0
R E N A T A  R A S T R E L O  E  S I L V A  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MEMÓRIAS ,  IMAGENS E EXP ERIÊNCI AS  
O município de Uberlândia a partir de seus 
distritos, MG (1 9 8 0 – 2 0 1 2 )   
 
 
 
 
 
Tese de doutorado apresentada ao Programa de 
Pós-graduação em História da Universidade 
Federal de Uberlândia como exigência parcial 
para obtenção do título de doutora em História. 
 
Área de concentração: História Social  
Orientadora: Profa. Dra. Heloisa Helena Pacheco  
Cardoso 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
U B E R L Â N D I A ,  M G  
2 0 1 4  
  
1
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
2
R E N A T A  R A S T R E L O  E  S I L V A  
 
 
MEMÓRIAS, IMAGENS E EXPERIÊNCIAS  
O MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA A PARTIR DE SEUS DISTRITOS, MG 
(1980–2012) 
 
Tese de doutorado apresentada ao Programa de 
Pós-graduação em História da Universidade 
Federal de Uberlândia como exigência parcial para 
obtenção do título de doutora em História. 
 
Área de concentração: História Social  
 
 
 
Banca examinadora 
 
 
 
_______________________________________ 
Profa. Dra. Heloisa Helena Pacheco Cardoso — orientadora 
 
 
 
_______________________________________ 
Profa. Dra. Rosângela Maria Silva Petuba  
Universidade Estadual de Ponta Grossa 
 
 
 
_______________________________________ 
Prof. Dr. Renato Jales Silva Júnior 
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul 
 
 
 
_______________________________________ 
Prof. Dr. Antônio de Pádua Bosi 
Universidade Estadual do Oeste do Paraná 
 
 
 
_______________________________________ 
Profa. Dra. Dilma Andrade de Paula 
Universidade Federal de Uberlândia 
  
3
 
Agradecimentos 
 
 
 
 
onfesso que, para mim, chegar ao momento de escrever estes agradecimentos foi um 
grande alívio, pois significou estar próxima da conclusão de uma etapa importante da 
minha vida, que só foi possível graças à presença e ajuda de muitas pessoas, por mais que 
dizer isso possa parecer mera formalidade. Desde o começo da elaboração desta tese, estive 
acompanhada de pessoas que foram parceiras, amigas e fiéis colaboradoras da empreitada.  
Nessa caminhada de mais de quatro anos, a presença de uma pessoa em especial 
tornou um momento difícil por natureza em algo leve, delicado e doce. Nos primeiros meses 
em que eu cursava os créditos disciplinares, soube que eu seria mãe; e a companhia da minha 
pequena Alice me fez mais forte, mais feliz, mais realizada. Mudou minha vida. Ainda na 
barriga, acompanhou-me nas aulas das professoras Rosangela Patriota e Maria Clara Tomaz 
Machado e do professor Sergio Paulo Morais, aos quais agradeço os ensinamentos e a 
paciência com uma estudante grávida que, por vezes, tumultuava um pouco a normalidade da 
sala.  
Essa pequena menina trouxe, ao momento do meu doutoramento, uma mistura de 
sentimentos, emoções, conflitos e inseguranças... As incontáveis noites em claro acalentando 
seu choro me fizeram experimentar o desejo de desistir da tese, pois era difícil continuar. E 
aqui digo que me faltam palavras para agradecer à professora Heloisa Helena Pacheco 
Cardoso, orientadora do trabalho materializado nesta tese, a quem devo muito e a quem serei 
eternamente grata. Sua coerência, seu profissionalismo, seu conhecimento e sua generosidade 
me permitiram seguir em frente apesar do cansaço, das dúvidas e das inseguranças. Agradeço 
e reafirmo minha profunda admiração não só pela profissional, mas também pela pessoa que 
sabe ensinar e guiar, respeitando os limites pessoais e intelectuais. 
À minha Alice, agradeço sua existência, seus sorrisos, suas brincadeiras e a doçura que 
alegram minha vida. Foi muito bom poder viver esses anos de doutorado convivendo com 
dezenas de papéis espalhados pela casa, os quais você dizia ser a sua tese, pois na sua 
ingenuidade você dividiu comigo a escrita deste trabalho e fez desses mais de quatro anos os 
mais felizes da minha vida. 
Aos professores Antônio de Pádua Bosi e Dilma Andrade de Paula, agradeço as 
contribuições importantes no exame de qualificação e a disponibilidade em ler e colaborar 
com este trabalho. Também agradeço o aceite do convite para participar da banca de defesa. À 
professora Dilma, agradeço seus ensinamentos em todos esses anos; pude ser sua aluna desde 
a graduação e contar com sua orientação, seja na pesquisa para a monografia, seja na pesquisa 
de mestrado. Agradeço tudo que me ensinou, pois devo muito de minha trajetória acadêmica a 
você. Obrigada! 
C
 
  
4
Aos professores Renato Jales da Silva Júnior e Rosângela Maria Silva Petuba, 
agradeço a disponibilidade para ler este trabalho na banca de defesa e, com certeza, contribuir 
para a reflexão sobre nosso ofício de historiadores. 
Aos meus pais, Acrisio e Rosangela, agradeço a ajuda direta para a concretização deste 
trabalho: a procurar entrevistados e a cuidar da Alice enquanto eu precisava pesquisar. 
Agradeço, em especial, tudo que me ensinaram na simplicidade de duas pessoas que não 
tiveram a oportunidade de frequentar uma universidade, mas me transmitiram valores de vida 
que nortearam e continuarão a nortear minha existência. Para vocês, um doutorado pode ser 
algo um tanto abstrato, mas mesmo sem compreender muito o significado disso, não tenho 
dúvida de que sempre me apoiaram e me incentivaram a continuar. 
Ao meu marido, Paulo Roberto, agradeço por formamos uma família que, com todo 
orgulho e plena certeza, afirmo ser uma família feliz. Agradeço até seu distanciamento da 
produção desta tese — que, agora, espero que você leia. Distanciamento que, por vezes, me 
enfureceu, sobretudo nos momentos de desânimo e vontade de desistir. Sua postura ética o 
manteve à parte da escrita da tese, embora tenha me acompanhado em algumas entrevistas e 
ouvido algumas de minhas ideias. Hoje te agradeço por manter essa postura e te admiro mais 
ainda por isso. Obrigada por dividir comigo os cuidados com nossa filha, por dividir as tarefas 
de casa e por ser uma presença amável na minha vida. 
Agradeço à minha amiga Geovanna, que não só me ajudou com entrevistados, mas 
também esteve em minha vida ao longo desses anos, sempre com carinho e apoio. À amiga 
Antoniette, agradeço a ajuda fundamental com a pesquisa nas atas da Câmara Municipal e a 
transcrição das entrevistas. Às minhas amigas Giselly e Sônia, agradeço o incentivo, as 
palavras de ânimo e o ouvido para minhas lamentações — que não foram poucas. As paredes 
da diretoria de administração e controle acadêmico/DIRAC da Universidade Federal de 
Uberlândia são testemunhas do apoio e da amizade de vocês no cotidiano do nosso trabalho 
na UFU. A todos os demais amigos da DIRAC, em especial Maria José, Juliana, Amanda, 
Anelisa, Livia, Henrique, Lizete, Luis, Alexandre, Bete e Márcia, agradeço o incentivo. 
Agradeço ainda meu diretor, Paulo Resende, meu coordenador Vanderlan e a minha colega de 
sala Ana Maria, que de forma mais direta me possibilitaram gozar de licença-capacitação nos 
últimos meses de escrita desta tese, importantes para concluir o trabalho que aqui se 
apresenta. 
Enfim, agradeço aos moradores dos distritos uberlandenses que prontamente se 
dispuseram a conversar comigo sobre seus viveres. Sem sua contribuição não seria possível 
realizar este estudo nem a reflexão histórica sobre suas experiências. 
  
5
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para minha pequena Alice: razão da minha vida! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
6
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Porque, hoje, a gente leva vida quase de cidade grande [...]. 
É como uma cidade grande. É uma cidade grande, apesar de 
ser pequena! A vida continuando é como na cidade, apesar 
de não ser cidade. Mas é. Apesar de ser distrito. 
 
— Moradora de Cruzeiro dos Peixotos, Uberlândia, MG 
  
7
Resumo 
 
 
 
RASTRELO  E  SILVA, Renata. Memórias, imagens e experiências. O município de 
Uberlândia a partir de seus distritos, MG (1980–2012). 196p. 2014. Tese (Doutorado em 
História) — Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia.  
 
o município de Uberlândia (MG), há uma memória latente que tende identificar e 
associar seus distritos com o passado e a apresentá-los como espaços bucólicos e 
idílicos. Com base no pressuposto de que as relações vivenciadas pelos moradores desses 
lugares são contraditórias, tensas e conflituosas — e não dadas de antemão por definições 
abstratas do que sejam campo e cidade, rural e urbano —, este estudo problematiza o viver 
nesses distritos com base na experiência de seus moradores; isto é, tendo em vista os modos 
de viver e trabalhar de quem mora nos distritos. O estudo objetivou refletir como as pessoas 
disputam melhorias nas condições de vida e como lutam por pertencimento, assim como 
enfrentar e problematizar as visões que permeiam tal memória latente, pois se projetam na 
sociedade local. A pesquisa se valeu de fontes como a produção historiográfica e de áreas 
afins sobre a temática dos distritos aqui trabalhada; obras de memorialistas; textos de 
websites; jornais impressos; programas de TV; legislação; dados estatísticos de perfil 
populacional; relatos orais transcritos e notas de conversas não gravadas em áudio. Nesse 
caminho de investigação, o eixo de construção da tese é o processo histórico de transformação 
mais amplo por que passa Uberlândia desde as últimas décadas do século XX. A vida nos 
distritos é marcada por tensões e conflitos que escapam a conceitos estáticos. São espaços de 
disputas sociais, políticas, econômicas e culturais de uma sociedade que não reside no 
passado, mas que vive e enfrenta problemas como inserção na economia de mercado e no 
circuito do consumo, ou seja, em relações mais amplas que a idealização de uma população 
arraigada ao passado e num lugar romantizado.  
 
