alguém deseje novamente reviver a agonia, mas o extraordinário aumento do sentimento de companheirismo que os ataques produziram parece valioso. E também muito distante do presente. O Sr. Stone pegou uma tragédia pública e a transformou em algo genuinamente excitante e terrivelmente triste. Seu filme oferece um retorno angustiante a um Página 191 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR episódio singular e desastroso ao passado recente e um refúgio das desagradáveis e deprimentes realidades de suas consequências.303 Anthony Scott busca justificar a escolha de Oliver Stone por se afastar de questões polÃticas, pela simples prerrogativa de que tudo ocorreu antes da luta antiterrorista que seguiu aos ataques. Seus elogios recaem sob o realismo de As Torres Gêmeas e por trazer pontos positivos da tragédia, como a união dos estadunidenses, muito mais importante que a polÃtica, que soa como “é sobre nós!â€. Esse distanciamento da polÃtica, entenda-se, a Guerra ao Terror, as tropas no Iraque ou qualquer tema que circunde os atentados terroristas, se dá como uma espécie de censura implÃcita – ou mesmo explÃcita se levar em conta certos autores/crÃticos –, de que as representações do dia 11 de setembro devem ser neutras e explorar o sentimento “americanoâ€, e não se trata de um campo livre para debates e crÃticas a história dos EUA. Mick LaSalle, do San Francisco Chronicle, faz uma apreciação do valor narrativo dos eventos em torno dos 11 de Setembro, apresentando a ordem cronológica de como os estadunidenses, principalmente os nova-iorquinos, tiveram conhecimento dos ataques terroristas: Os momentos de realização são inerentemente dramáticos. É por isso que não existe uma história chata do 11 de setembro. Pergunte a alguém o que ele ou ela fez e pensou naquela manhã, e a história que você ouvirá sempre será interessante e dramática. Na verdade, o que torna uma história do 11 de setembro ainda melhor do que, digamos, uma história de terremoto ou a história do assassinato de [John F.] Kennedy, é que uma história do 11 de setembro tem cinco momentos distintos de compreensão: (1) ouvir sobre a primeira torre, (2) ouvir sobre a segunda torre, (3) ouvir sobre o Pentágono, (4) ver o colapso da primeira torre, (5) ver o colapso da segunda torre. Se isso soa como uma abordagem fria para a discussão de uma tragédia nacional, lembre-se de que o assunto aqui é drama, não a própria tragédia. “As Torres Gêmeas†é a tentativa mainstream do diretor Oliver Stone para essa tragédia, e o resultado é um filme sóbrio e inspirador, que à s vezes evoca não só os sentimentos daquele dia, mas também a caracterÃstica mÃtica que adquiriu com o tempo. Stone faz tudo o que pode para fazer justiça à s pessoas reais que ele está retratando e, no entanto, nada que ele faz pode encobrir as fraquezas únicas, mas globais do filme: a história pessoal que usa para retratar o evento macro é limitada em alcance e impacto. PensarÃamos que não deveria ter sido esse o caso. O que poderia ser mais surpreendente que a história de dois policiais da Autoridade Portuária, presos sob os escombros das torres gêmeas, lutando para se manterem vivos e acreditando que serão resgatados? Sem dúvida, essa 303 SCOTT, Anthony Oliver. Pinned Under the Weight of Skyscrapers and History in ‘World Trade Center’. The New York Times, Nova Iorque, 09 Ago. 2006. DisponÃvel em: <http://movies2.nytimes.com/2006/08/09/movies/09worl.html?ref=movies>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 192 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR é uma história notável. Infelizmente, não é dramática. Observando claramente, o que recebemos em “As Torres Gêmeas†é a história de dois companheiros que entram em um edifÃcio e não sabem o que os atingiu. Eles não têm ideia de que as torres entraram em colapso e têm pouca ou nenhuma consciência de que são vÃtimas de um ataque terrorista. Eles passam três quartos do tempo do filme cobertos de entulho, incapazes de se mover. [...] Apenas para ser digno de seu tÃtulo, “World Trade Center†precisava fornecer (ou chegar perto de fornecer) uma catarse nacional. Se não consegue fazê-lo é provavelmente porque não nos leva passo a passo pela tragédia. Ele não atingiu esse critério dramático, mencionado anteriormente, pelas quais 300 milhões de americanos perceberam que viviam em um mundo diferente. Obviamente, Stone não poderia ter feito um filme sobre os americanos sentados assistindo TV, mas havia mais histórias do 11 de setembro – por exemplo, a de David Lim, um policial da Autoridade Portuária que estava resgatando pessoas na Torre 1, com pleno conhecimento do colapso da outra torre. Quando a Torre 1 veio abaixo, ele ouviu chegando e se preparou, milagrosamente sobreviveu e saiu em segurança.304 LaSalle voltou ao dia 11 de setembro de 2001 para rememorar a sequência dos eventos daquele dia, defendendo também o poder das inúmeras histórias, todas “dramáticas e interessantesâ€. O crÃtico não destaca As Torres Gêmeas como um filme emocionante, nem dramático o suficiente para representar aquele dia, pois para ele o diretor, Oliver Stone, mesmo fazendo um bom trabalho, falhou em apresentar o quadro geral. Pois a opção pela história dos dois policiais portuários não é interessante ou dramática o suficiente. Para o crÃtico havia outras histórias que serviriam para apresentar o todo, as várias camadas daquele evento, não está a altura de uma representação aos moldes de Hollywood, como declarou na conclusão de sua crÃtica.305 Ty Burr, do The Boston Globe, não se incomodou com a escolha de Oliver Stone em focar nos dois policiais e a destacou como patriótica e emocionante, alertando os espectadores de que não há nada de polÃtico no filme, pois foca no que realmente importa: “As Torres Gêmeas†orgulhosamente mostra o patriotismo entre outras emoções fundamentais, fazer o contrário seria representar um dia falso. Se você quer um drama do 11 de setembro que envolva os fundamentos polÃticos do evento – o que levou aos ataques, o que veio depois – você deveria procurar outro filme. Chame isso de optar pelo correto ou concentrar-se nas coisas que importam, o resultado é que Stone fez um filme menos austero e reconfortante do que o monumental “Voo United 304 LASALLE, Mick. Two cops, two towers, one day we won’t forget A personal look at a national disaster. San Francisco Chronicle, São Francisco, 09 Ago. 2006. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/movies/article/REVIEW-Two-cops-two-towers-one-day-we-won-t- 2491582.php>. Acesso em: 01 jul. 2017. 305 Ibid. Página 193 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR 93â€, de Paul Greengrass. “As Torres Gêmeasâ€, mal se refere ao terrorismo e trata do resto do mundo apenas através de cenas com multidões horrorizadas em outros paÃses (é como se estivessem assistindo o mais recente e mais realista blockbuster de Hollywood). Stone e Berloff focaram na destruição e na superação do dia, e sua fé na bondade inata dos americanos é tão genuÃna quanto emocionante. E se parte de seu cérebro se pergunta por que não podemos processar uma catástrofe assim até que ela tenha sido transformada em um filme de Hollywood ou por que filtramos um dia inimaginável e horrÃvel, em alguns pontos com boas notÃcias, sinta-se à vontade para seguir esses pensamentos para onde quer que eles o conduzam. Uma razão pelo qual “As Torres Gêmeas†é bom e reconfortante, é porque absolve nosso desconforto de pensar em tudo o que aconteceu desde aquele dia.306 Além do trecho acima, diversos outros momentos da crÃtica de Ty Burr exaltam o sentimentalismo do filme. Na medida em que comenta As Torres Gêmeas, nota-se sua aproximação com grande parte dos crÃticos que o comparou com Voo United 93 e que elogiaram o filme como sendo um memorial emocionante dos dois policiais, suas famÃlias, dos socorristas, e por tabela todos os acontecimentos do dia 11 de setembro. E assim como outros, declarou que não parece um filme de Oliver Stone, “Aqui não há conspirações, não aponta culpados, apenas a crescente raiva dos perpetradoresâ€.307 Muito além dessa preocupação/surpresa dos crÃticos com Oliver Stone com a escrita fÃlmica de Oliver Stone, distanciando-se da crÃtica polÃtica, é notável a grande quantidade de crÃticas favoráveis a produção, o que diz muito sobre a recepção estadunidense, sobre a construção do 11 de Setembro como marco. Mas como na escrita histórica não há consenso, na escrita fÃlmica da história também não, e isso é perceptÃvel pela análise da recepção pela crÃtica cinematográfica estadunidense, se trata de um ponto praticamente impossÃvel de se conceber apenas pela análise fÃlmica. Abaixo segue a resenha de Jonathan Rosembaun, do Chicago Reader, que tenta compreender o posicionamento de seus colegas crÃticos, mesmo com as falhas e a abordagem estranha de Oliver Stone, para isso sustentado seu argumento citando a filmografia do diretor. Seguem alguns trechos: O filme está sendo vendido como um drama humano não-ideológico e apolÃtico que fará os americanos viris se levantar e aplaudir. CrÃticos de todos os espectros polÃticos estão comprando essa ideia contraditória – 306 BURR, Ty. Emotional rescue. The Boston Globe, Boston, 09 Ago. 2006. DisponÃvel em: <http://archive.boston.com/ae/movies/articles/2006/08/09/emotional_rescue/>. Acesso em: 01 jul. 2017. 307 Ibid. Página 194 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR o artigo de capa da Newsweek de David Ansen é um exemplo disso. O filme funciona muito bem como um thriller de aventura. Eu não questiono a legitimidade de comemorar a coragem desses indivÃduos e suas famÃlias, e eu até posso tolerar a nostalgia artificial à épicos da Segunda Guerra Mundial. Mas estou preocupado com o fato de os cineastas terem omitido muito do sentido do que aconteceu naquele dia, como se fosse um tipo de cenário neutro. E estou preocupado que tantos crÃticos parecem pensar que essas omissões não são importantes. As coisas mais inquietantes que li até agora são alguns dos delÃrios. O colunista sindicalizado, Cal Thomas, chamou o filme de “um dos maiores filmes pró-americanos, pró-familiares, pró-fé, pró-homens, patriótico, Deus abençoe a América, que você nunca veráâ€. O post do Colunista Cliff May no site conservador National Review Online disse: “Palavras que eu pensava que nunca diria: Deus abençoe Oliver Stoneâ€. Mas a mentalidade no trabalho é verdadeiramente revelada em uma revisão mais longa no mesmo site. Kathryn Jean Lopez contrasta o World Trade Center com outro tratamento recente do ataque de 11 de setembro, um filme sobre o voo da United [93] que caiu em um campo da Pensilvânia, depois que os passageiros lutaram contra os terroristas: “De bom gosto e bem feito como foi United 93, mas houve algo sobre este filme que me incomodou. Os cineastas mostraram um pouco demais os terroristas. Ligar para casa. Sentindo-se mal. Rezando. Perdoem minha insensibilidade, mas não queria vê-los. Não me importa se um ou outro deles estivesse nervoso nos minutos anteriores ao ataque. Não é muito cristão de minha parte, mas eu realmente não me importo com eles – sobretudo, em um filme que deveria ser sobre os bons. Eu só queria ver nossos heróis do 11 de setembro. E a respeito disso, Oliver Stone entrega o que o Voo United 93 não entregou... [World Trade Center] é sobre nós. É exclusivamente sobre os bons. É sobre nós quando somos heroicos (aqueles de nós que somos). É sobre quando estamos assustados. É sobre quando acordamos no meio da noite para ir ao trabalho, ouvindo 1010 WINS [Estação de rádio] (se você é da cidade de Nova York, há algo extra pessoal sobre este filme e esses ataques). É sobre quando somos crianças assustadas que dizem coisas ruins para nossas mães apavoradas. É sobre um fuzileiro naval que deixará tudo para voltar ao quartel. Trata-se de uma equipe de trabalhadores de resgate que não deixará ninguém morrer. É sobre a nossa profunda e permanente fé em Deus. É sobre o nosso amor pela famÃlia, o trabalho que faremos por eles e a alegria que nos trazem. Trata-se da ligação insubstituÃvel e incomparável entre um homem e uma esposa. É sobre a indignação unÃssona que sentimos quando os americanos são assassinados. É sobre porque lutamosâ€. Se Lopez queria um espelho, ela poderia ter ficado em casa e assistido a programas infantis sobre os mocinhos. Mas há razões além da caridade cristã em querer saber algo sobre os terroristas. E quem é que ela está vendo nesse espelho? Quem é esse “nós†que tem uma fé profunda e permanente em Deus, amor à famÃlia, etc.? Ela apenas se indignou com os americanos assassinados, sem notar os estrangeiros e os estrangeiros ilegais, incluindo o serviço de pessoas que se levantaram no meio da noite e que talvez até ouviram o WINS [estação e rádio]. Ela parece sugerir que nossa preocupação com os americanos deveria substituir nossa preocupação com a humanidade e, portanto, ela privilegia o simbolismo sobre o individualismo, o que os terroristas fizeram. Ela simplesmente ignora as vÃtimas não americanas – a quem ela está tratando como todos os transeuntes inocentes, os EUA se alienaram ou mataram no exterior Página 195 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR enquanto diziam estar melhorando suas vidas. Eu acho difÃcil acreditar que a seletividade de Stone não foi intencional. Seu primeiro crédito fÃlmico proeminente, que ganhou um Oscar, foi para o roteiro de Midnight Express (1978) [O Expresso da Meia-Noite] [...]. A indiferença do filme para o tratamento de turcos na mesma prisão sugere que Stone sempre esteve mais perto da National Review [revista conservadora] do que sugerem suas credenciais esquerdistas. [...] Sempre vi Stone como um demagogo autoritário, e As Torres Gêmeas não mudou minha opinião. Sua imaginação fantasmagórica é menos homoerótica que a de Midnight Express, mas produz efeitos alucinantes comparáveis, incluindo evocações brilhantes de Jesus carregando uma garrafa plástica de água. O ambiente excitante do filme de guerra, familiar de Platoon, é ainda mais proeminente do que o misticismo religioso. E a visão de mundo animada que promove, apenas encoraja os piores instintos de pessoas como Kathryn Jean Lopez – insularidade e xenofobia – mesmo quando se parabenizam pelo que eles chamam de generosidade inata do espÃrito dos americanos. Mas então somos todos suscetÃveis de sermos seduzidos a esse tipo de narcisismo – talvez porque isso ajuda a afastar a dura realidade de um mundo no qual mais e mais pessoas nos odeiam.308 O que surge na crÃtica de Rosembaun, é a discussão sobre a legitimidade da representação dos dois heróis. Mesmo sendo inspiradora, o crÃtico argumenta que são convencionalmente cinematográficas. Rosembaun argumenta que seus colegas crÃticos não notaram a contradição em Olive Stone, que o diretor mudou progressivamente seu posicionamento polÃtico. Rosembaun destoa desse fervor emotivo e altamente patriótico presente na maioria das crÃticas sobre As Torres Gêmeas e isso fica claro em seu comentário sobre Kathryn Jean Lopez, que não leva em conta o que ocorre além do território EUA, nas guerras empreendidas para defender o seu paÃs. E evidente que Rosembaun não é um grande apreciador dos trabalhos de Stone, chamando-o de demagogo, e até mesmo pondo em jogo os filmes anteriores do diretor. Também na contramão da exaltação do filme, no jornal The Washington Post, Desson Thonson, também discutiu a questão da representação heroica dos dois policiais portuários em As Torres Gêmeas: Stone gasta suas energias na direção lutando com dois propósitos – expressar reverência a difÃcil situação de dois homens enquanto tentam criar uma história de heroÃsmo agradável à s multidões – mas não esconde nada mais significativo do que o retrato literal da provação masculina. Essa abordagem contida pode ter sido a intenção de Stone, mas não necessariamente para uma experiência de filme satisfatória e 308 ROSENBAUM, Jonathan. It’s All About Us. Chicago Reader, Chicago, 10 Ago. 2006. DisponÃvel em: <https://www.chicagoreader.com/chicago/its-all-about-us/Content?oid=922895>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 196 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR matizada. A história tem uma falha de design básico: os dois oficiais são retratados como heróis – e é claro que são, à medida que lutam corajosamente –, mas logo eles são cobertos pelos escombros, praticamente indefesos pelo resto do filme. (Jimeno ficou preso por 13 horas, McLoughlin, 21 horas.) Outros filmes que retratam heróis modernos contra um pano de fundo de horror em grande escala – “A Lista de Schindlerâ€, “Hotel Rwanda†e outros – são eficazes porque passamos o filme assistindo-os em ação heroica. [...] Os cineastas omitiram um contexto mais amplo – algo tão eminente por sua ausência quanto as próprias torres. Cinco anos depois, a maioria de nós entende esse dia como o primeiro capÃtulo de uma crônica persistente e agonizante. Nós esperamos perspectiva – mesmo de um filme que se limita especificamente a um canto claustrofóbico da história. Por que repetir esta história sem a retrospectiva do Afeganistão, Iraque, Madri e Londres? Uma das únicas alusões ao mundo pós-11/09 é o breve comentário de um fuzileiro naval de que devemos nos vingar – o que parece estranhamente irônico, dado o nosso fracasso em capturar Osama Bin Laden. E a tentativa dos cineastas em estabelecer uma perspectiva mais ampla, aparece na sequência rápida ao redor do globo mostrando pessoas de todas as raças, cores e crenças acompanhando os eventos ao vivo pela TV, mais uma demonstração dos Ãndices da CNN pela Nielsen Ratings [sistema de medição de audiência] do que uma jornada para além dos policiais.309 Thomson, assim como Mick LaSalle, vê problemas na escolha de Oliver Stone em representar a história de dois policiais portuários que ficam grande parte do filme soterrados, porque a espera dos espectadores, segundo o crÃtico, era de ver como esse momento se apresentou ao resto do mundo, para além de um breve vislumbre de quantas pessoas ao redor do mundo estavam assistindo aos ataques terroristas. A construção desse heroÃsmo não é apresentada no filme, pois os heróis não estavam em ação. Além disso, Thomson questiona a supressão de temas polÃticos. Para o crÃtico isso era importante, dadas as diversas consequências dos ataques terroristas. Mas ficou evidente que não se trata da Guerra ao Terror, mas apenas dos Atentados do 11 de Setembro. Novamente, o que transparece é que o horizonte de expectativas do diretor (e de Hollywood) era para rememorar o drama e a tragédia com elementos que não foram vistos ao vivo na TV. Voo United 93 é uma hipótese do que poderia ter ocorrido com os passageiros e os sequestradores/terroristas a bordo, já que não houve relatos de sobrevivente. A opção de Oliver Stone é intencional: mostrar algo que não foi “mostradoâ€, mas houve sobreviventes, trazer uma representação mais intimista. 309 THOMSON, Desson. Oliver Stone’s ‘Trade Center’ Is Two Stories Short. The Washington Post, Washington, 09 Ago. 2006. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp- dyn/content/article/2006/08/08/AR2006080801568.html>. Acesso em: 01 jul. 2006. Página 197 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR A frase sobre a eventual vingança com os bons homens (cidadãos dos EUA), proferida por Dave Karnes, é uma prova do suporte feito por As Torres Gêmeas à guerra contra o terrorismo. Kenneth Turan, do Los Angeles Times, além de mostrar como Stone era visto nos EUA, cita essa aproximação feita com o Iraque: Ainda mais intrigante é que Stone, geralmente visto como o anticristo em cÃrculos conservadores, fez um filme que os comentaristas de direita estão se debruçando para aplaudir. [...] Este tributo vem em parte porque “As Torres Gêmeas†faz uma conexão explÃcita entre o 11 de setembro e a guerra no Iraque, que fará com que a Casa Branca de Bush e o Comitê Nacional Republicano o abracem como sendo seu. [...] E então vem o golpe de misericórdia. “Eles vão precisar de alguns bons homens para vingar issoâ€, diz [o fuzileiro naval Dave] Karnes, ameaçadoramente, e a próxima coisa que você verá, um intertexto que nos diz que ele se realistou nos fuzileiros e realizou duas incursões no Iraque. Até mesmo as teorias de conspiração com a quais Stone circundou em “JFKâ€, desaparecem ao lado deste suporte a grande mentira ligando o Iraque ao 11 de setembro. Entre os falsos momentos de emoção, numerosos demais para mencionar, a insistência de “As Torres Gêmeas†sobre o heroÃsmo imediato e pessoal a coloca no extremo oposto do espectro “austero†de Voo United 93, de Paul Greengrass. Se esse filme tem pouca emoção, este tem muita. É muito ruim que não foi Greengrass quem dirigiu o roteiro de Berloff [roteirista de As Torres Gêmeas]. Teria sido um filme sobre o 11 de setembro que valeria a pena esperar.310 Praticamente toda a crÃtica estadunidense ficou surpresa com o tratamento de Oliver Stone sobre o dia 11 de setembro, sendo que muitos consideraram apolÃtica e emocionante, com algumas poucas exceções. A exposição de Kenneth Turan mostra-se contrária e exalta o posicionamento a favor dos republicanos do governo Bush. Em nosso levantamento das crÃticas, poucas foram incisivas e questionaram o posicionamento conservador de Oliver Stone. A grande maioria dos crÃticos (as) naturalizaram As Torres Gêmeas como sendo apolÃtica, mostrando os heróis do 11 de Setembro, e visualizando-a como uma homenagem, e comparando com Voo United 93, aqui já compreendido como uma obra de referência, que trouxe a melhor representação do 11 de setembro e um modelo a ser seguido. Mas levando em conta as crÃticas que apontaram as escolhas de Oliver Stone, aparentemente bastante conscientes – assim como a representação dos terroristas feitas por Paul Greengrass em Voo United 93 –, de se distanciar de imagens que foram expostas 310 TURAN, Kenneth. The easy way out. Los Angeles Times, Los Angeles, 09 Ago. 2006. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2006/aug/09/entertainment/et-wtc9>. Acesso em: 01 jul. 2017, Página 198 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR ao público através da TV, vemos aopção por algo mais simples e direto. De certo modo, pode-se interpretar os escombros e o longo drama dos dois policias portuários de Nova Iorque como uma alegoria para o drama que se alongou após os ataques terroristas. No entanto, o elo, estabelecido por Stone entre o 11 de Setembro e o Iraque, mostra que o diretor se entregou a estética vigente, não apresentando nada de novo. Em As Torres Gêmeas se vê o marco responsável por inúmeras seleções e significações. Em princÃpio, ao exaltar a história recente pela ótica dos EUA, houve um acontecimento e junto com ele o novo inimigo. Mas para rememorá-lo não seria ideal representar os terroristas, mas apenas as vÃtimas inocentes, desconsiderando todo um processo histórico – destacada por alguns crÃticos –, ou seja, impera apenas a intenção de retratar o drama vivido pelo EUA, numa espécie de presentismo atrasado, já que Hollywood demorou a tratar do 11 de Setembro e retornou ao acontecimento, deixando de lado outros eventos desastrosos diretamente ligados ao evento, mas ainda contribuindo para um esforço de guerra, a exemplo do final de As Torres Gêmeas, e a vingança proposta por Dave Karnes. Através dessas duas produções, Voo United 93 e As Torres Gêmeas, pode-se notar quais momentos e quais significados devem ser enaltecidos sobre os ataques terroristas de 11 de setembro. Muito daquele inicial esforço de guerra, discutido no segundo capÃtulo, pode ser notado através de alguns elementos presentes em ambos filmes: o patriotismo; representações heroicas; o aparente distanciamento polÃtico; não explicitar a luta contra o terror (ao menos não em seus efeitos posteriores). Ou seja, minimizar outros momentos, outras interpretações que poderiam incitar a crÃtica a esse momento histórico. Mas após cinco anos do 11 de Setembro, já havia filmes que abordaram os efeitos da polÃtica externa do governo Bush pós-atentados – como expostos no terceiro capÃtulo. Contudo, especificamente sobre o dia 11 de setembro, o sequestro dos quatro aviões, a queda das Torres Gêmeas, ainda não tinham sido abordados pelo cinema mainstream, a não ser pelas produções independentes destacadas no inÃcio do segundo capÃtulo. Há algo diferente entre as crÃticas feitas à queles primeiros filmes de guerra pós- 11 de Setembro e estas primeiras representações especÃficas do dia. Em poucas crÃticas, sobre o primeiro grupo de filmes, se comentava ou se aproximava das primeiras ações de George W. Bush, raros casos; isso foi aos poucos aparecendo. No segundo caso, pode-se notar o efeito da escrita fÃlmica sobre a Guerra ao Terror produzida até o momento: Página 199 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR primeiramente porque muitos crÃticos fizeram questão de alertar o espectador de que estes filmes não tinham nada de polÃtica, apenas a realidade; em seguida, pelos crÃticos que faziam questão de mostrar que sim, havia algo polÃtico, a representação dos terroristas com Paul Greengrass e o elo do 11 de setembro com a guerra no Iraque por Oliver Stone. Nesses dois filmes, há sim posicionamentos polÃticos. Alguns mais sutis e outros muito mais explÃcitos, mas ambos fizeram seleções e construÃram representações como memoriais para os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Essa selação de momentos está muito presente nas crÃticas sobre as primeiras produções que representaram os 11 de Setembro, mesmo com alguns crÃticos apresentando algumas “pontas soltasâ€, tanto em Voo United 93 como em As Torres Gêmeas, o tom foi praticamente unÃssono, de memorial, de homenagem à vÃtimas – com algumas especificidades sobre cada uma das produções, como pode-se observar ao longo do texto. Tanto nas primeiras produções como nas Hollywoodianas, o que se observa é que a intensa exploração da queda das Torres Gêmeas na TV, e claro pelo governo, contribuÃram para a disseminação da nova ameaça que estava no Oriente Médio, o terrorista islâmico. De tal modo, o efeito disso, no cinema, foi o distanciamento, pois havia a relação entre representar o marco, mas isso trazia também o tema do terror(ismo); havia uma censura implÃcita. Por isso da exaltação de muitos crÃticos em favor de destacar produções independentes com imagens “reais†do evento. Misturam-se no 11 de Setembro uma ideia entre o espectador/cinegrafista registrando o real. De todo o modo, alguém buscou a letigimidade do registro dos atentados de 11 de Setembro, mas como destacou Ismail Xavier: “Espectador de cinema, tenho meus privilégios. Mas simultaneamente algo me é roubado: o privilégio da escolhaâ€.311 A CRÃTICA CINEMATOGRÃFICA ENTRE OS FILMES PRÓ- GUERRA E A GUERRA DO IRAQUE Logo após aos Atentados de 11 de Setembro, rememoraram-se vários momentos marcantes da história dos EUA. Alguns destes foram amplamente e incansavelmente utilizados pelos estúdios hollywoodianos em diferentes contextos históricos, tais como a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã: no qual curiosamente ambos foram utilizados enquanto inspiração e heroÃsmo, num imediato esforço alegórico da guerra 311 XAVIER, Ismail. Cinema: revelação e engano. In: ______. O olhar e a cena: melodrama, Hollywood, cinema novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 36. Página 200 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR contra o terrorismo. De certo modo, numa “reescrita†fÃlmica da história, onde questões complexas da Guerra do Vietnã, já discutidos em filmes de grande respaldo, foram deixadas de lado; a problematização da Guerra ao Terror ganhou maior espaço no segundo mandato de Bush, servindo como base para as crÃticas contra os efeitos da polÃtica antiterrorista, após a queda da influência de Bush, tanto em meio ao congresso como na população. Ambas perspectivas surgiram em diferentes contextos dentro da abordagem cinematográfica, que estava próxima aos jogos polÃticos envoltos no pós-11 de Setembro. Os conflitos nacionais e mundiais compunham uma memória coletiva que vieram a fortalecer o sentimento nacionalista. Contudo, a guerra no Vietnã trouxe à tona os embates internos da sociedade frente à “cultura da vitóriaâ€.312 Traços desses princÃpios norteadores para o avanço da guerra já foram discutidos por James Oliver Robertson em American Myth, American Reality313, que perpassam momentos representativos da história dos EUA, desde a Revolução Americana à Guerra Civil e com seu auge na Segunda Guerra Mundial e seu questionamento pelo Vietnã. Segundo Robertson, há três elementos que compõem o mito da guerra nos EUA: uma perspectiva progressista, pois eleva os ideais da nação e a fortalece; em seguida, uma visão pessimista da guerra e de seus efeitos; por fim, numa espécie de sÃntese que reúne os primeiros elementos na perspectiva de que mesmo com seus prós e contras deve ser encarada até o fim.314 Tais apontamentos seguem na premissa de uma cultura histórica estadunidense que formam os pontos de referência na interpretação da cultura polÃtica nos Contudo, o dia 11 de setembro de 2001 por si só não é suficiente para explicar as ações do governo, muito menos o apoio da opinião pública à guerra. Tendo em conta a atuação da TV e jornais na cobertura do evento, somou-se o conceito de terrorismo e o islamismo como peças fundamentais na retórica antiterrorista. O 11 de setembro compôs os elementos fundamentais para uma interpreção histórica rumo a uma Guerra ao Terror, que foi explorada pelas primeiras produções pós-atentados, todas do gênero fÃlmico de guerra, de maneira alegórica. 312 ENGELHARDT, Tom. The End of Victory Culture: Cold War America and the disillusioning of a generation. Amherst, MA: University of Massachusetts Press, 2007. 313 ROBERTSON, James Oliver. American Myth, American Reality. New York: Hill & Wang, 1994. 314 Ibid. Página 201 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Subentende-se que a guerra tem um lugar crucial na constituição histórica estadunidense. Após a Guerra do Vietnã, houve inúmeros questionamentos socioculturais e consequentemente historiográficos dentro dos EUA, e frente ao conservadorismo e posterior fragmentação acadêmica houve um distanciamento entre o público e o consumo da história acadêmica.315 De tal modo, não se pode deixar de lado que, por exemplo, o cinema passou anos construindo enredos que mostravam o peso e a vitória de conflitos envolvendo os EUA, ou seja, utilizando da temática histórica bem como produzindo representações acerca de contextos históricos especÃficos. O evento histórico que tratamos em nosso estudo possui um diferencial, ou seja, a transmissão ao vivo de um ataque ao território estadunidense, a intensa cobertura televisiva, que, ao contrário da Guerra do Golfo, não transmitiu a guerra em si, mas as imagens do que foi considerado um ato de guerra pelo governo, e, por fim, usadas na justificativa de conflitos posteriores. A indústria do cinema, entenda-se a de grandes proporções, inicialmente fugiu de temas relacionadas ao 11 de Setembro, abordagens e questionamentos iniciais ficaram a cargo de produtoras independentes e/ou de fora do paÃs. Sobretudo, foram as imagens dos atentados e sua incansável exibição nos noticiários de TV que intensificaram os atentados e exploraram o acontecimento como um drama nacional, elementos que consequentemente deixaram muitos roteiristas e produtores de Hollywood incertos sobre produções que abordassem o evento e seu significado. Tal como destacado no segundo capÃtulo, houve aproximação entre o governo e Hollywood, que em grande parte contribuiu para o escapismo e a exibição de filmes de guerra, muitos dos quais estavam em produção e serviram para o propósito de exaltar o soldado e o exército. Isso se alternava entre conflitos como a Segunda Guerra Mundial, do qual os EUA saiu vitorioso, ou mesmo do Vietnã ou outros conflitos que trouxeram problemas e questionamentos sobre o governo estadunidense, indo além da filmografia crÃtica, trazendo interpretações otimistas. Ou seja, vários filmes contribuÃram para dar 315 Philip D. Curtin em seu artigo “Depth, Span and Relevance†expõe que o distanciamento entre a história e o público foi de teor polÃtico, causado pela superespecialização da disciplina, sendo que “A falta de profundidade, escopo e relevância [...] nos novos trabalhos ameaçava profundamente o papel da história como ‘consciência moral’ e ‘guia’ dos Estados Unidos, na medida em que afastava os historiadores das grandes discussões polÃticas de seu tempoâ€. A exposição de Curtin vai além do problema da superespecialização da História, questão que já havia apontado. Ressalta que de certo modo a história não é disseminada apenas pelos historiadores, o sistema de ensino se encarrega de disseminar a História dos EUA, fortalecendo concepções que não partem apenas da teoria e método historiográfico. CURTIN, Philip D. Depth, Span, and Relevance. The American Historical Review, v. 89, n. 1, p. 01-09, 1984. DisponÃvel em: <http://www.jstor.org/stable/1855915>. Acesso em: 28 jun. 2016. Página 202 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR suporte ao marco da luta contra o terror, com forte apelo das imanges das Torres Gêmeas desabando. De tal modo, ainda em 2001, produzido antes dos atentados, temos o filme Atrás das Linhas Inimigas (Behind Enemy Lines, 2001), que trata de um evento durante a Guerra dos Balcãs, com fortes nuances patrióticas relacionadas à s polÃticas antiterroristas que estavam em andamentos, ademais contando com incentivos militares e até mesmo adiamento de seu lançamento. Tais aspectos foram destacados na crÃtica de Rita Kempley publicada no The Washington Post: Lançado dois meses antes do previsto, o thriller não poderia ser mais adequado ao momento. Com o patriotismo funcionando em alta, animando multidões, isso certamente encobrirá os estraga-prazeres que encontrarão as falhas nos rabiscos sem intensidade de Zac Penn (“O Último Grande Heróiâ€) e David Veloz (“Assassinos por Naturezaâ€) ou seus personagens estereotipados. Sem dúvida, o público atual é confortado por histórias e protagonistas tradicionais, e o tenente Chris Burnett (Owen Wilson) se encaixa no papel. Ele é um herói de ação por natureza que se for necessário se tornará um assassino. Piloto de primeira classe, ele se juntou a Marinha na esperança emoção, mas ficou de mãos atadas enquanto que nos Balcãs os burocratas andavam na ponta dos pés nas minas diplomáticas.316 Esse sentimento de impotência e superação, do dever de fazer algo pela nação, é muito exaltado ao longo do filme, principalmente através das atitudes dos personagens principais, Owen Wilson e Gene Hackman. Este considerado por muitos crÃticos como um dos pontos fracos da produção. Outro crÃtico a destacar esses elementos patrióticos foi Marc Savlov, do Austin Chronicle: “Eu não me alistei para ser um policialâ€, diz o piloto da marinha Tenente Burnett (Wilson), “e eu certamente não me inscrevi para ser um policial em uma batida que ninguém se importaâ€. Diálogo corajosamente clichê como este paralisa “Além das Linhas Inimigas†antes mesmo de realmente começar.317 Para Marc Savlov, esse simples recorte exalta o ponto moral do filme e destoa do papel do exército dos EUA nos Balcãs, a fim de justificar elementos patrióticos. Segundo o crÃtico, os roteiristas pecaram com pela falta de atenção com as questões que 316 KEMPLEY, Rita. “Behind Enemy Linesâ€: Red, White and True Blue. The Washington Post, Nova Iorque, 30 Nov. 2001. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp- dyn/content/article/2001/11/30/AR2005033116044.html>. Acesso em: 01 mar. 2017. 