Palavras-chave: Distritos; Cidade; Moradores; Memórias 
 
 
 
 
 
 
N
  
8
Abstract 
 
 
 
RASTRELO  E  SILVA, Renata. Memories, images e experiences. The municipality of 
Uberlândia, MG, and its counties (1980–2012). 196pp. 2014. Thesis (Doctorate in History) 
— History Institute, Universidade Federal de Uberlândia.  
 
n the municipality of Uberlândia, state of Minas Gerais, there is a latent memory which 
tends to identify and associate its counties with the past and presenting them as bucolic and 
idyllic places. This study troubles the way people live in there by taking into account its 
inhabitants’ experiences. Researching the living in this municipality required to consider the 
ways of life and work of people who really live in the counties. The starting point is the 
assumption that relationships experienced by them are contradictory, tense and conflicting; 
instead of being given in advance by abstract definitions of what are the countryside and the 
city, the rural and the urban. This study aimed at reflecting how they dispute improvements in 
their life and fight for their sense of belonging; as well putting into question certain 
constructed images that permeate those memories since they stand out in the local society. 
Research sources included historical studies and other type of studies who deal with the 
counties as subject matter, books of memories, City Hall website’s articles, newspapers 
stories, TV programs episodes, legislation, demographic statistic data, oral accounts and notes 
of non-recorded conversations. The thesis was build upon a wider historical process of 
transformations and changes which has been affecting the municipality of Uberlândia over the 
last thirty years; a process in which life in the counties is marked by tensions and conflicts 
that static concepts can’t embrace properly. They’re a space of social, political, economic and 
cultural disputes regarding a society that doesn’t live in past, which means it faces 
contemporary problems like its embracing by the marketplace economy and the consumption 
circuit. That said, in these counties its inhabitants establish relationships whose scope goes far 
beyond that idealization of a population rooted to the past and of a place of idyllic and bucolic 
features.  
 
Keywords: Counties; City; Inhabitants; Memories 
 
I 
  
9
 Lista de figuras 
 
 
 
FIGURA 1  Localização do município de Uberlândia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  19 
FIGURA 2  Localização do município de Uberlândia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  20 
FIGURA 3  Município de Uberlândia: distritos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  21 
FIGURA 4  O jornal Primeira Hora destacou a presença do vice-prefeito do 
município de Uberlândia em meio a moradores dos distritos sob sua 
administração para ouvi-los e levar suas reivindicações para seu plano 
de ações da administração municipal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  42 
FIGURA 5  O jornal Primeira Hora noticiou os desdobramentos da administração dos 
distritos do município de Uberlândia, enumerando obras de infraestrutura 
(pontes, abastecimento de água, poços artesianos), de preservação 
patrimonial (restauração de capela), de serviços públicos (telefonia, 
saúde), de participação da comunidade (horta e salão comunitários), dentre 
outros pontos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  43 
FIGURA 6  Impresso da campanha de Paulo Ferolla a deputado estadual em 2006.  51 
FIGURA 7  Impresso da campanha de Paulo Ferolla a deputado estadual em 2006.  52 
FIGURA 8  Reprodução do programa da Festa de São João Batista de Martinésia 
em 2012, que não lista o nome dos novenários, mas sim o de um grupo 
de pessoas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  111 
FIGURA 9  Destaque da reprodução do programa da Festa de São João Batista de 
Martinésia em 2012. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  112 
FIGURA 10 Reprodução de cartão-postal da Igreja Nossa Senhora do Rosário. . . .  119 
FIGURA 11 Dados relativos à finalidade do uso de transporte coletivo na linha 
terminal Umuarama–Tapuirama conforme a opinião de usuários 
residentes em Tapuirama, distrito de Uberlândia, MG — 2009 (fig. 
recortada para fins estéticos e de ajuste à diagramação da tese). . . . . . .  136 
FIGURA 12 Dados referentes a horários de mais movimento de passageiros na linha 
de ônibus D282 no sentido Tapuirama–Uberlândia conforme a opinião 
de usuários residentes em Tapuirama, distrito de Uberlândia, MG — 
2009 (fig. recortada para fins estéticos e de ajuste à diagramação da 
tese). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  136 
FIGURA 13 Dados relativos aos horários de mais movimento de passageiros na 
linha de ônibus D282 no sentido Uberlândia–Tapuirama de acordo com 
a opinião de usuários que residem em Tapuirama, distrito de 
Uberlândia, MG — 2009 (fig. recortada para fins estéticos e de ajuste à 
diagramação da tese). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  137 
 
 
  
10
FIGURA 14 Dados relativos aos incômodos durante a viagem da linha de ônibus 
terminal Umuarama–Tapuirama segundo a opinião de usuários 
residentes em Tapuirama, distrito de Uberlândia, MG (fig. recortada 
para fins estéticos e de ajuste à diagramação da tese). . . . . . . . . . . . . . .  
 
 
 
137 
FIGURA 15 Reprodução da página eletrônica de abertura referente à seção da 
superintendência de operação dos distritos no website da prefeitura de 
Uberlândia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  152 
FIGURA 16 Placa localizada na frente da Igreja Nossa Senhora do Rosário, em 
Miraporanga, como marco comemorativo do processo de restauração da 
igreja. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .   153 
FIGURA 17 Placa localizada na frente da Igreja Nossa Senhora do Rosário, em 
Miraporanga, como marco comemorativo do processo de restauro por 
que passou a capela. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  154 
 
  
11
Lista de tabelas 
 
 
 
TABELA 1  Município de Uberlândia: população dos distritos (1950–2010). . . . . . . . .  82 
TABELA 2  Município de Uberlândia: população total (urbana e rural) residente 
nos distritos (1991–2010). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  83 
 
  
12
Sumário 
 
 
 
 Considerações iniciais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  13 
1 Distritos de Uberlândia: muitas memórias, muitas imagens. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  33 
2 Os distritos na fala de seus moradores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  78 
3 Distritos como espaço de lutas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  123 
 Considerações finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  171 
 Referências e fontes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  176 
 Anexo A – Prefeitos eleitos em Uberlândia, MG — 2014. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .  191 
 Anexo B – Dados do Censo 2010 para os distritos de Uberlândia, MG. . . . . . . . . .  192 
 Anexo C – Históricos oficiais dos distritos de Uberlândia, MG. . . . . . . . . . . . . . . . .  193 
 
 
  
13
Considerações iniciais 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
caminho de pesquisa do historiador está impregnado por sua experiência de vida. 
Há uma “[...] profunda relação entre História e vida e a figura do historiador como 
homem do seu tempo”.1 As questões que ele apresenta partem de seu viver como 
sujeito de um lugar; e seu trabalho busca discutir questões que o incomodam e o impelem a 
refletir sobre suas experiências nesta sociedade. Como historiadora, em minha trajetória de 
pesquisa universitária — graduação e mestrado —, os distritos do município de Uberlândia — 
em particular o de Martinésia — foram uma constante. Meu interesse surgiu de minha 
convivência nesses espaços durante a infância e adolescência, em festas religiosas, 
campeonatos rurais de futebol e fazendas. Isso porque minha mãe nasceu num sítio desse 
distrito, e a família dela manteve a propriedade, aonde tenho ido desde sempre e com 
frequência.  
Durante a pesquisa de mestrado, deparei-me com discussões e reportagens de jornal 
que, aos poucos, direcionaram meu interesse a uma discussão mais ampla sobre o viver no 
município de Uberlândia com base na experiência dos moradores de seus distritos — Cruzeiro 
dos Peixotos, Martinésia, Miraporanga e Tapuirama. Uma motivação-chave da pesquisa aqui 
apresentada foi a reportagem do jornal Correio, publicada em 1994, sobre o trajeto entre a 
                                                        
1 FENELON, Déa R.; CRUZ, Heloísa Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário Cunha. Introdução - Muitas 
memórias, outras histórias. In: FENELON, Déa R. et. al. (Org.). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: 
Olho d’Água, 2004, p. 6. 
O
  
14
cidade de Uberlândia e os distritos de Martinésia e Cruzeiro dos Peixotos. No texto noticioso 
se lê que  
 
Viajar para os antigos e aconchegantes distritos de Uberlândia [...] pode 
ser um ótimo passeio pelos recantos ainda “abençoados” pela mata nativa 
de cerrado, através de uma estradinha asfaltada repleta de curvas e 
paisagens exuberantes, como um horizonte de montanhas azuis que 
contorna a região plana da cidade e seus edifícios. Velhos conhecidos se 
encontram, trajando, na grande maioria das vezes, roupas simples. 
Conversas de compadres sobre terras boas para pastagens e plantações, 
cabeças de gado vistosas pastando indiferentes ao barulho de um motor de 
ônibus velho, muito acostumados aos caminhos que levam ao passado. E 
fazer essa viagem de pouco mais de uma hora é assim... voltar ao tempo 
dos casarões erguidos em 1930, rever as pessoas na calma do interior, 
fazendo sabão de bola no quintal, à sombra de generosas árvores e 
crianças brincando na praça, ouvindo suas gargalhadas ecoar devagar pelo 
vento que passa calmo. [...] Enquanto isso vai passando rápido a paisagem 
de terra vermelha tombada, pequenas plantas que despontam no terreno 
plantado, velhas árvores que se mantiveram no percurso cortado pelo 
asfalto preto, pintado com uma longa faixa amarela. E passam bicicletas 
com conhecidos fazendeiros acenando para os companheiros que aderiram 
a modernidade. São botinas e botas, chapéus, canivetes, chinelos de dedo 
com meias furadas e velhas mochilas. É gente tranqüila que desconhece a 
pressa da cidade grande e optou pela conservação de um pedaço da 
história.2 (Grifos meus.) 
 
Essa passagem dá uma dimensão da evocação que se faz desses distritos como 
lugares do passado, bucólicos e idílicos. São exaltados pela tranquilidade de vida, ou 
seja, como lugares onde seria possível experimentar uma volta ao passado. O texto 
constrói uma imagem dos distritos estruturada pela paisagem, supostamente encontrável 
só nesses lugares: “mata nativa de cerrado”, “paisagens exuberantes”, “cabeças de gado 
vistosas pastando”, “fazendo sabão de bola no quintal”, “crianças brincando na praça”, 
“botinas e botas, chapéus e canivetes”. As imagens apresentadas pelo autor do texto 
compõem o que ele entende como a realidade dos distritos que permitiria ao visitante 
voltar ao passado. O autor parece entender que a vida ali segue em descompasso com a 
vida na cidade.  
Essa reportagem — e outras —, além das discussões que outros pesquisadores e 
eu fizemos sobre os distritos, instigou-me a propor uma reflexão sobre essas imagens 
construídas dos distritos que os projetam como lugares bucólicos. A construção de uma 
proposta de pesquisa me levou a perceber o quanto minhas análises desses espaços feitas 
na dissertação de mestrado reafirmaram dualismos como distrito–cidade, campo–cidade 
                                                        
2 ÔNIBUS faz diariamente uma viagem no tempo. Correio do Triângulo, Uberlândia, MG, 6 de novembro de 
1994, ano 56, n. 16703, “Cidades”, p. 7. 
  
15
e rural–urbano; minha interpretação da fala de Maria Juliana3 evidencia essa 
dicotomização. A maneira que adotei para interpretar a fala — partindo da ideia de 
“interação” — mostra como os conceitos estáticos de campo e cidade guiaram minha 
análise; não me atentei à experiência vivida pela entrevistada nas relações estabelecidas 
em seu cotidiano: 
 
Apesar de viver no campo, ela mantém com este uma relação diferente, pois 
quando lhe perguntei se ela vivia no campo porque lá era a casa dos pais ou 
se o fato dessa casa ser no campo a incentivava ainda mais a permanecer no 
lugar, respondeu: “Não, é por ser minha família. [...] tanto que nem lá fora 
eu vou, entendeu? Eu sou urbana, meu pai fala que eu sou urbana, mas eu 
venho pra cá por causa deles”. A fala da jovem Maria Juliana coloca em 
evidência como o fato de morar no campo não implica necessariamente uma 
relação com plantações, animais, ou seja, demonstra mais uma vez como 
analisar a interação campo e cidade é complexa e tem-se tornado cada vez 
mais uma questão complicada, na medida em que, como a jovem mesma 
afirma [...] “as coisas na fazenda, na zona rural estão precárias” [...], o que 
faz com que os jovens cada vez mais busquem a cidade como opção de 
vida.4 
 
Como se lê, mesmo a fim de desconstruir leituras esquemáticas da realidade dos 
distritos, acabei por reforçar a análise dicotômica do espaço; e foi justamente isso o que me 
motivou a problematizar meu entendimento e as (minhas) leituras desses espaços nas 
discussões acadêmicas recentes. A releitura dessa entrevista em 2009 — momento de 
elaboração do projeto de pesquisa de doutorado — estimulou a problematização da 
experiência de viver nos distritos uberlandenses, os quais não estão separados do centro 
urbano. As pessoas que ali vivem estão construindo expectativas e referenciais de uma 
realidade social ampliada; logo, as divisões político-administrativas bairro, cidade, distrito 
não conseguem abrigar a miríade de sentidos — complexos — que as relações capitalistas 
travadas nesses espaços podem criar. 
A proposta de pesquisa apresentada como anteprojeto consistia de uma discussão 
sobre a “[...] relação campo/cidade e o viver em Uberlândia, partindo das experiências dos 
moradores dos distritos de Martinésia, Miraporanga, Cruzeiro dos Peixotos e Tapuirama 
                                                        
3 PIMENTEL, Maria Juliana de Oliveira. Martinésia, Uberlândia, MG, 1º de outubro de 2006. Fita de áudio (19 
minutos). Entrevista concedida a mim. À época, ela tinha 19 anos e havia morado um ano em Uberlândia, mas 
tinha voltado a viver na propriedade rural de seus pais, no distrito. Ela levantava às 5h, ia para Uberlândia, 
estudava, trabalhava das 12h às 18h, depois voltava pra casa. 
4 RASTRELO E SILVA, Renata. Proprietários rurais do distrito de Martinésia (Uberlândia–MG): viver e 
permanecer no campo — 1964–2005. 2007. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) — Instituto de História, 
Universidade Federal de Uberlândia, p. 120. 
  
16
[...]”.5 Como se vê, ainda nesse estágio se pode notar uma dicotomização entre campo e 
cidade. Com o avançar da reflexão — alimentada por discussões feitas nas disciplinas do 
doutorado e discussões de orientação de pesquisa —, começou a se delinear um entendimento 
de que se tratava de um projeto sobre o município de Uberlândia segundo a visão dos 
moradores de seus distritos. Da forma como foi exposta no anteprojeto, a discussão sobre as 
relações entre campo e cidade me mantinha presa a uma perspectiva dicotômica na qual eu 
não queria incorrer.  
O meu caminho de análise precisou ser repensado, e o redimensionamento das minhas 
questões começou a ser feito ainda no processo seletivo para ingressar no curso de Doutorado 
em História. Durante a entrevista com os professores da linha de pesquisa Trabalho e 
Movimentos Sociais, a professora Heloisa Helena Pacheco Cardoso me fez estas indagações: 
analisar esses distritos como bairros mudaria alguma coisa? A cidade é um distrito? A partir 
daí, comecei a pensar que as definições conceituais — embora eu procurasse dizer que não no 
projeto de pesquisa — subjaziam à minha intenção de pesquisa. Então, passei a perceber que 
as fontes têm apontado que os moradores desses distritos disputam a cidade; logo, não estão 
isolados dela. Por outro lado, moradores da cidade buscam os distritos como espaços de lazer, 
para moradias de fins de semana. Isso evidencia o jogo imbricado de relações entre os espaços 
que, muitas vezes, aparecem como separados na imprensa, em estudos acadêmicos e em 
minhas análises. 
Para desconstruir minhas certezas analíticas, foram fundamentais muitas leituras que 
fiz nas disciplinas que cursei. Por exemplo, a leitura dos textos “Os filósofos e a história” e 
“Intervalo: a lógica histórica”,6 de E. P. Thompson, mostrou-me a necessidade de os 
historiadores dialogarem com outras disciplinas e abordagens, mas seguindo sua perspectiva 
no campo da história — sua disciplina; noutros termos, se esse autor não desqualifica a 
leitura do outro, alerta quanto ao diálogo: tem de reafirmar a perspectiva histórica. E foi essa 
perspectiva que orientou meu diálogo com outras áreas do conhecimento — a exemplo da 
geografia — como procedimento fundamental para entender o processo como um processo 
histórico à luz de perspectivas que são próprias do meu caminho de abordagem na condição 
de historiadora. 
 
 
                                                        
5 Anteprojeto de pesquisa apresentado ao programa de pós-graduação em História da UFU para concorrer a uma 
vaga no curso de doutorado. 
6 THOMPSON, E. P. Os filósofos e a história; Intervalo: a lógica histórica. In: ______. A miséria da teoria ou 
um planetário de erros — uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de janeiro: Zahar, 1981, p. 34–62. 
  
17
O diálogo com outras áreas é importante neste estudo porque — diria Thompson — 
não se deve fugir das discussões e abordagens presentes no momento em que estou 
discutindo. Mas buscou reforçar minhas perspectivas de abordagem — afirmar meus 
supostos e deixar claros meus repertórios — sem desqualificar o olhar do outro. Os 
supostos e as indagações com que os historiadores devem lidar são próprios da história; e 
o como as coisas acontecem é o suposto básico do trabalho do historiador. Nesse sentido, 
discutir como é o viver no município de Uberlândia à luz das experiências dos moradores 
de seus distritos é a questão fundamental deste trabalho, que problematiza os conceitos 
estáticos de campo/cidade, rural/urbano e cidade/distritos. Isso porque as pessoas vivem; e 
suas formas de viver minam o dogmatismo de tais conceitos como constructos fechados e 
pré-determinados. Portanto, este estudo pretendeu não isolar os “distritos” para não cair 
na armadilha de interpretá-los à parte da cidade. Cumprir tal pretensão exigiu uma 
abordagem que discutisse os modos de viver em Uberlândia com base nas experiências 
dos moradores desses lugares; mais que isso, que não dissociasse Uberlândia de processos 
sociais mais amplos. 
Geográfica e administrativamente, os distritos são assim definidos por George José 
Pinto em sua investigação sobre o processo de emancipação do município de Córrego 
Fundo: 
 
[...] o distrito é uma subdivisão do município, que tem como sede a vila, 
que é um povoado de maior concentração populacional. Ele não tem 
autonomia administrativa. Funciona como um local de organização da 
pequena produção e atendimento das primeiras necessidades da 
população residente em seu entorno, cujo comando fica a cargo da sede 
do município. O distrito tem a mesma denominação de sua vila e, 
somente pode ser criado por meio de lei municipal.7 [...] o município é a 
menor unidade territorial brasileira com governo próprio, é formado pelo 
distrito-sede, onde acha-se localizada a cidade, que é a sede municipal e 
que leva o mesmo nome do município e, que corresponde à zona urbana 
municipal e; também, pelo território ao seu entorno, a zona rural 
municipal, que pode ser dividida em distritos, cuja maior povoação 
recebe, geralmente, o nome de vila.8  
  
Além dessas definições, esse autor faz considerações que ajudaram a nortear minha 
proposta de pesquisa: 
 
                                                        
7 PINTO, George José. Do sonho à realidade: Córrego Fundo–MG — Fragmentação territorial e criação de 
municípios de pequeno porte. 2003. 248 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) — Instituto de Geografia, 
Universidade Federal de Uberlândia, p. 57. 
8 PINTO, 2003, p. 29. 
  