317 SAVLOV, Marc. Behind Enemy Lines. The Austin Chronicle, Austin, 30 Nov. 2001. DisponÃvel em: <http://www.austinchronicle.com/calendar/film/2001-11-30/142083/>. Acesso em: 01 mar. 2017. Página 203 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR dão impulso ao enredo principal do filme, como a manutenção da paz pela OTAN nos Balcãs, as relações entre sérvios e croatas, como uma espécie de insulto ao público.318 A crÃtica de Savlov é legÃtima, contudo, é evidente, conforme o desenvolvimento da narrativa, que a proposta do filme não é dar conhecimento sobre acontecimentos e questões burocráticas, mas a propaganda do soldado ideal, que pode quebrar regras pelos ideias de seu paÃs. Ou como expôs Rita Kempley: “Atrás das Linhas Inimigas†não tem a pretensão de dizer qualquer coisa acerca da consequência da guerra civil na Bósnia ou, por extensão, no Afeganistão. O filme, no entanto, captura o surrealismo do mundo moderno em uma guerra – um soldado muçulmano recitando letras de rap ou famÃlias que fazem de suas casas as ruÃnas de um shopping center. Mas é principalmente sobre como as ferramentas são utilizadas. Com tão pouca filmagem saindo do Afeganistão, você pode fingir que está vendo seus dólares indo para a defesa em ação.319 Kempley fez uma crÃtica mais nivelada com a proposta principal de Atrás da Linhas Inimigas e ainda expôs uma das eventuais interpretações e significados que muitos espectadores poderiam ter: a associação com os eventos recentes, o inÃcio da Guerra no Afeganistão, em 07 de outubro de 2001. Evidentemente, não foi a única que faria tal relação. Stephen Holden do The New York Times também ressaltou a relação com os recentes eventos: “Atrás das Linhas Inimigasâ€, um tenso thriller de resgate em tempos de guerra que sustenta um zumbido constante, sente-se muito do momento, mesmo que esteja ambientado nos Balcãs e não no Afeganistão. Sem o excessivo “suporte ao paÃs†ou a arrogância patriótica “Atrás das Linhas Inimigas†adentra no novo espÃrito de militância entusiasta que varreu o paÃs desde 11 de setembro.320 Apesar do crÃtico citar o “zumbido†e a questionável e contraditória afirmação de afirmar que o filme se distancia do patriotismo, acentua a falta de profundidade do filme e a clara propaganda pró-guerra. Contudo, não se pode esquecer que, mesmo que 318 SAVLOV, Marc. Behind Enemy Lines. The Austin Chronicle, Austin, 30 Nov. 2001. DisponÃvel em: <http://www.austinchronicle.com/calendar/film/2001-11-30/142083/>. Acesso em: 01 mar. 2017. 319 KEMPLEY, Rita. “Behind Enemy Linesâ€: Red, White and True Blue. The Washington Post, Nova Iorque, 30 Nov. 2001. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp- dyn/content/article/2001/11/30/AR2005033116044.html>. Acesso em: 01 mar. 2017. 320 HOLDEN, Stephen. Immersed in War (in Bosnia for a Change) With Gusto and Gadgetry. The New York Times, Nova Iorque, 30 Nov. 2001. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/2001/11/30/movies/film-review-immersed-in-war-in-bosnia-for-a-change- with-gusto-and-gadgetry.html>. Acesso em: 01 mar. 2017. Página 204 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR os crÃticos sejam analistas capacitados, não deixam de ser espectadores, consomem as imagens, e eventualmente transparecem suas posturas polÃticas. E é notável que há elementos que mostram que esse apelo patriótico, após os atentados de setembro, foram os responsáveis, em conjunto com as imagens da TV, para a marginalização de documentários sobre o dia 11 de setembro. Ademais, quase todas as crÃticas analisadas sobre a produção estrelada por Owen Wilson, ressaltam a qualidade das sequências de ação, um ponto essencial na atração e efeito estético que a produção causaria em seu público. Duas destas sequências foram citadas por Michael O’Sullivan, Mike Clark e Marc Savlov: a primeira mostra o caça pilotado por Burnett [Owen Wilson] sendo perseguido por mÃsseis térmicos e a outra quando os inimigos perseguem Burnett, que é observado por seus superiores através de imagens térmicas via satélite. Além dessa observação, referente à s cenas que dão impulso ao filme, há também o diálogo com outras produções que foram e que serão lançadas, como se vê na crÃtica feita por Lou Lumenick no The New York Times: É o primeiro de vários filmes sobre o tema de guerra que estão sendo lançados aos cinemas, segundo a teoria de que após o 11 de setembro o público patriota recente tem sede de filmes militares. Eu aposto que “Falcão Negro em Perigoâ€, previsto para 28 de dezembro, e “Fomos Heróisâ€, com lançamento para o inÃcio da primavera, são mais realistas que “Atrás das Linhas Inimigasâ€, que é contra o conflito na Bósnia (como é o soberbo “Terra de Ninguémâ€, que estréia na próxima semana). [...] Mas o ponto alto de “Atrás das Linhas Inimigas†é quando Burnett é baleado, aparentemente por todo o exército sérvio, enquanto corre em direção aos tiros – e escapa sem nenhum arranhão, um feito que deixaria Rambo com inveja.321 Esse misto de imagens grandiosas, personagens clichês e pouca profundidade nos temas que o filme trata sustentam o argumento, num tom irônico, de Kenneth Turan de que o tom de exaltação patriótica de Atrás das Linhas Inimigas mostra-se adequado ao momento, sendo então: “Um cartaz de recrutamento live-action para os militares de hoje, o filme mostra que pouco tempo sob o fogo transforma sabichões indisciplinados em 321 LUMENICK, Lou. Escape in Bosnia; Not great, but action would make Rambo be proud. The New York Post, Nova Iorque, 30 Nov. 2001. DisponÃvel em: <https://nypost.com/2001/11/30/escape-in- bosnia-not-great-but-action-would-make-rambo-proud/>. Acesso em: 01 mar. 2017. Página 205 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR homens que podem orgulhar o “Tio Samâ€.322 A comparação com produções ainda em andamento é constante nas crÃticas sobre as produções citadas acima. Contudo, também foi corriqueiro a comparação irônica de Owen Wilson como uma mistura dos filmes Rambo e Top Gun, este citado por Kenneth Turan, respectivamente estrelados por Sylvester Stalone e Tom Cruise. A referência dos filmes icônicos surge como uma espécie de crÃtica sútil ao modelo de filmes gung-ho de guerra, ou seja, personagens destemidos, fortes, patriotas, em meio à cenas surpreendentes de combate. Nota-se através das crÃticas como o cinema dialoga com si próprio e como o efeito discursivo de muitas produções, desde os personagens, o desenvolvimento narrativo, os clichês, são compartilhados nestas produções, além de em alguns casos utilizarem como modelo os filmes do perÃodo da Segunda Guerra Mundial, com suas devidas adaptações e também seguindo linhas com recentes abordagens como por exemplo O Resgate do Soldado Ryan. Assim, pode-se notar que o cinema muitas vezes é a base para o próprio cinema, interagindo com gêneros fÃlmicos e abordagens que marcaram perÃodos especÃficos da história dos EUA, como a guerra. E poderÃamos dividi- la sobre conflitos especÃficos , tal como com a própria escrita fÃlmica da história. Neste primeiro exemplo de produção pró-guerra, observa-se certa despreocupação com pontos importantes, com cenas beirando a sátira fÃlmica (Rambo). Outras produções surgiram nesse momento, um pouco mais sutis, mas com a mesma preocupação na exaltação militar e o patriotismo. Outra produção, baseada no livro homônimo de Mark Bowen, Falcão Negro em Perigo (Black Hawk Down, 2001), dirigido por Ridley Scott, trata da fracassada missão do exército dos EUA em 1993, conhecida como Batalha de MogadÃscio, durante a guerra civil na Somália, quando dois helicópteros foram abatidos deixando vários soldados cercados por combatentes somalis. A produção foi bastante elogiada pela crÃtica, que exaltou seu realismo e como destoou de outras produções do perÃodo, pela forma como apresentou os soldados em meio a uma situação de vida ou morte – mas por outro lado, dando impulso ao patriotismo. 322 TURAN, Kenneth. An unflagging, flag-waving flyboy. Los Angeles Times, Los Angeles, 30 Nov. 2001. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2001/nov/30/entertainment/et-turan30>. Acesso em: 01 mar. 2017. Página 206 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Roger Ebert, em sua crÃtica publicada originalmente no Chicago Sun-Times, faz breve descrição do enredo, do objetivo e da busca pela representação “precisa†da batalha na produção: O filme é único em sua finalidade. Quer gravar com a maior precisão possÃvel como era ser um dos soldados sob o fogo nessa missão. Hora por hora, passo a passo, para reconstrói a cadeia de eventos. O plano era organizar uma invasão surpresa conduzindo as tropas em helicópteros, acompanhadas por forças terrestres, em uma reunião com os principais senhores da guerra. Isso foi pensado para ser uma tarefa tão simples que alguns soldados deixaram para trás seus cantis e equipamentos de visão noturna, esperando estar de volta a base em poucas horas. Não deu certo desse jeito. O que aconteceu foi que foguetes inimigos derrubaram dois dos helicópteros. As tropas do senhor da guerra local se reuniram rapidamente e cercaram as posições dos EUA. Bloqueios e comunicações precárias impediram que um comboio de apoio se aproximasse. E um tiroteio sombrio tornou-se uma guerra de desgaste. Os americanos deram melhor do que conseguiram, mas de qualquer ponto de vista, o ataque dos Estados Unidos foi uma catástrofe.323 Ebert ressalta a busca pela “fiel†representação da missão fracassada dos EUA. Em muitos momentos de sua crÃtica, ele indica que o diretor Ridley Scott soube mostrar ao público o que os soldados estão fazendo em outros paÃses, além ressaltar a coletividade, sem heróis especÃficos. Muitos crÃticos, além de Ebert, elogiaram o realismo da produção, não à toa, pois o produtor Jerry Bruckheimer conseguiu emprestar do exército estadunidense helicópteros modelos Black Hawk e Ranger, bem como teve a permissão do rei do Marrocos para poder filmar no paÃs.324 Pode-se ver em outra crÃtica a exaltação do realismo de Falcão negro em Perigo feita por Kenneth Turan, exaltando a competência do diretor Ridley Scott na representação da operação: “Realismo†é uma palavra leve para descrever o modo como o diretor Ridley Scott recriou a feroz batalha de 15 horas entre as tropas estadunidenses encurraladas nas ruas de MogadÃscio e os combatentes somalis, em que 18 americanos morreram e 73 ficaram gravemente feridos, as maiores perdas desde o Vietnã. Seu triunfo do cinema puro, um filme de guerra impiedoso, implacável, sem desculpas, tão convincente que vez ou outra é difÃcil acreditar que é uma encenação. “Falcão Negro em Perigo†pode ser difÃcil de assistir até o fim, mas a 323 EBERT, Roger. Black Hawk Down. Chicago Sun-Times, Chicago, 18 Jan. 2002. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/black-hawk-down-2002>. Acesso em: 03 mar. 2017. 324 TURAN, Kenneth. An unflagging, flag-waving flyboy. Los Angeles Times, Los Angeles, 30 Nov. 2001. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2001/nov/30/entertainment/et-turan30>. Acesso em: 01 mar. 2017. Página 207 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR fluidez e a habilidade envolvidas são tão impressionantes que se torna uma experiência emocionante.325 Apesar de considerar o filme violento, devido à s cenas do embate entre soldados dos EUA e os combatentes somalis, Turan enfatiza que as imagens não são gratuitas, mas necessárias, pois levam a questionar o envolvimento dos EUA na Somália e a difÃcil compreensão da palavra heroÃsmo.326 A indagação de Turan sobre a questão do herói de guerra é pertinente pela própria construção narrativa do filme, já que Falção Negro em Perigo não tem um protagonista como em grande parte dos filmes de guerra, um herói para se espelhar. Grande parte dos crÃticos analisados elencou esse artificio do filme, já que o objetivo era mostrar a batalha de forma detalhada, o protagonista é o próprio embate e o espectador deve sentir o que acontece em cada instante. Bob Graham, do San Francisco Chronicle, também acentuou o realismo do filme, e aponta a possÃvel reflexão a qual o filme poderia induzir: A câmera não se afasta do sangue. É até mais implacável que “O Resgate do Soldado Ryanâ€. As histórias de guerra que ex-combatentes costumavam contar apenas em particular sobre os horrores que testemunharam, estão aqui colocadas na tela para que todos possam ver. [...] Somália, 03 de outubro de 1993. Foi uma operação de “arrebatar- e-agarrar†realizada por Army Rangers e comandos da Força Delta para remover duas figuras-chave associadas ao senhor da guerra local que estava interferindo nos esforços humanitários da ONU. O paÃs, dominado por muçulmanos sunitas, foi dilacerado pela fome e pela guerra civil, e MogadÃscio foi dividido em acampamentos amigáveis e hostis. Soa familiar? Assim como os americanos nos anos 70, que assistiram a série de comédia “MASH†sobre a Guerra da Coréia e leram nela o Vietnã, não podemos deixar de ver esta incursão de 1993 à luz do que está acontecendo hoje.327 Graham faz referência ao Resgate do Soldado Ryan (1998) justamente por suas cenas do calor do combate, aspecto que se tornou presente nos filmes de guerra posteriores, bem como cita o seriado de comédia M.A.S.H. – que fez muito sucesso nos 325 TURAN, Kenneth. An unflagging, flag-waving flyboy. Los Angeles Times, Los Angeles, 30 Nov. 2001. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2001/nov/30/entertainment/et-turan30>. Acesso em: 01 mar. 2017. 326 Id. More Than the Heat of Battle. Los Angeles Times, Los Angeles, 28 Dez. 2001. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2001/dec/28/entertainment/et-turan28>. Acesso em: 02 mar. 2017. 327 GRAHAM, Bob. Mission accomplished/â€Black Hawk Down†a brutally effective depiction of Somali battle. San Francisco Chronicle, São Francisco, 18 Jan. 2002. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/movies/article/Mission-accomplished-Black-Hawk-Down-a-2883092.php>. Acesso em: 02 mar. 2017. Página 208 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR EUA entre 1970 a 1983, baseado no filme homônimo de Robert Altman de 1970 –, justamente pela alegoria que o programa fez da Guerra da Coréia com o Vietnã, a fim de relacionar a batalha de MogadÃscio e o Afeganistão. Mas apesar da indicação, sua postura pende para a exaltação do patriotismo, em reconhecer o esforço dos soldados através da representação de Ridley Scott. Tal qual outros filmes do perÃodo sofreram o impacto dos recentes eventos ocorridos nos EUA, a produção de Ridley Scott chamou para si a interlocução entre conflitos passados e os recentes, bem como a constantes comparações a outras produções, como veremos a seguir com a exposição de outras crÃticas. Richard Schickel ao escrever para a revista Time, destacou o imediatismo de Falcão Negro em Perigo, ressaltando que grande parte dos filmes de guerra representam determinado conflito com certa distância temporal, levando o o crÃtico a questionar: “Você tem que se perguntar se o imediatismo do filme, e suas analogias óbvias com o Afeganistão, irão assustar o públicoâ€.328 Na contramão de Schickel, Roger Ebert vê as analogias com os eventos recentes de maneira positiva, até mesmo citando produções simplistas que não levam o público a refletir sobre a situação do paÃs: Filmes como este [Falcão Negro em Perigo] são mais úteis do que os pró-guerra bobos como “Atrás das Linhas Inimigasâ€. Eles ajudam o público a compreender e simpatizar com as experiências reais das tropas de combate, em vez de banalizá-los como espetáculo. Embora a missão americana na Somália fosse humanitária, o filme evita o discurso e a propaganda, e em certo ponto, discute porque os soldados arriscam suas vidas em situações como esta, um veterano diz, “é sobre os homens ao seu ladoâ€. [...] A mensagem implÃcita do filme é que a América naquele dia perdeu sua determinação de arriscar a vida americana em distantes e obscuras lutas, e essa mentalidade enfraqueceu nossa posição contra o terrorismo.329 Ebert deixa clara sua posição a respeito dos filmes pró-guerra, que tratam conflitos como meros meios de entretenimento, em parte de sua crÃtica sobre Atrás das Linhas Inimigas, afirmando que chegou a rir quando Burnett (Wilson) corre em direção aos tiros dos inimigos e sai ileso. Filmes patrióticos como o citado por Ebert, apesar das inovações técnicas, se apoiam no clássico modelo “Rambo†de guerrear: forte, destemido, que luta contra tudo e todos por seu paÃs, nem que para isso se torne à prova de balas. 328 SCHICKEL, Richard. Soldiers on the screen. Time, Nova Iorque, 09 Dez. 2001. DisponÃvel em: <http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,187601-2,00.html>. Acesso em: 03 mar. 2017. 329 EBERT, Roger. Black Hawk Down. Chicago Sun-Times, Chicago, 18 Jan. 2002. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/black-hawk-down-2002>. Acesso em: 03 mar. 2017. Página 209 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Ademais Ebert vem complementar a reflexão dos crÃticos anteriores de que é impossÃvel não relacionar o momento vivido pelos EUA com o Afeganistão, na forma de refletir sobre o preço a se pagar pela intervenção estadunidense em outros paÃses. Destaca-se que o fracasso na Batalha de MogadÃscio, trouxe efeitos diversos na polÃtica externa dos EUA no continente africano, tendo sido citada por Osama Bin Landen como inspiração para suas ações.330 Em seu artigo “‘Black Hawk’ Down and Dirtyâ€, publicado no Washington Post, Desson Howe desabafa: “A ópera de extrema violência de Ridley Scott é também um ataque frontal à confiança americana e essa crença, quase que inabalável, de que o que o mundo precisa é de nossa liberdade, nossa democracia e nossa Coca-Colaâ€.331 Tal como outros crÃticos, elogiou a qualidade técnica, como a cinematografia, a montagem e música, o que segundo ele nas mãos de Scott leva o espectador do céu ao inferno, mas traz uma crÃtica à polÃtica externa intervencionista dos EUA. Eventualmente, esse é um questionamento que a produção pode causar no espectadores. Para além do deleite estético o que se passa também é que apesar do filme transportar o espectador à batalha, toca em pontos cruciais, que ainda estão frescas no imaginário social, principalmente sobre o terrorismo. Isso tendo em conta que a ação no Afeganistão foi vista como uma espécie de busca de justiça pelo que ocorreu nos EUA. A produção poderia trouxe outro sentido ao evento ou como Bob Graham afirmou: “Em ‘Falcão Negro em Perigo’ o resgate tornou-se o heróico substituto para a vitóriaâ€.332 Essa exaltação do herói coletivo, e não de um protagonista especÃfico ressoou em outros aspectos da produção. Para Elvis Mitchell: “‘Falcão Negro em Perigo’ tem uma aparência visual tão distinta que seu jingoÃsmo torna-se parte da atmosfera. Estabelecer o humor através de meios pictóricos é o talento mais notável do diretor Ridley Scottâ€.333 330 SCHICKEL, Richard. Soldiers on the screen. Time, Nova Iorque, 09 Dez. 2001. DisponÃvel em: <http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,187601-2,00.html>. Acesso em: 03 mar. 2017. 331 HOWE, Desson. “Black Hawk†Down and Dirty. The Washington Post, Washington, 18 Jan. 2002. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp- dyn/content/article/2002/01/18/AR2005033115955.html>. Acesso em: 03 mar. 2017. 332 GRAHAM, Bob. Mission accomplished/â€Black Hawk Down†a brutally effective depiction of Somali battle. San Francisco Chronicle, São Francisco, 18 Jan. 2002. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/movies/article/Mission-accomplished-Black-Hawk-Down-a-2883092.php>. Acesso em: 02 mar. 2017. 333 MITCHELL, Elvis. Mission of mercy goes bad in Africa. The New York Times, Nova Iorque, 28 Dez. 2001. DisponÃvel em: Página 210 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Para ilustrar sua colocação, Mitchell dá o exemplo da falta de caracterização dos combatentes somalis, reduzidos à feras de pele escura, arrastando os soldados de seus helicópteros abatidos. Para o crÃtico, intencional ou não, se trata de uma sequência ofensiva de racismo.334 Além das colocações sobre a atuação dos grupos no filme, Mitchell cita algumas cenas sutis do filme e sua relação com a produções anteriores. Para apresentar alguns pontos óbvios sobre os interesses ocidentais no petróleo, a produção imita algumas cenas do notável filme de guerra de David O. Russell, Três Reis, no qual o contexto não foi sacrificado à polÃtica. Em “Falcão Negro em Perigoâ€, no entanto, a tentativa indireta em fornecer minimamente as circunstâncias é sútil, como faz a manipulação hábil e natural do Sr. Scott das sequências de ação, que fornecem uma excitação visceral inegável.335 Através da crÃtica de Elvis Mitchell, nota-se como determinados temas em alta circundam em muitos filmes, não pelo efetivo propósito do diretor, mas numa forma de dialogar com o presente do espectador, ou seja, seu horizonte de expectativa, como pela referência à s cenas que tratam do interesse no petróleo. O filme Três Reis (Three Kings, 1999) não é citado como inspiração apenas em Falcão Negro em Perigo, mas em outras produções, pela forma como representou o Iraque, ou de modo geral o Oriente Médio. Ademais, vemos a importância da montagem cinematográfica, a forma e o sentido do filme, no qual independentemente do enredo do filme bastam habilidades técnicas para que mensagens sutis e implÃcitas sejam levadas ao público. Tal como outros crÃticos expuseram, o que se aprende com Falcão Negro em Perigo é exatamente a forma como, apesar de não sendo propagandÃstico, mas eficaz na narrativa, o efeito estético assume um posicionamento em favor do apoio ao esforço de guerra – e o interesse no petróleo do Oriente Médio. O filme Fomos Heróis (We Were Soldiers, 2002), também foi bastante elogiado pela crÃtica, chegando a ser citada como sendo um dos melhores filmes de guerra. Stephen Hunter reflete que se o diretor da produção possuÃsse todas as qualidades possÃveis, o resultado não seria tão bom. Abaixo o crÃtico apresenta o resumo da produção: <http://www.nytimes.com/movie/review?res=9903E3D61031F93BA15751C1A9679C8B63>. Acesso em: 04 mar. 2017. 334 MITCHELL, Elvis. Mission of mercy goes bad in Africa. The New York Times, Nova Iorque, 28 Dez. 2001. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/movie/review?res=9903E3D61031F93BA15751C1A9679C8B63>. Acesso em: 04 mar. 2017. 335 Ibid. Página 211 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR A história que ele [Fomos Heróis] conta é relevante e um tanto esquecida, uma boa tática. É um relato da primeira grande batalha da Guerra do Vietnã, que ocorreu entre 14 a 16 de novembro de 1965, no vale de Ia Drang no planalto central, no pé da Montanha Chu Pong. Os combatentes eram o 1º batalhão da 7ª cavalaria, uma unidade-chave do exército, a mais preparada do perÃodo, a 1ª cavalaria aérea, e vários regimentos de uma divisão do Exército Popular do Vietnã. As chances eram de 450 a cerca de 2.000 em favor dos Vietcongs. Depois de três dias dolorosos de combate intenso, grande parte dele mano a mano ou pelo menos cara a cara, a cavalaria ganhou – restando apenas um campo de batalha encharcado de sangue e placas de identificação, e definindo o trágico percurso para os próximos 10 anos de batalhas sangrentas.336 Segundo a exposição de Hunter, assim como Falcão Negro em Perigo, a produção Fomos Heróis trata de mostrar a força e perseverança do exército estadunidense em meio à batalha, com as devidas especificidades de cada. No entanto, Fomos Heróis, conta a história do ponto de vista do protagonista, o tenente-coronel Hal Morre, interpretado por Mel Gibson. As comparações entre Falcão Negro e Fomos Heróis seriam inevitáveis segundo Mike Clark, do USA Today, e isso mesmo que a diferença temporal fosse de vários anos. Mas para o crÃtico, a proximidade com Falcão Negro em Perigo, ainda em cartaz, diminuiu o impacto e captura do público por Fomos Heróis. Clark afirma que ambos os filmes possuem um contexto polÃtico muito vago, e acentua que o filme estrelado por Mel Gibson deu pouca atenção a enorme produção acadêmica sobre o Vietnã – e podemos destacar a fÃlmica também. Mesmo elogiando a forma como o filme trata de questões especÃficas, como as esposas em luto, do respeito com qual a produção trata os inimigos e a qualidade técnica, Clark afirma que depois de O Resgate do Soldado Ryan, lançado em 1998, Hollywood jamais seria a mesma em relação aos filmes de guerra, já que raras vezes um filme muda a percepção do público sobre um tema.337 Jami Bernard do New York Daily News também relaciona os Fomos Heróis a Falcão Negro em Perigo – tais comparações aparecem em praticamente todas as crÃticas pesquisadas –, destacando que o clima patriótico é favorável para a recepção do filme, e, 336 HUNTER, Stephen. “We Were Soldiersâ€: Aiming High but Hitting the Gut. The Washington Post, Washington, D.C., 01 Mar. 2002. DisponÃvel em: <https://www.washingtonpost.com/archive/lifestyle/2002/03/01/we-were-soldiers-aiming-high-but- hitting-the-gut/1bec2cef-5db1-44fa-bd01-6d57c2f4192e/?utm_term=.8ab1dec66f63>. Acesso em: 04 mar. 2017. 337 CLARK, Mike. “We Were Soldiers†shows us brave hearts. USA Today, McLean, 03 Jan. 2002. DisponÃvel em: <http://usatoday30.usatoday.com/life/enter/movies/2002/2002-03-01-we-were- soldiers.htm>. Acesso em: 04 mar. 2017. Página 212 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR ao longo de sua crÃtica, destaca os pontos negativos do filme, como a forma simplista com a qual Fomos Heróis tratou da guerra do Vietnã: [...] a completa ausência de muitas das coisas que associamos a era do Vietnã – o rock n’ roll, a dissidência polÃtica e o surgimento da cultura das drogas. O Vietnã sempre foi problemático para os filmes por causa do cenário polÃtico da época, das perdas humanas e do modo como a guerra progrediu para um desfecho humilhante. Fomos Heróis tenta reformular nossas memórias sob um novo prisma, que ignora a polÃtica e se concentra efetivamente no trabalho em equipe e no heroÃsmo.338 O plano histórico se mostra uma preocupação para crÃticos, como Bernard, capturarem aquele ambiente intenso vivenciado pelos EUA, principalmente ao longo da década de 1960 e inÃcio de 1970, a efervescência do movimento da contracultura, do abuso de drogas e da música pulsante e trocando por um novo vislumbre do perÃodo. Certamente, a Guerra do Vietnã é um tema tabu nos EUA; o cinema levou anos para tratá- lo de forma eficaz e crÃtica, mas o momento, pós-atentados, não é propÃcio de análises históricas do maior fracasso militar dos EUA, mas sim de usar ações bélicas que possam impulsionar o patriotismo. Essa exaltação de Fomos Heróis frente ao campo de batalha e o que ocorre no âmbito doméstico foi exposto por Mick LaSalle, do San Francisco Chronicle: “Fomos Heróis†é um dos melhores filmes de guerra dos últimos 20 anos. “O Resgate do Soldado Ryan†pode ter sido mais intenso ao apresentar a ferocidade do combate, e “Atrás das Linhas Inimigas†permanece inigualável na forma como retratou a experiência emocional e psicológica da guerra. Mas “Fomos Heróis†faz bem ambas as coisas, enquanto persegue um quadro maior, abordando o campo de batalha e a terra natal, a experiência de homens na linha de frente e as mulheres que vivem em pavor de um telegrama.339 As comparações entre os diferentes filmes de guerra foram bastante recorrentes, por exemplo o filme Fomos Heróis. Além de ser colocado ao lado dos recentes filmes de guerra, também foi comparado a produções anteriores, a exemplo do premiado filme dirigido por Steven Spielberg. Essas constantes referências pelos crÃticos, aos filmes de 338 BERNARD, Jami. When our boys were bravehearts. New York Daily News, Nova Iorque, 01 Mar. 2002. DisponÃvel em: <http://www.nydailynews.com/archives/nydn-features/boys-bravehearts-article- 1.484335>. Acesso em: 04 mar. 2017. 339 LASALLE, Mick. They were heroes / “We Were Soldiers†shows the full horror of Vietnam and the full humanity of those who fought it. San Francisco Chronicle, São Francisco, 01 Mar. 2002. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/movies/article/They-were-heroes-We-Were-Soldiers-shows- the-2868519.php>. Acesso em: 04 mar. 2017. Página 213 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR guerra, nos dizem muito sobre o perÃodo pós-ataques, no crescente patriotismo inflamado em Hollywood, com apoio da Casa Branca. Nota-se que buscou-se retornar um lugar comum, de experiências históricas e fÃlmicas para identificação do público, mas distanciando-se de pontos complexos, apenas fazendo uso de referências “apropriadas†ao momento. De tal modo, diferentemente de seu concorrente Falcão Negro em Perigo, o filme estrelado por Mel Gibson optou por uma linha mais clássica, a ponto de parecer uma produção sobre o Vietnã, com inspiração na Segunda Guerra Mundial. Em “Field of Fireâ€, Michael Wilmington, do Chicago Tribune, expõe alguns dos clichês utilizados por Fomos Heróis: No seu melhor é um filme de grande dedicação, mas com menos estilo: um velho filme de guerra cheio de inspiração e reverência por esses heróis presos em sua nova e terrÃvel guerra. Devido a isso, “Fomos Heróis†tem tudo para conquistar mais o público do que a recente e caótica história de guerra somaliana “Falcão Negro em Perigoâ€. O diretor e roteirista Wallace tem um viés menos artÃstico do que o filme de Ridley Scott; ele é mais convencional em sua narrativa, menos audacioso e genial visualmente. Mas “Fomos Heróis†é do tipo que o público de cinema tende a gostar mais. No fundo, é um filme de guerra tradicional, com um enredo direto, de fácil compreensão, um herói tradicional, calorosamente simpático (Gibson como o tenente-coronel Harold G. Moore) e até mesmo uma heroÃna tradicional, a esposa inabalável de Moore, Julie (Madeleine Stowe). O que falta é um vilão tradicional. Como o livro original de 1992, baseado na vida de Moore e Joseph L. Galloway, o filme se recusa a demonizar os vietnamitas do Norte, escolhendo prestar uma homenagem a eles.340 A falta de profundidade no tratamento da Guerra do Vietnã e a construção narrativa com forte inspiração na Segunda Guerra Mundial, baseado principalmente no modelo de filmes do anos de 1940,341 como destacou em outro trecho de sua crÃtica, se configura numa forma de se aproximar do público com modelos consagrados, sobre temas delicados, e que seguindo essa equação podem surtir o efeito estético desejado. E se torna interessante que se pode notar o posicionamento de Wilmington ao falar que a produção “se recusa a demonizar os vietnamitas do norteâ€, ou seja, os comunistas. Um posicionamento bastante nacionalista e conservador, que pode facilmente ser associado no momento do filme com a busca denovos inimigos da nação, os terroristas. 340 WILMINGTON, Michael. Field of Fire. Chicago Tribune, Chicago, 01 Mar. 2002. DisponÃvel em: <http://articles.chicagotribune.com/2002-03-01/entertainment/0203010399_1_joseph-l-galloway- harold-g-moore-soldiers>. Acesso em: 04 mar. 2017. 341 Ibid. Página 214 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Kenneth Turan expõe que o sentimentalismo do filme chega a ser frustrante em contraponto à s impressionantes sequências de combate, uma combinação que, segundo ele, pode ter criado um efeito diverso do que foi pretendido pelos cineastas, como destaca no subtÃtulo de sua crÃtica: “‘Fomos Heróis’ pretende homenagear o heroÃsmo militar, mas entrega uma forte mensagem antiguerraâ€.342 A mensagem do filme segundo o crÃtico é exaltar o patriotismo e completa: “Este é um filme onde os homens a beira da morte dizem: ‘Diga a minha esposa que eu a amo’ e ‘Estou feliz por poder morrer pelo meu paÃs’. A ironia pode não estar morta ao redor do paÃs, mas aqui certamente estáâ€.343 Turan destaca que: “Fomos Heróis†é o primeiro filme sobre a Guerra do Vietnã com amnésia. [...] É o primeiro filme a fingir que a profunda reflexão nacional que a guerra causou – para não mencionar os filmes carregados de conflitos de “O Franco Atirador†[1978] e “Apocalypse Now†[1979] passando de “Platoon†a “Nascido em 04 de Julho†que o inspirou – simplesmente nunca aconteceu.344 Turan ressalta que a questão de a batalha ter acontecido antes do conflito se torna de interesse nacional, livra o filme de tratar da motivação que levou a guerra – Stephen Hunter também havia mencionado que tal escolha foi uma boa tática.345 Sobretudo, nota- se, com a exposição de Turan, a preocupação com o efeito estético da obra, na mensagem que pretendeu e a que acabará chegando ao espectador, não apenas pela contradição entre patriotismo e mensagem antiguerra, do jingoÃsmo exacerbado do filme e dos soldados morrendo pelo seu paÃs, mas pela falta da fundamentação mais apropriada, que conduziu à guerra, que motivou a guerra do Vietnã, de certo modo sobre esse “revisionismo†do filme. O horizonte de expectativas para o espectador seria o modelo narrativo dos filmes da Segunda Guerra Mundial, e não os filmes crÃticos sobre o Vietnã. Isso também foi destacado por David Denby, do The New Yorker, que escreveu: 342 TURAN, Kenneth. Battle Saga at War With Itself. Los Angeles Times, Los Angeles, 01 Mar. 2002. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2002/mar/01/entertainment/et-turan1>. Acesso em: 04 mar. 2017. 343 Ibid. 344 Ibid. 345 HUNTER, Stephen. “We Were Soldiersâ€: Aiming High but Hitting the Gut. The Washington Post, Washington, D.C., 01 Mar. 2002. DisponÃvel em: <https://www.washingtonpost.com/archive/lifestyle/2002/03/01/we-were-soldiers-aiming-high-but- hitting-the-gut/1bec2cef-5db1-44fa-bd01-6d57c2f4192e/?utm_term=.8ab1dec66f63>. Acesso em: 04 mar. 2017. Página 215 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Basicamente, “Fomos Heróis†assimila o Vietnã na Segunda Guerra Mundial; recapitula muitos dos filmes produzidos nos anos quarenta e cinquenta que retrataram os americanos como pessoas boas lutando por uma causa justa. Só que desta vez ninguém diz qual é a causa. Comunismo não foi mencionado. Nem a China ou a Rússia, e não há nenhum sinal de seu questionável aliado, os vietnamitas do sul. “Estou feliz por poder morrer pelo meu paÃsâ€, exclama um jovem soldado, cuja face fica mais pálida à medida que sua vida se esvai. Essa frase duvidosa indica no que “Fomos Heróis†acredita – morrer como um americano e fazer um discurso sobre isso.346 Denby ainda destacou em outro trecho de sua crÃtica, que mesmo sendo eficaz como um filme revisionista, dentre tantos outros, não levou em conta a importância da filmografia dos anos de 1970 e 1980, que capturou o impacto do conflito e assumiu o ônus da culpa pelo paÃs, e cita as produções: O Franco Atirador (The Deer Hunter, 1978), Apocalypse Now (1979), Platoon (1986) e Nascido Para Matar (Full Metal Jacket, 1987).347 Para o crÃtico, ao invés de exaltar a forma como tais filmes expuseram e assumiram a culpa no conflito, Fomos Heróis preferiu deixar o lado trágico e sombrio da guerra em favor de exaltar seu herói. Bem como tratou de trazer um final menos impactante no peso histórico da batalha, que tratou, mesmo que fora dos holofotes dos grandes embates, Fomos Heróis em sua respeitosa homenagem aos Vietcongs – esse aspecto, foi compreendido por Kenneth Turan como uma mensagem contraditória do filme para o espectador. Outra produção que se destacou no esforço de guerra foi Códigos de Guerra (Windtalkers, 2002). O crÃtico Michael Wilmington afirmou que Woo poderia ser chamado de “poeta da violênciaâ€, mas destacou que: “Essa violência extrema e incessante [em Códigos de Guerra] irá repelir alguns espectadores – especialmente aqueles que se sentiram incomodados em filmes como ‘Falcão Negro em Perigo’ ou ‘O Resgate do Soldado Ryan’â€.348 O crÃtico trata Códigos de Guerra como um filme antirracista e liberal, que supera em sentimento e bravura, quiçá em pânico e suspense, sendo a melhor produção desde Falcão Negro em Perigo, mas que, sobretudo, não irá agradar a todos.349 346 DENBY, David. Good Guys. The New Yorker, Nova Iorque, 11 Mar. 2002. DisponÃvel em: <http://www.newyorker.com/magazine/2002/03/11/good-guys>. Acesso em: 04 mar. 2017. 