18
Nestes distritos o modo de vida é tipicamente urbano pois, mesmo possuindo 
uma ligação forte com o meio rural, que se expressa na prática de atividades 
do setor primário (agricultura e pecuária), as pessoas que ali residem 
utilizam telefones celulares, vestem-se de acordo com os padrões urbanos, 
assistem a programas de televisão que expressam o modo de viver urbano. 
As suas reivindicações também são caracteristicamente urbanas: calçamento 
de ruas, rede de esgotos, iluminação pública, postos de saúde, escolas, dentre 
outras. O comércio da produção agropecuária tornou a ligação entre esse 
pseudo-rural e o urbano muito intensa. Desta forma, mesmo estando situado 
na zona rural do município e, sendo legalmente considerado como parte 
integrante a zona urbana, o modo de ser e de viver de um distrito encontra-se 
muito mais sintonizado com o urbano do que com o rural.9 
 
O argumento inicial desdobra a definição de distrito administrativa e espacialmente. 
Embora sejam pontos de vista úteis para referendar minha reflexão, entendo ser necessário ir 
além dessas dimensões para compreender o viver nesses lugares. Não por acaso, a última 
citação me instigou a pensar nessas definições do que seja o rural ou o urbano na vida 
cotidiana das pessoas; a abordar a realidade complexa experimentada e vivida nesses lugares 
em processo de transformação constante, vinculados que são ao âmbito da sociedade 
capitalista do presente.  
Nesse sentido, a tese aqui construída parte do suposto de que o viver dos moradores dos 
distritos não pode ser pensado no referencial reducionista dos conceitos de cidade e distrito, 
tampouco na dicotomia campo e cidade, uma vez que ele está marcado por tensões e conflitos 
que conceitos predefinidos não conseguem abarcar. Longe de serem espaços bucólicos e 
idílicos, os distritos são espaços de disputas sociais, políticas, econômicas e culturais de uma 
sociedade que não reside no passado, e sim que vive o mundo presente. Uma sociedade que tem 
de enfrentar problemas do hoje; por exemplo, a inserção dos moradores dos distritos numa 
economia de mercado e no circuito do consumo que leva a relações sociais mais amplas que 
aquelas dedutíveis de uma idealização da população distrital como gente arraigada ao passado. 
Portanto, a tese reflete sobre o viver em Uberlândia (vide FIG. 1, 2 e 3) com base nos modos 
de viver e trabalhar de quem mora nos distritos. Seu pressuposto é que as relações 
vivenciadas pelos moradores são contraditórias, tensas e conflituosas; e não dadas de antemão 
por definições abstratas do que sejam campo e cidade, rural e urbano. Discuto essas 
definições pelo olhar de pessoas e suas experiências: analiso como disputam melhorias nas 
condições de vida e como lutam por pertencimento. Não por acaso, moradores é uma 
categoria central neste estudo: são os que estabeleceram moradia nos distritos, ou seja, que os 
escolheram como lugar para viver.  
                                                        
9 PINTO, 2003, p. 60. 
  
19
 
 
FIGURA 1 – Localização do município de Uberlândia10 
                                                        
10 Fonte: BRITO, Jorge Luís Silva; LIMA, Eleusa Fátima de. Atlas escolar de Uberlândia. 2. ed. Uberlândia: ed. UFU, 2011, p. 12. 
  
20
 
 
FIGURA 2 – Localização do município de Uberlândia11 
                                                        
11 Fonte: BRITO; LIMA, 2011, p. 14. 
  
21
 
FIGURA 3 – Município de Uberlândia: distritos12 
                                                        
12 Fonte: BRITO; LIMA, 2011, p. 25. 
22 
 
As categorias campo e cidade foram objeto da análise de Raymond Williams no 
contexto da sociedade inglesa; e ele as tomou não como noções prévias e realidades isoladas, 
e sim na condição de categorias analisáveis como processo histórico. Assim, “O campo e a 
cidade são realidades históricas em transformação tanto em si próprias quanto em suas inter-
relações”.13 Relações que tratam de uma “história ativa e contínua”, pois constituem um 
“sistema amplo”; no dizer de Williams, “A vida do campo e da cidade é móvel e presente: 
move-se ao longo do tempo, através da história de uma família e um povo; move-se em 
sentimentos e idéias, através de uma rede de relacionamentos e decisões”.14  
Com efeito, foi o impulso dessa mobilidade da vida no contexto dos distritos 
uberlandenses que inspirou este trabalho; ou seja, foram as mudanças e transformações 
(também as permanências) nos modos de viver de quem mora nos distritos. Nesses espaços, as 
pessoas não estão preocupadas com definições conceituais de campo, cidade, distrito. 
Simplesmente vivenciam esses espaços, compartilham experiências, envolvem-se em conflitos. 
Isso é patente na fala de uma entrevistada que nasceu e viveu no distrito de Tapuirama até a 
idade de 18 anos: ela chama o distrito de “cidade”. Quando lhe perguntei sobre as formas de 
pagar as contas em Tapuirama, ela disse que “[...] antes tinha um dia da semana ou no mês, não 
sei, que ia pra um lugar lá, num cômodo que tinha do lado da igreja, uma pessoa que ia lá pra 
recebê, sabe? Aí, juntava, ia a cidade inteira lá e pagava [...]”15 (grifo meu). Talvez por isso 
Williams preconize a necessidade de investigar o campo e a cidade pelo prisma das 
transformações — do vivido: elemento essencial na pesquisa sobre os distritos que esta tese 
materializa. Afinal, o objetivo é pôr em discussão os viveres desses moradores em suas 
dimensões diversas, discutir essas noções de campo e cidade à luz de seus modos de viver, 
posto que os conceitos não se explicam por si mesmos: pedem evidências históricas16.  
No capítulo final de O campo e a cidade, Williams indaga: “[...] que tipos de 
experiência essas ideias [de campo e cidade] parecem interpretar, e por que certas formas 
ocorrem ou recorrem nesse ou naquele momento?”.17 E mais que “[...] perguntar [...] o que 
está acontecendo, num dado período, com as idéias do campo e da cidade [...]”, cabe 
perguntar a que “[...] outras ideias, dentro de uma estrutura mais geral, elas estão 
associadas”.18 Esses questionamentos me impelem a fazer reflexões mais amplas para tentar 
                                                        
13 WILLIAMS, 1989, p. 387. 
14 WILLIAMS, 1989, p. 19. 
15 LOPES, Jussara (nome fictício). Uberlândia (bairro Brasil), MG, 29 de maio de 2010. Fita de áudio (25 
minutos). Entrevista concedida a mim em sua residência no bairro Brasil.  
16 Para uma reflexão sobre as redefinições dos conceitos de urbano e rural no campo das ciências sociais Cf. 
CARNEIRO, Maria José. Ruralidade: novas identidades em construção. In: REUNIÃO ANUAL DA SOBER, 
35, Natal, RN, 1997. Anais..., Natal: 1997, p. 1–12. 
17 WILLIAMS, 1989, p. 388. 
18 WILLIAMS, 1989, p. 388. 
23 
 
perceber elementos que aproximam certas visões nas interpretações dos distritos presentes na 
imprensa, nos documentos ditos oficiais e nos trabalhos acadêmicos. Busco perceber os 
significados dessas visões produzidas sobre esses espaços. Acredito que o discurso relativo 
aos distritos como lugares do passado se articula com uma visão da cidade de Uberlândia 
como lugar do progresso. Se assim o for, então os primeiros guardariam a “memória”, o 
passado (do município), enquanto a cidade representaria o futuro, o novo19.  
Enfrentar e problematizar essas visões são um dos objetivos deste estudo, pois elas se 
projetam na sociedade local. Por exemplo, em projetos de “resgate da memória” do município 
que preveem visitas dos professores do ensino fundamental do distrito-sede. Discuto essas 
abordagens de modo a refletir sobre as maneiras como os moradores vivenciam os processos 
de mudanças, transformações e permanências: será que querem a inserção de seu espaço de 
moradia nos circuitos do turismo? Ou a realidade vivenciada por elas trazem outras demandas 
e diálogos? No dizer de Williams, é preciso atentar para essa necessidade de articular ideias e 
imagens produzidas socialmente com o que as pessoas vivenciam. 
 
[...] é necessário confrontar estas idéias com as realidades históricas, que por 
vezes as confirmam, outras vezes as negam. Contudo, precisamos também, 
ao ver o processo como um todo, confrontar as realidades históricas com as 
idéias, pois há ocasiões em que estas exprimem — não apenas de modo 
disfarçado e deslocado, porém mediado ou tentando, e às vezes conseguindo, 
transcender — interesses e objetivos humanos a que não temos como nos 
referir de outro modo. O problema não é apenas a dificuldade ou 
impossibilidade de encontrar outros termos e conceitos mais específicos; a 
questão é que no campo e na cidade, fisicamente presentes e substanciais, a 
experiência encontra um material que corporifica os pensamentos.20 
 
Sair da discussão de discursos produzidos sobre os distritos e analisar as práticas dos 
sujeitos sociais que vivenciam esses espaços se torna imprescindível se pretendo romper com 
leituras fundadas em conceitos sem vínculos fortes com a realidade, leituras que caracterizam 
e elencam sem se preocuparem tanto com os embates travados, com as lutas cotidianas, com a 
busca por pertencimento.  
Também Yara Aun Khoury, no texto “Do mundo do trabalho ao mundo dos 
trabalhadores: história e historiografia”, toca na necessidade de ampliar o foco de investigação 
de nossas propostas de pesquisa: “Nossos olhares se estenderam, também, aos modos de 
morar, alimentar-se, divertir, organizar-se; a lugares, momentos e processos, numa 
                                                        
19 Ricardo Vidal Golovaty faz uma análise pertinente sobre uma maneira de a imprensa e o poder público verem 
os distritos (por meio das festas de Santos Reis) como sobrevivências do passado em contraposição à 
modernidade urbana. GOLOVATY, Ricardo Vidal. Cultura popular: saberes e práticas de intelectuais, 
imprensa e devotos de Santos Reis, 1945–2002. 2005. 189 f. Dissertação (Mestrado em História) — Instituto de 
História, Universidade Federal de Uberlândia. 
20 WILLIAMS, 1989, p. 390. 
24 
 
perspectiva de compreender as lutas reais no feixe imbricado das relações entre os homens e 
mulheres, nas várias dimensões do social”.21 Portanto, a atenção se volta às pessoas em suas 
relações múltiplas e complexas, uma vez que lidamos com os processos históricos.  
Igualmente, Déa Ribeiro Fenelon, em 1999, na coletânea de textos Cidades, apontou 
essa ampliação do foco de análise: 
 
[...] a partir de uma concepção que busca captar e investigar, as relações 
sociais instituídas na cidade, o entendimento de modos de viver, de morar, 
de lutar, de trabalhar e de se divertir dos moradores que, com suas ações, 
estão impregnando e constituindo a cultura urbana. Assim agindo, esses 
moradores deixam registradas ou vão imprimindo suas marcas no decorrer 
do tempo histórico, marcas que traduzem a maneira como se relacionaram 
ou construíram seus modos de vida neste cotidiano urbano.22 
 
Se há quem fale dos distritos como lugares do passado que mantêm uma tradição, 
também há quem diga que os moradores desses lugares hoje são diversos, isto é, não são mais 
os mesmos; logo, esses lugares estão se transformando. Assim, cabe indagar: que tradição é essa 
que a imprensa e a academia sustentam? Os modos de morar no distrito hoje diferem das 
maneiras de vinte anos atrás? Os motivos para buscar esses espaços não são mais os mesmos de 
antes? Acrescente-se que morar no distrito é opção, escolha de vida que diz da relação que as 
pessoas estabelecem com o município como um todo, por isso cidade/distrito não são realidades 
separadas. Nesse sentido, cabem outras indagações: quem são os moradores dos distritos? Que 
expectativas constroem quanto ao viver ali? Como lutam para conquistar seus direitos? 
No texto “Em busca de novos caminhos”,23 Josep Fontana ressalta a desatenção do 
historiador com essa diversidade e complexidade das relações sociais vividas e como isso 
pode levá-lo a recorrer a conceitos ou noções abstratas para analisar a realidade. Ele deixa 
claro que o historiador faz escolhas, logo os conceitos que usa e os caminhos que escolhe 
informam sobre suas posições teórico-metodológicas e políticas, posto que ele é um homem 
do seu tempo que deve lidar com o processo histórico vivenciado pelas pessoas.  
 Desse modo, o enfrentamento maior deste trabalho foi entender que se trata de uma 
discussão sobre o município, ou seja, da ampliação do foco de análise para além dos distritos. 
Não estou falando do distrito, mas do horizonte de possibilidades por onde as pessoas 
transitam e disputam seus viveres. Discuto, portanto, a sociedade em mudança, recompondo 
                                                        
21 KHOURY, Yara Aun. Do mundo do trabalho ao mundo dos trabalhadores: história e historiografia. In: 
VARUSSA, Rinaldo José (Org.). Mundos dos trabalhadores, lutas e projetos: temas e perspectivas de 
investigação na historiografia contemporânea. Cascavel: ed. UNIOESTE, 2009, p. 124. 
22 FENELON, Déa Ribeiro. Introdução. In: ______ (Org.). Cidades. São Paulo: Olho d’Água, 1999, p. 6. 
23 FONTANA, Josep. Em busca de novos caminhos. In: ______. A história dos homens. São Paulo: Edusc, 
2004, p. 471-490. 
25 
 
as transformações que vão se operando nas práticas dos moradores distritais, as quais muitas 
vezes não são rupturas, e sim mudanças sutis. Esse município em transformação se modifica 
e, com isso, muda sua proposta para esses lugares.  
Neste caminho, ficou evidente a necessidade de trabalhar as imagens distintas construídas 
sobre o lugar que proponho analisar (o município de Uberlândia); imagens presentes em 
fotografias, em reportagens jornalísticas, impressas e televisivas, em relatos orais e em artigos, 
dissertações e teses acadêmicas: fontes da pesquisa traduzida neste estudo nas quais procurei 
perceber como se cruzam para reconhecer visibilidades pela reflexão sobre as diferenças entre elas. 
Ainda na fase de produção do projeto de pesquisa, era presente o entendimento de que a 
imagem evocada naquela reportagem sobre a viagem do ônibus através dos distritos — citada no 
início desta introdução — era representativa de todo o momento histórico que pretendo analisar 
(1980–2012). Entretanto, pesquisas e discussões a que tive acesso sugerem que tais imagens são 
diferentes e dizem muito do momento político vivido local e nacionalmente; porque servem para 
justificar projetos políticos distintos, no caso das visões oficiais da administração.  
Com efeito, na primeira administração municipal de Zaire Rezende (1983–9), sua 
proposta de Democracia Participativa24 dava o tom das intervenções políticas, mas essa forma 
de administrar não foi invenção dele: fazia-se presente em âmbito nacional. No início dos 
anos 80, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) teve vitória expressiva nas 
eleições no país todo e, com a retórica da “democracia participativa”, procurava conter os 
movimentos sociais, institucionalizando suas lutas por meio da participação popular nos 
canais político-administrativos. Segundo estudiosos do período, isso implicou poucas 
mudanças efetivas: “O incremento da participação popular pelos governos eleitos 
democraticamente é pouco significativo, sendo que a estrutura de relações de poder em quase 
nada se modificou” — diz Pedro Jacob;25 para quem 
 
As propostas de se ampliar o nível de participação têm quase sempre seu 
percurso interrompido pela ameaça que isto representa aos grupos de 
interesses dominantes, que temem ver alterados os padrões tradicionais de 
cidadania regulada. A maioria dos governos, indistintamente do PMDB ou 
do PDS [Partido Democrático Social], tem proposto uma panacéia 
participativa cheia de adjetivos e frágil na perspectiva de acenar a qualquer 
tipo de mudança qualitativa.26 
                                                        
24 Para aprofundar a compreensão do momento político da Democracia Participativa, cf. SADER, Emir (Org.). 
Movimentos sociais na transição democrática. São Paulo: Cortez, 1987; e STEPAN, Alfred (Org.). 
Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 
25 JACOBI, Pedro R. Movimentos sociais urbanos numa época de transição: limites e potencialidades. In: 
SADER, 1987, p. 15. 
26 JACOBI, 1987, p. 21. 
26 
 
Nos distritos, a atuação desse modelo de gestão levou à criação da Secretaria 
Municipal de Administração dos Distritos (SEMAD), cuja coordenação ficou a cargo do então 
vice-prefeito Durval Garcia. Na semana anterior à da posse nesse cargo, Garcia, em entrevista 
ao jornal Primeira Hora, afirmou: “[...] um dos distritos que se encontra em melhores 
condições de urbanização, é o de Tapuirama, que está recebendo luz da CEMIG [Centrais 
Elétricas de Minas Gerais]. Nos demais os problemas são, em geral, de urbanização”.27 A fala 
do administrador, assim como o conjunto de reportagens publicadas nesse jornal, indica um 
momento em que a administração municipal se juntou aos distritos nas reuniões dos seus 
conselhos comunitários para discutir com os moradores e efetivar ações que procuravam 
incorporar esses espaços como parte de Uberlândia num patamar de “igualdade” com o 
espaço do distrito-sede.28 Tinha-se aí a consonância com a política de institucionalização da 
participação popular — cara aos governos peemedebistas dos anos 80. 
Em 2009, uma lei delegada prescreveu e elencou as atribuições da superintendência de 
operações dos distritos, ligada à Secretaria de Governo e que passou a exercer a função da 
extinta SEMAD. Quanto aos distritos, eis o que diz o parágrafo 5º do artigo 3, capítulo III: 
 
A Superintendência de Operação dos Distritos tem por finalidade: I – 
responsabilizar-se pela manutenção de todas as funções e serviços públicos 
existentes nos Distritos e pela valorização do homem do campo; II – 
estabelecer a ligação entre a Administração Central e a zona rural; III – 
verificar as condições do Patrimônio Público dos distritos e providenciar sua 
manutenção; IV – verificar a qualidade dos serviços prestados à comunidade, 
reportando-se às Secretarias específicas por meio da Secretaria Municipal de 
Governo; V – garantir que os projetos da área social, cultural e esportiva, 
desenvolvidos no Município, sejam também levados aos moradores dos 
Distritos; VI – manter uma política permanente de melhoria e urbanização nas 
sedes distritais e nas comunidades rurais onde houver aglomeração 
habitacional; VII – estimular e apoiar todas as manifestações culturais e 
religiosas como folias de reis, festas juninas e outras tradições da zona rural; 
VIII – criar programa de geração de emprego e renda nos distritos municipais; 
IX – implantar ações de valorização dos distritos como forma de torná-los 
pontos de atração histórica e cultural; X – incentivar o turismo rural e 
ecológico, valorizando o potencial dos sítios históricos, bem como córregos e 
cachoeiras adequados ao lazer; XI – apoiar e dar assistência aos produtores 
rurais dos distritos; XII – prestar contas de todas as atividades da 
Superintendência ao Secretário Municipal de Governo; XIII – exercer outras 
atividades correlatas à consecução de seus objetivos.29  
                                                        