347 Ibid. 348 WILMINGTON, Michael. Woo delivers battle action in “Windtalkersâ€. Chicago Tribune, Chicago, 14 Jun. 2002. DisponÃvel em: <http://articles.chicagotribune.com/2002-06- 14/entertainment/0206140384_1_navajo-joe-batteer-smoke-signals/2>. Acesso em: 05 mar. 2017. 349 Ibid. Página 216 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Para o The A. V. Club, Keith Phipps escreveu: Códigos de Guerra não é exceção, mas é um tipo diferente de filme. Sua ação é mais angustiante do que emocionante, e aqui o mal tem menos a ver com vilania absoluta do que com as circunstâncias da guerra. O roteiro, de John Rice e Joe Batteer, tem sua cota de clichês de filmes de guerra, mas Woo, como sempre, sabe como transformar velho material em algo novo. A visão de soldados atirando em inimigos com metralhadoras é herança de incontáveis filmes de guerra, mas raramente se parece tanto com uma tortura. Bem adaptados com o material e entre si, [Nicolas] Cage e [Adam] Beach capturam a verdadeira luta de Códigos de Guerra, de manter valores como honra, amizade e ternura em um ambiente que exige o contrário. Esta é uma marca de Woo, assim como o tiroteio cuidadosamente orquestrado, e isso é o que o torna um importante diretor.350 Neste trecho, Phipps apresenta seu comentário de forma a mostrar os aspectos narrativos do filme ao espectador, sua aproximação com “incontáveis†filmes que mostram cenas semelhantes como as presentes no filme, mas acentua a habilidade do diretor John Woo em extrair desses clichês outras sensações para o espectador, utilizando o horizonte de expectativas e buscando um novo efeito estético a partir de sua habilidade com cenas violentas. Mike Clark escreveu que Códigos de Guerra não é o único filme a tratar do envolvimento das minorias na Segunda Guerra Mundial, e destaca dois exemplos: Todos São Valentes (Go For Brokes, 1951) e Prova de Fogo (Tuskegee Airmen, 1995);351; o primeiro trata de um regimento formado por voluntários japoneses e estadunidenses em batalhas na França e Itália; e o segundo sobre o primeiro esquadrão de pilotos negros da força aérea dos EUA. Esse apontamento se torna evidente pelos vários apontamentos da crÃtica especializada, que apontou muitas referências fÃlmicas, principalmente dos clichês do chamado clássico cinema de guerra, e seu efeito sob outras produções ao longo das décadas seguintes. Elvis Mitchell, do The New York Times, destacou que o diretor John Woo influenciou inclusive filmes de guerra recentes, como Falcão Negro em Perigo e Fomos Heróis, mas que de certa maneira parece um imitador de seu próprio estilo, a extrema 350 PHIPPS, Keith. Windtalkers. The A. V. Club, Chicago, 17 Jun. 2002. DisponÃvel em: <http://www.avclub.com/review/windtalkers-17297>. Acesso em: 05 mar. 2017. 351 CLARK, Mike. ‘Windtalkers’ intersperses action with contemplation. USA Today, McLean, 14 Jun. 2002. DisponÃvel em: <http://usatoday30.usatoday.com/life/enter/movies/2002/2002-06-14- windtalkers.htm>. Acesso em: 05 mar. 2017. Página 217 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR violência.352 Mas apesar de mostrar as qualidades de Woo, Mitchell ressalta que: “Dado o patriotismo dos últimos filmes de guerra, é desanimador ver ‘Códigos de Guerra’ evitar fatos pertinentes como o racismo e a lealdade e em torná-las relevantes para o presente.â€353 Para o crÃtico, parte dessa desconsideração se relaciona a ordem dada aos fuzileiros, para matar os navajo para proteger a criptografia. Ao evidenciar o sentimentalismo, o filme desconsiderou que na Segunda Guerra Mundial os nativos americanos eram proibidos de participarem da linha de frente das tropas. Mitchell questiona: “Como você [navajo] prova que é um patriota se é tratado como um cidadão de segunda classe?â€.354 Esse ponto é realmente uma consideração importante, mas, frente ao crescente patriotismo, destaca-se que uma representação é um campo de disputa, e, num momento de esforço para a guerra, um exemplo de cooperação e efetivo sucesso soa mais eficaz. Segundo crÃtico da The Village Voice, John Hoberman: Desde a enxurrada de filmes sobre o Vietnã no final dos anos 80 o filme de guerra não foi tão viável ou tão aparente. E desde a estilização patriótica da guerra na era Reagan, com Rambo e Top Gun, não se via o alto escalão tão satisfeito. O vice-presidente Dick Cheney fez uma pausa de seu refúgio secreto, para se juntar ao secretário de defesa Donald Rumsfeld na festa da première de Falcão Negro em Perigo, em Washington, o primeiro filme para o qual (graças à intervenção pessoal de Rumsfeld) as tropas dos EUA foram enviadas a outro paÃs para ajudar na sua produção. Fomos Heróis e A Soma de Todos os Medos foram igualmente tratados como arte oficial. Fomos Heróis foi pré- visualizado por George W. Bush, Rumsfeld, Condoleezza Rice, Karl Rove, e vários militares vips em uma exibição na Casa Branca que foi amplamente divulgada (um assessor resumiu a avaliação do filme pelo presidente como “violentoâ€, mas “bomâ€). A Soma de Todos os Medos teve sua estréia mundial em Washington, DC, a Paramount teve o cuidado de divulgar para a mÃdia que os produtores desfrutaram de considerável, e sem precedente, acesso a CIA e o suporte do Pentágono.355 Contudo, houve filmes que contrastavam com esse esforço de guerra. Algumas com produção anterior ao 11 de Setembro, sendo até crÃticas aos exércitos e à guerra. Este 352 MITCHELL, Elvis. Of Duty, Friendship and a Navajo Dilemma. The New York Times, Nova Iorque, 14 Jun. 2002. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/2002/06/14/movies/film-review-of-duty- friendship-and-a-navajo-dilemma.html>. Acesso em: 05 mar. 2017. 353 Ibid. 354 Ibid. 355 HOBERMAN, John. Art of War. The Village Voice, Nova Iorque, 18 Jun. 2002. DisponÃvel em: <http://www.villagevoice.com/news/the-art-of-war-6413317>. Acesso em: 20 nov. 2017. Página 218 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR é o caso de Guerreiros Bufallo (Buffalo Soldier’s, 2002). Edward Guthman do San Francisco Chronicle assume uma postura favorável a Guerreiros Buffalo; ao longo da sua crÃtica defende a produção e se mostra surpreso com o seu lançamento, tendo em conta as intempéries que assolaram o lançamento do filme: Dado o clima polÃtico atual, quando a ação militar dos EUA no Iraque dividiu o paÃs e drenou o apoio do presidente Bush, é incrÃvel que “Guerreiros Buffaloâ€, com sua mensagem sobre corrupção e incompetência militar, seja liberado. Ao contrário de “Catch 22â€ Ì [Ardil 22, 1970] ou “M.A.S.H.†[filme de 1970 e série de TV 1970/1983], que saiu em 1970, quando o sentimento público contra a Guerra do Vietnã estava no limite, “Guerreiros Buffalo†chega quando os atos de dissenso são rapidamente estigmatizados como antipatrióticos. Dito isto, eu espero que as pessoas não assistam “Guerreiros Buffalo†por razões polÃticas ou pela controvérsia que pode despertar. Em última análise, é um filme frio e sarcástico que não tem um ponto de vista forte, mas parece oferecer as suas inúmeras sequências – um tanque fugitivo, explosões gratuitas – para puro prazer.356 Praticamente, todas as crÃticas analisadas sobre Guerreiros Buffalo trataram do longo atraso de seu lançamento nos EUA. A produção estreou no Toronto Film Festival no dia 08 de setembro de 2001, e, antes de estrear nos EUA, a Miramax recolheu o filme, que havia comprado no dia 10 de setembro.357 Então houve uma investida contra o Afeganistão e, em março de 2003, a invasão do Iraque. O que Edward Guthman de certo modo sugere é que a produção foi feita e lançada na hora errada. Mesmo depois de anos, o contexto não era favorável, sendo que o argumento do filme se refire a outra época, a outros soldados, ao teor altamente antipatriótico e, então, não seria aceito, seja pelos cidadãos desfavoráveis à caça de Bush, à s armas nucleares de Saddan Hussein, sejam por aqueles que o apoiavam. O significado atribuÃdo a uma obra, filme, não é estático e se modifica de acordo com o processo histórico. Neste caso, um ano e meio após seu lançamento, apesar de ainda ser considerado por muitos crÃticos como antipatriótico, houve algumas ressalvas, o que indica uma mudança no horizonte de expectativas para os filmes patrióticos. Sobretudo, não há apenas um exemplo de filme que foi 356 GUTHMAN, Edward. Mordant swipe at U.S. military / Supply clerk runs scams in “Buffalo Soldiersâ€. San Francisco Chronicle, São Francisco, 08 Ago. 2003. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/movies/article/Mordant-swipe-at-U-S-military-Supply-clerk-2597066.php>. Acesso em: 06 mar. 2017. 357 LAINE, Anthony. Brothers and Sisters. The New Yorker, Nova Iorque, 11 Ago. 2003. DisponÃvel em: <http://www.newyorker.com/magazine/2003/08/11/brothers-and-sisters-2>. Acesso em: 06 mar. 2017. Página 219 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR desqualificado pela nova onda de produções a desenhar o esforço dos soldados no campo de guerra. Outro exemplo de dissonância ao tom jingoÃsta do perÃodo foi O Americano Quieto (The Quiet American, 2002). Destaca-se que o diretor Philip Noyce recusou a direção de A Soma de Todos os Medos (The Sum of All Fears, 2002),358 lançada no mês de junho, para dirigir O Americano Quieto. O diretor talvez rejeitou o convite pelo teor blockbuster que os produtores queriam, já que seu enredo mostrava uma conspiração para dar inÃcio à Terceira Guerra Mundial. O filme escolhido por Noyce possui uma linha mais dramática e ele teve mais espaço para transpor para a tela a sua concepção do enredo. Houve, portanto, a opção pela liberdade artÃstica. Pode-se observar isso na crÃtica de Michael Wilmington, do Chicago Tribune: Profundamente inteligente, visualmente suntuoso e repleto de ironias polÃticas e históricas, “O Americano Quieto†é um filme que pode ser muito sútil e intelectualmente presunçoso. Você só pode esperar que o público vá por conta própria assisti-lo, e que não serão dissuadidos pela crÃtica severa ao filme, sobre a polÃtica externa americana no Vietnã, uma postura que pode explicar porque a Miramax o deixou na prateleira após o 11/09.359 Willmington segue, ao longo de seu comentário sobre o filme, uma linha favorável à produção, elogiando a atuação de Michael Caine (Thomas Fowler), um britânico conservador, que possui um relacionamento amoroso com uma jovem vietnamita, que é abalado com a chegada de Alden Pyle (Brendan Fraser), um agente disfarçado do governo dos EUA. Sua crÃtica não é a única que faz um apelo ao filme. Roger Ebert, do Chicago Sun-Times, também exaltou o brilhantismo e exclamou: “Seria lamentável se as pessoas fossem ver o filme, ou ficassem longe, em virtude de suas crenças polÃticasâ€.360 Ebert, apela para o lado artÃstico, como as atuações, voltando-se para além do lado polÃtico. Todos os crÃticos citados, que comentaram O Americano Quieto, enfatizaram o triângulo amoro e a atuação dos atores, principalmente de Michael Caine, mas não deram 358 WILMINGTON, Michael. Greene’s novel of dark intrigue soars with Caine. Chicago Tribune, Chicago, 07 Fev. 2002. DisponÃvel em: <http://articles.chicagotribune.com/2003-02- 07/entertainment/0302070373_1_quiet-american-thi-hai-yen-alden-pyle/2>. Acesso em: 06 mar. 2017. 359 Ibid. 360 EBERT, Roger. The Quiet American. Chicago Sun-Times, Chicago, 07 Fev. 2003. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/the-quiet-american-2003>. Acesso em: 06 mar. 2017. Página 220 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR atenção ao aspecto polÃtico, a não ser que o contexto não era adequado, devido ao clima patriótico. Stephen Holden seguiu a mesma linha dos crÃticos, mas expôs que este era o efetivo objetivo do filme, que o diretor voltou-se para o lado artÃstico em busca de seguir o ambiente proposto pelo livro: “Em último ponto, o filme está mais interessado no relacionamento dos personagens do que em sua polÃtica, e faz um excelente trabalho evocando o clima psicológico de Graham Greene em que a verdade de qualquer situação pode estar oculta e cheia de ambiguidadesâ€.361 Mesmo com essa exaltação do lado artÃstico da produção, o clima antiamericano entrevisto pelas distribuidoras minou a recepção do longa-metragem. Com o passar do tempo, após essas primeiras representações hollywoodianas de conflitos anteriores, nos pós-11 de Setembro, a quantidade de produções que abordam a Guerra ao Terror, principalmente sobre o Iraque, aumentaram em grande proporção, aos menos 40 produções que circundam a temática, a favor ou contra. Isso ficou bastante evidente nos apontamentos da crÃtica cinematográfica, entre os anos de 2006 a 2008. Mas esse movimento começou a partir de 2004. Um exemplo desse movimento da impopularidade da guerra ao terrorismo de W. Bush foi Fahrenheit 11/9 (Fahrenheit 9/11, 2004), certamente com intenções claras, já que foi lançado em meio à campanha de reeleição. O crÃtico Desson Thomson, do Washington Post, faz uma reflexão sobre a abordagem e os objetivos de Michael Moore: Documentários não são artigos jornalÃsticos, são pontos de vista subjetivos, e é por isso que Moore se diverte tanto as custas do presidente (o procurador-geral John Ashcroft também recebe a sua cota de ridicularização). “Fahrenheit 11 de Setembro†obviamente distorce os fatos a seu favor, mas é disso que se trata o jogo. O que conta é o poder emocional de persuasão de Moore. Com uma combinação de eventos e fatos que já conhecemos, e outros que não, Moore mistura tudo. Você compreende o fio condutor do argumento, mesmo que você discorde. [...] Se houvesse qualquer filme que pudesse afetar o meio polÃtico – à queles raros americanos que chegam à eleição presidencial sem uma opinião formada – seria este. Há cenas surpreendentes da invasão americana ao Iraque, que incluem o terror visceral em uma casa em Bagdá, invadida por jovens soldados americanos em busca de um prisioneiro; e o testemunho sincero das tropas norte-americanas expressando seu descontentamento com a situação. Talvez a mais convincente de todas é a reviravolta dramática vivida por Lila Lipscomb, uma mãe de Michigan que muda de seu apoio patriótico a administração Bush para um inconsolável desespero depois de perder 361 HOLDEN, Stephen. A Jaded Affair in a Vietnam Already at War. The New York Times, Nova Iorque, 22 Nov. 2002. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/movie/review?res=9A06EFDE1539F931A15752C1A9649C8B63>. Acesso em: 07 mar. 2017. Página 221 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR seu filho na guerra. Em um dos momentos mais impressionantes do filme, Lipscomb encontra-se diante de uma mulher iraquiana que está sentada diante de cartazes protestando contra a guerra, na Lafayette Square, em frente à Casa Branca. Duas pessoas em lados opostos, de repente se encontram pelo mesmo interesse. Momentos como este marcam “Fahrenheit†com o potencial de um rolo compressor cultural – um filme para este momento preocupante.362 Esta crÃtica apresenta detalhes pertinentes do perÃodo, como por exemplo ao expor que Michael Moore pode ajudar na decisão de alguns indecisos sobre Bush. Dessa forma, vê-se também um sinal de que a popularidade do referido presidente não estava no seu auge, já que os questionamentos e a fragilidade dos argumentos de sua administração eram inúmeros. Thomson segue uma linha que começou a surgir meses após aparecerem os primeiros documentários em respostas aos resultados da invasão ao Iraque, no qual mesmo não concordando com a linha narrativa e/ou estilo do diretor/produção, reconhece pontos especÃficos, principalmente a respeito dos argumentos da Casa Branca no movimento para a invasão do Iraque em março de 2003. Anthony O. Scott, em seu artigo “Unruly Scorn Leaves Room For Restraint, But Not a Lotâ€, também ressalta o humor e o posicionamento polÃtico contundente de Michael Moore em Fahrenheit, bem como faz ponderações sobre alguns tópicos polÃticos abordados por Moore, que poderiam não ser do conhecimento de muitos espectadores e que foram utilizados no enredo para levantar alguns questionamentos para o cidadão comum, principalmente em relação aos efeitos dos atentados de 11 de Setembro. Segundo Scott: Misturando uma sóbria indignação com humor rebelde e despreocupadamente, rompendo a fronteira entre documentário e demagogia, o Sr. Moore mira na administração Bush, cujo mandato se destacou, em sua opinião, pela incomparável e absoluta arrogância, hipocrisia e incompetência. [...] Depois de sair do cinema, algumas questões provavelmente parecerão confusas acerca do posicionamento de Moore sobre a guerra no Afeganistão, se ele considera que o programa de segurança interna tem sido exageradamente intrusivo ou não, e na sua opinião sobre como o governo deveria ter respondido aos assassinos jihadistas que atacaram os Estados Unidos em 11 de setembro. Ao mesmo tempo, porém, pode ser que as confusões que arrastam a narrativa do Sr. Moore são o que fazem “Fahrenheit 11 de Setembro†um documento autêntico e indispensável de seu tempo. O filme pode ser visto como um esforço para trazer luz ao choque, a raiva 362 THOMSON, Desson. On Screen ‘Fahrenheit 9/11’ Turns Up the Heat. The Washington Post, Washington, D.C., 25 de Jun, 2004. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp- dyn/articles/A2290-2004Jun24.html> Acesso em: 06 out. 2015. Página 222 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR e ao desespero, mas se partes dele parecem não dar o devido respeito, serem exageradas ou apenas confusas, bem, este é o espÃrito nacional.363 Assim como outros crÃticos, Anthony Scott vê o estilo de Moore como uma marca registrada que este utiliza para levar informações aos espectadores, tanto que no inÃcio de sua resenha sobre Fahrenheit 11 de Setembro discute sobre o tradicional respeito dos cidadãos para com o presidente dos EUA, mas que apesar do estilo, grosso modo, desrespeitoso de Moore, seu filme deve ser assistido como um verdadeiro exercÃcio de expressão democrática.364 Ademais mostra outro aspecto nebuloso que é o tratamento tanto da filmografia quanto dos crÃticos frente ao Afeganistão, que muitas vezes parece ser auto justificado. Por conta dos eventos de 11 de setembro de 2001, os questionamentos imperam apenas sobre as ações no Iraque a partir de 2003. Michael Wilmington, do Chicago Tribune, escreveu uma longa crÃtica sobre Fahrenheit, elogiando a postura de Moore e elencando diversos pontos da produção, principalmente no que diz respeito à s crÃticas sobre as polÃticas antiterroristas, enfatizando os principais elementos da perspectiva de Moore sobre a Guerra no Iraque, desde as motivações e, claro, suas consequências. Entre os filmes que todos devem ver este ano – independentemente de seu gosto fÃlmico ou sua inclinação polÃtica – o excitante documentário de Michael Moore, “Fahrenheit 11 de Setembroâ€, encabeça a lista. “Fahrenheit†pode provocar prazer ou dividir seu público, mas ninguém vai reagir com indiferença a este aspecto chocante, triste e engraçado do tratamento dado pela administração Bush ao terrorismo e a guerra no Iraque. [...] Então Moore implacavelmente apresenta sua própria visão sobre o Iraque, um conflito que em sua perspectiva nasceu do medo, decepção e confusão e resultou em sangue, morte e lágrimas, diminuindo o sonho americano que afirmava defender. Moore questiona enfaticamente as premissas, objetivos e a “venda†da guerra, a sua relevância para 11/09 e, acima de tudo, os seus temÃveis custos, tanto em recursos nacionais como em vidas humanas. O filme não é objetivo, mas porque não pretende ser.365 363 SCOTT, Anthony Oliver. Unruly Scorn Leaves Room For Restraint, But Not a Lot. The New York Times, Nova Iorque, 23 Jun. 2004. DisponÃvel: <http://www.nytimes.com/2004/06/23/movies/film- review-unruly-scorn-leaves-room-for-restraint-but-not-a-lot.html>. Acesso em: 06 ago. 2015. 364 Ibid. 365 WILMINGTON, Michael. Ambush!. Chicago Tribune, Chicago, 25 Jun. 2004. DisponÃvel em: <http://articles.chicagotribune.com/2004-06-25/entertainment/0406250385_1_michael-moore- fahrenheit-white-house>. Acesso em: 06 ago. 2015. Página 223 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Nesta crÃtica novamente não se vê uma referência ao Afeganistão, mas apenas ao Iraque e de modo geral à polÃtica antiterrorista; acentua-se o foco de Michael Moore apenas em Bush, em pontos que pode crÃticá-lo. Ademais, a exaltação do documentário de Michael Moore como um filme que vai impactar o público, principalmente os indecisos, bem como deixar os apoiadores de Bush é presente em grande parte das crÃticas. Fahrenheit 11 de Setembro soube captar o movimento polÃtico, mas não o processo histórico, que estava emergindo contra o governo de Bush, e isso feito a partir do estilo narrativo de Michael Moore e seu humor escrachado que foi elogiado pela crÃtica, no qual mistura elementos constrangedores com situações trágicas, sem desconsiderar o valor dos questionamentos e eventos que são expostos na tela. Um exemplo emblemático da relação tragicômica da narrativa de Moore foi comentada por Roger Ebert, em que Bush está em uma escola na Flórida.366 Embora a narração de Moore alterne da indignação ao sarcasmo, a passagem mais devastadora do filme fala por si. Quando Bush, que estava lendo “Minha cabra de estimação†para crianças numa sala de aula na Flórida, é notificado do segundo ataque ao World Trade Center e permanece com as crianças por quase sete minutos, antes de finalmente sair do local. Sua paralisia inexplicável não foi citada em notÃcias da época, e só Moore pensou em contatar o professor da classe – que, como se viu, tinha feito seu próprio vÃdeo da visita. De fato, a expressão no rosto de Bush enquanto estava sentado é estranha. [...] É clássico de Moore, por exemplo, quando ele e traz um fuzileiro naval, que se recusou a retornar ao Iraque, e juntos eles confrontam parlamentares, pedindo para que alistem seus filhos no serviço militar. E ele faz bom uso da metragem espontânea incluindo um estranho vÃdeo que mostra Bush praticando expressões faciais antes de discursas ao vivo à nação sobre o 11/09.367 Ebert ressalta que Fahrenheit se trata de desconstruir a figura de Bush, em detrimento dos esforços da Casa Branca, mostrando a incapacidade deste presidente em comandar a nação. O crÃtico ressaltou que Moore é uma das mais importantes figuras do cenário polÃtico e o elogia por apresentar uma alternativa para os incansáveis bordões dos discursos de Bush.368 O que se observa é que uma das principais caracterÃsticas de Michael Moore, como no caso de Fahrenheit, é a forma como trabalha com temas que são de conhecimento do espectador, dando novos contornos, bem como trazendo outros 366 Essa mesma cena foi comentada por Ebert anos depois em sua crÃtica sobre Voo Unite4d 93 (2006). 367 EBERT, Robert. Fahrenheit 9/11. Chicago Sun-Times, Chicago, 24 Jun. 2004. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/fahrenheit-911-2004>. Acesso em: 06 ago. 2015. 368 Ibid. Página 224 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR que foram jogados para debaixo do tapete, ou seja, na forma como se aproxima do espectador. De modo geral não vai além, apenas faz uso daquilo que pode contribuir com seu argumento contra Bush. Muitos crÃticos exaltaram a habilidade de Moore em brincar com informações que são de conhecimentos de grande parte dos espectadores, como questões sérias que cercam o contexto histórico para questionar a administração de Bush. Mesmo com a forma descontraÃda de Fahrenheit em apresentar a ação dos EUA, o documentário é uma das primeiras produções a referenciar a Guerra ao Terror – mesmo que tratando apenas da guerra no Iraque –, diretamente com os ataques terroristas de 11 de setembro, no âmbito explicitamente polÃtico. Nota-se a força que o 11 de Setembro ganhou ao longo dos anos, sendo considerado o estopim para as ações de Bush na polÃtica externa, pois não à toa, Moore partiu do referido acontecimento para construir sua crÃtica. Kenneth Turan exaltou a abordagem de Fahrenheit frente aos acontecimentos do perÃodo: Este filme não é sobre a relação da famÃlia Bush com a Arábia Saudita, os excessos do Ato Patriótico ou as armadilhas da invasão do Iraque, embora discuta estes temas. Em vez disso, temos uma história alternativa em pleno desenvolvimento sobre os últimos três anos ou mais. Moore apresenta um argumento persuasivo e implacável de que existe outra maneira de olhar para as coisas além da versão que nos é dada.369 Turan trouxe um aspecto pertinente à s mudanças legislativas, tal como o Ato Patriótico, e também ao que se refere a construção dos argumentos pela Casa Branca. O crÃtico expõe que mesmo tratando de temas pontuais que estão em voga, não se trata propriamente destes especificamente, mas da forma como as pontas soltas são conectadas para os cidadãos. Há uma referência sútil ao 11 de Setembro, “três anos ou maisâ€, e um questionamento sobre qual a relação que se dá entre os atentados e a guerra do Iraque. A guerra do Afeganistão poucas vezes entra nessa equação, muitas vezes implicitamente tida como um ato de defesa, mas a partir das declarações iniciais ao Iraque, em setembro de 2002 de Bush na ONU, movimentos antiguerra começaram a emergir nos EUA e em vários paÃses. Em 15 de fevereiro de 2003, cinco meses após as acusações iniciais de George W. Bush na convenção da ONU em 12 de setembro de 2002 contra o Iraque, houve o que 369 TURAN, Kenneth. Ho holds barred. Los Angeles Times, Los Angeles, 23 Jun. 2004. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2004/jun/23/entertainment/et-turan23>. Acesso em: 06 ago. 2015. Página 225 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR foi considerado o maior protesto global antiguerra. Menos de um mês antes da invasão ao Iraque, um claro indÃcio da crescente falta de popularidade de Bush nos EUA. O referido protesto, além da repercussão na mÃdia internacional, foi cenário do videoclipe da música Boom! da banda System of a Down, com diversas imagens dos manifestantes, incluindo os integrantes da banda, e foi dirigido por Michael Moore. O videoclipe é um dos indÃcios de que Moore estava familiarizado com o clima e a movimentação popular e artÃstica frente a eventual intervenção no Iraque, em vista do conteúdo da música e do clipe, claramente contrários à guerra do Iraque e à s figuras como George W. Bush, Tony Blair, Saddan Hussein e Osama Bin Laden, na qual também questionam os valores gastos na produção de bombas. Em suma, grande parte dos crÃticos de Fahrenheit, mesmo classificando-o enquanto politicamente incorreto e questionando a veracidade de algumas acusações, apresentam que lado a lado ao humor e a forma tendenciosa de seus argumentos, o documentário de Michael Moore conduz o espectador a refletir sobre assuntos delicados, independentemente de sua posição polÃtica. Ou seja, muitos espectadores assistiram Fahrenheit esperando as montagens humorÃsticas, com situações constrangedoras de Moore. Dois meses após a produção de Michael Moore, foi lançado o filme Sob o DomÃnio do Mal que trata de uma remake de produção homônima de 1962, baseado no livro de Richard Condon, cujo enredo mostra uma conspiração polÃtica, bem como soldados submetidos a uma lavagem cerebral durante a Guerra da Coréia; apenas uma alegoria para a paranoia durante a Guerra Fria. O remake de 2004, dirigido por Jonathan Demme, trata da Guerra do Golfo, mas, tal como o filme original, discute o contexto polÃtico de seu ano de produção e neste caso com o adicional de ser lançado no ano eleitoral nos EUA. Kenneth Turan do Los Angeles Times, construiu uma abordagem favorável ao longa-metragem, segundo o crÃtico: A relevância polÃtica do filme é estranha porque se trata de um remake. O original de 1962 – dirigido por John Frankenheimer e escrito por George Axelrod do romance de Richard Condon – foi protagonizado por Frank Sinatra, Laurence Harvey e Angela Lansbury em um dos filmes mais inquietantes da década. A nova versão foi inteligentemente bem escrita por Daniel Pyne e Dean Georgaris, trabalhando a partir do material original. Baseou-se nos pontos fortes do primeiro filme e reduziu suas fraquezas, enquanto deslocava delicadamente algumas das dinâmicas do enredo. O resultado é um thriller polÃtico e psicológico Página 226 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR que é mais rico em textura e nuance do que seu antecessor, sem sacrificar o impacto. “Sob o domÃnio do mal†foi produzido no ambiente pós-11 de setembro, e adaptou o medo da ameaça comunista dos anos 60 para os recentes e insuportáveis alertas terroristas e invasões unilaterais. Embora seus personagens e situações sejam fictÃcios, o mundo de “Sob o domÃnio do mal†é estranhamente semelhante ao nosso. É um lugar onde uma eleição presidencial iminente vai mudar a maneira como a atual administração se comporta militarmente, onde notÃcias de fundo transmitem conversas sobre bombardeios e urnas eletrônicas problemáticas.370 Turan exalta a abordagem e a intensificação dos problemas presentes para um futuro próximo, onde a guerra e as polêmicas polÃticas se tornaram comuns, traços evidentes da crÃtica do filme à administração de Bush e sua polÃtica antiterrorista. No jornal The Austin Chronicle, Marjorie Baumgarten, também viu lados positivos em Sob o DomÃnio do Mal afirmando que a produção revitalizou o thriller polÃtico e não poderia ser mais atual, por sua trama estar tão próxima à eleição presidencial.371 Destacou assim como o crÃtico anterior, a transposição das paranoias da Guerra Fria para a atualidade, sobretudo pelo enredo trazer corporações multinacionais, polÃticos egoÃstas ligados a tráficos de influência.372 Desson Thonson, do Washington Post, em sua crÃtica destaca que Sob o DomÃnio do Mal tem traços dos thrillers paranoicos dos anos de 1970, e que de certo modo faz parte do mesmo gênero que Fahrenheit 11 de Setembro, apesar do tom satÃrico e dos ataques diretos de Michael Moore.373 Embora mesmo iniciando sua crÃtica citando o posicionamento polÃtico de esquerda do filme, Thomson se contém em suas reflexões polÃticas, mesmo elogiando a transposição da Guerra Fria para o contexto em que foi produzido.374 370 TURAN, Kenneth. Mere Pawns in the game. Los Angeles Times, Los Angeles, 30 Jul. 2004. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2004/jul/30/entertainment/et-turan30>. Acesso em: 20 abr. 2017. 371 BAUMGARTEN, Marjorie. The Manchurian Candidate. The Austin Chronicle, Austin, 30 Jul. 2004. DisponÃvel em: <http://www.austinchronicle.com/calendar/film/2004-07-30/221706/>. Acesso em: 20 abr. 2004. 372 Ibid. 373 THOMSON, Desson. On Screen An Electable “Manchurian Candidateâ€. The Washington Post, Washington, D.C. 30 Jul. 2004. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp- dyn/articles/A24555-2004Jul29.html>. Acesso em: 21 abr. 2017. 374 Ibid. Página 227 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Roger Ebert destacou que Jonathan Demme não é nem um pouco contido em Sob DomÃnio do Mal. Apesar de fazer algumas comparações com o filme de 1962, ressalta que é irrelevante comparar os filmes ou mesmo o elenco. Segundo o crÃtico, o importante é que Demme soube aproveitar os elementos principais e não se intimidou em fazer o público reconhecer personagens do filme na vida real. Ao final, Ebert escreve que Demme, ao tratar de algo que era de conhecimento do público e ao fazer suas adaptações, leva o público ao questionamento sobre se as corporações são de fato uma ameaça aos EUA.375 Mick LaSalle, do San Francisco Chronicle, é ainda mais direto sobre a relação do filme com o seu contexto de lançamento: O filme é uma das poucas produções de Hollywood que aborda diretamente o fato de que estamos vivendo em um mundo pós-11 de setembro. Se passa em algum futuro próximo ou alternativo em que a América [EUA] está envolvida simultaneamente em várias guerras, e os ataques terroristas são ocorrências comuns em cidades americanas. A próxima campanha presidencial – e a necessidade de um partido polÃtico parecer resistente ao terrorismo – permite a ascensão de um jovem congressista, Raymond Shaw (Liev Schreiber), um veterano da Guerra do Golfo com uma Medalha de Honra a seu favor. [...] Demme e os roteiristas Daniel Pyne e Dean Georgaris definiram “Sob o DomÃnio do Mal†dentro de uma paisagem texturizada do século XXI, na qual trechos de conversas, manchetes e trechos de notÃcias, aparentemente ao acaso, criam a impressão de um mundo louco e frenético. Ouvimos falar de uma controvérsia sobre as urnas eleitorais touch screen, e depois uma eleição em que o candidato vencedor tem 70% dos votos. Coincidência?376 LaSalle assume uma postura favorável ao filme, exaltando os pontos positivos e tal como os outros também fez referência aos filmes anteriores de Demme, como por exemplo Os Silêncios dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991). Sobretudo, um ponto interessante do trecho acima citado é sobre a fraude eleitoral – também citado por Kenneth Turan –, que possivelmente é uma referência à s polêmicas eleições presidenciais de 2000 entre Al Gore e George W. Bush. Evidentemente, apenas esta cena confirma o posicionamento polÃtico de Demme, se aproximando de Fahrenheit 11 de Setembro, mas 375 EBERT, Roger. The Manchurian Candidate. Chicago Sun-Times, Chicago, 19 Jul. 2004. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/the-manchurian-candidate-2004>. Acesso em: 21 abr. 2017. 376 LASALLE, Mick. Mick LaSalle: Terrorist attacks, corporate control, election controversy: Sound familiar? ‘The Manchurian Candidate’ has it all. San Francisco Chronicle, San Francisco, 30 Jul. 2004. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/movies/article/Terrorist-attacks-corporate-control-election- 2737592.php#photo-2183593>. Acesso em 21 abr. 2017. Página 228 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR muito mais sutil em sua crÃtica a Bush, já que outro detalhe da produção é a associação de corporações com a polÃtica, tal como Michael Moore fez em seu documentário. Alguns crÃticos não foram tão favoráveis à produção e mostraram certo estranhamento sobre a abordagem do filme, principalmente desmerecendo as adaptações feitas pelos roteiristas e pelo diretor. Stephen Hunter do Washington Post declarou que Sob o DomÃnio do Mal se assemelha à centenas de thrillers lançados antes dele, e apontou fragilidades nas adaptações do filme, que para o autor não surtiram os efeitos desejados ou ficaram deslocadas. Um dos exemplos dado pelo crÃtico seria a interpretação de Meryl Streep, mesmo com elogios à atuação da atriz, a indução de sua personagem com Hillary Clinton, não teria combinado com a atuação polÃtica da estadista. Outro ponto, foi a inserção de elementos do gênero de ficção cientÃfica com as cenas sobre a lavagem cerebral e os implantes.377 Nessa mesma linha, o crÃtico do Chicago Reader, Jonathan Rosenbaum, elencou alguns pontos negativos do filme: A história foi atualizada para a primeira guerra do golfo (“Manchurian†[tÃtulo original em inglês] agora é apenas o nome de uma corporação do mal) e privada de seus choques principais (envolvendo a inventividade formal, o diálogo extravagante e o modo como o incesto é apresentado). Estranhamente, ele [o filme] retém parte da obscuridade polÃtica do original – a vilã de direita (Meryl Streep) se assemelha a Hillary Clinton –, mas não há recompensa mÃtica ou cômica. Se você não se importa muito com a primeira versão ou com o que um dia significou o nome de Jonathan Demme, o elenco faz um trabalho ok com um roteiro batido para um thriller, escrito por Daniel Pyne e Dean Georgaris. Mas falta a marca encontrada nos melhores documentários polÃticos da atualidade.378 Rosenbaum não compartilha do mesmo horizonte que os produtores e roteiristas de Sob o DomÃnio do Mal, e é até mesmo curioso questionar qual seria essa “marca†dos documentários recentes, já que o que mais tinha causado um alvoroço foi Fahrenheit 11 de Setembro, lançado cerca de um mês antes, como um posicionamento polÃtico semelhante. Ademais, levando em conta outras crÃticas de Rosenbaum, nota-se um 377 HUNTER, Stephen. The Also-Ran Jonathan Demme’s ‘Manchurian Candidate’ Trails the Chilling Original. Washington Post, Washington D.C. 30 Jul. 2004. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/articles/A26007-2004Jul29.html>. Acesso em: 21 abr. 2017. 378 ROSENBAUM, Jonathan. The Manchurian Candidate. Chicago Reader, Chicago, 30 Jul. 2004. DisponÃvel em: <http://www.chicagoreader.com/chicago/the-manchurian- candidate/Film?oid=1149643>. Acesso em: 21 abr. 2017. Página 229 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR posicionamento conservador de sua parte quando determinado filme tem uma crÃtica mais incisiva, imperando uma espécie de respeito implÃcito à figura do presidente e suas decisões, e evidentemente esse traço percorre muitos cidadãos estadunidenses. Um exemplo disso se refere aos discursos dos presidentes dos EUA, tal como citamos no segundo capÃtulo sobre George W. Bush. Em seu livro Terrorism In American Cinema - An Analytical Filmography, 1960-2008, Robert Cettl destacou a importância do longa-metragem: As reportagens recorrentes de atualizações sobre a Guerra contra o Terror fazem The Manchurian Candidate [Sob o DomÃnio do Mal], um remake do clássico de 1962 da Guerra Fria de John Frankenheimer, o primeiro thriller polÃtico pós-11 de setembro a apresentar a Guerra ao Terror como um fundo polÃtico. A primeira eleição presidencial desde 11 de setembro constitui o pano de fundo para esta oportuna atualização do que foi em 1962 o auge da sátira polÃtica americana. Um provável candidato à vice-presidência aqui diz abertamente que o inimigo terrorista foi um gerado pela polÃtica externa anterior – uma visão que o governo Bush considerava antipatriótica e irrelevante ao 11/9 –, mas que os verdadeiros inimigos da América [EUA] são aqueles que comprometem os ideais americanos da liberdade civil. Compromissos com os ideais da liberdade civil na sequência do 11/9 viriam à tona de modo incisivo em uma onda de filmes em 2007, abraçando o terreno informado neste thriller polÃtico.379 Cettl analisou a produção mostrando a distância estética, pois não se trata de uma crÃtica do momento de seu lançamento, mas de maneira geral compartilha do posicionamento da grande maioria dos crÃticos dos grandes jornais estadunidenses, ou seja, exaltando a abordagem do longa. Ademais, o autor considera o Sob o DomÃnio do Mal como sendo o primeiro thriller polÃtico pós-11 de Setembro, o que em partes pode- se concordar, visto o temor dos grandes estúdios a respeito da recepção. No entanto, o fato de ser um remake fez com que mesmo os elementos originais do novo roteiro fossem comparados com o filme original, como a abordagem das grandes corporações e a manipulação polÃtica sobre o presidente – uma possÃvel referência a Bush como um fantoche polÃtico de seu vice-presidente, assunto em pauta desde a invasão do Iraque. Em tom menos exaltado e tragicômico que Michael Moore e mais explicita que Sob o DomÃnio do Mal, temos a produção Verdade Revelada: a guerra no Iraque (Uncovered: the war in Iraq, 2004). Dave Kehr, do The New York Times, em sua crÃtica 379 CETTL, Robert. Terrorism in American Cinema: an analytical filmography, 1960-2008. Jefferson, N.C.: McFarland & Company, 2009, p. 175. Página 230 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR sobre Verdade Revelada fez uma breve comparação deste com Fahrenheit 11/09, dando- nos uma ideia geral de ambas as abordagens e também um sucinto panorama do cenário no qual tais documentários foram produzidos e recepcionados: Além do desdém pelo presidente George W. Bush e suas decisões para a polÃtica externa, os dois filmes não poderiam ser mais diferentes. Onde o filme do Sr. Moore [Fahrenheit 11/09] constrói seu caso através de mordaças visuais, justaposições sugestivas e apelos emocionais, o filme de Greenwald [Verdade Revelada] é sóbrio e meticuloso. Ele narra pacientemente as causas para a guerra no Iraque elaboradas pelo presidente [George W. Bush] e seus assessores mais próximos, observando cada passo no caminho das afirmações contundentes de que Saddam Hussein possuÃa armas de destruição em massa, através do longo perÃodo de transição (de relacionar as “armas-de-destruição em massaâ€) até a atual posição da administração – que, mesmo se nunca houve qualquer tipo de armas, Hussein era um homem mau e o mundo está melhor sem ele. O filme de Moore é dominado, é claro, pelo Sr. Moore, um talentoso comediante que criou um personagem atraente com seus bonés de beisebol e camisetas extragrandes. Em “Verdade Reveladaâ€, Greenwald não é visto nem ouvido. Em vez disso, ele trabalha combinando uma seleção astuta de trechos de notÃcias da TV com declarações de membros dissidentes da comunidade da inteligência dos EUA. Ao invés de tentar uma acusação arrebatadora da administração Bush e tudo o que ela representa, Greenwald enfoca um ponto simples e evidente: que a guerra no Iraque foi vendida ao Congresso e ao público americano através de uma série coordenada de distorções públicas que, na melhor das hipóteses, seriam ilusões, e na pior, engano total. [...] Quando Colin Powell diz à s Nações Unidas: “Nossa estimativa conservadora é de que atualmente o Iraque tem um estoque de 100 a 500 toneladas de agentes para armas quÃmicasâ€, replica [Ray] McGovern [ativista polÃtico e veterano da CIA]: “Onde estão? O que aconteceu com eles? ‘Não é nossa estimativa conservadora’, isso soa muito para mim, seria nossa estimativa neoconservadoraâ€. Há uma certa ironia no fato de que “Verdade Revelada†mostra os tipos de partidarismos descarados que Greenwald condenou em seu último documentário, “Outfoxed†[2004], uma análise da Fox News que concluiu, para o espanto de ninguém, que o canal teve uma inclinação conservadora. Talvez seja esse partidarismo exacerbado a razão de filmes como “Fahrenheit 11/09†e programas como “The O'Reilly Report†[talk show da Fox News no qual seu apresentador aborda questões polÃticas] serem tão populares. A disseminação de blogs (à esquerda) e rádio (à direita) fez florescer milhares de pontos de vista, e os antigos modelos de objetividade jornalÃstica estão começando a parecer chatos e antiquados para muitos consumidores. Os americanos estão profundamente interessados em seu jornalismo, assim como nos esportes e no entretenimento. Sr. Moore sabe como dar isso a eles, assim como o Sr. Greenwald – de uma maneira muito mais digna e documentada.380 380 KEHR, Dave. Revisiting the Road to Iraq War, Step by Step. The New York Times, Nova Iorque, 20 Ago. 2004. DisponÃvel em: <http://movies2.nytimes.com/2004/08/20/movies/20UNCO.html>. Acesso em: 08 mar. 2017. Página 231 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Dave Kehr faz questão de distanciar a linguagem utilizada pelo dois cineastas, Michael Moore e Robert Greenwald, no seu tratamento com o público; o primeiro direcionando ao espectador e o segundo sem interferir pessoalmente nas reflexões, apenas usando as gravações e a edição mais direta. Ademais, tal crÃtica nos mostra como a intervenção no Iraque e a sua justificativa, fornecida pelo governo Bush, começaram a intensificar as crÃticas ao governo e até certo ponto à s bases da polÃtica antiterrorista. Apesar do sucesso de alguns documentários, o mainstream não estava com o mesmo potencial, produções com atores, diretores, e produtores famosos estavam ainda começando a ganhar espaço. Num cenário pós-filmes jingoÃstas, documentários incisivos, como Verdade Revelada, buscavam abalar os alicerces dos discursos antiterroristas e maniqueÃstas. Sobre esse ponto, o crÃtico de filmes do San Francisco Chronicle, Jonathan Curiel, expôs: Os partidários de Bush apontarão o dedo para “Verdade Revelada: a guerra no Iraque†e dirão que é um filme partidário que visa constranger o presidente na preparação para as eleições em novembro. Greenwald [...] financiou seu trabalho com a ajuda do [grupo polÃtico progressista] MoveOn.org, que está promovendo uma campanha contra a reeleição de Bush, e o Center for American Progress, uma organização liberal liderada pelo ex-chefe de gabinete de Bill Clinton. Além de Greenwald entrevistar muitos crÃticos conhecidos do governo Bush (incluindo Joseph Wilson, ex-diplomata que desafiou a Casa Branca, que afirma que Saddam Hussein tentou comprar urânio da Ãfrica), ele também recebe outros que eram antigos aliados de Bush na Casa Branca. A maior jogada de Greenwald: David Kay, o cientista que liderou o esforço do pós-guerra para encontrar armas de destruição em massa no Iraque. Em determinado trecho de “Verdade Reveladaâ€, vemos [Dick] Cheney chamando Kay de “cientista respeitadoâ€, e que este localizaria “as armas da morte†que Bush prometeu encontrar em Bagdá. No minuto seguinte, “Verdade Revelada†mostra Kay admitindo que as suposições da Casa Branca estavam terrivelmente erradas. “Estávamos todos erradosâ€, diz Kay, antes de acrescentar: “Em uma democracia, você tem a obrigação de falar honestamente ao públicoâ€. “Verdade Revelada†é uma forte acusação sobre a administração Bush e seu foco no Iraque. O documentário é um complemento importante para outros trabalhos em circulação (incluindo “Fahrenheit 11/09†de Michael Moore) na disputa pela atenção do público durante o ano eleitoral. “Verdade Revelada†vai deixar o público refletindo sobre o que parece ser uma guerra desnecessária e inútil.381 381 CURIEL, Jonathan. Film Clips/Also opening today – “Uncovered: the war on Iraqâ€. San Francisco Chronicle, São Francisco, 27 Ago. 2004. DisponÃvel em: http://www.sfgate.com/movies/article/FILM- CLIPS-Also-opening-today-2730506.php#iraq>. Acesso em: 08 mar. 2017. Página 232 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR O comentário de Curiel sobre Verdade Revelada apresenta os principais trechos da obra. De modo geral, o crÃtico parece compartilhar das exposições do objeto de sua crÃtica, bem como das demais produções, tomando pra si o que Verdade Revelada tentou tratar: não de partidarismos, mas sim da manipulação da opinião pública através de diversos artifÃcios. Como já destacado anteriormente, deve-se ressaltar que após o 11 de Setembro, não houve um movimento mainstream até o momento que se trata da tragédia para os EUA, mas um aumento na exaltação patriótica, que já caminhava com filmes de guerra anteriores. A retomada de consciência, que foi amplificada pelas imagens dos atentados, pelo esforço fÃlmico de guerra, teve um abalo com a intervenção no Iraque. Kenneth Turan, do Los Angeles Times, também segue favorável à Verdade Revelada, exaltando as cenas que mostram os bastidores do governo Bush, bem como destacando a forma com Robert Greenwald trouxe para o presente o cenário anterior à invasão do Iraque, e os discursos recorrentes sobre segurança nacional, a fim de evitar ataques quÃmicos e/ou nucleares nos EUA.382 Turan destaca: “Embora ‘Verdade Revelada’ seja inflexÃvel em sua oposição à guerra, talvez o ponto mais significativo, mais perturbador é que ele é claramente apolÃticoâ€.383 Essa afirmação do comentarista é importante, já que deixa clara a proposta do diretor, e também por sua aproximação com o espectador. A exposição de Turan, é que Greenwald quis se distanciar das artimanhas técnicas para apresentar algo sem manipulações de discurso, já que o assunto é exatamente sobre como os dirigentes do paÃs fizeram isso para convencer os cidadãos a ir à guerra. Nathan Rabin, assim como os crÃticos já citados, relaciona Verdade Revelada com Fahrenheit 11/09 expondo suas diferenças; o primeiro com um tom mais objetivo, e a produção de Michael Moore com seu apelo tragicômico frente à Guerra do Iraque. O comentarista, destaca que o documentário de Greenwald, mesmo com suas qualidades, repete muito do que os movimentos antiguerra já proferiam. Contudo, aponta destaques do filme, como a evidente distinção ideológica e religiosa que permitiu uma relação entre Bin Laden e Saddan Hussein, que mostra a construção do discurso da administração de George W. Bush. Ao fim, Rabin declara que o documentário poderia ser considerado 382 TURAN, Kenneth. Different image of dissent “Uncoveredâ€. Los Angeles Times, Los Angeles, 27 Ago. 2004. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2004/aug/27/entertainment/et-uncovered27>. Acesso em: 08 mar. 2017. 383 Ibid. Página 233 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR maçante e irritante, mas atamanha arrogância do governo deu certa estabilidade à produção.384 Certamente, alguns crÃticos seriam mais maleáveis já que compartilham o teor anti-Bush que a produção causa, já que mesmo os comentaristas que podem apontar o alinhamento do documentário a setores declaradamente contrários ao governo, bem como com produções semelhantes, não desmereceram sua objetividade. Para o crÃtico Michael O’Sullivan: O problema é que, como “Outfoxedâ€, “Fahrenheit 11/09â€, “A Corporaçãoâ€, “The Hunting of the President†e filmes do tipo, “Verdade Revelada†é eficaz para os convertidos, aqueles que já concordam com as suas pautas. E depois de tanto ouvir nos últimos meses as pulsantes crÃticas a Bush, até mesmo os progressistas mais devotos (entre os quais eu me incluo) sentiram como se já tivessem ouvido esse sermão centenas de vezes. Onde estão as armas de destruição em massa de Saddam? Tudo bem. Fomos enganados e manipulados pelas táticas de intimidação do governo. Você continua com aquela coceira que nunca vai melhorar. Na verdade, pode começar a ficar um pouco irritante. Obviamente, que com as eleições presidenciais dos EUA tão próximas, este é um assunto delicado que Greenwald e seus colegas [cineastas] não querem deixar passar.385 Nota-se que o posicionamento polÃtico de Michael O’Sullivan não o limitou a concordar com as exposições do filme, que, segundo ele, vinha do eco de grupos contrários a Bush, assim como outros documentários. E aparentemente Verdade Revelada se aproximou das expectativas do público, e num momento de grande efervescência polÃtica, a candidatura à reeleição de George W. Bush, fundamentada na polÃtica antiterrorista. Mas é nesse contexto que emergem produções que buscam contestar a doutrina Bush e suas falácias, mesmo que documentários crÃticos causaram impactos negativos à imagem de Bush, a reeleição ocorreu, mas o movimento de “retomada de consciência†dos estadunidenses começou a aparecer mais nitidamente nas grandes produções de Hollywood. Numa defesa das crÃticas crescentes a Bush, temos a produção Celsius 41.11: the temperature at which the brain... begins to die (2004), que foi mal recepcionada pelos 384 RABIN, Nathan. Uncovered: The War On Iraq. The A. V. Club, Chicago, 17 Ago. 2004. DisponÃvel em: <http://www.avclub.com/review/uncovered-the-war-on-iraq-4961?permalink=true>. Acesso em: 09 mar. 2017. 385 O’SULLIVAN, Michael. “Uncoveredâ€: Another Film From Left Field. The Washington Post, Washington, D.C., 20 Ago. 2004. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp- dyn/articles/A16410-2004Aug19.html>. Acesso em: 09 mar. 2017. Página 234 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR poucos crÃticos que comentaram a produção, considerada de baixa qualidade e uma propaganda polÃtica declarada a favor de Bush. Assim como Moore utilizou a montagem a seu favor, esta produção seguiu a mesma fórmula a fim de usar as imagens para sustentar que todos os esforços de George W. Bush foram para defender o paÃs do terrorismo, numa espécie de construção da história recente dos EUA em sua luta contra o terror. Essa guerra de imagens se tornou parte do horizonte de expectativas do público e dos produtores, roteiristas e diretores, bem como dos polÃticos e grupos polÃticos, na qual a busca pelo espectador se pautava na melhor edição e narrativa. O impacto desses documentários e a disputa pela melhor versão da história recente dos EUA, que se pautava consequentemente no tema do terrorismo, sempre voltava a uma espécie de marco de origem e inÃcio dos debates polÃticos sobre o terrorismo, o 11 de Setembro. A diversas situações anteriores aos atentados de 2001, mais as imagens das Torres Gêmeas, sempre tornam o centro dos argumentos. Fahrenheit 11 de Setembro fez isso, bem como Celsius 41.11 o fez e ambos a fim de justificar suas posições sobre a Guerra ao Terror, num ambiente eleitoral onde a legitimidade da guerra do Iraque se tornava de extrema importância. O contexto histórico que se formou após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, moldaram um cisma das grandes produtoras dos EUA, sobre como lidar com a situação; não havia um indicio do efeito estético que filmes que trouxessem aquelass imagens poderiam causar. A primeira resposta blockbuster foram os filmes de guerra, que já caminham na esteira da nostalgia da vitória da Segunda Guerra Mundial, o que eventualmente se tornou adequado ao silenciamento e estranhamento do cinema logo após os atentados a Nova Iorque. Esses filmes de guerra são essenciais para a apreciação do horizonte de expectativas do cinema nesse perÃodo, sobretudo, com o desgaste da retórica antiterrorista, que, como vimos, já mostrava sinais antes da campanha eleitoral oficial em 2004, esses filmes mudaram sua abordagem. Com o bombardeio dos noticiários sobre o conflito no Iraque, o duelo dos documentários, os principais argumentos de Bush se tornando cada vez mais frágeis – mas foram essenciais para sustentar sua campanha e garantir-lhe a reeleição –, foram elementos que configuraram um terreno difÃcil para a exaltação de narrativas vitoriosas no cinema. Assim, quando se tornou inevitável a pressão pública devido aos efeitos da Guerra ao Terror, com a intervenção no Iraque, muitos filmes buscaram discutir e questionar o discurso patriótico e da defesa da democracia e liberdade defensidos sobre a Página 235 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR premissa das polÃticas republicanas. O documentário The War Tapes teve grande destaque em meio à crÃtica especializada, como pode ser observado na resenha de Mark Olsen, no Los Angeles Times: Sempre que surge o tema da guerra no Iraque, a maioria das pessoas vão à sua maneira dizer que “apoiam as tropasâ€, seja lá o que isso signifique. “The War Tapesâ€, possivelmente o documentário mais enérgico e esclarecedor produzido sobre o atual emaranhamento militar dos Estados Unidos, segue três Guardas Nacionais de New Hampshire, que são enviados ao Iraque por um ano. O filme mostra o apoio as tropas da maneira bastante literal – fornecendo uma perspectiva do que realmente deve ser estar lá, em campo, em meio à guerra. A diretora Deborah Scranton, trabalhando em estreita colaboração com o produtor Robert May e o produtor-editor Steve James, realizaram mais de 1.000 horas de filmagens para fazer o filme. As câmeras foram colocadas diretamente nas mãos de alguns soldados, pouco antes de serem enviados ao Iraque, em março de 2004, que deu ao filme um imediatismo e uma intimidade fascinantes. O que os soldados encontram no exterior é em grande parte confusão e frustração. Confusão sobre o que eles estão fazendo lá e como eles devem realizar suas missões, em grande parte protegendo os comboios administrados por empreiteiros privados, e frustração quanto a saber se eles estão fazendo alguma coisa. O filme captura de forma aguda a incertezas e confusões da vida durante o tempo de guerra, onde há Burger King e minas terrestres e Pizza Hut e atiradores. Ao permitir que os homens falem por si nos momentos em que estão devastados fÃsica e emocionalmente, o filme transmite o preço de ser um soldado. Cada um dos três homens apresentados a princÃpio parece com um certo tipo de pessoa e cada um é visto à s vezes se comportando de uma maneira que parece totalmente contraditória com seu caráter natural. É como se a pressão da guerra os tivesse levado completamente para fora de si. Todos os três homens parecem inegavelmente alterados por suas experiências no Iraque, e ainda assim, não estão fragilizados. Há uma sensação de esperança enquanto tentam readaptar-se as suas vidas na volta para casa, lutando para recomeçar de onde pararam com seus entes queridos, empregos e planos para o futuro. Como diz o soldado, Zack Bazzi, nascido no LÃbano: “A única coisa ruim sobre o Exército é que você não pode escolher sua guerraâ€.386 Na crÃtica de Olsen, nota-se alguns dos elementos que veremos a seguir, que se tornou bastante presente nestes filmes sobre o Iraque: a preocupação com a representação dos soldados. Ademais, além da representação da rotina da guerra e a volta para casa, presente em The War Tapes, o estilo documentário, aqui justificado pela prerrogativa da produção, com os próprios soldados fazendo gravações são elementos que tornaram-se 386 OLSEN, Mark. They know too well how war alters lives. Los Angeles Times, Los Angeles, 13 Out. 2006. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2006/oct/13/entertainment/et-war13>. Acesso em: 17 jul. 2017. Página 236 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR comuns nas produções hollywoodianas sobre a guerra do Iraque, e no retorno das tropas para os EUA. No The Austin Chronicle, Toddy Burton fez a seguinte crÃtica do documentário The War Tapes: “Quem disse que ser um soldado era tudo sobre sangue e glória, obviamente, esqueceu que era sobre a merdaâ€. Essas palavras, ditas pelo sargento Zack Bazzi enquanto ele dava zoom na sua mini câmera DV em direção a um caminhão de lixo séptico, ao norte de Bagdá, assume múltiplos significados ao longo do fascinante e arrepiante documentário da estréia da diretora [Deborah] Scranton. Bazzi, o soldado americano nascido no LÃbano, é um dos três Guardas Nacionais dos EUA, que se tornou o foco e a lente através das quais o filme examina os soldados dos EUA no Iraque. Em fevereiro de 2004, a jornalista veterana Scranton foi convidada para ser uma repórter incorporada da Guarda Nacional de New Hampshire quando eles se deslocaram para Camp Anaconda, uma das maiores e mais atacadas bases dos EUA no Iraque. [...] Sargento Rosa, Sargento Bazzi e o especialista Moriarty contribuem com comentários perturbadores, cativantes e perspicazes sobre uma das guerras mais controversas da história dos EUA. Depois de voltar para casa, Pink reflete sobre a fita confiscada: filmagens de iraquianos mortos sobre os quais o soldado parece não expressar nenhum arrependimento em seu comentário. “Se fomos treinados para atirar com nossas armas e matar esses caras, como você espera que conversemos? O que você quer que eu diga? ‘Oh, jesus, desculpe’... eu não seiâ€. Tão crua e perturbadora quanto sarcástica e satÃrica, o retrato resultante é um filme único que vai além de comentar sobre a Operação Liberdade do Iraque, para se tornar uma meditação provocativa sobre a própria guerra.387 No mesmo tom que a crÃtica anterior, a resenha de Toddy Burton também mostra que o verdadeiro horror vem da própria guerra, e que isso atinge os soldados, mas que não significa ser uma guerra causada pelos EUA. O crÃtico nos traz um elemento do filme de que algumas fitas, ou melhor, gravações possuem conteúdo não muito apropriado para a propaganda da intervenção no Iraque, e neste ponto os comentários dos soldados se tornam a ferramenta para a crÃtica à guerra, mesmo que os crÃticos se distanciem de levantar tais pontos na produção. Elementos também presentes na crÃtica de Anthony Oliver Scott: Como “Gunner Palace†de Michael Tucker e Petra Epperlein, lançado no ano passado, e “Iraq in Fragmentsâ€, de James Longley, exibidos em Sundance [Festival Sundance de Cinema, EUA] em janeiro, “The War Tapes†recusa-se a defender uma posição, preferindo concentrar-se no 387 BURTON, Toddy. The War Tapes. The Austin Chronicle, Austin, 22 Set. 2006. <https://www.austinchronicle.com/calendar/film/2006-09-22/403953/>. Acesso em: 17 jul. 2017. Página 237 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR dia a dia do combate. Seja qual for a sua opinião sobre a guerra – que eventualmente mudou ao longo dos anos – esse filme certamente desafiará seu pensamento e perturbará sua compostura. Não proporciona tranquilidade, nem eufemismo, nem um final. Dado o assunto e as circunstâncias, como poderia? Ao final de “The War Tapesâ€, que foi dirigido por Deborah Scranton, você se sente notavelmente perto dos três soldados, que se representam com uma franqueza, ocasionalmente verificada pela reticência nebulosa da Nova Inglaterra. O especialista Mike Moriarty, com 34 anos, o mais velho, se descreve como um superpatriota e diz que estava ansioso para ir ao Iraque para ter vingança pelos ataques de 11 de setembro. Quando voltou para casa, sua esposa, duas crianças pequenas e um trabalho comum, suas opiniões mudaram um pouco. Enquanto seu apoio à guerra não mudou, ele observa que odiava cada minuto que ele gastou no Iraque e não voltaria “nem se me pagassem meio milhão de dólaresâ€. O especialista Moriarty despreza a ideia de que ele está lutando uma guerra pelo petróleo, mas o Sargento Steve Pink insiste nisso. “É melhor que seja sobre dinheiroâ€, diz ele, e sobre garantir o acesso ao petróleo iraquiano. “Nós não somos o Corpo da Pazâ€. [...] “The War Tapesâ€, como a maioria dos filmes desse tipo, reconhece a enorme diferença que separa aqueles que lutam contra aqueles que ficam em casa. De certa forma, as cenas mais dolorosas ocorrem depois que os soldados retornam e tentam mediar a transição dos desertos sombrios e violentos do Iraque para os confortos e problemas da vida americana comum. Ninguém mais pode compreender o que eles passaram, certamente não os membros da audiência, que pelo menos tentarão. O especialista Moriarty reclama que ninguém realmente quer ouvir suas histórias, mesmo que alguém ocasionalmente mostre alguma curiosidade. E o sargento Pink, bebendo cerveja com sua namorada, acredita que as pessoas realmente não sabem o que dizer para ele e que não há nada que possam dizer que ele realmente queira ouvir. Mas, em segundo plano, e com certa insistência, ele admite que há uma frase que ele não se importa em ouvir: “Estou feliz que você esteja em casaâ€.388 Anthony Scott também exalta o foco principal do documentário, os soldados, mostrando a diferença entre estar no conflito e de quem está em casa – de certo modo, os espectadores, que acompanham o conflito através de noticiários e de documentários; o primeiro blockbuster seria lançamento meses adiante. Ademais, no quesito da reflexão polÃtica, o crÃtico acentua que a opinião do público certamente mudou – o filme foi gravado em 2004 e lançado primeiro semestre de 2006 –, com vários acontecimentos já tendo chegado ao público estadunidense através da grande mÃdia, as fotos com os abusos de soldados aos prisioneiros de Abu Ghraib, em 2003, e também o massacre de civis em Haditha, em 2005, por cinco soldados dos EUA. Certamente, o documentário acaba se 388 SCOTT, Anthony Oliver. ‘The War Tapes’ Provides a Soldier’s-Eye View of the Days Over There. The New York Times, Nova Iorque, 02 Jun. 2006. DisponÃvel em: <http://movies2.nytimes.com/2006/06/02/movies/02tape.html>. Acesso em: 17 jul. 2017. Página 238 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR aproximando de uma defesa dos soldados e de que o calor e pressão da guerra pode fazer com ele, já que nenhum crÃtico se volta a questionar o porquê da guerra. É interessante destacar o trecho que Scott traz do documentário, sobre os três rapazes, e um destes cita a busca de vingança pelo 11 de Setembro. Essa justificativa ainda se encontra forte, lembrando que em As Torres Gêmeas, que exalta os heróis do WTC, faz uma ponte entre os ataques terroristas e o Iraque. Esse teor heroico foi justificado de maneira bem direta na crÃtica de Ann Hornaday, simplesmente porque cada soldado tem sua razão, seja patriótica, econômica ou polÃtica: É demais pedir que “The War Tapesâ€, um fascinante e audacioso novo documentário sobre a guerra no Iraque, seja obrigado a ser visto em todas as salas de aula e salas de estar na América? Ou, pelo menos, no Salão Oval? Não se engane: “The War Tapesâ€, em que três soldados da Guarda Nacional entregam seus relatos gráficos em primeira pessoa do ano em que serviram no Iraque, não é um filme abertamente polÃtico. Parece não dar suporte a nenhum seguimento partidário, nem marcar pontos para os republicanos ou democratas. Se os telespectadores apoiam a guerra ou não – ou se estão em algum lugar mais amplo no meio disso – “The War Tapes†não se encaixam muito bem nas margens de seus preconceitos. O que faz, com honestidade sombria e muitas vezes horrÃvel, é mostrar as realidades da guerra a um público que foi amplamente protegido do seu custo. É louvável “The War Tapes†dar voz aos que estão na linha de frente, que muitas vezes não têm voz, é tão importante quanto o que deixa de fora, por não poder ou para não ser tendencioso. A diretora do filme, Deborah Scranton, garantiu cuidadosamente que algumas questões permanecessem sem resposta. A questão mais importante, e evidentemente em primeiro lugar, é por que as tropas dos EUA estão no Iraque, e cada um deles responde a esta questão à sua maneira. Talvez como melhor expôs o colega da Guarda Nacional no inÃcio de “The War Tapesâ€, quando uma câmera espia a conversa telefônica com sua famÃlia. “Papai tem que ir trabalharâ€, ele diz resignado. “Por que? Simplesmente porqueâ€.389 Nesses trechos da crÃtica de Ann Hornaday, publicada no The Washington Post, ela faz questão de acentuar que o filme não possui um posicionamento polÃtico, seja para qualquer partido. Transparece que o alto preço pago pelos soldados é impossÃvel de ser transmitido ao cidadão/espectador, tratando-se de algo que deve ser feito, apesar dos sacrifÃcios. De modo que faz um apelo para que o documentário seja assistido em diferentes camadas sociais nos EUA, desde a escola, o ambiente doméstico, e a própria 389 HORNADAY, Ann. “The War Tapesâ€: three soldiers on shifting sands. The Washington Post, Washington, 30 Jun. 2006. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp- dyn/content/article/2006/06/29/AR2006062902150.html>. Acesso em: 17 jul. 2017. Página 239 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Casa Branca. Existe aqui um tratamento da produção como um documento que representa a difÃcil rotina dos soldados, cidadãos que lutam pelo seu paÃs, mesmo com a indiferença do governo, e sem entender o motivo de estarem em guerra. Esses questionamentos e a presença das tropas dos EUA no Iraque começaram a se tornar recorrentes a partir de 2006, e isso se centra não no terrorismo em si, mas no que a luta antiterrorista os conduziu. O ponto de crÃtica de muitos documentários e da recepção destes transcorre pela perspectiva do que os soldados estão passando na rotina do combate. Curiosamente, existe a mesma aproximação com elementos dos filmes do esforço de guerra, tratados no segundo capÃtulo. Houve uma constante valorização das tropas, dos soldados e seu heroÃsmo em ação, enfrentando situações adversas a fim de defender o paÃs e/ou levar os ideais dos EUA a outros paÃses. Parte desse esforço fÃlmico concentrou-se em momentos gloriosos e vitoriosos, como a Segunda Guerra Mundial, e quando certo filme se passava no Vietnã deixava questões complexas e delicadas a margem. Não se falou do terrorismo nos filmes, mas a motivação para os filmes de guerra, na resposta hollywoodiana, estava pautada na Guerra ao Terror. Sobretudo, a marca desses novos filmes de guerra se referem aos efeitos da luta contra o terror, mas centra-se na valorização do soldados estadunidenses e seus sacrifÃcios e, é claro, sem abordagem polÃtica. Esse cenário é também exposto por Tim Grierson, do L. A. Weekly, que segue um tom mais direto sobre o documentário e seu significado: The War Tapes se junta tematicamente a outros documentários de guerra recentes, mas este filme é bem-sucedido, em virtude de sua abordagem estimulante e emocionalmente discreta e sua recusa a impor estereótipos aos personagens ou agendas polÃticas sobre os temas que está retratando. Depois de anos de reality shows de televisão, os vÃdeo- diários reunidos revelam silenciosamente cenas abertas de tédio e medo em uma zona de combate, que tem um efeito devastadoramente cumulativo por causa de sua aleatoriedade sem roteiro. Da mesma forma, as entrevistas dos cineastas com entes queridos dos soldados que voltaram para casa, possuem uma incerteza semelhante – todos que nós encontramos em The War Tapes estão lutando com suas incertezas sobre esta guerra, e os documentaristas honram essa luta deixando-a respeitosamente sem enfeites. Com sua desilusão, The War Tapes não deve ser criticado por sua aparente falta de indignação. Na verdade, a partir da tristeza e da raiva que revela, o filme parece inconfortavelmente estarrecido.390 390 GRIERSON, Tim. Film reviews – The War Tapes. L.A. Weekly, Los Angeles, 11 Out. DisponÃvel em: <http://www.laweekly.com/film/film-reviews-2145811>. Acesso em: 17 jul. 2017. Página 240 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR O crÃtico exalta a aparente neutralidade do filme, seu distanciamento polÃtico, a fim de mostrar que o documentário traz uma reflexão diferente do que o espectador está acostumado, em referência aos programas de TV. De certo modo, assume o mesmo tom dos crÃticos anteriormente citados, e dentro das crÃticas analisadas, sobre o documentário, nota-se que esse tom de valorização dos soldados, e sempre que se refere a eles, busca-se à distância da discussão polÃtica. Em muitos momentos, houve a constante comparação entre os documentários, como The War Tapes, com os filmes hollywoodianos sobre o mesmo tema, o Iraque e/ou a volta dos soldados para a casa. Sinal de que o horizonte de expectativas dos diretores de Hollywood não estão em sintonia com o dos espectadores. Nesse momento, é comum nas crÃticas comentários afirmando que finalmente Hollywood começou a tratar do terrorismo no cinema, debatendo os efeitos internos no paÃs, tal como as consequências da guerra do Iraque e algumas das medidas do governo Bush. Mas há uma grande questão que envolve o horizonte de expectativas do público e dos diretores: os filmes estão sendo produzidos num momento em que muitas decisões estão sendo tomadas, com objetivos e conflitos não finalizados, como a captura de Osama bin Laden e a guerra no Afeganistão, no Iraque. Ou seja, diferentemente da Segunda Guerra Mundial, não houve vitória, e sobre a Guerra do Vietnã as crÃticas estavam começando a surgir. Citam-se esses dois conflitos, porque ambos são usados como modelo fÃlmico e histórico a ser seguido; um para exaltação histórica e/ou narrativa fÃlmica, e o outro como crÃtica social e modelo narrativo para a crÃtica, como ocorreu com filmes que questionaram a Guerra do Vietnã anos depois. Como já destacado foram recorrentes referências da Guerra do Vietnã em vários filmes sobre a Guerra do Iraque. Um destes foi A Volta dos Bravos (Home of the Brave, 2006). Na sucinta crÃtica de Lisa Schwarzbaum, tem-se uma breve ideia das abordagens do filme e seu público-alvo: Irwin Winkler copiou do melhor em Home of the Brave – infelizmente, ele copiou a obra-prima errada na hora errada. E ele fez isso com um lápis. Como resultado, ele produziu um drama de TV à Hallmark (no Brasil, o canal da TV a cabo Studio Universal) sobre a antÃtese de um momento Hallmark. Com o poderoso vencedor do Oscar de 1946, William Wyler, Os Melhores Anos de Nossas Vidas, sobre os militares que retornam da Segunda Guerra Mundial, como guia, o veterano produtor – que se tornou diretor –, de Rocky [Rocky: um lutador (1977)] segue o caminho acidentado dos soldados da Guarda Nacional que retornam da guerra no Iraque para a paz em Spokane, Wash [ington, EUA]. Tendo sobrevivido a uma emboscada devastadora nos últimos dias de sua incursão, quando outros na sua unidade não conseguiram, os veteranos retornaram a felicidade americana, agora estranha a eles. Página 241 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Entre eles, um cirurgião teimoso (Samuel L. Jackson) que enterra sua tristeza no licor. Uma atlética mãe solteira (Jessica Biel) com raiva de suas feridas fÃsicas permanentes. Um homem gentil atormentado pela dor nas costas e assombrado por sua participação num derramamento de sangue (Curtis Jackson, “50 Centâ€), rapidamente revelado. Os objetivos do filme são compassivos e respeitosos – nobres, mesmo, no desejo de empacotar tanta informação (sobre amputados, sobre grupos de suporte aos veteranos) no roteiro insustentável e expositivo de Mark Friedman. Mas a uniformidade da exposição polÃtica, combinada com um estilo fÃlmico genérico, é uma arma artÃstica muito insignificante para uma tentativa bem sucedida para um assunto tão complexo, contundente e crucial.391 Compreende-se que a crÃtica questiona a abordagem narrativa do filme, tÃpica de programas de TV, com programação voltada para a famÃlia e que os filmes de guerra buscam inspiração na escrita fÃlmica da Segunda Guerra Mundial, mas sobre uma guerra, Iraque, que ainda está em curso. De modo que se isso se aplicou, como exposto no segundo capÃtulo, para uma exaltação patriótica e pró-guerra, aqui essa inspiração na Segunda Guerra não se mostra eficiente, ainda mais num remake feito posterior ao conflito, com diversos elementos que não atraem o espectador. Stephen Hunter, do The Washington Post, destacou as caracterÃsticas da produção através de seu diretor e das diferenças com o filme que lhe serviu de modelo: O peso da guerra se encaixa em todos os lugares em “A Volta dos Bravosâ€, do diretor Irwin Winkler. Mas Winkler nunca foi conhecido por ser delicado. Ele entrou no ramo como um homem do dinheiro, levantando dólares durante anos para os filmes do Elvis e passou a produzir. (Ele levou a Melhor Fotografia por “Rocky†de Sylvester Stallone). Depois de um tempo, ele se cansou de produzir (mesmo depois de grandes filmes como “Touro Indomável†[1980] e “Os Bons Companheiros [1990]), e então ele começou a dirigir. A linha convencional: ele era um homem rico que adquiriu influência e decidiu se entregar a direção, em vez de apenas produzir. Mas acontece que seu toque grosseiro e talvez até mesmo seu mal humor de um velho homem (ele tem 75) estão na medida para “A Volta dos Bravosâ€, uma espécie de atualização do filme sobre a volta ao lar de grandes soldados, “Os Melhores Ano s de Nossas Vidasâ€, mas com M-16s. Em primeiro lugar, Winkler lembra desse filme (ele tinha 15 anos quando saiu, em 1946), e em segundo, ele o valoriza. Sua adaptação, como no original, mostra as dificuldades de um grupo de militares que se reintegraram na vida civil, depois que seus amigos são mortos, as feridas dolorosas, os erros de combate, a M.A.S.H. [Hospital Móvel do Exército] tendas operacionais cheias de gritos, com rapazes machucados que eles viram. Você provavelmente não quer um filme muito delicado sobre esses temas. O filme é, portanto, a moda antiga, no significado mais claro 391 SCHWARZBAUM, Lisa. Home of the Brave. Entertainment Weekly, Nova Iorque, 13 Dez. 2006. DisponÃvel em: < http://ew.com/article/2006/12/13/home-brave/>. Acesso em: 01 jul. 2015. Página 242 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR dessa frase: narração cronológica, começando agora, terminando seis meses depois, traçando altos e baixos, gritos e risadas, fracassos e sucessos. Claramente, segue o modelo dos “Melhores Anos†de William Wyler, que também incluÃam soldados que retornavam a uma pequena cidade longe dos centros cosmopolitas, enquanto tentavam deixar o que tinham passado para trás, encontrar um lugar na sociedade, e apenas seguir em frente. A primeira diferença é menor e sociológica: Wyler concentrou-se em três homens, Winkler em três homens e uma mulher. A segunda é significante: os três de Wyler estavam retornando de uma guerra vitoriosa. Eles fizeram a missão deles, enterraram o rato em um beco atrás do Berghof [Refugio de Adolf Hitler] ou levaram a louca aristocracia com o sangue de Nanking [Massacre de Nanquim] nas mãos para um longo passeio sob rédeas curtas. Os quatro militares de “A Volta dos Bravos†não têm uma vitória para aliviar sua fadiga e melancolia. Na verdade, eles retornam a uma América apanhada no debate sobre o que está acontecendo lá [Iraque], e quando acabar, se acabar, valeu a pena? Não é uma imagem bonita. [...] Devo dizer que a melhor coisa sobre o filme é que ele está interessado nos soldados, e não nos arrogantes e egoÃstas de esquerda e direita que parecem pensar que a guerra é uma grande oportunidade para melhorar suas carreiras. Nós recebemos bastante deles todas as noites. As pessoas que levam os tiros é que merecem toda a atenção.392 O crÃtico construiu sua exposição do filme nos apresentando a carreira de seu diretor, de forma a mostrar que não foi a sua “marca†que acentuou as diferenças com o filme Os Melhores Anos de Suas Vidas, mas o próprio contexto histórico no qual A Volta dos Bravos foi produzida e lançada. De modo geral, o crÃtico elogiou a abordagem Irwin Winkler e sua valorização dos soldados, um elemento constante nos filmes sobre o retorno para a casa, pois em meio a torrente de crÃticas à guerra, deve-se destacar questões positivas, o soldado. Tratar do soldado, valorizar as tropas, não é visto como um elemento polÃtico, seja para os crÃticos como para os diretores. Na verdade, é algo cravado na cultura histórica dos estadunidenses, da valorização do que historicamente representam para o paÃs, a defesa da nação. Na contramão, a qualquer espectro polÃtico, seja a partir de uma decisão dos democratas ou dos republicanos, não se trata do porquê – neste caso, a Guerra ao Terror –, pois a representação fÃlmica da história recente, ao menos sobre a Guerra do Iraque, tomou os rumos do que acontece com os soldados, não do motivo de estarem lá. Outro elemento muito recorrente nas crÃticas, se refere a abordagem do filme, como destacou Stephen Holden, do The New York Times: 392 HUNTER, Stephen. A Return to the ‘Home of the Brave,’ Where Soldiers Fight a New Enemy. The Washington Post, Washington, 11 Maio 2007. DisponÃvel em: <http://www.washingtonpost.com/wp- dyn/content/article/2007/05/10/AR2007051001875.html>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 243 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Ao final de “A Volta dos Bravosâ€, você pode se sentir como se tivesse acabado de se sentar em frente a um filme sério feito para a televisão, com atores que são muito bonitos para serem pessoas reais que recorrem obedientemente a uma receita média. Desprovidos de personalidade, seus discursos ordenados, copiados e colados têm o toque de escolhas cuidadosamente compostas e editadas de filmes anteriores sobre a volta para casa. [...] “A Volta dos Bravos†parece prematuro e irremediavelmente obsoleto: prematuro porque milhares de tropas americanas ainda permanecem no Iraque sem data para sair, e obsoleto porque o drama sugere uma imitação pálida do real tão facilmente encontrada em documentários como “The War Tapesâ€. “A Volta dos Bravos†sugere que, quando chega a hora de Hollywood assumir a guerra no Iraque, esses documentários vão representar um sério desafio para os cineastas que procuram credibilidade.393 Ao longo de sua resenha, Holden destacou a falta de profundidade da produção, que não se aproxima dos documentários lançados meses antes. Esse é um ponto bastante presente nas crÃticas, na valorização dos documentários, em detrimento das produções hollywoodianas, que aparentemente não chegam próximos seja dos documentários, como das próprias imagens presentes na web e nas redes de TV. A crÃtica encarou A Volta dos Bravos, pelo lado positivo de tratar os soldados, suas intenções, mas houve muitos questionamentos acerca do estilo televisivo do filme, como destacado anteriormente por Lisa Schwarzbaum, e como pode-se também notar na crÃtica de Keith Phipps: Seja qual for o modelo, o filme é montado com material muito mais fraco, peças sobressalentes de filmes Lifetime e filmes indie, bem intencionados, mas vistos apenas nas noites de abertura em algum festival esquecido em Tampa [Gasparilla Film Festival]. [...] A Volta dos Bravos finalmente diz... o que? A guerra é dura. Isso é justo, e também a relutância de Winkler em engajar as polÃticas desta guerra particular e se concentrar nos soldados que a combatem. Até que, no final, ele o envolve politicamente da maneira mais sem graça possÃvel. Isso, infelizmente, é o tom do filme, que oferece suas pistas como um cordeiro de sacrifÃcio, depois guia gentilmente os outros para se sentir melhor. Porque, no final, todas as guerras não terminam em créditos para a música inspiradora?394 393 HOLDEN, Stephen. After Iraq, Struggling on the Home Front. The New York Times, Nova Iorque, 15 Dez. 2006. DisponÃvel em: <http://movies2.nytimes.com/2006/12/15/movies/15brav.html?ref=movies>. Acesso em: 01 jul. 2017. 394 PHIPPS, Keith. Home of the Brave. The A.V. Club, Chicago, 14 Dez. 2006. DisponÃvel em: <http://www.avclub.com/review/home-of-the-brave-3658?permalink=true>. Acesso em: 01 jul. 2017. Página 244 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Aparentemente o horizonte de expectativas do diretor não era compartilhado pela crÃtica e teve uma baixa arrecadação levando em conta que foi distribuÃdo pela MGM, pouco mais de 50 milhões de dólares nos EUA.395 Essa abordagem que mistura elementos da Segunda Guerra Mundial é um elemento constante nessas produções sobre o retorno dos soldados. Nota-se através das crÃticas sobre A Volta dos Bravos que o único ponto positivo foi por representar os soldados, nada além disso, já que o contexto histórico não foi adequado a uma obra que tinha inspiração em um filme sobre a Segunda Guerra Mundial. Os crÃticos apontaram a falta de profundidade no filme, destacando que como a guerra no Iraque está em curso, é difÃcil falar sobre isso quando tantos soldados ainda estão lá, com a mÃdia tratando constantemente do conflito. A respeito das produções sobre a presença dos EUA no Iraque, se faz interessante expor a reflexão de Anthony Scott, sobre o cenário fÃlmico do perÃodo e sua crÃtica sobre o documentário Sem Fim A Vista (No end in Sight, 2007): Até agora, alguns dos melhores documentários sobre a guerra no Iraque – “Gunner Palaceâ€, “The War Tapes†e “Iraq in Fragmentsâ€, por exemplo – concentraram-se menos na polÃtica, planejamento ou estratégia militar, do que nos indivÃduos e nas experiências do presente. Para equilibrar o clima carregado das discussões, generalizações e a tomada de posição, esses filmes empurram o debate de lado para levar para casa os detalhes sensoriais da rotina dos soldados americanos e civis iraquianos. “No End in Sight†[No Brasil: “Sem Fim à Vista] , o filme exigente e enfurecido de Charles Ferguson pode sinalizar uma mudança de ênfase, um afastamento do imediatismo do cinema vérité para discussões polÃticas abertas e análises históricas. [...] Se o fracasso, como diz o ditado, é um órfão, então “No End in Sight†pode ser pensado como um informante em um terno de paternidade, oferecendo uma resposta enfática e bem fundamentada a uma pergunta que já começou a ser discutida em talk shows de televisão e em revistas de opinião: quem perdeu o Iraque? Na pequena lista do Sr. Ferguson estão Donald Rumsfeld, Dick Cheney, Paul Wolfowitz e L. Paul Bremer III. Nenhum deles concordou em ser entrevistado para o filme. Talvez eles vejam.396 Esse breve trecho indica uma mudança no tratamento dos temas que envolvem a guerra no Iraque, para além de uma apreciação focada apenas nos soldados e distante 395 HOME OF the Brave (2006). Box Office Mojo, [20--]. DisponÃvel em: <http://www.boxofficemojo.com/movies/?id=homeofthebrave06.htm>. Acesso em: 15 jul. 2017. 396 SCOTT, Anthony Oliver. In the Beginning: Focusing on the Iraq War Enablers. The New York Times, Nova Iorque, 27 Jul. 2007. DisponÃvel em: <http://movies2.nytimes.com/2007/07/27/movies/27sigh.html?em&ex=1185595200&en=330e38bdd6 4faa2f&ei=5087%0A&8dpc>. Acesso em 02 jul. 2017. Página 245 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR da discussão polÃtica, cada vez mais presente na grande mÃdia, como destacado pelo crÃtico. O cinema, mesmo que independente, começou antes de Hollywood a trazer aos espectadores as discussões, que em grande parte já fazem parte de seu horizonte de expectativas, ao menos através da TV, e isso se tornou cada vez mais presente no gênero documentário. Sobretudo, como citado, a extensa discussão polÃtica de Anthony Scott, com forte tom de indignação ao governo Bush, também ocorreu em outras crÃticas sobre o documentário. Jack Mathews, cuja crÃtica segue na Ãntegra, também exalta a abordagem polÃtica de Sem Fim à Vista: Os verdadeiros crentes na estratégia do governo Bush para o Iraque serão céticos quanto à descrição detalhada de Charles Ferguson dos eventos que levaram à invasão e à s polÃticas subsequentes que criaram a bagunça atual. Mas, como uma tentativa de fornecer uma perspectiva sobre a mais longa das guerras americanas, “No End in Sight†é o mais atraente e menos partidário de todos os documentários sobre o Iraque. Se não é a história completa do Iraque, é só porque os principais arquitetos de nossas polÃticas de guerra – Dick Cheney, Paul Wolfowitz, Donald Rumsfeld e Condoleezza Rice, dentre outros – não diriam a Ferguson sua versão da história. Em vez disso, ele teve que confiar em diplomatas, estadistas e funcionários do departamento de defesa e oficiais militares com experiência em assuntos da guerra. “No End†é um retrato da má conduta pré-guerra e a má administração no pós- guerra e é tão próximo de um trabalho histórico honesto que provavelmente teremos até a guerra acabar, e no qual todos tiveram algo a dizer.397 O tom polÃtico da crÃtica sugere um novo movimento para o cenário fÃlmico, ao menos começando no gênero documentário, em trazer à tona os problemas causados no pré-guerra, que se trata dos discursos de Bush sobre o “Eixo do Mal†e de que o Iraque estava construindo armas de destruição em massa e abrigando terroristas. Após quatro anos, tais justificativas não se sustentavam, tendo em conta os problemas da insurgência no Iraque. Aqui há uma nova perspectiva que começou a tomar força, a da justificativas da Guerra ao Terror, da defesa da nação para evitar que aconteça um novo 11 de Setembro. Essa perspectiva, de um novo cenário que a guerra no Iraque está levando ao público, pode ser notada na crÃtica completa de Roger Ebert: 397 MATHEWS, Jack. Short Takes. New York Daily News, Nova Iorque, 27 Jul. 2007. DisponÃvel em: <http://www.nydailynews.com/entertainment/tv-movies/short-takes-article-1.268442>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 246 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Se lembra da cena em “Laranja Mecânicaâ€, onde Alex tem os olhos abertos e é forçado a assistir a um filme? Imagino uma experiência semelhante para os arquitetos da nossa catástrofe no Iraque. Gostaria que eles assistissem “No End in Sightâ€, a história de como fomos levados a essa guerra e mais de 3.000 vidas americanas e centenas de milhares de outras vidas foram destruÃdas. Eles podem achar o filme de particular interesse, porque eles sabem que muitas pessoas aparecem nele. Este não é um documentário cheio de ativistas antiguerra ou alvos fáceis para Michael Moore. A maioria das pessoas no filme eram importantes para a administração Bush. Eles tinham altos cargos governamentais ou militares, tinham responsabilidade no Iraque ou Washington, implementaram polÃticas, arquivaram relatórios, trabalharam fielmente no serviço da polÃtica externa dos EUA e depois deixaram o governo. Alguns saltaram, outros foram empurrados. Todos se sentem desiludidos com a guerra e em como a Casa Branca se recusou a ouvi-los. Os sujeitos deste filme agora sentem que a polÃtica americana no Iraque era falha desde o inÃcio, que medidas óbvias não foram tomadas, que conselhos sensatos foram desconsiderados, que mentiras foram contadas e tomadas como verdade, e que o conselho de pessoas na guerra foi anulado por uma cabala de neoconservadores bobos que pareciam formar um muro ao redor do presidente. O presidente e seu cÃrculo Ãntimo sabia, simplesmente sabia, por exemplo, que Saddam tinha ou teria armas de destruição em massa, que estava em aliança com a Al-Qaeda e Bin Laden, e que, de alguma forma, tudo estava ligado ao 11 de setembro. Nem todos os conselhos no mundo poderiam penetrar em sua obsessão, e eles despediram os portadores de más notÃcias. É significativo, por exemplo, que uma equipe da Agência de Inteligência da Defesa recebeu ordens para encontrar conexões entre a Al Qaeda e Hussein. Que nenhuma delas foi ignorada. A reação imediata do conselheiro-chave Paul Wolfowitz ao 11 de setembro foi “guerra contra o Iraqueâ€. [...] Quem é Charles Ferguson, diretor desse filme? Um sócio sênior do Brookings Institute, um milionário de software, originalmente um defensor da guerra, professor visitante no MIT e Berkeley, ele era confiável o suficiente para inspirar confidências de ex-altos funcionários. Na maioria das vezes, sentiram que as ordens eram do recinto do vice-presidente Cheney, que o grupo de Cheney desconsiderava o conselho de veteranos oficiais americanos e, em pelo menos um caso, canalizava uma decisão para evitar o escrutÃnio de Bush. O presidente assinou, mas não leu, e você pode ver os olhares tentadores e traÃdos nos olhos dos homens e mulheres no filme, que descobriram que quanto mais eles sabiam sobre o Iraque, menos eles prestaram a atenção. Embora Bush e a guerra continuem a afundar nas pesquisas, eu sei de alguns leitores que ainda apoiam ambos. Esse é o seu direito. E se eles estão tão certos de que estão certos, deixe mais homens e mulheres jovens morrerem ou serem mutilados. Eu duvido que eles estariam dispostos a ver esse filme, que documenta mais uma administração jogando seus jogos de guerra privados. Não, não estou comparando ninguém com Hitler, mas não consigo lembrar as histórias dele em seu bunker de Berlim, movendo tropas inexistentes em um mapa e dando ordens para generais mortos.398 398 EBERT, Roger. No End in Sight. Chicago Sun-Times, Chicago, 09 Ago. 2007. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/no-end-in-sight-2007>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 247 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Ao longo de sua crÃtica, Ebert se ateve mais à s questões polÃticas que são suscitadas pelo documentário do que propriamente sobre questões técnicas ou narrativas. Fica nÃtida a posição polÃtica de Ebert e sua postura para com seus leitores, potencias espectadores de Sem Fim à Vista. É nesse conturbando contexto histórico que notamos que o horizonte de expectativas do público e dos cineastas/roteiristas se aproximam da discussão polÃtica, mostrando-se um elemento importante no tratamento fÃlmico sobre o Iraque. Elemento mais presente no gênero documentário do que nos filmes de guerra ou dramas. No caso de Sem Fim à Vista, a própria prerrogativa já toca em pontos mais sensÃveis da polÃtica externa, já que conta com entrevistas, não em mostrar a rotina das tropas dos EUA. Mas esse é um movimento importante, já que se tratou da escolha especÃfica e, sobretudo, contando com entrevistas de pessoas próximas das decisões que levaram a esse atoleiro no Iraque. Mick LaSalle destacou que Sem Fim à Vista é um dos documentários mais focados de todos os que tratam sobre o Iraque. Mesmo afirmando ser o menos polêmico, vai deixar o público desolado, com raiva e espantado. “No End in Sight†é uma saga de estudos ignorados, fatos varridos sob o tapete e de um presidente que não poderia ser persuadido nem mesmo a ler a página de resumo de um relatório sobre a insurgência. Bilhões de dólares desaparecem. Os empregos são retirados de empreiteiros iraquianos, que trabalham mais barato e mais rápido, e são entregues a empresas americanas que demoram uma eternindade. Os diplomatas de carreira não têm acesso ao poder, enquanto Bremer se envolve com os recém-formados da faculdade, cuja única qualificação é que o pai fez uma contribuição para a campanha. Em um caso, um recém graduado é encarregado de elaborar o plano de trânsito de Bagdá, apesar de não se familiarizar com o planejamento do tráfego. A acumulação de fatos é devastadora, e traz momentos que por sua vez poderiam até parecer divertidos – como as joviais conferências de imprensa do [Secretário de Defesa, Donald] Rumsfeld – mas parecem absolutamente inquietantes. “Atoleiro?â€, ele sorri. “Eu não faço atoleirosâ€.399 Mick LaSalle, também mostra uma postura firme em sua crÃtica ao governo Bush, e traz elementos do documentário que apresentam algumas das explicações para os erros no Iraque. Além disso, a referência ao secretário de defesa e a expressão “atoleiro†399 LASALLE, Mick. Mick LaSalle reviews ‘No End in Sight,’ an Iraq war documentary. San Francisco Chronicle, São Francisco, 09 Ago. 2007. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/movies/article/Mick-LaSalle-reviews-No-End-in-Sight-an-Iraq- 2548317.php>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 248 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR mostram uma aproximação, que se tornou comum após 2007, com a Guerra do Vietnã, com filmes inserindo veteranos do conflito, dentre outros elementos, em meio à s tramas sobre o Iraque. É notável que nas crÃticas citadas, George W. Bush parece um mero figurante na Casa Branca, ao contrário de seu vice-presidente Dick Cheney, do secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, e do subsecretário de Defesa e arquiteto da invasão ao Iraque, Paul Wolfowitz, que aos poucos foram sendo referenciados como os verdadeiros culpados pela guerra do Iraque. O filme No Vale das Sombras (In the Valley of Elah, 2007) mostra que os grandes estúdios começaram a dialogar com o cenário social e polÃtico que cercavam o envolvimento dos EUA e das tropas no Iraque, dos anseios e do que representava para os estadunidenses. Mais ainda, não se aproximavam do horizonte de expectativas, um desses indÃcios é destacado na crÃtica abaixo: A guerra do Iraque mostrou-se problemática para os cineastas de Hollywood, como também para os polÃticos da Washington, e “No Vale de Elah†[No Brasil, “Nova Vale das Sombrasâ€] prossegue a tendência. Trabalhando horas extras para ser uma declaração importante sobre a insatisfação nacional com a guerra e o preço singular pago pelos veteranos e suas famÃlias, a continuação de Paul Haggis para “Crash†[Crash: no limite (2004)] é muito séria para funcionar como uma novela policial direta e também falta na imaginação para realizar suas aspirações de filme-arte. [...] Em seu coração, a narração de “Elah†(inspirada em uma história verdadeira relatada por Mark Boal na [Revista] Playboy) é o material de um thriller de James Patterson [autor estadunidense], em vez de uma leitura grandiosamente elegÃaca da tragédia de um pai. Não desejando optar pelos excessos pulp-trash [entretenimento rápido e barato] de thrillers militares como “A Filha do General†[1999], o filme entrega uma mensagem de aviso mal concebida, sinalizando sem rodeios que a guerra está causando severos danos psicológicos aos filhos e filhas dos Estados Unidos. Também continua uma linha de filmes recentes abordando a primeira Guerra do Golfo (“Jarhead†[Soldado Anônimo, 2005]) e o atual (“Home of the Brave†[A Volta dos Bravos], “Grace Is Gone†[Nossa Vida sem Grace, 2007]) que não conseguem capturar as realidades da experiência de guerra e a angústia familiar além de obviedades e planos pitorescos. Um veterano do Vietnã, sargento do exército aposentado e caminhoneiro do Tennessee, Hank Deerfield (Tommy Lee Jones) recebe uma chamada de Fort Rudd de que seu filho Mike (Jonathan Tucker) está desaparecido, embora sua unidade esteja agendada para voltar do Iraque. Sem nem mesmo ter uma simples discussão com Joan (Susan Sarandon), sua angustiada esposa, Hank dirige até a base no Novo México para obter mais informações na esperança de reunir-se com seu filho. Quando Hank chega, ele descobre que os amigos da unidade de Mike estão mantendo silêncio e os oficiais de base, como o tenente Página 249 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Kirklander (Jason Patric) e o sargento Carnelli (James Franco), são pouco mais do que lacaios burocratas com pouco interesse no caso.400 Além de apresentar o enredo da produção, o crÃtico coloca No Vale das Sombras no mesmo grupo de filmes sobre o retorno dos soldados, que não conseguem transmitir a angústia da guerra do Iraque. Para Anthony O. Scott, do The New York Times: Como em um episódio de “Lei e Ordemâ€, as suspeitas avançam de um jeito, e depois de outro, conforme novas informações vem à tona. Era traficante de drogas? Membro de gangue? Soldados do próprio esquadrão do jovem? O próprio Mike foi culpado de coisas terrÃveis? Paul Haggis , roteirista e diretor, obedece as regras do gênero policial, fornecendo respostas a algumas das questões básicas e literais no centro do filme. Considerado estritamente como um drama de crime, “No vale de Elah†é trivial, com algumas peças definidas, subtramas estranhas e retomadas previsÃveis. No entanto, um ar de indecisão permanece ao seu redor, um sentimento de dor e frustração de que os mistérios mais profundos não podem ser contidos em qualquer estrutura narrativa. [...] Não que a mensagem de “No vale de Elah†seja ambÃgua ou pouco clara. A mensagem é que a guerra no Iraque prejudicou este paÃs de maneiras que apenas começamos a entender. Para algumas pessoas, isso parecerá uma notÃcia ultrapassada. Outros – em particular aqueles que fingem que os trilhos contra filmes que eles não viram é uma forma de discurso polÃtico racional – podem convencer-se de que é provocador ou controverso.401 Anthony Scott dedicou muito de sua crÃtica aos elementos do enredo em muitos momentos comparando-o com o filme Crash: no limite (2004), trabalho anterior do diretor, destacando que as questões morais, burocráticas, e a sensibilidade a respeito da guerra. O elemento central se refere aos soldados e a própria crÃtica que o filme faz, não à guerra no Iraque, mas aos efeitos que esse conflito trouxe ao paÃs. De certo modo, a produção trabalha com o que até o momento serviu para os filmes de retorno dos soldados, os próprios soldados, para o crÃtico, Hank (Tommy L. Jones) muito mais do que encontrar seu filho, quer saber o que aconteceu com ele no Iraque402. 400 KOEHLER, Robert. In the Valley of Elah. Variety, Nova Iorque, 30 Ago. 2007. DisponÃvel em: <https://variety.com/2007/film/awards/in-the-valley-of-elah-4-1200556847/>. Acesso em: 02 jul. 2007. 401 SCOTT, Anthony Oliver. Seeking Clues to a Son’s Death and a War’s Meaning. The New York Times, Nova Iorque, 14 Set. 2007. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/2007/09/14/movies/14elah.html?ref=movies>. Acesso em: 02 jul. 2017. 402 Ibid. Página 250 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Sobretudo, grande parte da profundidade da produção, não se refere propriamente ao enredo, mas ao desempenho do elenco, com muitos crÃticos elogiando a atuação de Tommy Lee Jones. Como por exemplo, Roger Ebert, que deixou claro que o ponto forte do filme é a atuação de Tommy Lee Jones, tal como destacou que a produção não é contra a guerra do Iraque, mas sim a preocupação é sobre o que aconteceu ao soldado. Aqueles que falam que “No Vale de Elah†é contra a guerra no Iraque não prestaram a atenção. Ele não dá a mÃnima para onde a guerra está sendo travada. Hank Deerfield não se opõe politicamente à guerra. Ele só quer descobrir o caminho percorrido por seu filho, como ele veio do Iraque e como acabou carbonizado em um campo. Porque sua experiência no Vietnã, aparentemente, teve muito a ver com a investigação do crime, ele é capaz de usar inteligência e instinto. E observe como [Charlize] Theron, como detetive, o observa, toma o que pode usar e acrescenta o que ela extrai de sua própria experiência. Paul Haggis está fazendo bons filmes nos dias de hoje. Ele dirigiu “Crash†[2004] e escreveu “Million Dollar Baby†[Menina de Ouro (2004)], ambos vencedores do Oscar, e foi nomeado como co-roteirista de “Letters from Iwo Jima†[Cartas de Iwo Jima (2006)]. Ele e seus diretores de elenco reuniram um conjunto ideal para este filme, que não é sensacionalista, mas apenas escava e cai em nossas apreensões. Eu tentei pensar em quem mais poderia ter levado esse papel exceto Tommy Lee Jones, e eu simplesmente não consegui fazer isso. Quem mais poderia contar ao filho pequeno de Theron a história de David e Goliath (que aconteceu no Vale de Elah) e fazê-lo parecer instrutivo como tática para ser corajoso?403 Fica claro a defesa de Roger Ebert para a atuação de Tommy Lee Jones, até mesmo como um dos elementos que estruturam a narrativa do filme, tanto pela composição do personagem como pela própria atuação. Essas pontuações quanto à seleção do elenco permeiam alguns dos pontos favoráveis e à s vezes contra esses filmes sobre os soldados e o retorno para os EUA. Em A Volta dos Bravos, criticou-se a escolha do elenco por contrastarem com pessoas reais que voltaram da guerra, o que não foi o caso de No Vale de Elah, no qual, para alguns crÃticos, a mensagem do filme se deu pela ótima seleção e atuação do elenco. Em muitos casos, esses elementos passam despercebidos, mas em outros podem fazer a diferença na recepção de um filme, bem como auxiliam o próprio diretor a construir sua mensagem, que segundo Ebert não é sobre 403 EBERT, Roger. In the Valley of Elah. Chicago Sun-Times, Chicago, 13 Set. 2007. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/in-the-valley-of-elah-2007>. Acesso em: 02 jul. 2014. Página 251 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR o Iraque, mas sobre os efeitos da Guerra. Trata-se do que a guerra significa para o personagem, dos soldados e sua relação com a guerra. Tamara Straus, do San Francisco Chronicle, mesmo elogiando a atuação de Tommy L. Jones, aponta alguns momentos da produção que conduzem a reflexão polÃtica sobre a guerra do Iraque: “Elah†tem momentos escorregadios no sermão polÃtico, mas, na maioria das vezes, é uma ação efetiva, perturbadora e – uma raridade para Haggis – sutil da história da guerra dos Estados Unidos. A palavra trauma nunca é pronunciada, mas é o cerne de cada interação. Soldados musculosos entregam linhas como “Eles não deveriam enviar heróis para lugares como o Iraque†e, em defesa de atrocidades indescritÃveis, “era apenas uma maneira de lidar, todos fazemos coisas estúpidasâ€. [...] Mas Jones é a força-chave do filme, dando uma das melhores performances de sua carreira. Seu Deerfield é uma encarnação do patriotismo militar – ele lustra os sapatos todos os dias – e da inocência polÃtica americana (ele também não sabe o pior sobre a guerra). Na verdade, é através da performance de Jones como um pai em busca de seu filho que viajamos para a escuridão encharcada ao sangue do Iraque, para as imagens fugazes e indeléveis de mortes civis e torturas perpetradas por americanos. Como muitos diretores de produções que retratam o Iraque nesta temporada de filmes de outono, Haggis utiliza muitos vÃdeos com e dos soldados ao estilo documentário. Os vÃdeos caseiros de Mike Deerfield, descobertos por seu pai, são como as migalhas de histórias infantis: pistas sobre o porquê e quando o jovem soldado se perdeu. Eles podem ser uma maneira barata de mostrar Bagdá, mas suas imagens borradas e cortadas funcionam bem como uma metáfora para a compreensão incompleta dos americanos sobre o conflito. O vale de Elah é o lugar onde David lutou contra Golias – o lugar, como o personagem de Jones diz, onde David primeiro teve que superar seu medo e depois lutar contra um inimigo terrÃvel. A contribuição de Haggis com este filme é mostrar que, com o Iraque, o terror está em toda parte: no campo de batalha, no lar e na mente.404 Tamara Straus também elogia a atuação de Tommy Lee Jones, mas em sua crÃtica, mesmo tendo em conta o foco nos soldados, mostra que a guerra do Iraque assume um grande destaque, mesmo sendo através de artifÃcios ao estilo documentário, como metáfora para o desconhecimento do público sobre o cenário macro do conflito. De modo geral, para Straus a crÃtica polÃtica está presente, não apenas na perspectiva dos personagens, soldados patriotas. 404 STRAUS, Tamara. Man search for son, finds war’s horrors. San Francisco Chronicle, São Francisco, 13 Set. 2007. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/movies/article/Man-searches-for-son-finds-war- s-horrors-2540971.php>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 252 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Como se nota, a crÃtica polÃtica presente em No Vale das Sombras suscita diferentes interpretações e um bom exemplo está presente na crÃtica de Claudia Puig: No Vale de Elah é uma mistura rara de conteúdo emocional e material inteligente que faz com que seja ao mesmo tempo angustiante e instigante. Atraente, sóbrio, oportuno e eloquente, pode incomodar alguns espectadores com sua forte mensagem antiguerra. Mas o roteiro bem escrito de Paul Haggis e a direção convincente não decepcionarão. O filme é uma exploração do efeito devastador da guerra do Iraque contra soldados e suas famÃlias. No seu cerne é um retrato multidimensional de uma famÃlia americana patriótica, cuja visão de mundo é abalada no seu âmago. É também um olhar de amplo sobre as experiências de soldados americanos enviados ao Iraque, bem como seu tratamento e ajuste ao retornarem a sua terra natal. Há um aspecto de trama policial para a história que não funciona tão bem quanto a narrativa geral. Mas a interpretação transcendental de Tommy Lee Jones de um militar de carreira que procura seu filho soldado domina as pequenas falhas que o filme pode ter. Jones dá o melhor desempenho de sua carreira. Cada gesto e inflexão são preenchidos com nuances. Ele não diz tanto, mas as expressões que tocam em seu rosto enrugado, seu olhar implacável, e até mesmo sua postura e movimentos repetitivos falam muito. Seria um absurdo se ele não estivesse entre os melhores atores indicados ao Oscar. [...] Enquanto observamos a desilusão de Jones com uma instituição que ele apoiava ardentemente, sentimos sua dor. E somos devastados junto com ele enquanto absorvemos seu horror na transformação de jovens honrados em almas entorpecidas e torturadas. Este é inegavelmente um filme assustador. Mas não deixe isso assustá-lo. O final, e tudo o que leva a isso, vai deixar os telespectadores devastados, mas profundamente emocionados.405 Cluaida Puig já no inÃcio de sua crÃtica destaca que o filme é antiguerra, e de tal modo se refere à Guerra do Iraque e assim como os crÃticos anteriores elogiaram a atuação de Tommy Lee Jones aqui ocorre o mesmo. Ademais, em sua crÃtica, demonstra que o filme utilizou os soldados como forma de mostrar o que a guerra fez ao paÃs. Nesse caso, os efeitos da Guerra do Iraque e que, eventualmente, deixará os espectadores emocionados e devastados com a mensagem do filme. O que se pode observar através dessa e das crÃticas anteriores, é que os filmes hollywoodianos sobre a guerra do Iraque, como No Vale do Elah e A Volta dos Bravos, não questionam a Guerra ao Terror, mas especificamente buscam, através dos soldados, mostrar os efeitos dessa luta e seu impacto aos cidadãos e ao paÃs. 405 PUIG, Claudia. “In the Valley of Elah†is wrenching, timely. USA Today, McLean, 13 Set. 2007. DisponÃvel em: <https://usatoday30.usatoday.com/life/movies/reviews/2007-09-13-review-valley- elah_N.htm>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 253 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Muitas produções fizeram uso de artifÃcios que simulam situações reais, como gravações como sendo feitas pelos próprios soldados, circuitos de vigilância, dentre outros. Tais cenas/sequências servem como forma de se aproximar do público, visto as constantes imagens que lhes são apresentadas na mÃdia, gravações feitas pelos próprios soldados nos centros militares, prisões militares (como Abu Ghraib) ou em combate. E seguindo essa premissa estética do imediatismo das imagens amadoras/“reais†tem-se a produção Guerra Sem Cortes (Redacted, 2007). Tais aspectos foram apresentados na crÃtica de Roger Ebert: A violação e os assassinatos subsequentes em “Redacted†[No Brasil: “Guerra Sem Cortesâ€] realmente aconteceram e nos diz que o diretor Brian De Palma descobriu sobre eles na Internet, em blogs e postagens do YouTube e em sites americanos e árabes. Ele ficcionalizou os eventos, por razões legais, mas apresenta-os de uma maneira que sugere como os encontrou; o filme parece estruturado basicamente por imagens encontradas na web. É melhor fotografado do que muito material similar na web e editado para criar um impulso implacável, mas ele quer que sintamos como se estivéssemos descobrindo esse material por nós mesmos. Assim, somos obrigados a fazer isso, se a mensagem subliminar do filme está clara. [...] O filme explica a origem de grande parte de suas filmagens, apresentando-nos a um soldado chamado Angel Salazar (Izzy Diaz), que carrega uma câmera de vÃdeo digital e pensa que talvez possa fazer um documentário para levá-lo para a escola de cinema. Um bom plano, mas se você notar que o filme está se passa em Samarra [cidade no Iraque], você pode se lembrar da parábola do homem [Bush], cujos planos bem elaborados deram errado lá. A história se resume a isso: os soldados da Alfa Company estão trabalhando em um posto de controle. Um carro passa em alta velocidade. Eles abrem fogo, e uma mulher e o filho ainda em seu ventre são mortos. Mais dois corações e mentes que não conquistaram. Em retribuição, um dos membros da companhia é morto por milÃcias locais. Em resposta, os dois homens que dispararam no carro (Rush, interpretado por Daniel Stewart Sherman e o bem conhecido Flake, interpretado por Patrick Carroll) lideram uma incursão noturna durante a qual uma menina de 15 anos é estuprada, sua famÃlia é assassinado e sua casa incendiada. Os membros da companhia são informados por Flake e Rush que se eles não ficarem quietos, eles vão morrer. Não há motivo para duvidar disso. Grande parte dessa ação espelha os eventos em um filme anterior de De Palma, “Casualties of War†(1989), no qual Michael J. Fox interpretou um soldado do Vietnã que se afastou de uma violação. O que é diferente neste filme é o estilo visual, que nos informa pela sua própria natureza que, após a invenção da câmera de vÃdeo barata e da Internet, poucas ações podem ser consideradas secretas. De Palma usa este método [as imagens amadoras] para demonstrar como bons soldados (ou neutros) podem ser transformados em criminosos ou cúmplices silenciosos por uma ameaça de violência de seus camaradas. Como se você colocasse os homens em um inferno e os armar, e se eles estão predispostos à violência, eles nem sempre seguem as regras, ou até mesmo se lembram delas. “Redacted†é uma metáfora do que De Palma e outros acreditam ser a falha fatal da nossa estratégia no Iraque: Página 254 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR você não pode impor a “liberdade†a mão armada. Agora que cerca de 200 mil iraquianos morreram na guerra, por qualquer motivo e por qualquer um, é difÃcil ver quantos dos outros estarão tão agradecidos pela nossa presença como acreditamos que são. Isso é algo que Angel Salazar descobre durante a filmagem de seu documentário, embora, infelizmente, suas imagens-chave sejam relatadas de forma muito direta. [...] O resultado do filme é chocante, triste e frustrante. As pesquisas mais recentes mostram que a grande maioria do público americano retirou sua aprovação da guerra e seus arquitetos. Por que deveria ser um mistério que os iraquianos não nos amam? As nossas mães não nos perguntaram: “Como você se sentiria se alguém fizesse isso com você?†Sim, eles também estão nos matando, mas eles moram lá, e nós fomos a uma longa distância para nosso compromisso em Samarra.406 Roger Ebert sempre é bastante sutil em seus posicionamentos polÃticos acerca de filmes mais controversos, mas se nota aqui seu posicionamento favorável à crÃtica feita no filme de De Palma. O uso do estilo documentário de Guerra Sem Cortes é apreciado por Ebert que explica como as imagens são inseridas e justificadas no filme, bem como traz ao espectador a informação de que o filme é baseado em outra produção de Brian De Palma, Pecados de Guerra (Casualties of War, 1989), sobre o Vietnã. Kyle Smith faz uma apreciação sobre o estilo documentário utilizado em Guerra Sem Cortes, apontando a diferença em relação aos filmes documentários, sobretudo com uma visão diferenciada de Roger Ebert sobre a crÃtica polÃtica da produção: “Redacted†de De Palma, um documentário falso e sem orçamento que imagina as circunstâncias por trás da verdadeira violação e assassinato de uma menina cometida por tropas americanas no Iraque, é uma propaganda antiguerra cujos objetivos eu não concordo, mas que apesar disso me tocou. Há maneiras de um filme de ficção se aproximar da verdade mais do que um documentário real. Os documentários sofrem com o problema antropológico – sua presença pode fazer as pessoas agirem de forma diferente. O grande assunto de De Palma é um voyeurismo desagradável, embora desta vez seu olhar seja eletrônico e o fetiche é para o combate. Ele alterna entre o diário de um jovem soldado, um documentário francês sobre a guerra, transmissões de notÃcias árabes, vÃdeo-blogs e postagens terroristas. Enquanto observamos um momento horrÃvel do ponto de vista de um jihadista invisÃvel, o assassino extasiado sussurra o nome de Deus como se estivesse babando sobre uma garota pin-up. Nós observamos o terror estarrecedor enquanto os personagens, em vez de serem construÃdos em arcos para demonstrar um ponto ou outro, perdem suas vidas ao acaso. [...] De Palma quer as tropas fora [do Iraque] agora, mas, ao contrário da maioria dos documentários e filmes de ficção sobre o Iraque, seu trabalho é apaixonadamente antiguerra, não contra esta guerra. Seja o 406 EBERT, Roger. Redacted. Chicago Sun-Times, Chicago, 15 Nov. 2007. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/redacted-2007>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 255 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Vietnã, o tema central de seu filme similiar de 1989, “Casualties of Warâ€, ou o Iraque ou a Guerra da Criméia, os civis ficam presos nas rodas da máquina de guerra. Hoje, quando a guerra tende a igualar o conflito de guerrilha, a impossibilidade de separar combatentes de inocentes leva a agonias especÃficas. Uma mulher grávida é tragicamente morta por tropas em “Redacted†porque seu irmão acelerou num ponto de controle, ignorando avisos para parar, em sua pressa de chegar ao hospital. [...] Tomar uma decisão ruim que resulta em morte civil não te torna maligno – não na guerra – e nem mesmo quando, claramente, tenha sido uma péssima decisão. De Palma não está tentando insultar as tropas, mas ilustra como qualquer guerra coloca os homens em situações insuportáveis.407 O crÃtico toca nas diferentes abordagens sobre a guerra do Iraque através dos filmes de estúdios (filme de guerra, dramas, thrillers) e dos documentários, na forma como estes apresentam o conflito ao público, e acentua o problema da presença da câmera. Kyle Smith também comenta duas cenas do filme: a do ataque ao carro e no estupro de uma criança e a morte de sua famÃlia – baseado em caso real que ocorreu em 2006, em Bagdá, envolvendo cinco soldados dos EUA –, ambas citadas por outros crÃticos, talvez as mais controversas. Contudo, é curioso que Smith não veja a produção como uma crÃtica à Guerra no Iraque, mas sim contra qualquer guerra, pois ela é culpada por tornar os soldados maus, levando-os a escolhas erradas. Claramente o crÃtico se distancia de qualquer posicionamento contra as decisões do governo, como se o caminho fosse árduo, mas necessário. Mick LaSalle, evidencia mensagem de Guerra Sem Cortes e o imediatismo da produção, bem como seu tratamento frente a guerra no Iraque: A linha padrão em filmes antiguerra é que Hollywood começa a fazê- los seis ou sete anos após uma guerra, nunca durante. “Redactedâ€, o último do diretor Brian De Palma, não só vai contra esse padrão, mas também é um novo tipo de filme antiguerra, que poderia ter sido feito somente durante a guerra. Não é elegÃaco, mas enfurecido. Não olha para trás com tristeza, mas avança com medo. E é feito com uma clara intenção – parar a guerra no Iraque. Seu significado histórico pode ser resumido em uma frase: “Redacted†é o filme mais angustiante e veementemente pacifista já feito por um grande cineasta americano em um momento de guerra. É um filme desprovido de qualquer reflexão sentimentalista sobre as tropas ou a missão, e nem sequer se preocupa em fingir. Se um cineasta estrangeiro o fizesse, pareceria uma desagradável provocação. Mas vindo do homem que fez “Carrie†[Carrie, a estranha (1976)], “Scarfaceâ€, “The Untouchables†[Os Intocáveis (1987)] e “Carlito's Way†[O Pagamento Final (1993)], só 407 SMITH, Kyle. Battle-Scarred. The New York Post, Nova Iorque, 16 Nov. 2007. DisponÃvel em: <https://nypost.com/2007/11/16/battle-scarred/>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 256 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR poderia render uma das declarações cinematográficas mais valentes e precisas da década. De Palma conseguiu fazer o filme porque conseguiu chegar ao preço no vÃdeo digital. E então ele se virou e fez da necessidade uma virtude, usando vários tipos de técnicas de vÃdeo para contar sua história com um máximo de imediatismo e inovação. Às vezes, observamos os soldados se filmarem. Às vezes, vemos filmagens de vigilância ou vÃdeos da internet. Câmeras ocultas gravam conversas em algumas cenas. Em outras, vemos imagens de um documentário francês sobre o Iraque. Tudo é ficcional e criado por De Palma, que ganhou um Leão de Prata, merecidamente, como melhor diretor do Festival de Cinema de Veneza deste ano. Os personagens também são ficcionais. Mas os eventos retratados são baseados na verdade, incluindo o incidente central do filme, em que soldados americanos violam uma garota iraquiana de 14 anos, matam sua famÃlia, atiraram em sua cara e depois incendiaram seu corpo. O vÃdeo, com a sensação de tempo presente, cria a sensação de estar lá. O suor escorre pelos rostos dos soldados enquanto eles estão em um ponto de controle, e o público espera um desastre – um atirador, um carro bomba. O filme transmite o tédio infernal e o terror das linhas da frente e mostra o preço que eles cobram e, no entanto, nunca absolve os personagens da responsabilidade moral. Alguns nunca perderiam sua humanidade sob pressão, alguns sim, e outros usam a guerra como pretexto para serem tão cruéis e dementes como sempre quiseram ser. As tropas não são um monólito, mas pessoas com diferentes pontos fortes e fracos.408 Para Mick LaSalle, os documentários levam vantagem nas representações, isso de modo a justificar seus elogios a De Palma, pela utilização do estilo documentário, fazendo bom uso dos poucos recursos disponÃveis. Ademais, para o crÃtico, o posicionamento polÃtico da produção está bem claro: é contra a guerra do Iraque e mostra aos espectadores o que a guerra pode fazer com os soldados. Outro ponto que aparece na crÃtica de LaSalle se faz pela concepção “presentista†em relação à produção, aparentemente intensificada pelo próprio uso do estilo documentário, que acentua o efeito de verdade, imagens aparentemente fora do mise-en-scène e do padrão hollywoodiano. O mesmo imediatismo e “presentismo†dos 11 de Setembro acompanhou toda a Guerra no Iraque, e isto foi transmitido para Guerra Sem Cortes. Ou seja, além do contato dos espectadores com as imagens televisivas, seu horizonte de expectativas está permeado pela estética desse tipo de filmagens, amadoras, mal gravadas, mal enquadradas, e, acima de tudo, com forte efeito de verdade e de imediatismo. 408 LASALLE, Mick. Review: De Palma’s ‘Redacted’ brings you face to face with war. San Francisco Chronicle, São Francisco, 16 Nov. 2007. DisponÃvel em: <http://www.sfgate.com/movies/article/Review-De-Palma-s-Redacted-brings-you-face-to- 3301086.php>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 257 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR David Denby expõe alguns desses pontos presentes no cotidiano do público estadunidense: Todo mundo se queixa da sobrecarga de mÃdia, mas ninguém, inclusive eu, quer deixar de acessar a revistas, jornais, TV, blogs ou sites da Web – as milhares de fontes de informação imediata ou fútil. Estamos apanhados, com muita vontade, entre fome e excesso, curiosidade e consternação. Eu suponho que o fascinante, mas estranhamente atormentado “Redacted†de Brian De Palma foi feito em algo como esse humor ambivalente. [...] “Redacted†assume todos os tipos de riscos, e talvez não seja surpreendente que já tenha sido encarregado de fomentar o antiamericanismo ou que o próprio De Palma tenha sido acusado de exploração. Mas o filme explora um problema que tem sido debatido há anos, por Susan Sontag, entre outros – a moralidade das representações visuais da atrocidade – e se destaca como o oposto da exploração. De Palma não exibe nenhum corpo, e ilumina o ataque apenas com uma luz cintilante e vacilante; os assassinatos ocorrem fora de quadro. Ao todo, o ataque não excita nada além de desgosto. Nenhum de nós particularmente quer ouvir o que “Redacted†tem a dizer, incluindo os liberais que criticam a guerra, mas consideram os soldados como nobres vÃtimas. De Palma sugere, ao contrário, que alguns soldados ficaram desmoralizados pela polÃtica de guerra incoerente e caÃram em um comportamento criminoso – uma ideia desagradável, mas dificilmente, depois de Abu Ghraib e Haditha, uma mentira.409 Esse trecho da crÃtica de Denby, mostra o contexto social e polÃtico que envolve o lançamento de Guerra Sem Cortes, posterior aos escândalos ocorridos no Iraque como os abusos na prisão em Abu Ghraib, em 2003, e a morte de 24 civis iraquianos por fuzileiros navais dos EUA em Haditha, em 2005, ambos amplamente divulgados na mÃdia. São elementos que mostram o presentismo dos acontecimentos e nos mostram que o uso dessas imagens criadas para representar o calor dos ataques, se tornaram artifÃcios narrativos que dialogam com os espectadores. Ademais, a crÃtica também defende que o filme de De Palma mostra que se tornou difÃcil defender os próprios soldados dos EUA, depois das inúmeras fotografias que surgiram mostrando os abusos cometidos por estes contra prisioneiros. Anthony O. Scott nos apresenta o horizonte de expectativas acerca dos filmes sobre o Iraque, com o que cada um representa, inserindo Guerra Sem Cortes como uma boa tentativa de abordar os temas que circundam o conflito: “Redacted†de Brian De Palma, premiado em Veneza e em diferentes festivais de cinema em Telluride, Toronto e Nova York, é um de uma série de novos filmes americanos que tentam lidar com a guerra no 409 DENBY, David. Obsessed. The New Yorker, Nova Iorque, 19 Nov. 2007. DisponÃvel em: <http://www.newyorker.com/magazine/2007/11/19/obsessed>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 258 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Iraque e assuntos relacionados. Os seus modos e métodos variam amplamente – “Redacted†é furioso e provocador; O “Lions for Lambs†de Robert Redford é pedagógico e talentoso; O “In the Valley of Elah†de Paul Haggis é triste e inquietante – mas eu me sinto inclinado, em cada caso, mais ou menos a mesma conclusão. Fico feliz que determinado filme tenha sido feito, mas eu queria que fosse melhor. No caso de “Redactedâ€, tal ambivalência pode parecer estranha, já que o filme circunda, e claramente pode provocar, emoções fortes e desequilibradas. Suas notas dominantes são a raiva, o medo e a repulsa. A premissa do Sr. De Palma, implÃcita em sua escolha de tÃtulo e declarada em muitas entrevistas e pronunciamentos públicos, é que a verdade sobre o Iraque foi editada e encoberta, mantendo-se distante do público americano. Como pode ser discutido, o Sr. De Palma tentou preencher as lacunas em nosso entendimento – para nos colocar cara a cara com o que não conseguimos ver ou não queremos reconhecer – com uma colagem de imagens brutas e argumentos fervorosos. [...] O problema com “Redacted†é que a representação é uma mistura incondicional de naturalismo brutal e teatralidade autoconsciente, seu poder potencial é minado pela narração esquemática e a ação desajeitada. O que os dispositivos de gravação de baixa definição capturam é uma realidade menos sinuosa – ou um simulacro persuasivo – que o teatro de jantar [Tradução livre de dinner theater] ou um drama mal produzido feito para a televisão. Com a inovação a parte, “Redacted†raramente atinge a plateia com um choque genuÃno ou uma visão esclarecedora. Ele bate em um conjunto de ideias e emoções que são confusas e desagradáveis, isso é certo, mas também, agora, desanimadoramente familiar. Isso não é inteiramente culpa do Sr. De Palma, embora eu pense que ele pode ter diagnosticado mal a condição do público, que não é a falta de informações sobre o Iraque, mas sim uma paralisia moral e polÃtica generalizada. A informação está lá fora – confusa e dolorosa, sim, mas, no entanto, disponÃvel para discussão e análise. E agora? O que devemos fazer? Apoie as tropas? Termine a guerra? Avante para a vitória? Defender o que acreditamos? Estes são slogans, não ações. Fazer um filme, é claro, é uma maneira de fazer algo, e agradeço que o Sr. De Palma tenha trazido tal reflexão a tona. “Redacted†é certamente um doloroso documento de seu tempo, um registro da angústia, confusão e incerteza. E se ao final o Sr. De Palma não conseguiu transcender esses sentimentos ou abordá-los com a clareza e o frescor da perspectiva que a arte exige, e que os tempos tão desesperadamente exigem, o fracasso é quase só dele.410 Para Scott, o horizonte de expectativas de Brian De Palma não é o mesmo do público, pois não se trata da falta de informações ou imagens da guerra no Iraque, mas sim de uma espécie de bloqueio moral e polÃtico sobre o que está acontecendo. Para o crÃtico, a questão se trata da legitimidade e significado das exposições do diretor, que não levou à tela as aflições do momento vivido pelo paÃs. 410 SCOTT, Anthony Oliver. Rage, Fear and Revulsion: At War With the War. The New York Times, Nova Iorque, 16 Nov. 2007. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/2007/11/16/movies/16reda.html?ref=movies>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 259 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Kenneth Turan, do Los Angeles Times, considerou o filme de De Palma como uma grande bagunça, como sugere o próprio tÃtulo de sua crÃtica: “‘Redacted’ is one big messâ€. Seguem trechos abaixo: Por sua temeridade na escolha deste assunto, De Palma foi atacado de maneira previsÃvel pelo exército de patriotas profissionais da TV. No entanto, o problema com “Redactedâ€, não é com o assunto, nem com a decisão justificável de finalizar mostrando horrÃveis imagens documentais de iraquianos mortos. Isso é por qualquer padrão racional, este filme é apenas uma bagunça. Mesmo se você concordar com sua polÃtica, provavelmente você lamentará com a inépcia de tudo. Nesse sentido, “Redacted†é o mais recente de uma série de filmes, incluindo “In the Valley of Elah†e “Renditionâ€, que falharam na tentativa de dramatizar a guerra no Iraque. Bastante tedioso e sincero, nenhum grupo tem o brio que fez o filme da guerra no Kuwuait de David O. Russell, “Three Kings†[Três Reis], tão memorável quanto bem- sucedido. O gênero que prosperou durante esta guerra foi o documentário, e isso faz parte do problema de “Redactedâ€. Porque tantos excelentes docs como “Gunner Palaceâ€, “Ocupacion: Dreamlandâ€, “The Ground Truth†e “The War Tapes†nos mostraram exatamente como agem as tropas no Iraque, assistir a um filme grosseiro, didático e repleto de caricaturas, como o de De Palma, é tão frustrante quanto doloroso. [...] A sensação de frustração e aborrecimento que provocou “Redacted†é intensificada durante a cena de estupro do filme, que é dolorosa três vezes. Primeiro porque estamos testemunhando um horror, segundo porque sabemos que situações como esta podem existir e a terceira vez porque assistir a uma representação tão grosseira e fraca insulta a realidade que está tentando recuperar. O mesmo se refere para aquelas fotografias no final do filme, que agora são mostradas com os rostos das vÃtimas obscurecidos. Essa terrÃvel realidade não pode deixar de sublinhar o que é uma farsa que temos observado até agora.411 Kenneth Turan se mostrou bastante incomodado com as imagens criadas por De Palma, e para sustentar o argumento cita alguns documentários lançados em 2005, com pouca representatividade e distribuição nos EUA, tais como Gunner Palace e Ocupation Dreamland, e também The War Tapes, de 2006. Mas não citou Sem Fim à Vista, lançado poucos meses antes, talvez porque o responsável pela crÃtica do documentário não foi ele, mas Dennis Lim. Sobretudo, a posição de Turan se dá por certo apego ao realismo do gênero documentário na contramão dos filmes ficcionais, que buscaram nesse artificio causar o mesmo efeito que os documentários. 411 TURAN, Kenneth. ‘Redacted’ is one big mess. Los Angeles Times, Los Angeles, 16 Nov. 2007. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2007/nov/16/entertainment/et-redacted16>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 260 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Muitos crÃticos elegeram o documentário como o grande responsável por representar a Guerra do Iraque e, como se viu, essa criação de imagens ao estilo documentário foi bem recebida por muitos crÃticos, mas com exceções, como Turan. Possivelmente esse movimento estético de mostrar o “momentoâ€, como já exposto, foi uma maneira de levar o calor da guerra para o público, visto que estes documentários, em grande parte, são exibidos em festivais nos EUA, e não nos multiplexes. Algo diferente ocorreu com a produção Guerra ao Terror (The Hurt Locker, 2008). Mesmo tendo pouco destaque em sua época de lançamento, dois anos depois venceu o Oscar e recebeu elogios da crÃtica, que exaltaram muitos pontos do filme. Um destes foi por simplesmente entreter o espectador, mesmo tocando em temas complexos e cansativos, como destacaram alguns crÃticos. Segue abaixo a crÃtica de Claudia Puig, com apresentação do enredo e do porque a produção se destacou em meio à s outras sobre o mesmo tema: The Hurt Locker [No Brasil: “Guerra ao Terror] é facilmente o melhor dos filmes que se concentraram na guerra em andamento. Dirigido habilmente por Kathryn Bigelow, Locker é um retrato psicológico e um filme de ação emocionante. Ele captura as complexidades da guerra no Iraque com um suspense visceral, bem como sucessivas sequências de batalha e performances poderosas. Ao examinar de perto um trio de soldados corajosos, mas também muito realistas, traz o conflito à vida de uma maneira que nenhum filme anterior conseguiu fazer. A história, baseada nas observações de primeira mão do jornalista/roteirista incorporado [as tropas] Mark Boal, se concentra em técnicos de um esquadrão americano de eliminação de bombas. Temos uma sensação palpável do perigo constante e extremo, que é algo comum na rotina de suas vidas. Esses soldados defendem os insurgentes e se salvam mutuamente com atos diários de bravura. Não só eles estão lutando contra uma guerra complicada; mas em cada turno eles também se colocam diretamente em perigo, o que torna tudo um entretenimento emocionante. Bigelow explora o efeito sobre a psique de um perigo tão iminente tanto em grande escala como intimamente. O Sargento J.T Sanborn (Anthony Mackie) e o especialista Owen Eldridge (Brian Geraghty) foram treinados para lidar com bombas caseiras e dispositivos explosivos. Que causam a metade das mortes americanas e milhares de vÃtimas iraquianas no Iraque. Quando o arrogante sargento William James (Jeremy Renner) junta-se a equipe, Sanborn e Eldridge mostram certa antipatia por sua arrogância ao estilo cowboy e aparente desrespeito por medidas de segurança e protocolos a serem seguidos. Mas as coisas não são preto no branco. Com a saÃda iminente de Sanborn e Eldridge em pouco mais de um mês de Bagdá, eles tentam encontrar o novo lÃder e permanecerem vivos até voltarem para a casa. The Hurt Locker detecta sabiamente a distinção entre bravura e presunção e certamente estimula a discussão sobre o assunto. É um Página 261 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR filme assustadoramente memorável que é visualmente fascinante, pois é emocionalmente intenso.412 Como pode-se notar, o enredo de Guerra ao Terror tem traços comuns aos filmes sobre a guerra no Iraque. Ou seja, principalmente por abordar a rotina dos soldados, mas, como o crÃtico destacou, com nuances diferenciadas, extaltada n a forma como a diretora levou isso ao público. Ao mesmo tempo que busca representar a rotina perigoso, leva isso com emoção para o espectador, de forma que nenhum outro filme conseguiu fazer. Existe aqui uma motivação diferente para a aclamação da crÃtica, como veremos adiante com a crÃtica de David Denby: A guerra do Iraque foi dramatizada no cinema muitas vezes, e esses filmes foram ignorados tantas vezes pelo público dos cinemas. Mas “The Hurt Locker†de Kathryn Bigelow é a imagem mais habilidosa e emocionalmente envolvente sobre o conflito. O filme, de um roteiro de Mark Boal, tem um novo assunto: o heroÃsmo dos homens que desarmam os dispositivos explosivos improvisados, bombas caseiras, mas letais que são plantadas sob uma sacola ou pilha de lixo ou simplesmente sob a sujeira de uma rua de Bagdá. Bigelow encena um tiroteio longo e sinistro no deserto, mas o filme não pode ser chamado de filme de combate, nem é polÃtico, exceto por insinuação – uma desconfiança mútua entre ocupantes americanos e cidadãos iraquianos está lá em cada cena. A natureza especializada do tema faz parte do que o torna tão poderoso, e talvez o público americano, desgastado pela mistura de emoções de frustração e repugnância inspiradas pela guerra, poderá desfrutar deste filme sem ambivalência ou culpa. “The Hurt Locker†reduz a guerra ao confronto existencial do homem e a ameaça mortal. [...] “The Hurt Locker†é um pequeno clássico sobre tensão, bravura e medo, que será estudado daqui a vinte anos quando as pessoas tentarão entender o que aconteceu com os soldados americanos no Iraque. Se houver espectadores que estão cansados pela moda atual para a violência da fantasia implacável, este é o filme convincente e contundente para eles.413 Novamente, o filme fala sobre os soldados e as dificuldades enfrentadas por eles, de modo que não se preocupam com outras questões, como a polÃtica, por exemplo. Aparentemente, a produção dialogou com o horizonte de expectativas do público; a constante abordagem dos soldados, seu heroÃsmo, sem tocar propriamente na polÃtica, mas no que ela faz aos combatentes que estão na rotina de combate. Compreende-se que 412 PUIG, Claudia. ‘The Hurt Locker’ is both explosive and meditative. USA Today, McLean, 08 Jun. 2009. DisponÃvel em: <https://usatoday30.usatoday.com/life/movies/reviews/2009-06-25-hurt- locker_N.htm>. Acesso em: 05 jul. 2017. 413 DENBY, David. Anxiety Tests. The New Yorker, Nova Iorque, 29 Jun. 2009. DisponÃvel em: <http://www.newyorker.com/magazine/2009/06/29/anxiety-tests>. Acesso em: 05 jul. 2017. Página 262 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR é nesse ponto que os thrillers polÃticos são menos eficazes no tratamento da Guerra ao Terror, sendo que os espectadores aparentemente buscam algo que lhes aproximem do que outros americanos estão passando. Anthony O. Scott destaca alguns desses elementos: “The Hurt Lockerâ€, dirigido por Kathryn Bigelow, a partir do roteiro de Mark Boal, é o melhor não-documentário americano já feito sobre a guerra no Iraque. Isso pode soar como elogios rasteiros e também como uma sentença de morte comercial, já que os filmes sobre essa guerra não estimularam o público ou subiram ao nÃvel da arte. O esquadrão de dramas temáticos bem-intencionados que atravessou as telas no outono de 2007, eram ao mesmo tempo histéricos e evasivos, registrando uma ambivalência ansiosa e exaltada que não era esclarecedora, nem muito divertida. E o público, talvez suficientemente sensÃvel e confuso pela realidade, não estava ansioso para vê-lo recriado no cinema. [...] Não se trata necessariamente sobre as causas e consequências da guerra no Iraque, lembre-se. A insistência dos cineastas em ampliar e ficar perto das experiências, momento a momento, dos soldados no campo é admirável a seu modo, mas também um pouco evasiva. “The Hurt Lockerâ€, que ocorre em 2004 (foi filmado principalmente na Jordânia), retrata homens que arriscam suas vidas todos os dias nas ruas de Bagdá e no deserto além, e que estão muito estressados, muito ocupados e preocupados com os detalhes da sobrevivência para refletir sobre questões maiores, sobre o que eles estão fazendo lá.414 O debate sobre questões heroicas nos filmes pós-11 de Setembro é constante e quase sempre enaltecida. Guerra ao Terror é um ótimo exemplo, tecnicamente apurado, elogios à direção e à profundidade do tratamento aos soldados que se arriscam, elementos que garantiram os elogios da crÃtica. Dana Stevens, que constantemente criticou a falta de profundidade dos thrillers e os filmes de guerra, escreveu: No “Slate Movie Club†há alguns anos atrás, tive a chance de transmitir minhas queixas sobre o filmes de guerra de Hollywood. O pretexto para a discussão foi Flags of Our Fathers [A Conquiesta da Honra (2006)] de Clint Eastwood , mas o problema estrutural que discutimos é endêmico do gênero: os filmes de guerra tendem a começar por introduzir um grande número de personagens (um grupo iniciante no campo de treinamento, uma unidade de soldados, Etc.), diferenciando- os apenas o suficiente para que o público possa distingui-los (o guerreiro patriota, o covarde, o cara sensÃvel) e, em seguida, escolhendo-os um por um em uma série de cenas de batalha horrÃveis até o último homem em pé , nosso protagonista, morre ou vai para casa como um homem mudado. Esta estratégia de publicitária de suspense os deixa simultaneamente tensos (Quem vai ficar morrer em seguida, e como?) e cansativos (Quantos mais tem que morrer antes que eu possa 414 SCOTT, Anthony Oliver. Soldiers on a Live Wire Between Peril and Protocol. The New York Times, Nova Iorque, 25 Jun. 2009. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/2009/06/26/movies/26hurt.html?ref=movies>. Acesso em: 10 jul. 2017. Página 263 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR ir pra casa?). O argumento poderia ser feito, é claro, com essa alternância doentia entre tédio e medo, mas mostrando precisamente o que a guerra realmente é. Mas, com outras experiências intensas da vida (ter um filho, se apaixonar), o combate precisava passar por algum tipo de alquimia cinematográfica para que sua realidade se torne palpável na tela. Em The Hurt Locker (Summit Entertainment), Kathryn Bigelow realiza essa alquimia – e ela não faz isso rejeitando a estrutura comercial, mas reduzindo-a aos seus elementos mais básicos.415 Anos após os inúmeros filmes sobre o Iraque ou o terrorismo pós-11 de Setembro, certamente tornou-se mais fácil trabalhar com as expectativas do público, no que outras produções falharam e como buscaram levar isso ao espectador. O que Dana Stevens nos aponta é que houve essa falha na forma como os filmes representavam eventos, que mesmo tensos eram também cansativos para a audiência. Outras produções, como destacamos, giravam em torno de clichês do gênero de filme de guerra, mas distanciando-se de certos elementos presentes no dia a dia do espectador. De certo modo, nota-se o toque da diretora em Guerra ao Terror, mesmo quando os crÃticos elogiavam algum ponto de certo filme traziam a filmografia do diretor (a) para sustentar seus argumentos. O crÃtico Roger Ebert destacou no inÃcio de sua resenha sobre Guerra ao Terror que neste filme a guerra aparece como uma droga para os soldados: “The Hurt Locker†é um excelente filme, um filme inteligente, um filme gravado com clareza para que saibamos exatamente quem são, onde estão, o que fazem e por quê. O trabalho da câmera está a serviço da história. Bigelow sabe que você não pode fazer suspense com tomadas durando um ou dois segundos. E você também não pode contar uma história desse jeito, nem uma que lida com o mistério do por que um homem como James que aparenta ser dependente de arriscar sua vida. Um candidato principal para o Oscar.416 Esse é um elemento importante da obra, o vÃcio na guerra, uma abordagem diferenciada de filmes que buscam tratar o soldado como vÃtima, o patriotismo nesta produção tem um patriotismo mais obscuro e complexo. Muito próxima do que se observou neste tópico, a abordagem que se tornou comum sobre a guerra do Iraque foi a representação do combate e a volta para a casa, destacando os traumas causados pela 415 STEVENS, Dana. The Hurt Locker. Slate Magazine, Nova Iorque, 25 Jun. 2009. DisponÃvel em: <http://www.slate.com/articles/arts/movies/2009/06/the_hurt_locker.html>. Acesso em: 10 jul. 2017. 416 EBERT, Roger. Redacted. Chicago Sun-Times, Chicago, 15 Nov. 2007. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/redacted-2007>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 264 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR guerra e a não adaptação à rotina civil, principalmente nos filmes blockbuster. Mas neste caso, como destacou Ebert, se tornou dependente, um paÃs dependente da guerra. Muitos destes filmes tendem a recorrer a inúmeros clichês (o uso constante de flashbacks), como usos de filmagens no estilo documentário. Tais filmes possuem elementos que remetem a muitos filmes sobre Vietnã e também a Segunda Guerra Mundial. De certo modo, nota-se que mesmo exaltando o soldado, tais filmes possuem crÃticas a Guerra ao Terror, em maior ou menor grau, dialogando muitas vezes com elemento de filmes sobre a Guerra do Vietnã e/ou a Segunda Guerra Mundial. Ficou evidente que o foco dos filmes e documentários sobre a Guerra do Iraque, majoritariamente eram os soldados – com exceção de Sem Fim a Vista, que não é diretamente sobre as tropas, mas porque foram para o Iraque –, e em muitos casos seu retorna para casa. Em muitos momentos, as produções que buscavam fazer uma crÃtica a guerra causavam diferentes reações na crÃtica, por vezes se aproximando e distanciado de seu horizonte de expectativas. Elementos constantes além da linha básica, buscava-se inserir imagens ao estilo documentário, pois como se viu, em muitos momentos a crÃtica elegia ou comparava os filmes dos grandes estúdios com os documentários independentes e/ou de pequenas produtoras. Tudo isso aparenta uma busca a fim de levar ao espectador um aparente efeito de verdade sobre a guerra, até mesmo os crÃticos se entregaram a esse aparente imediatismo dos documentários, ligando a eles um forte sentido de realidade. Muito dessa defesa ao estilo documentário ficou evidenciada quando os filmes de famosos diretores, como Brian De Palma, e filmes aos moldes hollywoodianos, como No Vale das Sombras, usaram artifÃcios como imagens parecendo amadoras, gravadas pelos soldados, etc., sendo elogiadas por isso ou mesmo questionadas por não parecerem reais o suficiente. O que se nota é ainda uma disputa sobre a legitimidade das imagens que irão contar a narrativa da Guerra ao Terror pelo cinema, muito fortemente ligada ao marco de seu inÃcio, sem considerar ou levar em conta outros momentos do processo histórico, para além da guerra e a mobilização em favor da defesa da nação. A CRÃTICA CINEMATOGRÃFICA E A GUERRA AO TERROR EM HOLLYWOOD Página 265 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Evidentemente que Hollywood não desperdiçaria a oportunidade de abordar tal tema, seja a favor ou contra as ações do governo. E é disso que trataremos na sequência, sobre os filmes hollywoodianos que buscaram representar os efeitos da Guerra ao Terror, as polÃticas da Doutrina Bush. Evidentemente outros gêneros fÃlmicos também trataram dos efeitos da polÃtica antiterrorista, como documentários, filmes de ação, etc., mas um gênero fÃlmico que se destacou referente a esses temas foram os thrillers polÃticos, que tomaram a responsabilidade de levar ao público os complexos temas que envolveram a Guerra ao Terror e novamente isso se voltava principalmente ao Iraque. Tal como se expôs anteriormente, antes das abordagens sobre os efeitos do 11 de Setembro, houve representações do evento, primeiro com pequenas produções e depois aos poucos com grandes produtoras, filmes de guerra, intercalando conflitos anteriores com esse novo contexto antiterroristas, e temas da Guerra ao Terror foram surgindo. E neste momento, a partir de 2007, a Guerra ao Terror e a Doutrina Bush se tornaram mais presentes e intensas, não apenas com filmes esporádicos. Assim, na contramão à exploração de elementos que levaram à “realidade†ao espectador e sim a favor dos clichês hollywoodianos, temos o filme O Reino (The Kigdom, 2007), que tratou surperficialmente de vários temas complexos como pode-se observar em diversas crÃticas, trazendo à tona o orientalismo estadunidense. Abaixo trechos da crÃtica de Jack Mathews sobre O Reino: Finalmente, Hollywood descobriu o “problema†do Oriente Médio. Com exceção do inÃcio da década de 1940, quando a indústria do cinema se tornou promotora declarada de nossas honrosas campanhas na Europa e no PacÃfico, os estúdios têm sido relutantes em explorar as aventuras estrangeiras dos Estados Unidos. Certamente, Hollywood ignorou a guerra do Vietnã pelo máximo de tempo possÃvel. Os primeiros filmes ambiciosos sobre isso – “The Deer Hunter†[O Franco Atirador (1978)] e “Coming Home†[Amargo Regresso (1978)] – foram lançados três anos após a queda de Saigon. Mas aqui estamos, no meio da ocupação, insurreição, conflito étnico, guerra civil ou o que quer que esteja acontecendo no Iraque, e já houve filmes importantes sobre o assunto, o mais recente e o mais “Ramboâ€, como o é “The Kingdom†[No Brasil: “O Reinoâ€] de Peter Berg. O filme sobre quatro agentes do FBI que tentam encontrar os organizadores de um atentado terrorista contra um complexo, onde vivem trabalhadores americanos, não é especificamente sobre o Iraque. Trata-se de um incidente de ficção na Arábia Saudita que pode ter acontecido anos atrás, ou pode acontecer amanhã. Trata-se do Oriente Médio, do conflito cultural entre o Oriente e o Ocidente, a hostilidade religiosa entre os mundos cristão e muçulmano e o caminho democrático – e de Hollywood – no qual balas e bombas destroem os humanos com e sem prejuÃzo. Quando os relatórios do ataque chegam a sede do FBI, o agente Ronald Fleury Página 266 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR (Jamie Foxx) implora por permissão para ir a Arábia Saudita, com mais três agentes, investigar o caso. Seus camaradas são: o especialista em bomba Grant (Chris Cooper), a assistente forense Janet (Jennifer Garner) e o cômico Adam (Jason Bateman). Em Riade [capital da Arábia Saudita], eles acham que os sauditas não os querem lá e que estão determinados a não os deixar fazer seu trabalho. Poucos minutos depois eles estão totalmente envolvidos em tiros com hordas de terroristas sem rosto, no que eles são assegurados por seu único aliado militar saudita (Ashraf Barhom) de que é “uma parte ruim da cidadeâ€. Oh, e é pior do que isso. Os habitantes locais têm lançadores de foguete, Uzis e assassinos suficientes para executar o Rambo sem precisar de munição.417 Mathews nos dá uma boa perspectiva do tipo de abordagem e dos objetivos de Peter Berg. Uma produção com boas doses de patriotismo, sustentando a presença dos EUA no Oriente Médio, mesmo para aqueles que não a desejam. Esse tipo de perspectiva geopolÃtica já foi destaque há dois anos em Syriana, sem explosões gratuitas e com mais seriedade em seu tratamento do envolvimento em paÃs do médio Oriente. Anthony Scott, faz uma breve citação de Syriana e também compara O Reino como uma espécie de novo Rambo: O que é bom ver na turbulência geopolÃtica se você não pode divertir- se com isso? Hollywood tem colocado essa pergunta retórica há muito tempo – de “Ninotchka†[1939] a “Rambo†[1982] por meio de um batalhão de imagens de combate da Segunda Guerra Mundial – mas até agora tem sido um pouco sensÃvel sobre retratar os vários conflitos pós- 11/09, contribuindo para o entretenimento escapista. [...] “O Reino†conduz a precisão visual sem fôlego dos filmes sobre Jason Bourne – o que o estudioso do filme David Bordwell chama de “continuidade intensa†–, o universo abstrato do salão de espelhos e as trapaças dentro da C.I.A. para um mundo semi-plausÃvel de tensão internacional. Ao invés de explorar essa tensão, como outros filmes, a serem lançados, e aparentemente com mais seriedade pretendem fazer, o Sr. Berg e Matthew Michael Carnahan, o roteirista, fazem o possÃvel para aliviá- la com bolas de fogo e perseguições frenéticas. O resultado é um filme de gênero escorregadio e brutalmente eficaz: um “Syriana†para bobos. Mas não é inteiramente descartado. Os enigmas intrincados e sérios têm seu lugar no cosmos do filme, mas também fazem histórias simples e lineares com vilões e heróis claramente definidos, com muitas explosões. [...] Assim como “Rambo†ofereceu a fantasia de recontar o Vietnã, “O Reino†pode ser visto como um desejável cenário, revisionista, para a resposta americana ao terrorismo fundamentalista islâmico. De certa forma, é um filme anti-iraquiano, não porque expressa oposição à guerra por lá, mas apenas porque não os menciona. Em vez disso, o filme faz uma contra narrativa catártica. Depois de um ataque terrorista assassino, algumas das nossas melhores pessoas – 417 MATHEWS, Jack. Blast action heroes take Saudi power trip in ‘Kingdom’. Daily News of New York, Nova Iorque, 28 Set. 2007. DisponÃvel em: <http://www.nydailynews.com/entertainment/tv- movies/blast-action-heroes-saudi-power-trip-kingdom-article-1.247556>. Acesso em: 20 jul. 2017. Página 267 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR quatro, em vez de algumas centenas de milhares –vão para o paÃs que criou os terroristas, matam os bandidos e voltam para casa. E até mesmo deixam um sinal para uma sequência.418 As referências fÃlmicas feitas por Anthony Scott, circundam as que retratam a Segunda Guerra Mundial, como um modelo fÃlmico que representa momentos de exaltação para o cinema e expõe que Hollywood demorou a apresentar os recentes conflitos. Ademais, sinaliza que O Reino não seria a resposta ideal, não ao menos para uma reflexão com seriedade sobre os temas que trata, mas sim favorável ao governo e a Guerra ao Terror, e no qual o Rambo torna-se uma espécie de modelo e não o tratamento geopolÃtico mais profundo fornecido em Syriana. Essa comparação com Syriana se dá não apenas pelas questões que são tratadas com mais seriedade nas relações entre o Oriente médio e o Ocidente, mas pelo próprio gênero que alguns crÃticos pontuaram, assinalando que O Reino foi de um thriller aparentemente sério para um filme repleto de explosões. Esse ponto foi destacado por Claudia Puig, dentre outros apontamentos que seguem em trecho abaixo: O Reino começa como um thriller polÃtico, então se transforma em algo parecido com um filme de ação ou procedimento policial em um ambiente estrangeiro. Há também um elemento jingoÃsta perturbador destinado talvez a encorajar o fervor patriótico no meio da adrenalina. O filme abre poderosamente: uma bomba explode em uma empresa petrolÃfera americana na Arábia Saudita, matando 100 funcionários e seus familiares e ferindo outros 200. Um time renegado de quatro funcionários do FBI tem apenas cinco dias para investigar e encontrar os terroristas que desencadearam a terrÃvel explosão. Com seu trabalho de câmera rÃgido, edição rápida e estilo pseudodocumentário, que sem dúvida lembrará o Ultimato Bourne [2007, dirigido por Paul Greengrass], bem mais fascinante, especificamente na meia hora final com suas sequências de ação implacáveis e pulsantes. Uma perseguição nas rodovias e ruas sauditas é tensa e a explosão da bomba é realista e angustiante. O estilo frenético do diretor Peter Berg aumenta a tensão e uma sensação de desorientação. Mas alguns acharão sua qualidade caótica, vertiginosa e desagradável. Onde o filme mais tropeça é na tentativa de ser mais do que um thriller de ação. Ele tenta dizer algo profundo sobre a guerra contra o terrorismo e a tendência humana em relação a uma mentalidade de nós-contra-eles. Mas o final alimenta uma sensação de sede de sangue e depois tenta voltar para nos mostrar o erro 418 SCOTT, Anthony Oliver. F.B.I. Agents Solve the Terrorist Problem. The New York Times, Nova Iorque, 28 Set. 2007. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/2007/09/28/movies/28king.html>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 268 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR da vingança desenfreada. Fazer isso em ambos os sentidos raramente funciona.419 Novamente a questão do gênero fÃlmico aparece; o filme thriller tende a ser o que mais tratou da Guerra ao Terror, enquanto os documentários e o filmes de guerra se dedicaram a Guerra do Iraque. Claro, não se trata de uma regra, mas isso se mostra presente nas crÃticas. Claudia Puig traz esse ponto sobre o filme O Reino, que é patriota e, ao mesmo tempo, pretende discutir sobre o significado da luta contra o terrorismo, algo difÃcil de se fazer, em meio a constantes lançamentos com produções discutindo sobre a Guerra do Iraque e a luta contra o terrorismo com maior seriedade. No The New York Post, Lou Lumenick, não se mostrou favorável à produção e sua abordagem altamente desrespeitosa e desatualizada do Oriente Médio. Hollywood fornece ao mundo islâmico outro motivo para odiar os Estados Unidos com “The Kingdomâ€, um thriller de ação xenófobo, exagerado e vingativo, que exporta a mentalidade “Rambo†para o Oriente Médio contemporâneo. A montagem de abertura que retrata a história do reino da Arábia Saudita aumenta as expectativas de uma representação séria, politicamente incisiva da região. O que nós realmente recebemos é um filme ofensivo, ao estilo Bruckheimer, sobre o caso real do bombardeio da Real Khobar Towers de 1996, um ataque saudita do Hezbollah que matou 19 americanos. [...] As notas da imprensa para “The Kingdom†– um filme distribuÃdo pela Universal, uma subsidiária da principal contratada da defesa [dos EUA] a General Electric –aleatoriamente afirmam que não é polÃtico. Berg e seu roteirista, Michael Matthew Carnahan, mostram um desprezo indiscutÃvel pela noção de diplomacia do Oriente Médio, encarnada aqui pelo elenco de Jeremy Piven (“Entourage†[seriado de TV]) como o arrogante embaixador americano, que constantemente tenta convencer a equipe do FBI a ir para casa. Não só os nossos heróis resolvem o crime em tempo recorde, eles reconquistam misteriosamente suas armas, e muitos mais, os terroristas sequestram o personagem de Bateman para ser usado em um vÃdeo de decapitação como o de Danny Pearl [jornalista que foi sequestrado e morto pela Al- Qaeda, em 2002]. Neste ponto, o filme se transforma de uma investigação policial em uma completa fantasia de vingança – e novamente, habilmente encenado, com um enorme número de corpos árabes. Talvez em uma tentativa de silenciar as crÃticas, segue-se por uma conclusão totalmente distorcida sugerindo que não há tanta diferença entre nós e o inimigo. Hã? A mensagem implÃcita de “Rambo†e seus muitos imitadores é que terÃamos ganho a Guerra do Vietnã se tivéssemos simplesmente bombardeado o paÃs até voltar a Idade da Pedra. “O Reino†parece estar discutindo – conscientemente ou não – que existe o risco de o mesmo acontecer no Oriente Médio, a 419 PUIG, Claudia. Action aces Cohesion in ‘The Kingdom’. USA Today, McLean, 28 Set. 2007. DisponÃvel em: <http://usatoday30.usatoday.com/life/movies/reviews/2007-09-27-kingdom_N.htm>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 269 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR menos que os americanos, fortemente armados com vingança, recebam uma licença para efetuar execuções à vontade.420 O tom da crÃtica é semelhante ao das anteriores, isto é, uma representação fraca e deturpada sobre a relações dos EUA e do Oriente Médio, e aqui Lou Luminick nos traz alguns elementos do porquê da omissão de alguns assuntos, como a aproximação da Universal com a General Eletric, fornecedora de produtos para a defesa dos EUA. Mais de seis anos após os 11 de Setembro, e agora que Hollywood retomou a produção de filmes sobre o terrorismo e o Oriente Médio, isso tendo em conta as inúmeras produções e notÃcias sobre as consequências da Guerra ao Terror, o terrorismo ainda impera como o inimigo, já que o terror é a ideia por trás da constituição do 11 de setembro, como um novo capÃtulo na história dos EUA. E parte disso, num esforço do próprio governo e empresas a fim de justificar através do terrorismo a ideia que sustenta o 11 de setembro, suas incursões no Afeganistão e no Iraque. No Chicago Tribune, J. R. Jones foi ainda mais direto na sua opinião sobre O Reino, segue abaixo a crÃtica completa: Este filme de ação do diretor Peter Berg (The Rundown, Friday Night Lights) aspira à seriedade geopolÃtica de Syriana, começando com uma sequência sobre as relações entre os EUA e a Arábia Saudita e terminando com a moral aguçada sobre o ciclo de vingança. Mas não se deixe enganar – no seu núcleo, este é apenas outro pedaço grande de nada. Depois de um horrÃvel ataque aos cidadãos dos EUA em um complexo de companhias de petróleo em Riade, uma equipe de investigadores do FBI (Jamie Foxx, Jennifer Garner, Jason Bateman, Chris Cooper) chega à cena para rastrear os culpados. Os personagens são tão subscritos que apenas se qualificam como estereótipos, e o filme tem um ritmo ruim, marcado por sequências de ação com tiroteios, mas no meio dolorosamente estáticas. A polÃtica nunca ultrapassa uma vaga desconfiança dos árabes e, finalmente aparece, no nÃvel da exploração, com a cena do terrorista islâmico que se prepara para cortar a cabeça de Bateman.421 Para o crÃtico, O Reino é apenas um filme qualquer, que é “outro pedaço de nadaâ€. Essa declaração, juntamente com as crÃticas acima, mostra a distância do horizonte de expectativas do diretor frente a abordagem que propôs em sua obra. O contexto 420 LUMENICK, Lou. The King-Dumb. The New York Post, Nova Iorque, 28 Set. 2007. DisponÃvel em: <https://nypost.com/2007/09/28/the-king-dumb/>. Acesso em: 02 jul. 2017. 421 JONES, J. R. The Kingdom. Chicago Reader, Chicago, 28 Set. 2007. DisponÃvel em: <https://www.chicagoreader.com/chicago/the-kingdom/Film?oid=1064047>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 270 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR histórico não sustentava mais representações sem profundidade ou debate polÃtico, ao modelo John Rambo, de resolver conflitos. O Reino se esforça numa propaganda regada por explosões e sequencias de ação, almejando em algum momento seriedade, quando recorreu ao gênero thriller – o que lembrou Syriana para alguns crÃticos –, mas se entregou a habitual representação hollywoodiana. Eventualmente, a partir de 2007, muitas produções começaram a tratar temas sobre a guerra ao terrorismo, tratando cada vez mais de temas delicados, tortura, Ato Patriótico, que consequentemente trouxe muitas crÃticas exaltadas sobre o posicionamento polÃtico de alguns filmes. Temas que se referem as mudanças legislativas nos EUA, que retiraram direitos básicos em pró da luta contra o terrorismo. Esses temas com repercussões no interior do pais foram tratados no filme A Situação (Rendition, 2007), com crÃticas mistas. No New York Daily News, parte da resenha de Jack Mathews: Geralmente considerado um dos desapontamentos do recente Festival de Cinema de Toronto [Exibido no dia 07/09/2007], “Rendition†[No Brasil: “A Situaçãoâ€] de Gavin Hood merece uma segunda audiência do público em geral. Há alguns problemas com o ritmo, mas este thriller sobre a tortura sancionada pela CIA é um dos mais importantes filmes de “mensagem†do ano. A mensagem: A tortura é – ou deve ser – a maldição para pessoas civilizadas, ter outro paÃs praticando a sua tortura não o absolve do pecado. Os defensores da tortura gostam de levantar a hipotética questão de que se caso você pudesse evitar um ataque terrorista com informações adquiridas via tortura, você não faria isso? A resposta é, é claro, mas esse cenário raramente ocorre. Enquanto isso, quem sabe quantas pessoas inocentes resistem ao castigo medieval nas mãos dos “bonsâ€? “Rendition†conta a história de uma dessas pessoas, um engenheiro quÃmico americano-egÃpcio (Omar Metwally) que é levado por agentes da CIA após um voo da Ãfrica do Sul para Washington, DC, e levado a um paÃs norte-africano não especificado para interrogatório. O roteiro, de Kelley Sane, acompanhou de forma bastante desajeitada três eventos separados – o interrogatório “assistido†pelo agente da CIA, Doug Freeman (Jake Gyllenhaal); as tentativas da esposa americana do suspeito (Reese Witherspoon) em descobrir o que aconteceu com ele; e o atentado suicida que seu marido é suspeito de participar. Este último elemento é projetado para entregar uma revelação de ação final, mas, em vez disso, confunde a linha do tempo no filme. Os personagens são pouco desenvolvidos e Witherspoon, em particular, é desperdiçada como esposa suspeita que está no novo mês da gravidez. No entanto, Gyllenhaal mostra um conflito autêntico sobre o que ele está tendo que tolerar, e Meryl Streep, como o principal agente de terrorismo da CIA, que autoriza o sequestro, Página 271 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR não foi tão efetivamente perversa quanto em “The Manchurian Candidateâ€.422 A partir da crÃtica de Mathews tem-se a forma como ele visualizou a produção, destacando certos momentos, bem como mostrando as falhas narrativas, que confundem a linha temporal. Para além disso destaca que A Situação é o filme com a mensagem do ano, por trazer ao público o debate sobre a tortura – no entanto, algo já apresentado aos espectadores em Syriana, quando o agente da CIA foi torturado –, mas tendo em conta o contexto histórico, em conjunto com o horizonte de expectativas tanto do público como dos cineastas, repleto de novos elementos dos efeitos da Guerra ao Terror, isso se tornou mais evidente. Isso está presente na crÃtica de Carina Chocano, dos Los Angeles Times: O mais recente, de uma série de filmes que dramatizam a bagunça sem fim que é a guerra contra o terror através de histórias sobrepostas que se passam em lugares distantes, “Rendition†não poderia ser mais oportuno. Ele abre apenas uma semana após o Supremo Tribunal se recusar a rever o caso do “interrogatório forçado†de Khaled Masri, alegando que poderia expor os segredos de Estado. Masri, cidadão alemão de descendência libanesa, estava de férias na Macedônia, em 2003, quando foi sequestrado pela CIA, transferido para uma prisão secreta no Afeganistão e torturado por cinco meses, de acordo com suas contas. Quando perceberam que pegaram o cara errado, ele foi vendado e deixado numa zona rural da Albânia, sem dinheiro ou documentos. Depois de anos de busca por justiça sem sucesso, Masri foi preso por incendiar uma loja perto de sua casa na primavera passada, quando não pôde devolver um iPod que falhou em menos de uma semana da compra. São detalhes como esses que tornam o caso Masri tão lamentável, complexo e assustadoramente banal, e que aparecem em “Rendition†como um filme psicológico e genérico, e se útil, polÃtico.423 Ao fazer tal aproximação com o contexto de lançamento de A Situação e acontecimentos recentes, Chocano define o filme com pouca profundidade frente a uma situação real “lastimável†como expôs. Mas o tema abordado pela produção é o que aparentemente traz certa unidade entre as crÃticas, que não negaram o tema, mas buscaram através das falhas da produção ressaltar que se trata de uma produção hollywoodiana, sem valor polÃtico. Como exemplo, segue a crÃtica de Claudia Puig: 422 MATHEWS, Jack. ‘Rendition’ is story of torture. New York Daily News, Nova Iorque, 19 Out. 2007. DisponÃvel em: <http://www.nydailynews.com/entertainment/tv-movies/rendition-story-torture-article- 1.227475>. Acesso em: 02 jul. 2017. 423 CHOCANO, Carina. A serviceable if rather pat thriller on torture. Los Angeles Times, Los Angeles, 19 Out. 2007. DisponÃvel em: <http://articles.latimes.com/2007/oct/19/entertainment/et-rendition19>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 272 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Deve ter soado bem no papel: um filme sobre a polêmica polÃtica do governo de “entrega extraordináriaâ€, que envia terroristas suspeitos a centros de detenção secretos no exterior, com métodos pouco ortodoxos de extração de informações. Enquanto os ingredientes estão lá para fazer um thriller tenso e convincente pós-11/09, Rendition falha. O filme tem momentos tensos, mas os personagens são tão unidimensionais que é difÃcil realmente acreditar em suas exposições. Além disso, o filme se desenvolve desajeitadamente, com o entrelaçamento de histórias de uma maneira não-linear que se torna mais confusa do que esclarecedora. [...] Além disso, chegando logo após The Kingdom [O Reino], a história parece familiar. É intrigante que tantos thrillers de ação ultimamente se passam no Oriente Médio, proporcionando uma saÃda bem-vinda dos locais bem usados nos EUA ou na Europa. Ainda assim, Rendition, enquanto cativante, não nos pega como deveria.424 Claudia Puig não foi favorável à produção A Situação, que aparentemente tem elementos suficientes para ser um bom thriller polÃtico, chegando a citar O Reino ao qual também não fez uma crÃtica positiva. Em todo o caso, para a Puig o maior problema desses novos filmes passados no Oriente Médio é a falta de habilidade no tratamento dos assuntos que estão retratando. De certo modo, temos aqui alguns elementos do horizonte de expectativas dos espectadores, que giram em torno da polÃtica, para Puig, bem como outros crÃticos, os novos thrillers que não conseguem amarrar o enredo de forma coerente. Anthony O. Scott destaca esse elemento da discussão polÃtica nos recentes filmes: Dado o teor da discussão polÃtica nos dias de hoje, é inevitável que algum falastrão e uma pequena mente rotule “Rendition†de antiamericana. (Mas olhe! Uma rápida pesquisa na Internet revela que algumas pessoas já rotularam, muitas delas sem mesmo se preocuparem em ver o filme.) Afinal, é muito mais fácil discutir e ficar com raiva dos traidores liberais de Hollywood, do que refletir sobre os aspectos morais e questões estratégicas levantadas por algumas das polÃticas do governo americano. Mas são apenas essas questões que “Rendition†tenta abordar, de uma maneira que, embora pouco neutra – pode não surpreender você que os cineastas se manifestam contra tortura, sequestro e outros abusos –, no entanto, tenta ser equilibrado e reflexivo. [...] Então, “Rendition†é um filme bem-intencionado e honesto. O que não quer dizer que seja muito bom. Ele sofre especialmente de um tipo familiar de superlotação narrativa. O Sr. Sane e o Sr. Hood englobam freneticamente tramas em um esforço para visitar tantos campos de batalha ideológicos, religiosos e emocionais quanto possÃvel, e o resultado é como o cansaço de uma luta, bem como a sobrecarga de informações. Os cineastas obedecem à atual regra em 424 PUIG, Claudia. ‘Rendition’ fails to turn over interest. USA Today, McLean, 18 Out. 2007. DisponÃvel em: <https://usatoday30.usatoday.com/life/movies/reviews/2007-10-18-rendition_N.htm>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 273 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Hollywood, de que um filme com grandes temas e um tÃtulo de uma só palavra também deve ter múltiplos argumentos cronologicamente descentralizados. (Para sua consideração: “Crashâ€, “Syriana†, “Babelâ€). Mas eles [diretor e roteirista] não lidam muito bem com as complicações e tentam tirar uma surpresa no terceiro ato, que é mais um desenrolar lógico que uma reviravolta do enredo. Você pode passar os últimos 15 minutos esfregando os olhos e coçando a cabeça com perplexidade ao invés de lutar contra as lágrimas. [...] E sim, poderiam ter usado mais sutilezas, um toque mais leve, uma narrativa mais disciplinada. Mas todos os seus esforços desajeitados são em direção a um objetivo honesto e complexo, que é usar os recursos de filmes mainstream para fazer com que os telespectadores pensem sobre uma crise moral que muitos de nós preferem ignorar. Claro que é decepcionante quando esses esforços não conseguem, mas eu não gostaria de viver em um paÃs onde os cineastas nunca tentaram.425 Scott nos traz parte do horizonte de expectativas frente aos novos filmes sobre a Guerra ao Terror e o que ele expõe mostra que o contexto social pode trazer à tona algumas paixões polÃticas das mais exaltadas – o que se pode notar nas crÃticas analisadas. Tais elementos nos mostram o difÃcil percurso dos diretores e roteiristas em alcançar o nÃvel desejável de discussão sobre complexos temas, como o “extraordinary renditionâ€, criado ainda no governo Clinton, e utilizado por Bush após o 11 de Setembro. Torna-se interessante a pontuação de Scott sobre o estilo narrativo de A Situação, comparado como uma nova tendência de Hollywood, citando Crash: no limite (2004), Syriana: a indústria do petróleo (2005) e o Babel (2006). Todas as produções citadas tratam de algum modo de temas que envolvem o pós-11 de Setembro, mas de todas elas, apenas Syriana, como analisamos no terceiro capÃtulo, foi a fundo em diversas questões que fundamentam os discursos da Guerra ao Terror. Esse estilo narrativo ao qual o crÃtico cita é o chamado hyperlink cinema, o qual citamos na análise de Syriana. Essa estrutura narrativa de A Situação, e claro, sua perspectiva polÃtica, foram ambas mal recebidas por alguns crÃticos como Kyle Smith, do The New York Post: “Rendition†tem a profundidade de um autocolante sem qualidade. Você pode concordar que as forças renegadas estão usando o 11 de setembro como uma desculpa para torturar inocentes ou você pode pensar que o filme é outro caso de Hollywood, que não só perdeu a floresta para as árvores, mas também perdeu as árvores para as borboletas nas folhas. De qualquer forma, “Rendition†é mais melancólico do que indignado e mais estático que penetrante. Tem um buraco gigante em seu enredo (uma grande questão permanece sem 425 SCOTT, Anthony Oliver. When a Single Story Has a Thousand Sides. The New York Times, Nova Iorque, 19 Out. 2007. DisponÃvel em: <http://www.nytimes.com/2007/10/19/movies/19rend.html?ref=movies>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 274 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR resposta ao final), uma “reviravolta†previsÃvel e personagens mal concebidos – [Jake] Gyllenhaal é basicamente definido pelo seu vÃcio por chiclete. Nós nem sequer sabemos o que o personagem de Witherspoon faz para viver, ou qualquer coisa, ou como é o relacionamento dela com o marido (poderia haver alguma tensão envolvida em ser a esposa americana de um muçulmano egÃpcio? Ela está animada em ter a sogra em sua casa o tempo todo?), ou o que aconteceu entre ela e o auxiliar do senador [ex-namorado]. Sua única missão é desempenhar a esposa/mãe gritando: “Apenas me diga que ele está bemmm!†Defensivamente, o filme argumenta que as pessoas têm medo de criticar a Casa Branca por medo de serem chamados de “amantes de Bin Laden†(mmmk, o que explica a total falta de comentários negativos sobre a administração). A figura de Witherspoon entra facilmente nos corredores do poder (ela ainda consegue enfrentar a indiferente [Meryl] Streep), mas é incapaz, aparentemente, de pegar um telefone e ligar para qualquer repórter e fazer um escândalo. Nas notas para a imprensa, o diretor Gavin Hood (“Tsotsiâ€) disse: “A única coisa que o roteirista e eu não querÃamos fazer era dizer ao público o que pensarâ€. Ele deve estar se referindo a algum outro filme. Este tem um herói que diz: “Se você torturar uma pessoa, você cria 10, centenas, milhares de novos inimigos†e conclui que o terrorismo islâmico é uma resposta lamentável, mas compreensÃvel, frente as ações das agências de inteligência. A arte deve se espelhar na realidade – mas não através de um espelho emprestado do circo.426 Novamente observa-se o destaque para problemas da estrutura da narrativa, que busca surpreender, mas deixa a desejar. Kyle Smith se concentra nos próprios personagens, com destaque para o papel interpretado por Reese Whisterpoon, com situações que não fazem o menor sentido. Ademais, nota-se que o debate sobre o terrorismo é algo muito delicado para tratar – mesmo tendo sido feito em produções anteriores de forma enfática como em Syriana. Na mesma linha do gênero thriller, sobre o terrorismo pós-11/09, outra produção que foi constantemente citada nas crÃticas foi o filme Leões e Cordeiros (Lions for Lambs, 2007), que também sofreu um aparente ataque da crÃtica, pois, segundo essa, abordou a polÃtica, teve problemas narrativos, se tornou cansativo para alguns e se valeu do esforço para outros. Alguns pontos foram elencados na crÃtica de Elizabeth Weiztman, que segue na Ãntegra: Observando seu desesperadamente sincero “Lions for Lambsâ€, quase podemos sentir o diretor Robert Redford alcançando a tela para sacudir nossa complacência nacional. Se ao menos ele canalizasse parte dessa energia para construir um filme viável com o roteiro consistente de Matthew Michael Carnahan. Pouco mais do que um sermão bem- 426 SMITH, Kyle. War & Reese. The New York Post, Nova Iorque, 19 Out. 2007. DisponÃvel em: <https://nypost.com/2007/10/19/war-reese/>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 275 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR intencionado, o drama polÃtico de Redford tenta nos envolver com três linhas de enredo que ocorrem simultaneamente. O sentimento parece ser que se uma não funciona, outra talvez. Infelizmente, um argumento único e convincente teria sido muito mais efetivo do que as três sinceras palestras. Tom Cruise interpreta perfeitamente Jasper Irving, um ardiloso senador republicano que está disposto a fazer “o que for necessário†para ganhar a guerra do presidente contra o terror. Em uma das muitas negações do filme sobre a lógica da vida real, Irving escolheu revelar sua estratégia militar em uma entrevista exclusiva com uma jornalista muito lúcida e cética, Janine Roth (Meryl Streep). Do outro lado do paÃs, o professor de ciência polÃtica Stephen Malley ([o diretor, Robert] Redford) também está fazendo um discurso, embora seu alvo seja um estudante entediado chamado Todd (Andrew Garfield). Na tentativa de despertar Todd de seu coma apático, Malley descreve a história de dois ex-alunos, que estão – nesse mesmo momento – se sacrificando à estratégia do senador. Em uma encosta desolada no Afeganistão, vemos Arian (Derek Luke) e Ernest (Michael Pena) quando enfrentam as consequências, muito reais, das decisões feitas por homens brancos privilegiados como o senador Irving. Estes dois soldados estão despreparados, desvalorizados e é improvável que voltem para casa com seus entes queridos. Streep e Cruise são bastante convincentes em seus papéis, mas, como o resto do elenco, eles não estão interpretando personagens tanto quanto representando pontos de vista. Esta tática, e os argumentos válidos e familiares do filme, poderiam ter sido desenvolvidos com melhores resultados no teatro. Explodindo na tela grande, eles têm o efeito geral de tropeçar no tipo de debate acadêmico que – Redford pode estar feliz em saber – ocorre entre os calouros todos os dias.427 Pela crÃtica de Elizabeth Weitzman parece que o problema de Leões e Cordeiros é o mesmo de A Situação, que mesmo tratando de questões polÃticas que estão em alta no cenário fÃlmico, se atrapalha com a narrativa. Ao focar em três tramas diferentes – algo próximo do hyperlink cinema destacado anteriormente –, não convence, somando ainda o elenco e a falta de profundidade almejada pelo diretor. Essa aproximação com A Situação é destacada por Dana Stevens: Justamente quando você pensou que Rendition tinha ganhado o prêmio deste ano para o melodrama mais dramático e sem graça pós-11/09, aparece Lions for Lambs (United Artists/MGM), cheio de estrelas, dirigido por Robert Redford, produzido por Tom Cruise, que deveria ter sido chamado de Lesmas para Caracóis, tão vagarosamente se arrasta em direção a sua conclusão previsivelmente bombástica. À medida que você sente os 88 minutos eternos do filme, você deve ficar lembrando que Redford tem dirigido filmes, alguns deles muito bons, há quase 30 anos. No entanto, Lions for Lambs parece ter sido criado por alguém que nunca viu um desses moderno invento chamado 427 WEITZMAN, Elizabeth. ‘Lions for Lambs’ is a strategic blunder. New York Daily News, Nova Iorque, 09 Nov. 2007. DisponÃvel em: <http://www.nydailynews.com/entertainment/tv-movies/lions-lambs- strategic-blunder-article-1.257455>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 276 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR “cinemaâ€, ou, nesse caso, tenha testemunhado esse fenômeno conhecido como “discursoâ€. Todos no filme falam incessantemente – essencialmente, o filme é um registro de três conversas simultâneas que ocorrem em todo o mundo –, mas nenhuma linha de diálogo soa como algo que alguém realmente tenha falado. Depois de um tempo, a qualidade desnaturada do roteiro assume um fascÃnio próprio: como este filme sincero e bem-intencionado, lotado de talentos, consegue soar tão falso?428 Através da crÃtica de Dana Stevens fica ainda mais nÃtido que as recentes produções hollywoodianas têm dificuldades em levar aos espectadores a complexidade dos temas que circundam a Guerra ao Terror. E em muitos casos, isso acaba recaindo não apenas sobre a forma narrativa do filme, mas também sobre o próprio elenco, como fez Stevens sobre Leões e Cordeiros. O que se torna evidente nestes filmes é que não se trata apenas de abordar, mas principalmente em como inserir discussões, sobretudo num contexto em que muitas decisões ainda estão sendo tomadas pela Casa Branca, não há um distanciamento temporal para a realização desses novos filmes. Esse imediatismo tem seus efeitos ao abordar a polÃtica como se vê na crÃtica de Kenneth Turan sobre Leões e Cordeiros: A maior parte do tempo na tela vai para o tédio na Califórnia e para a discussão entre Streep e Cruise, em [Washington] D.C, que nos leva a novas alturas no Monte Banal; aparentemente, Hollywood é tão burra que acha que pode ser chamada de eficaz, simplesmente fazendo com que duas pessoas discutam temas que todos nós vemos em todas as mesas-redondas dos noticiários de TV nos últimos quatro anos. Streep torna os argumentos liberais tão rotineiros que a própria Streep poderia ter escrito suas falas (o Iraque nunca nos atacou, nós armamos Saddam em primeiro lugar, as pessoas que planejaram a guerra não tinham experiência de combate). [...] A única coisa que mantém o interesse do espectador é uma espécie de meta-suspense: qual lado o roteirista nos informará que ganhou? [...] “Lions for Lambs†orgulha-se de sua conversa rápida e suas grandes palavras, mas isso simplesmente coloca o script ao nÃvel de qualquer conversa de bar entre adultos informados. Ele pensa que tem uma visão radicalmente diferente porque nos diz para amar os soldados patrióticos e dedicados (os leões), mas odiar os polÃticos de D.C. (os cordeiros). Essa ideia realmente torna o filme menos corajoso, não mais. O que poderia ser menos controverso do que dizer, eu apoio as tropas, mas desprezo os tolos da Colina do Capitólio [bairro onde está localizada a Casa Branca]?429 428 STEVENS, Dana. Lions for Lambs. Slate Magazine, EUA, 09 Nov. 2007. DisponÃvel em: <http://www.slate.com/articles/arts/movies/2007/11/lions_for_lambs.html>. Acesso em: 02 jul. 2007. 