27 GOVERNO tem plano de ação para os distritos. Primeira Hora, Uberlândia, MG, 1º de março de 1983, ano 
II, n. 419, “Política”, p. 3. 
28 O termo distritos é empregado neste estudo como forma de identificar “geograficamente” os distritos do 
município de Uberlândia, isto é, de situar minimamente o lugar a que se faz referência aqui. Mas a intenção — 
cabe frisar — é sempre não isolá-los.  
29 UBERLÂNDIA/MG. Câmara Municipal. Lei delegada 28, de 3/6/2009, que versa sobre as atribuições da 
Superintendência de Operações dos Distritos. Disponível em: 
<http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=secretariasOrgaos&s=61&pg=13>. Acesso em: jun. 2009. 
27 
 
A criação da superintendência e a definição de suas obrigações expressam um 
momento político diferente de quando surgiu a SEMAD. Mas essa lei parece tratar dos 
distritos como “área rural”, como espaços de “patrimônio histórico”; logo, talvez expresse o 
momento atual: de valorização desses espaços histórico-patrimoniais, quando passam a ser 
vendidos como lazer. O bucólico tem se tornado mercadoria vendida em programas de tevê 
que exaltam o apreço pelos momentos junto à natureza no chamado turismo rural, nos 
restaurantes “rurais”, nas moradias de fim de semana em lugares mais tranquilos. Com base 
na ideia de cansaço da dita modernidade, constrói-se o desejo de calma, enquanto o bucolismo 
do “campo” passa por um processo de elaboração no âmbito dessa sociedade que, a esta, 
devolve aquele como um bem de consumo. Eis por que cabe pôr em discussão o processo 
histórico — as transformações e as permanências da sociedade capitalista — e perceber esse 
espaço como ambiente de relações sociais mutáveis. Esse é um processo do qual os distritos 
não podem ser isolados, porque estão inseridos na lógica capitalista da busca contínua por 
mercados. 
Nesse caminho de investigação, o eixo de construção da tese é o processo histórico de 
transformação mais amplo por que passa Uberlândia — mas não só esse município — desde 
as últimas décadas do século XX. A partir desse momento, Uberlândia passou a ser alvo de 
projetos políticos de “modernização” — por exemplo, a consolidação de um distrito industrial 
e um pólo universitário: traços marcantes na dita Uberlândia progressista. Esses processos 
históricos na sociedade capitalista modificam o viver no espaço de todo o município; logo, 
também os moradores dos distritos são sujeitos dessa transformação e veem suas vidas serem 
transformadas nas formas de convivência e sociabilidade, nos modos de trabalhar e morar, nas 
festas religiosas e no estudo — numa palavra, nos múltiplos aspectos que compõem o social.  
No texto “Trabalhadores e movimentos sociais: debates na produção contemporânea”, 
Heloisa Helena Pacheco Cardoso, ao falar das reflexões desenvolvidas pelas linhas de 
pesquisas Trabalho e Movimentos Sociais — componentes da pós-graduação em História da 
Universidade Estadual do Oeste do Paraná e da Universidade Federal de Uberlândia —, 
ressalta essa abordagem dos processos de transformação: 
Trabalhamos com a noção de cultura como modos de viver abrindo 
possibilidades para diversos estudos sobre as várias atividades humanas, 
refletindo sobre as diferentes formas de viver na cidade e no campo, como 
realidades imbricadas, ao mesmo tempo peculiares, que atravessam 
processos dinâmicos de transformação.30 
                                                        
30 CARDOSO, Heloisa Helena Pacheco. Trabalhadores e movimentos sociais: debates na produção 
contemporânea. In: BOSI, Antonio; VARUSSA, Rinaldo (Org.) Trabalho e trabalhadores na 
contemporaneidade: diálogos historiográficos. Cascavel: ed. UNIOESTE, 2011, p. 100. 
28 
 
O que quero salientar é que os moradores dos distritos vivenciam esses “processos 
dinâmicos de transformação” desta sociedade capitalista; e discuti-los demandou levantar 
algumas fontes como a produção historiográfica e de áreas afins sobre a temática dos distritos 
aqui trabalhada.31 Tal levantamento poderia subsidiar uma reflexão sobre as leituras e 
imagens dos distritos construídas pela academia que as problematizasse não só em relação aos 
distritos, mas também ao município, para que, assim, fossem discutidas imagens distintas. A 
leitura dessa produção acadêmica me possibilitou refletir sobre as imagens que são 
construídas, assim como sobre a inserção desses espaços numa economia de mercado que 
explora seu uso como espaços de lazer e entretenimento. São duas dimensões imbricadas: se 
essas imagens parecem servir para legitimar a inserção dos distritos nos circuitos do turismo 
rural, isso é feito em associação com a ideia da tranquilidade em contraposição à agitação da 
cidade. 
Outro conjunto de fontes levantadas aponta a construção de uma memória sobre os 
distritos que os isola e os folcloriza: são as obras de memorialistas como Neire Jorge Resende, 
cujo livro Colcha de retalhos trata do distrito de Tapuirama; e os websites da prefeitura de 
Uberlândia e do restaurante Ora Pro Nobis. 
A prefeitura apresenta seus distritos em históricos curtos (vide ANEXO C) que se 
referem às origens e propõem uma valorização desses espaços pelo que têm de “história”. 
Nessa trilha, o trabalho de Corsi (já referido) defende a necessidade de preservar o patrimônio 
arquitetônico dos distritos de Uberlândia, a ponto de propor — segundo a autora — soluções 
para melhorar as condições de vida da população. Subjacente a tal proposta parece estar a 
valorização do “passado” desses lugares. Os históricos da prefeitura e o trabalho de Corsi 
parecem construir uma ideia de que esses espaços precisam ser valorizados pelo que carregam 
de “história” do município. Enquanto os primeiros o fazem talvez para escamotear as 
adversidades vividas pelos moradores distritais hoje, o segundo — conforme a autora — 
                                                        
31 PINA, José Hermano Almeida; LIMA, Osmar de Almeida; SILVA, Vicente de Paulo. Município e distrito: um 
estudo teórico. Campo e Território: revista de geografia agrária, v. 3, n. 6, ago. 2008, p. 125–42; MONTES, 
Silma Rabelo. Entre o campo e a cidade: as territorialidades do distrito de Tapuirama (Uberlândia–MG) — 
1975 a 2005. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) — Instituto de Geografia, Universidade Federal de 
Uberlândia; INÁCIO, Juliana Lemes. “A gente tem que ficar onde tem serviço”: memórias e experiências de 
trabalhadores no distrito de Tapuirama, Uberlândia/MG. Dissertação (Mestrado em História) — Instituto de 
História, Universidade Federal de Uberlândia; GOLOVATY, 2005; CORSI, Elaine. Patrimônio cultural 
arquitetônico e plano diretor em Uberlândia: uma proposta de revitalização dos distritos de Miraporanga, 
Cruzeiro dos Peixotos e Martinésia. 2006. 129 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) — Instituto de Geografia, 
Universidade Federal de Uberlândia; ANDRADE, Rodrigo B.; SANTOS, R. J. Levantamento e mapeamento dos 
recursos naturais e suas potencialidades turísticas nos distritos de Uberlândia–MG. Horizonte Científico, 
Uberlândia, v. 1, n. 3, 2004, p. 7–8. Disponível em: 
<http://www.propp.ufu.br/revistaeletronica/edicao2004/humanas/levantamento_e_mapeamento.PDF>. Acesso 
em: 28 dez. 2006. 
29 
 
pretende construir uma alternativa para melhorar as condições de vida dessas populações 
fundada no turismo. 
Também privilegiei na pesquisa os jornais impressos32 e os programas de TV:33 dois 
agentes que constroem e disseminam a memória dos distritos mediante reportagens escritas e 
televisivas. Cruzeiro dos Peixotos, Martinésia, Miraporanga e Tapuirama aparecem na 
imprensa local como lugares bucólicos e idílicos: são exaltados pela tranquilidade, pela vida 
mais pacata que proporcionam a seus moradores. As reportagens sobre os distritos se 
relacionam com esse processo de “valorização” desses espaços como lugares de descanso, 
sossego. Permeia esse argumento, por exemplo, a valorização da história supostamente 
contida nos casarões antigos; a qual sugere lugares que pararam no tempo. Logo, reforça a 
imagem de calma e tranquilidade. Como aqueles que produzem tais reportagens são 
moradores da cidade — Uberlândia — que disputam os processos sociais vivenciados nela, 
podemos dizer que fazem parte desse jogo de relações que tenta transformar os distritos em 
lugares consumíveis por moradores das cidades segundo a lógica da sociedade capitalista. 
 As fontes legais foram úteis para construir minha análise. Refiro-me em especial à Lei 
Orgânica Municipal. A intenção foi discutir os conceitos de distrito, cidade e município 
contidos nessa legislação, de modo a refletir sobre as rupturas e as continuidades nas formas 
de administrar. O capítulo III da Lei Orgânica prescreve:  
 
 
Art. 5º – A criação, organização e supressão de distritos obedecerão aos 
critérios estabelecidos em legislação estadual. Art. 6º – A lei estruturará os 
distritos definindo-lhes atribuições, descentralizando neles as atividades do 
Governo Municipal. Parágrafo único – Cada distrito terá um Conselho 
Comunitário, cuja composição e competência serão definidos em leis.34 
 
Vistas como campo de disputas, as leis abrem espaço a esta indagação: o que significa 
para os diferentes moradores e o poder público essa descentralização, essa definição de 
atribuições? Quais são as implicações dos conselhos comunitários? Nesse sentido, a busca de 
fontes como atas de conselhos comunitários e associações de moradores distritais trouxe 
contribuições sobre as reivindicações, os conflitos, as aspirações e os embates vividos pelos 
                                                        
32 Correio de Uberlândia (1970–2010), Primeira Hora (out. 1982–dez. 1988) e Participação (maio 1984–jan. 
1987). 
33 “Martinésia” e “Cruzeiro dos Peixotos”, episódios do programa Terra da Gente, da TV Paranaíba, exibidos em 
1988; “Distritos de Uberlândia”, série de reportagens do Jornal da Vitoriosa (TV Vitoriosa) exibida em agosto 
2010. 
34 UBERLÂNDIA/MG. Câmara Municipal. Lei Orgânica Uberlândia. Disponível em: 
<http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=secretariasOrgaos&s=61&pg=13>. Acesso em: jun. 2009.  
30 
 
moradores, compondo essas relações múltiplas e imbricadas com a sociedade de mercado, 
com o poder público e as relações dos moradores entre si.  
Por fim, os dados estatísticos de população — renda, número de domicílios e outros — 
contribuíram para caracterizar e problematizar a realidade vivida nesses espaços.  
Entretanto, acredito que as fontes fundamentais para refletir sobre tais questões são as 
entrevistas, na medida em que trazem para o trabalho as experiências de pessoas diversas, que 
têm trajetórias e interpretações diferentes sobre as complexas relações vividas pela população 
na disputa pela cidade. O significado do trabalho com as fontes orais se explicita nas palavras 
do professor Alessandro Portelli: 
 
[...] o que vemos na História Oral é mais a memória que cada ser humano 
tem individualmente. Essa memória é um produto social, porque todos nós 
falamos um idioma, que é um produto social; nossa experiência é uma 
experiência social, mas não se pode submeter completamente a memória de 
nenhum indivíduo sob o marco da memória coletiva. Cada pessoa tem uma 
memória, de alguma forma, diferente de todas as demais. Então, o que 
vemos, mais que uma memória coletiva, é que há um horizonte de memórias 
possíveis.35 
 
Portelli aponta um caminho de análise das narrativas orais como fontes que 
possibilitam analisar a experiência social à luz das memórias dos indivíduos, os quais 
compartilham viveres e interpretações que, longe de constituírem uma memória coletiva, 
compõem tal experiência. É nesse sentido que os relatos orais foram fontes primordiais da 
pesquisa descrita nesta tese; ou seja, permitiram analisar as vivências e experiências dos 
moradores distritais do município de Uberlândia. Moradores que não só compartilham 
experiências similares e afins, mas também enfrentam diferentemente problemas distintos. 
Enfrentamento que supõe relações sociais, de trabalho e de vida igualmente diversas. 
Diversidade que vai compondo a experiência social desses sujeitos.  
As entrevistas me permitiram: investigar as maneiras diversas de experimentar o 
espaço pesquisado; incorporar à reflexão situada no universo de análise município de 
Uberlândia os valores, os sonhos, as conquistas, as frustrações, as lutas, as tensões etc. Como 
motivador de inquietações, recorri a entrevistas que fiz com moradores de Martinésia para 
minha pesquisa de mestrado e entrevistei outros moradores dos quatro distritos. Procurei 
cobrir faixas etárias variadas: moradores com idade mais avançada e moradores mais novos; a 
receptividade dos primeiros foi maior que a dos segundos, com quem tive dificuldade para 
                                                        
35 ALMEIDA, Paulo Roberto; KOURY, Yara Aun. História Oral e memórias: entrevista com Alessandro 
Portelli. História & Perspectivas, Uberlândia, n. 25/26, jul./dez. 2001–jan./jul. 2002, p. 31. 
31 
 
conversar. Também tentei abranger naturalidades distintas: nativos e pessoas de outras 
regiões; as pessoas que se mudaram mais recentemente tiveram certo receio de falar. Dentro 
de um universo possível, tentei buscar vivências e trajetórias diferenciadas que permitissem 
compor um horizonte de experiências sociais compartilhadas nos distritos do município de 
Uberlândia: lócus da investigação subjacente a esta tese. Para isso, foi importante a ajuda de 
alguns entrevistados, que indicaram pessoas com quem eu poderia falar. A indicação facilitou 
sobremaneira a aceitação ao meu convite para conceder entrevista; creio que sem a indicação 
eu teria limitado minhas fontes orais. Pessoas com quem tentei conversar sem indicação se 
recusaram a conversar; as que aceitaram falar vetaram a gravação em áudio da conversa.  
A tese se estrutura em três seções. No primeiro capítulo — “Distritos de Uberlândia: 
muitas memórias, muitas imagens” —, a ideia foi analisar imagens dos distritos construídas 
pela imprensa, pela academia e pela administração de modo a discutir as noções de bucolismo 
aí patentes, pois as relações sociais vividas nesses lugares desmobilizam tais construções 
idealizadoras. As falas dos moradores, as atas dos conselhos comunitários e os jornais 
apresentam demandas por melhorias nas condições de vida que evidenciam um cotidiano 
marcado por tensões entre moradores e administração pública; e entre os moradores. 
Demandas que só reforçam o argumento de que os distritos são espaços de disputas sociais 
que desconstroem a imagem de uma gente simples, feliz e parada no tempo. Também no 
primeiro capítulo problematizo a forma como essas imagens servem a objetivos políticos 
distintos, visto que são datadas: remontam a argumentos de campanha política, a justificativas 
de atuação política, a feitos políticos e a projetos políticos de quem tomou o poder 
administrativo municipal dos anos 80 para cá. A análise e discussão se valem de relatos orais 
transcritos e fragmentos de relatos não registrados (anotados depois e guardados em minha 
memória), atas de conselhos e associações, jornais, programas de TV, livros memorialistas, 
dados do website da prefeitura de Uberlândia e estudos acadêmicos. 
No segundo capítulo — “Os distritos na fala de seus moradores” —, discuto o viver nos 
distritos: o que significa viver aí; como os moradores falam do espaço, do trabalho e de outros 
vários aspectos que compõem seus viveres. O foco incide nas narrativas: parto delas para 
refletir sobre os movimentos de mudança que acontecem no município. As transformações se 
associam a projetos políticos de grupos hegemônicos que visavam construir a Uberlândia 
“moderna” e “progressista” e nos quais se configura uma memória que identifica os distritos 
com o passado, em contraposição à cidade: símbolo da “modernidade”, lugar do presente e do 
futuro.  
32 
 
No terceiro capítulo — “Distritos como espaço de lutas” —, verifico como esses 
moradores estão reivindicando, acomodando-se, disputando, enfim, organizando-se para 
sobreviver na sociedade capitalista. Reflito sobre as reivindicações diversas dessa população 
como demandas pertinentes ao município todo, em vez de alheias às necessidades do distrito-
sede, por exemplo. O foco incide nas transformações porque passaram os distritos e como são 
vividas e interpretadas por seus moradores no âmbito do município de Uberlândia. Para tanto 
utilizo entrevistas, textos jornalísticos e atas, dentre outras fontes. 
33 
 
1 
 
Distritos de Uberlândia:  
muitas memórias, muitas imagens 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
s imagens construídas dos distritos de Uberlândia (MG) presentes na imprensa, em 
livros de memórias, em relatos de moradores, em discursos das administrações 
municipais e na historiografia, muitas vezes, deixam entrever contradições ao 
expressarem os lugares sociais de quem as produz. Se o viver nos distritos é marcado pela 
diferença, então tais imagens também o são. Por exemplo, as imagens que as administrações 
municipais constroem se alinham aos projetos políticos e econômicos do município para os 
distritos; imagens construídas por moradores tendem a apresentar o contraditório: às vezes, 
reelaboram falas “oficiais” sobre o que são os distritos, às vezes as negam.  
Os possíveis sentidos políticos dessas contradições aparentes merecem reflexão, que 
faço neste capítulo. Para isso, problematizo como essas imagens servem a interesses, fins e 
objetivos políticos diferentes, visto que são datadas; isto é, referem-se à atuação e aos projetos 
de administrações municipais distintas inseridos nos momentos históricos de que fazem parte. 
Também aprofundo a discussão sobre memória a fim de refletir sobre a “valorização” desses 
espaços mediante a arquitetura. A valorização compõe um processo histórico em que se 
propõe a “recuperação” dos espaços para o “consumo” quando, para os moradores, eles têm 
outros significados. 
A
34 
 
Ao falarem das administrações municipais, os moradores dos distritos, na maioria das 
vezes, ressaltam o primeiro governo de Zaire Rezende (1983–8), que teria sido diferente na 
maneira de governar e no atendimento às reivindicações da população. É o que afirma o 
senhor João Dias: 
 
Renata — O senhor se lembra quando fez a rodovia que dá acesso 
Martinésia–Uberlândia? 
João Dias — Lembro.  
O senhor acha que melhorou a vida de vocês? 
Uai, mais é claro! Claro que melhoro! Tinha veiz da gente saí daqui com o 
caminhão carregado, ficá o dia intero na estrada. Cê lembra, de vê contá, que 
o Ronan que era leitero daquela época entravava na rua de Martinésia. Teve 
dia de nóis perdê o caminhão todim de leite porque encravô na frente do 
curral do Valdivino, ali, e não conseguimo saí. Ficamo o dia intero lá, num 
conseguimo saí. Foi marrano trator... perdeu um caminhão de leite todim. 
Então, facilitô! Hoje nóis num tem encravadô, nóis gastava quaisi [quase] 
um meio dia pra saí das estradas ruim pra chegá no ‘Berlândia. Hoje a gente 
vai em 25, 30 minuto. Então, a gente falá que num melhorô, que é uma coisa 
que eles fala, os político fala e detesta o doutor Zaire. Nóis nunca teve um 
prefeito pra zona rural, pra olhá justamente pra Martinésia, igual doutor 
Zaire. Nóis nunca arrumô e nóis vamo tê saudade toda vida, porque nunca 
vai arrumá.36 
 