429 SMITH, Kyle. Sheep Shots. The New York Post, Nova Iorque, 09 Nov. 2007. DisponÃvel em: <https://nypost.com/2007/11/09/sheep-shots/>. Acesso em: 02 jul. 2017. Página 277 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Novamente, a discussão polÃtica não foi bem recepcionada, mesmo que o crÃtico possa facilmente ser identificado como um republicano. Sobretudo, com ressalva à posição polÃtica, a narrativa do novamente aparece como um problema e isso para o próprio debate polÃtico. Mas como já destacado, esse movimento mostra que há um campo de disputa dentro do cinema, na forma ideal de se tratar os temas que envolvem a Guerra ao Terror e as polÃticas do governo Bush. A resenha sucinta de Claudia Puig destaca esses mesmos erros narrativos de Leões e Cordeiros, mas traz uma perspectiva diferente: É fácil admirar Lions for Lambs pelo que está tentando alcançar, mas, como executado, tem muitos diálogos e é cansativo. Um filme construÃdo em torno da discussão sobre o estado da vida americana precisa manter um diálogo afiado. Em vez disso, Lions dogmatiza. Embora os personagens façam algumas ligações consistentes, o filme se parece precoce e fica chato como entretenimento. Robert Redford dirige e estrela como um professor tentando incitar o fervor intelectual em um estudante arrogante, mas promissor (Andrew Garfield). Em uma palestra individual em seu escritório, ele elogia a bravura de dois ex- alunos (Derek Luke e Michael Peña) que se alistaram para o combate. O filme intercala uma ampla discussão ideológica, cenas de uma missão secreta no Afeganistão envolvendo os ex-alunos e uma entrevista excessivamente longa feita pela repórter veterana (Meryl Streep) com um senador republicano (Tom Cruise). Streep é discreto, enquanto o Cruise é extremamente persuasivo como o polÃtico oportunista. O filme assume objetivos-chave: polÃticos de todas as listras, jornalistas, academia, um público apático. Parabéns para Redford por tentar inspirar o ativismo, ou simplesmente fazer as pessoas falarem. Embora esses diálogos sejam dignos, o meio não parece certo para a mensagem.430 Somando esta crÃtica de Claudia Puig com outras sobre Leões e Cordeiros nota- se que, independente do posicionamento polÃtico, os mesmos problemas foram citados por diferentes crÃticos (as): narrativa, falta de profundidade, e muitas vezes chegando a atuação do elenco. O horizonte de expectativas do diretor, bem como de outros, não acompanha as constantes reviravoltas polÃticas do perÃodo, que, como vimos, compete com os noticiários de TV, jornais, etc. Sobretudo, há outro elemento que dificulta a abordam dos filmes que tratam da Guerra ao Terror – mesmo que em certos momentos cite a Guerra no Iraque, no caso de Leões e Cordeiros, a única no mainstream até o momento de seus lançamento, a tratar do Afeganistão –, que é um ponto de conexão com o espectador para fundamentar a crÃtica ao que ocorre no paÃs que está em guerra contra 430 PUIG, Claudia. As entertainment, ‘Lions’ whimpers rather than roars. USA Today, McLean, 08 Nov. 2007. DisponÃvel em: <https://usatoday30.usatoday.com/life/movies/reviews/2007-11-08-lions-for- lambs_N.htm>. Acesso em: 02 mar. 2017. Página 278 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR o terrorismo. Um desses pontos é o próprio soldado, as tropas que estão defendendo o paÃs, mas como se viu, muitos desses filmes, que utilizavam os soldados como locus do enredo, não intercalavam discussões polÃticas explÃcitas nem mesmo faziam uso de linhas narrativas complexas tal como os thrillers citandos anteriormente A Situação, Leões e Cordeiros. O filme a Rede de Mentiras (Body of Lies, 2008), segue como um thriller que se esforça para abordar a temática do terrorismo aos moldes hollywoodianos. Abaixo a crÃtica de David Denby: Há um momento surpreendente em “Body of Liesâ€, o novo e poderoso thriller dirigido por Ridley Scott – um momento que não só cristaliza o que o filme aborda, mas mostra as ironias da guerra assimétrica na era do terror. O agente em campo da C.I.A., Roger Ferris (Leonardo DiCaprio), se envolveu em um complexo plano para encontrar um lÃder terrorista do Oriente Médio que tem coordenado uma série de ataques na Europa. Mas Ferris, que está em Amã, na Jordânia, cometeu o erro de se apaixonar por uma enfermeira iraniana (Golshifteh Farahani). Quando ela é sequestrada pelos terroristas, ele se oferece em troca da sua liberdade dela. O chefe de Ferris, Ed Hoffman (Russell Crowe), um mandachuva da C.I.A., que segue Ferris via telefone celular e laptop dos subúrbios de Washington, chega ao Oriente Médio para acompanhar a troca por meio de um drone Predator, que sobrevoa o deserto. A C.I.A. quer ver onde Ferris está sendo levado; está disposto a usá-lo como isca. Mas os terroristas não colaboraram; eles chegaram em quatro S.U.V.s, dirigem em cÃrculos (levantando uma nuvem de poeira, que bloqueia a visão do Predator), pegam Ferris e seguem em quatro direções diferentes. Que S.U.V. os americanos devem seguir? E a principal questão de todo o filme: os americanos têm todas as vantagens tecnológicas, mas não conhecem as pessoas, os sinais de confiança e honra; eles não sabem qual caminhos os terroristas seguiram, e eles não conseguem descobrir. O roteirista, William Monahan (“The Departedâ€), que escreve a partir de um livro do colunista do Washington Post, David Ignatius, apresenta Ferris como uma espécie de modelo, ele parece, lamentavelmente, ser o único na C.I.A. com sensibilidade cultural para entender a natureza da guerra em que estamos lutando. Hoffman, um sulista doce, mas implacável, fez do antiterrorismo seu chamado – para ele, a civilização está em jogo –, mas ele é muito impaciente. No final, os americanos estão lutando por informações, carregando peças de computador para fora dos esconderijos destruÃdos, usando pessoas no Oriente Médio à esquerda e à direita e depois descartando-as. As pessoas são mortas por mentiras. Este filme não é sobre uma guerra que estamos ganhando. Grande parte da atmosfera e a ação de “Body of Lies†são familiares a filmes recentes como “The Kingdomâ€, “Renditionâ€, “Vantage Point†e “Traitorâ€. [...] No final, o terror ainda escapa ao entendimento dos cineastas.431 431 DENBY, David. Good Fights. The New Yorker, Nova Iorque, 13 Out. 2008. DisponÃvel em: <http://www.newyorker.com/magazine/2008/10/13/good-fights-david-denby>. Acesso em: 05 jul. 2017. Página 279 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR A crÃtica de David Denby possui vários pontos interessantes, fazendo inúmeros elogios a Ridley Scott, mas ao final expõe que: “No final, o terror ainda escapa ao entendimento dos cineastasâ€.432 Ao longo de sua descrição do enredo do filme, fica evidente que muitos dos artifÃcios da cena especÃfica citada por Denby, nos remete a outro thriller, Syriana, como por exemplo: a capacidade de um agente em ser o único que compreende a cultura e as especificidades do local onde atua e a os aparatos tecnológicos que a C.I.A. possui, que marca a sequência filme de Syriana, sendo acompanhado via satélite dos EUA. Sobretudo, Syriana sequer é mencionado nas crÃticas sobre Rede de Mentiras; as explicações podem ir do simples esquecimento à seleção pessoal do crÃtico. Marjorie Baumgarten, do The Austin Chronicle, também faz elogios à produção de Ridley Scott, e também destaca alguns pontos que o crÃtico anterior havia apontado, mas traz certa insatisfação quanto ao resultado final da obra, talvez chamando a atenção do espectador pelos artifÃcios tecnológicos do filme: Ferris [DiCaprio] fala a lÃngua local e se esforça para se misturar, mas ele também coloca seu corpo na linha com uma fisicalidade que quase faz fronteira com o masoquismo. (A tortura brutal que ele sofre em certo momento é quase insuportável de assistir.) Entretanto, seus movimentos no são observados em tempo real, através de uma série de modernos dispositivos de comunicação por seu manipulador, Ed Hoffman (Crowe). As imagens aéreas dos drones rastreiam Ferris em suas missões com uma precisão que nos faz não só se maravilhar com a sofisticação da tecnologia americana, mas também se perguntar como, apesar da vantagem de toda essa magia técnica, os americanos poderiam perder qualquer batalha que travassem. Crowe, que engordou um pouco para esse papel, interpreta Hoffman como um companheiro de empresa que conduz a guerra contra o terrorismo do conforto de sua sala de estar. Sempre observando Ferris em alguma tela de TV e monitorando suas ações através de um contato constante com o telefone celular, Hoffman emite ordens enquanto simultaneamente está treinando com seus filhos ou deixando-os na escola. [...] O diretor de Black Hawk Down, Scott, demonstra novamente sua experiência na montagem de um thriller temático e também no seu impressionante comando de relacionamentos e estruturas espaciais, uma habilidade já exibida em filmes tão antigos como Alien e Blade Runner. DiCaprio e Crowe, que oferecem performances excelentes, podem, no entanto, serem ofuscados pela vitória do ator britânico Strong como o chefe de segurança jordaniano impecável e exigente, Hani Salaam. Apesar das fantásticas habilidades de atuação e narração evidentes aqui, Body of Lies permanece estranhamente sem emoção. Pouco é oferecido sob a forma a origem 432 DENBY, David. Good Fights. The New Yorker, Nova Iorque, 13 Out. 2008. DisponÃvel em: <http://www.newyorker.com/magazine/2008/10/13/good-fights-david-denby>. Acesso em: 05 jul. 2017. Página 280 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR dos interesses ou caracterizações compassivas, tornando o filme tão efêmero quanto seu tÃtulo.433 Marjorie Baumgarten também destaca ao espectador as inovações tecnológicas, enquanto um dos agentes está no fogo cruzado, o outro controla tudo em meio a atividades de sua rotina familiar. E tal como na crÃtica anterior, Baumgarten faz uma menção a uma sequência do filme, na qual o personagem de Leonardo DiCaprio é torturado. Novamente Syriana aparece para nós, não através da crÃtica acima, mas a tortura também foi tratada e amplamente noticiada ainda em sua época de produção, pois George Clooney, que também engordou para o papel, foi hospitalizado em virtude da brutalidade que buscaram retratar na cena. Tal como vemos de forma recorrente, variando de crÃtica a crÃtica, traz- se a filmografia do diretor e, neste caso, para eventualmente atrair o espectador, mostrando que ao menos existem proximidades com o novo filme. Roger Ebert, em sua crÃtica publicada originalmente no Chicago Sun-Times, também enfatizou a tecnologia presente no filme, mas dando destaque à s provações do protagonista: Se você se afastar das locações realistas e do diálogo conciso, “Body of Liesâ€, de Ridley Scott, é um enredo James Bond inserido nas manchetes de hoje. O filme quer ser persuasivo em sua perÃcia sobre espionagem moderna, terrorismo, CIA e a polÃtica no Oriente Médio. Mas seu herói é um agente solitário que atua em três paÃses, cria uma organização terrorista fictÃcia, e sobrevive a explosões, armas de fogo e tortura brutal. Ah, e ele se apaixona por uma beldade local. E é claro que ele fala árabe bem o suficiente para se passar por um nativo. [...] O filme depende de duas maravilhas eletrônicas. Uma é a capacidade da Ferris em manter contato instantâneo, sem esforço, via telefone celular com Hoffman, em Washington. Usando um desses dispositivos na orelha, ele parece acompanhar a conversa com seu chefe, mesmo em situações perigosas (seu chefe muitas vezes se distraà cuidando de seus filhos). A outra maravilha é a vigilância aérea tão precisa que pode observar uma pessoa especÃfica andando pela rua. O dispositivo de vigilância é tão estável, que é difÃcil acreditar que ele se origina de um dispositivo espião em alta altitude e em movimento rápido. Ao discutir “Black Hawk Down†de Ridley Scott (2002), questionei a tecnologia infravermelha que permitia que comandantes monitorassem a distância os movimentos das tropas em solo. Muitos leitores me informaram que foi baseado em fatos. Talvez as imagens surpreendentes em “Body of 433 BAUMGARTEN, Marjorie. Body of Lies. The Austin Chronicle, Austin, 10 Out. 2008. DisponÃvel em: <https://www.austinchronicle.com/calendar/film/2008-10-10/683538/>. Acesso em: 03 jul. 2017. Página 281 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Lies†sejam precisas; se assim for, é apenas estamos a um passo para localizar bin Laden utilizando uma varredura aérea.434 Ebert destaca de forma irônica o thriller Rede de Mentiras, com o famoso personagem da série de filmes James Bond, acentuando os problemas da produção, como certos exageros sobre as provações do personagem de Leonardo DiCaprio. Apontamentos que já demonstram ao espectador o tipo de abordagem e foco que o filme produzira, dialogando com diversos temas recorrentes que circundam a Guerra ao Terror, sem propor algo novo. Há sim, senundo ele, um excessivo foco no herói e os desafios que enfrenta ao longo do filme. De tal modo, finaliza sua crÃtica escrevendo: “Um número crescente de thrillers parece se concentrar em heróis que são masoquistas cercados por sádicos, e estou cada vez mais cansado do horror! Ah, o horror!â€. Ademais, mesmo sutil e irônicode ironicamente, deixa o espectador refletir sobre o poder dos EUA, mas sobre a ineficácia em capturar Osama bin Landen. Dana Stevens, novamente mostra seus descontentamento em relação ao cenário fÃlmico, no qual Rede de Mentiras não se distância do horizonte de expectativas: Body of Lies (Warner Bros.), o novo thriller de Ridley Scott sobre o Iraque, é praticamente indistinguÃvel de The Kingdom ou Rendition ou incontáveis thrillers recentes sobre o terrorismo em que os árabes intercambiáveis com kaffiyehs [lenços envoltos na cabeça] fazendo coisas horrÃveis aos bonitões da primeira lista de estrelas de Hollywood. Certos momentos são contratualmente necessários para acontecer em um filme como este: camelos irão atravessar o horizonte enquanto a voz de uma mulher chora em árabe na trilha sonora. Uma tomada aérea que parece carÃssima sobre a sede da CIA em Langley, Virginia, com uma legenda na parte inferior esquerdo da tela, “Langley, VirgÃniaâ€. Jeeps vão explodir no deserto. A testa de Leonardo DiCaprio transpirará em um close-up extremo. Vou consultar meu relógio. [...] Agora que o filme de ação sobre a guerra contra terror se tornou tão difÃcil quanta os da Guerra Fria, as Convenções de Genebra deveriam ser revisadas para incluir uma moratória sobre o retrato da tortura em Hollywood (não que os memorandos Gonzales não pudessem encontrar uma maneira de contornar isso também). De forma insidiosa, a incorporação contÃnua de cenas de tortura em uma história de espião padrão muda o foco do espectador do polÃtico para o pessoal, de “Nunca mais†para “Não! Não são os dedos de Leo!†Nada contra esses dedos atraentes e bem assegurados, mas ainda estou esperando pelo thriller de guerra ao terror 434 EBERT, Roger. Body of Lies. Chicago Sun-Times, Chicago, 08 Out. 2008. DisponÃvel em: <http://www.rogerebert.com/reviews/body-of-lies-2008>. Acesso em: 05 jul. 2017. Página 282 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR que tem mais em mente do que a ameaça que a Al-Qaeda coloca para as estrelas de cinema.435 Dana Stevens, assim como outros crÃticos, faz a descrição do enredo e relações com outros thrillers sobre a Guerra ao Terror, cada vez mais presentes em Hollywood, e repletos de clichês, ironicamente necessários para qualquer eventual filme sobre o Oriente Médio. Muitas destas cenas citadas por Stevens, estão presentes em Syriana, por exemplo, mas não foi citada. Ao fim, destaca a sequência de tortura com Leonardo DiCaprio sendo irônica, pois o espectador ao invés de se centrar em aspectos polÃtico do filme, sobre o debate da tortura, pensa na tortura sofrida pelo protagonista. Nota-se que para Stevens não há nada de novo, e se trata de uma produção que se entregou ao modelo hollywoodiano, com os artifÃcios habituais de uma produção com grandes astros. Scott Foundas escreve que dentre todos os thrillers pós-11/09, Rede de Mentiras é o mais “perspicaz†e “divertidoâ€, e segundo ele se trata de “Um novo tipo de filme de guerra para um novo tipo de guerra, Body of Lies é sobre a Guerra contra o Terror, pois está sendo travado no chão, no ar, mas sobretudo no ciberespaçoâ€, referenciando-se a tecnologia presente no filme. Ademais o crÃtico escreve: Chame-o de “terror pornô†[No original: “terror pornâ€] (como um colega divertidamente chamou a recente onda de filmes de espionagem de Hollywood), se necessário. Como Syriana, The Kingdom e Rendition, Body of Lies começa com uma dose saudável de relevância pós-11/09, quando um terrorista árabe explode a si mesmo (e um bloco inteiro de Manchester, Inglaterra) em pedaços quando a polÃcia tentou apanhá-lo. Um substituto barbudo de Laden – aqui um guru de origem sÃria, educado nos Estados Unidos, chamado Al-Saleem (ator israelense Alon Aboutboul) – um passo à frente, assume a autoria e promete novos ataques para “vingar as guerras americanas no mundo muçulmanoâ€. [...] Mas, apesar de seus atributos genéricos (e seu tÃtulo), o filme de Scott pode ser o mais perspicaz de todos os thrillers pós-11/09 – e também o mais puramente divertido – na forma como ele mapeia os vetores e as correntes do jogo moderno da inteligência sem nos perder em seu denso bosque narrativo.436 435 STEVENS, Dana. Glossy Torture. Slate Magazine, Nova Iorque, 10 Out. 2008. DisponÃvel em: <http://www.slate.com/articles/arts/movies/2008/10/glossy_torture.html>. Acesso em: 05 jul. 2017. 436 FOUNDAS, Scott. Ridley Scott’s Body of Lies is the Post-9/11, Tech-Savvy Terror Thriller We Deserve. The Village Voice, Nova Iorque, 08 Out. 2008. DisponÃvel em: <https://www.villagevoice.com/2008/10/08/ridley-scotts-body-of-lies-is-the-post-911-tech-savvy- terror-thriller-we-deserve/>. Acesso em: 05 jul. 2017. Página 283 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR A alcunha curiosa de “pornô terror†dada pelo amigo do crÃtico, mostra que mesmo almejando a seriedade no tratamento da Guerra ao Terror, o filme se entrega a vários artifÃcios que começam a se tornar comuns nos recentes filmes sobre o tema. Não foi o único, Lou Lumenick, do The New York Post, também usou o termo para descrever o filme, mas cita o filme Syriana como comparação sobre a qualidade de Rede de Mentiras: Estamos chocados – chocados! – ao saber que a CIA não é confiável, a revelação única, e não exatamente nova, do thriller bombástico sobre o Oriente Médio de Ridley Scott, “Body of Liesâ€. Encarnado por Russell Crowe – que teria ganhado 20 kg para se parecer com uma versão não oficial de Bill Clinton como chefe da agência no Oriente Médio – a CIA está constantemente enganando seus aliados e até mesmo seus funcionários. Aqueles traÃdos incluem o agente idealista e improvável n.º 1 da agência na área. Porque ele é interpretado por Leonardo DiCaprio, rentável em bilheteria, é uma ótima suposição de que ele vai sobreviver com um pequeno dano duradouro, exceto, possivelmente, um par de unhas perdidas. Isso é mais do que você pode dizer para algumas pessoas com quem ele trabalha em um filme cheio de coisas explodindo em intervalos muito curtos. Chame de pornografia terrorista, ou “Syriana†para bobos. [...] “Body of Lies†está sendo saudado em alguns lugares como um “novo†tipo de suspense de guerra. Embora esta produção brilhante possa atrair público que está sofrendo de fadiga de batalha, não é nada disso. Além de uma nova maneira habilidosa de evitar a vigilância no meio do deserto, não há nada aqui que não vimos em muitos outros filmes – incluindo “Spy Game†[Jogo de Espiões, lançado em 19/11/2001], dirigido pelo seu irmão Tony de Scott antes do 11 de setembro.437 Lumenick é bastante irônico quanto a Rede de Mentiras trazer a ideia de desconfiança sobre a CIA, para ele uma abordagem nada inovadora, ademais faz sua apreciação sobre os personagens e o elenco. Primeiro com o ator Russel Crowe como uma espécie de alegoria de Bill Clinton e depois com Leonardo DiCaprio que, mesmo sendo tortura, pagou um preço baixo. Ambos elementos estão presentes em Syriana: George Clooney engordou para o papel e também foi torturado. O crÃtico citou a produção como se Rede de Mentiras fosse uma versão menos intelectual que o filme de Stephen Gaghan. Ademais, Lumenick escreve que Rede de Mentiras está sendo saudado como um novo modelo de filme de guerra, mas que não tem nada de novo, inclusive com elementos de filmes anteriores aos eventos de 11 de setembro de 2001. 437 LUMENICK, Lou. Espionage for Dummies. The New York Post, Nova Iorque, 10 Out. 2008. DisponÃvel em: <https://nypost.com/2008/10/10/espionage-for-dummies/>. Acesso em: 05 jul. 2017. Página 284 CAPÃTULO IV – A RECEPÇÃO DA GUERRA AO TERROR Como pode-se ver nos filmes sobre a Guerra ao Terror, que abordam diversos temas que a circundam, o contraste polÃtico está fortemente presente nas crÃticas, que nas entrelinhas debatem sobre a narrativa, gênero, e estrutura adequada ao tratamento da Guerra ao Terror, e, como vimos no subtÃtulo anterior, também sobre a Guerra do Iraque. Muitos desses filmes transitaram entre adeptos das polÃticas antiterroristas e os contrários. Debate esse que também apareceu entre os crÃticos, e isso referente não apenas aos filmes de grande porte, das grandes produtoras, mas também sobre os filmes independentes muito presentes, mas que ainda continuam à margem. Poucos chegaram a ter impacto nos EUA, em muitos casos chegaram a ser exaltados e reverenciados pela crÃtica, mas em outros casos, os filmes eram exibidos em festivais, sem ampla distribuição para o grande público. Muitas produções – com abordagens semelhantes e temas já tratados em Syriana (2005) –, buscaram questionar a ideologia antiterrorista, principalmente quando se trata da guerra do Iraque, mas tratam tudo como um processo direto das ações que se atrelaram ao 11 de Setembro, pois todos estes filmes de uma forma ou de outra voltam-se ao terrorismo. Página 285 Considerações Finais CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando se refere aos EUA e seus atos, em campanhas diversas pelo globo, uma das primeiras linguagens que nos vem à mente sobre como esse paÃs conta seu passado é a cinematográfica, tamanha a força que ela exerce no cenário global, principalmente referente aos filmes dos grandes estúdios de Hollywood. Muitas vezes contrastando com as abordagens vigentes sobre determinados eventos, o cinema se torna campo de disputa frente a narrativa histórica. De tal modo, fica evidente que o perÃodo da história dos EUA aqui tratado não poderia ser contado sem as imagens. As imagens televisivas e a intensa cobertura mÃdiatica fortaleceram a nova pauta do governo, e, sobretudo, o imaginário social de que novos ataques terroristas poderiam ocorrer aos EUA. O poder das imagens foi crucial para que diversas mudanças nas polÃticas internas e externas ocorressem, com George W. Bush tendo forte apoio do Congresso e da população, bem como da comunidade internacional. Portanto, houve um acontecimento, que carregava uma nova concepção de guerra e de ataques sem precedentes, um marco, houve uma comoção das grandes nações, que justificaram a intervenção no Afeganistão, numa espécie de represália, culpando um paÃs por abrigar, ou eventualmente ter aproximações, com grupos terroristas. E que posteriormente se estendeu a outros paÃses, o Eixo do Mal. Assim, nessa nova estratégia global contra o terrorismo deixava de lado outros pontos da atuação dos EUA no Oriente Médio, de seu impacto na região, que foram suprimidos em favor do novo empreendimento. Constituia-se uma nova interpretação dessas relações a partir do marco, intensificando a estereotipação dos paÃses árabes; a nação ficaria a mercê da narrativa da Guerra ao Terror. O que se propagou ao longo do governo W. Bush se pautava na concepção de que o terrorista fundamentalista islâmico era uma pauta, diga-se de passagem, relativamente “nova†e que ganhou os holofotes a partir do 11 de Setembro, mas que se já figurava na agenda de ameaças após a Segunda Guerra Mundial. Sobretudo, com o passar dos anos os argumentos do governo estadundiense se mostraram frágeis e em muitos momentos sem fim à vista, o que aos poucos dimumui o apoio dos cidadãos estadunidense e da comunidade internacional. Os filmes, nesse processo, sofreram o efeito das imagens televisivas e, claro, de uma interpretação ligada ao marco. O cinema hollywoodiano que se manteve distante por muitos anos que se aproximavam do marco, focou em alegorias e filmes escapistas, apenas com o passar dos anos, quando se tornou inevitável tratar tais temas os levou ao público; o cinema independente/estrangeiro tratou de primeiramente representar os Página 287 CONSIDERAÇÕES FINAIS atentados e posteriormente houve grande representação da Guerra do Iraque. Ou seja, tanto os filmes favoráveis como os contrários estavam inseridos na narrativa da Guerra ao Terror, principalmente se ressaltar que raros filmes contestaram a invasão do Afeganistão. Produções favoráveis ao governo republicano, dos grandes estúdios, eventualmente se esforçariam para tratar temas delicados e mostrar que o cidadão teve momentos “vencedoras†em conflitos anteriores. As crÃticas cinematográficas foram essenciais para compreender como a luta contra o terrorismo estava fortemente ligada ao marco, a uma periodização, e como isso impactou no cinema estadunidense, bem como muitos filmes incorporaram a narrativa da Guerra ao Terror. As produções sobre o dia dos atentados de 11 de Setembro disputaram com a imagens televisivas a representação “real†do acontecimento. De modo geral, observa-se pela postura de muitos crÃticos um forte apelo ao marco e a periodização, em alguns casos não explicitamente, mas como destacado, não se questionou majoritariamente os atentados, mas os efeitos das polÃticas da Guerra ao Terror, que se amparavam no marco, a partir de 2007, praticamente no fim da era W. Bush. Ademais, determinados temas presentes nos filmes geravam consenso e outros levavam a comentários negativos. Sobre o 11 de Setembro havia certa censura a trazer uma representação do árabe e da religião muçulmana, este evento deveria ser tratado como um memorial visual do ataque aos EUA. Não à toa, como se viu, produções tidas como “antiamericanas†ficaram a margem e tinham sua exibição adiada. A Guerra do Afeganistão, teve pouco espaço em meio a filmografia produzida no governo W. Bush, e sem muitas referencias em meio aos crÃticos. Mas a intervenção no Iraque, foi intensamente criticada, em grande parte por documentários, e teve respaldo em meio a crÃtica especializada, e se intensifou com os escandâlos do exército e da má administração do governo em lidar com os movimentos insurgentes. A representação negativa da administração Bush/Cheney ganhou espaço e respaldo em meio a crÃtica, após 2007, mostrando que filmes crÃticos a luta contra o terror ganhavam espaço. Em meio a essa imensa filmografia, buscou-se destacar a importância de Syriana (2005) que mostrou as instituições governamentais estadunidenses, os grandes conglomerados, e sua atuação em um paÃs fictÃcio do Oriente Médio a fim de mostrar ao espectador a complexa e Ãntima atuação dos EUA na região, no qual poucos compreendem o cenário geral e a consequência de suas ações, sejam instituições ou governos. O roterio de Syriana é mais complexo do que outras produções do perÃodo, pois Página 288 CONSIDERAÇÕES FINAIS em diversos momentos traz à tona elementos que mostram a historicidade das relações entre Oriente Médio e os EUA. Tudo vai muito além da luta contra áqueles que não estão aliados a liberdade e a democracia do Ocidente. Sobretudo, se trata de uma produção que se contrapôs aos efeitos dos Atentados de 11 de Setembro, numa interpretação baseada no marco, para apresentar uma interpretação fora da ressignificação das polÃticas antiterroristas que desconsideravam o processo histórico das relações entre Oriente Médio e os EUA. E principalmente por mostrar que muito do fundamento da luta contra o terror se pauta numa ideologia opositora que sofre influencia do capital estadunidense. A atuação do EUA vai além da defesa da nação deste “novo†inimigo, mas que possui uma motivação econômica muito maior, onde diversos agentes compõem um mosaico bastante complexo. Syriana buscou tomar distancia e olhar de forma consciente sem se dobrar a narrativa de Bush. A luta contra o terrorismo é um processo em aberto, em andamento, por isso em muitos filmes, e na própria crÃtica cinematográfica, o 11 de Setembro aparece enquanto marco periodizador, um drama nacional, o território foi atacado. O cinema da Guerra ao Terror, ao longo do governo de George W. Bush, estava em grande parte aliada ou presa a essa narrativa, poucos filmes foram capazes de apresentar que havia um processo histórico que ia além do marco do 11 de Setembro, tal como Syriana o fez, focou no processo e não no marco. Houve um marco causativo,438 os atentados de 11 de Setembro e a luta contra o terror de Bush/Cheney foram se tornando despendiciosas, longas e sem efeitos, já que o terrorismo internacional não se trata de um inimigo que será facilmente derrotado. Pois além de ser um termo de difÃcil definição, é profundamente dependente de quem ou porquê se definie alguém ou um grupo com terrorista. A Guerra ao Terror de George W. Bush, e os ataques do dia 11 de setembro de 2001, são apenas um breve capÃtulo dessa história. 438 VESENTINI, Carlos Alberto. A teia do fato: uma proposta de estudo sobre a memória histórica. São Paulo: Hucitec, 1997. Página 289 Referências Bibliográficas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS DOCUMENTAÇÃO FILMES: 11 DE SETEMBRO [11’09’’11 – September 11]. Direção de Youseff Charine, Amos Gitai, Alejando Gonzáles Iñarritu, Shôhei Imamura, Claude Lelouch, Ken Loach, Samira Makhmalbaf, Mira Nair, Idrissa Ouedraogo, Sean Penn, Danis Tanovic. Roteiro de Youssef Chahine (segmento: Egito), Sabrina Dhawan (segmento: Ãndia), Amos Gitai (segmento: Israel), Alejandro González Iñárritu (segmento: “Méxicoâ€), Paul Laverty (segmento: Reino Unido), Claude Lelouch (segmento: França), Ken Loach (segmento: Reino Unido), Samira Makhmalbaf (segmento: Irã), Idrissa Ouedraogo (segmento: Burkina-Faso),Sean Penn (segmento: “Estados Unidosâ€), Marie-Jose Sanselme (segmento: Israel), Danis Tanovics (segmento: Bosnia-Herzegovina), Daisuke Tengan (segmento: Japão), Pierre Uytterhoeven (segmento: França), Vladimir Vega (segmento: Reino Unido). Reino Unido, França, Egito, Japão, México, EUA, Irã. 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FILMOGRAFIA (Ordem Cronológica): Três Reis (Three Kings, 1999) Homen Aranha (Spider-Man, 2002) Escrito nas Estrelas (Serendipity, 2002) Página 315 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS Pessoas Que Eu Conheço (People I Know, 2002) Homens de Preto II (Men in Black II, 2002) Efeito Colateral (Collateral Damage, 2002) Zoolander (2002) WTC: the first 24 Hours (2002) 11/09 (September 11, 2002) Underground Zero (2002) 7 Days in September (2002) 11 de Setembro (11'09''01 - September 11, 2002) Collateral Damages (2003) Atrás das Linhas Inimigas (Behind Enemy Lines, 2001) Falcão Negro em Perigo (Black Hawk Down, 2001) Fomos Soldados (We Were Soldiers, 2002) A Soma de Todos os Medos (The Sum of All Fears, 2002) Códigos de Guerra (Windtalkers, 2002) Guerreiros Buffalo (Buffalo Soldiers, 2001) Americano Quieto (The Quiet American, 2002) A Última Noite (25th Hour, 2002) Parallel Lines (2004) Saving Jessica Lynch (2003) D.C. 9/11: Time of Crisis (2003) 911: In Plane Sight (2004) Tróia (Troy, 2004) Fahrenheit 11 de Setembro (Fahrenheit 9/11, 2004) Sobre Bagdá (About Baghdad,2004) Página 316 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS Sob o DomÃnio do Mal (The Manchurian Candidate, 2004) Verdade Revelada: a guerra no Iraque (Uncovered: the war in Iraq, 2004) Team America: Detonando o mundo (Team America, 2004) Guerra Suja (Dirty War, 2004) Celsius 41.11: the temperature at which the brain... begins to Die (2004) The Hamburg Cell (2004) Jogos Mortais (Saw, 2004) O Atirador – Apontando para a morte (The Marksman, 2004) Gunner Palace (2004) Occupation: Dreamland (2005) 911 – Loose Change: 2nd Edition (2005) People – Histórias de Nova York (People, 2005) Cruzada (Kingdom of Heaven, 2005) Guerra dos Mundos (War of the Worlds, 2005) Vôo Noturno (Red Eye, 2005) O Senhor das Armas (Lord Of War, 2005) Syriana: a indústria do petróleo (Syriana, 2005) Munique (Munich, 2005) Vôo 93 (Flight 93, 2006) Paranoia Americana (Civic Duty, 2006) Vôo United 93 (United 93, 2006) The War Tapes (2006) Torres Gêmeas (World Trade Center, 2006) A Volta dos Bravos (Home of the Brave, 2006) Ãguia 1 – o resgate (The Hunt for Eagle One, 2006) Página 317 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS Babel (2006) 300 (300, 2006) 911 Mysteries: Demoltions (2006) Duro de matar 4.0 (Die Hard 4.0, 2007) Badland (2007) Fantasmas de Abu Ghraib (Ghosts of Abu Ghraib, 2007) Nossa Vida Sem Grace (Grace Is Gone, 2007) Sem Fim À Vista (No End in Sight, 2007) Um Táxi Para A Escuridão (Taxi to the Dark Side, 2007) Zeitgeist (2007) Guerreiros Afegões (Afghan Knights, 2007) O Reino (The Kingdom, 2007) Guerra Sem Cortes (Redacted, 2007) No Vale das Sombras (In The Valley of Elah, 2007) O Suspeito (Rendition, 2007) O Vidente (Next, 2007) Leões e Cordeiros (Lions for Lambs, 2007) Jogos do Poder (Charlie Wilson’s War, 2007) Cloverfield: Monstro (Cloverfield, 2008) Gente de Sorte (The Lucky Ones, 2008) Stop Loss: a lei da guerra (Stop Loss, 2008) Homen de Ferro (Iron Man, 2008) O Traidor (Traitor, 2008) W (2008) Terror no Afeganistão (The Objetive, 2008) Página 318 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS Rede de Mentiras (Body of Lies, 2008) Guerra ao Terror (The Hurt Locker, 2008) The Heart of Steel (2008) Página 319