Ao falar da sua experiência como trabalhador, João Dias se refere a dificuldades 
enfrentadas no transporte da produção — do leite, no caso dele — dadas as condições de 
tráfego das estradas. Por meio dessa experiência, ele qualifica o que foi a administração Zaire 
Rezende; demarca os limites de um governo municipal que seria diferente dos prefeitos 
anteriores e posteriores. Na sua leitura, ainda não houve outro prefeito que tivesse olhado para 
a região como Zaire Rezende olhou; daí que sua administração aparece como marco de 
transformação.  
Em maio de 1985, o jornal Primeira Hora,37 na coluna “Notícias da semana”, publicou 
uma entrevista com o então vice-prefeito de Uberlândia, Durval Garcia. A manchete que 
destaca a entrevista — “Durval Garcia marca uma nova fase na vida dos distritos” — anuncia 
a ideia da mudança; e no texto se lê que 
 
 
                                                        
36 DIAS NETO, João. Martinésia, Uberlândia, MG, 28 de outubro de 2005. Fita de áudio (37 minutos). Essa 
entrevista foi concedida a mim durante minha pesquisa de mestrado e está sendo reutilizada porque mobiliza 
questões fundamentais ao desdobramento desta tese. 
37 O jornal Primeira Hora foi porta-voz da administração municipal de Zaire Rezende (1983–8) ao abraçar suas 
propostas e decisões. Segundo informações do “Inventário de proteção do acervo cultural”, findo o mandato de 
Zaire, o jornal parou de circular. Disponível em: 
<http://www.uberlandia.mg.gov.br/uploads/cms_b_arquivos/6214.pdf>. Acessado em: 2 fev. 2013. 
35 
 
Especialmente preparado, desde os tempos da campanha política, o vice-
prefeito de Uberlândia, Durval Garcia, assumiu um órgão novo, criado pela 
Administração municipal. Foi a Administração dos Distritos, organismo a 
nível de secretaria municipal, que passou a ter a missão de representar todo o 
Executivo, nos distritos de Uberlândia, bem como na zona rural onde estão 
localizados. Foi este fato inovador, na vida político-administrativa de 
Uberlândia, que esta semana conversamos com o professor Durval Garcia. 
Político experiente, professor universitário, cristão e poeta, o vice-prefeito 
deixa claro que a grande missão é atender a população dos distritos, naquilo 
que ela mais precisa, resgatando-a de uma situação que viveu muitos anos, 
onde somente a sede da cidade parecia ter Prefeitura e representantes 
políticos. Dentro dessa linha, Durval Garcia declarou que a Administração 
dos Distritos está em franca atividade com a realização, em etapas, do 
programa que foi estabelecido no início da administração, para que o órgão 
viesse a ser, realmente, a extensão da Administração Municipal naqueles 
locais, que “são locais que até então eram desprotegidos de mais recursos”.38 
 
A necessidade de reforçar a ideia de que a administração Zaire Rezende era diferente 
se evidencia, no texto, na passagem que expõe a intenção expressada por Durval Garcia: 
“resgatar” os distritos de uma situação de não participação vivida noutros momentos e que os 
relegava à condição de “desprotegidos” pelo poder público. Essa impressão de que a 
administração municipal tinha uma proposta diferente para a população — cabe dizer — não 
se circunscreveu aos distritos; antes, criou-se em torno dela uma expectativa de que 
melhoraria as condições de vida da população do município todo.  
Com efeito, a pesquisa de Carlos Meneses de Sousa Santos e Heloisa Helena Pacheco 
Cardoso sugere isso. Ao estudarem a experiência dos moradores do bairro Nossa Senhora das 
Graças em Uberlândia naquele momento político da Democracia Participativa, evidenciaram 
como o prefeito e seus partidários foram a “[...] expressão do desejo de mudança nos diversos 
espaços da cidade, principalmente nos locais habitados por moradores empobrecidos da cidade”.39 
Esses pesquisadores discutem essa noção — exposta pelo grupo peemedebista, que disputava as 
eleições municipais em Uberlândia em 1982 — de que o momento vindouro seria diferente: 
 
[...] os peemedebistas faziam uma referência explícita à associação entre os 
administradores públicos no município e os militares em sua gestão federal, os 
quais atuavam em sintonia com o governo local na promoção do desenvolvimento 
econômico das elites que compunham, na cidade, o campo de interesses 
defendidos explicitamente pelo Partido Democrático Social (PDS), grupo 
personificado politicamente, na sua maior expressão, em Virgílio Galassi.40 
 
                                                        
38 COURY, J. B. Durval Garcia marca uma nova fase na vida dos distritos. Primeira Hora, Uberlândia, MG, 3 
de maio de 1985, ano IV, n. 995, “Notícias da semana”, p. 4.  
39 SANTOS, Carlos Meneses de Sousa; CARDOSO, Heloisa Helena Pacheco. Democracia Participativa em 
Uberlândia — significados das experiências dos moradores do Bairro Nossa Senhora das Graças. Horizonte 
Científico, v.1, p. 1–30, 2007, p. 10.  
40 SANTOS, 2007, p. 8. 
36 
 
Essa necessidade de se apresentar como o diferente foi além da campanha eleitoral. 
Durante o mandato, isso foi constantemente reforçado, como se lê em trecho de ata da 
Câmara de Vereadores: “Não houve preocupação com obras, mas com o homem, e temos 
certeza de já ter resgatado boa parte da dívida social. A periferia e os distritos são o centro 
de atuação e nunca se fez tanto por eles”.41 Essa passagem se refere à fala do partidário 
situacionista José Antonio Souza em reunião da Câmara de fevereiro de 1984. A tentativa 
foi demarcar diferenças entre o que havia e o que foi feito pela administração 
peemedebista. 
Antes da administração do PMDB da década de 80, o cenário político foi marcado 
por uma alternância de poder entre Renato de Freitas (1967–70; 1973–6) e Virgílio 
Galassi (1971–2; 1977–82 — ver ANEXO A).42 Wilma Ferreira de Jesus interpreta tal 
alternância como mera mudança de nomes: “Embora esses governantes fizessem parte de 
grupos diferentes, em nada se diferenciavam em termos de concepção administrativa e de 
projeto”.43 Ela enfatiza como essas administrações gastavam o orçamento municipal com 
o fortalecimento do capital econômico ao impulsionar o comércio e a indústria, enquanto 
os gastos com saúde, educação, moradia e demais demandas sociais eram 
insignificantes.44  
A pesquisa realizada no jornal Correio45 possibilitou construir uma reflexão sobre essa 
questão em específico porque mostrou que a lógica do progresso associado ao comércio e à 
indústria — à vocação “grandiosa” da cidade de Uberlândia — aparece por diversas vezes 
                                                        
41 UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da quarta sessão da primeira reunião ordinária de 1984. Livro 120. 
Datiloscrito. 6 p. Arquivo Público de Uberlândia, 20 de fevereiro de 1984, p. 3. 
42 Virgílio Galassi se elegeu prefeito de Uberlândia por mais dois mandatos: 1989–92, 1997–2000. 
43 JESUS, Wilma Ferreira. Poder público e movimentos sociais — aproximações e distanciamentos. 
Uberlândia — 1982–2000. 2002. Dissertação (Mestrado em História) — Instituto de História, Universidade 
Federal de Uberlândia, p. 6. 
44 JESUS, 2002, p. 6–7. 
45 “O Jornal Correio pertence ao grupo ALGAR (um grupo econômico presente no cenário político e econômico 
da cidade e região), dono de empresas que atuam nos mais variados ramos: segurança, comunicação, lazer, 
informação, transporte, entre outros. Este jornal representa o Sindicato Rural de Uberlândia, a ACIUB 
(Associação do Comércio e Indústria de Uberlândia), CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas), a Prefeitura 
Municipal de Uberlândia. Dessa forma, o jornal circulou com o nome de Correio de Uberlândia nos anos 1938–
1991, com o nome de Correio do Triângulo entre 1991–1995, como jornal Correio a partir de 1995 e voltou a 
ser chamado Correio de Uberlândia no princípio de 2006.” INÁCIO, 2008, p. 24. Em sua tese de doutorado, 
Sergio Paulo Morais faz considerações sobre o jornal e sua conotação política: “Os proprietários também são 
diversos ao longo do tempo e suas conotações políticas variaram entre UDN (União Democrática Nacional), 
PDS (Partido Democrático Social), e suas proles: PPB (Partido Progressista Brasileiro, atual Partido 
Progressista), PFL (Partido da Frente Liberal). [...] As conotações políticas são importantes para entender os 
modos com que as notícias são tratadas pelos diferentes jornais”. MORAIS, Sergio Paulo. Empobrecimento e 
“inclusão social”: vida urbana e pobreza na cidade de Uberlândia/MG (1980/2004). 2007. 230 f. Tese 
(Doutorado em História Social) — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, p. 17. 
37 
 
como concepção política que orientou esses governos. A passagem de um texto noticioso 
mostra isso: 
Uberlândia está sendo manchete em toda a imprensa do país durante esta 
semana. A indiscutível Metrópole do Triângulo vive horas de intensa 
movimentação. É centro de atração em todo o Brasil, mercê de sua 
privilegiada situação e dos acontecimentos que aqui estão de verificando. As 
mais destacadas figuras do mundo político e administrativo chegando e 
saindo de Uberlândia. Esta semana tivemos o lançamento da Campanha da 
Produtividade, com a vinda de ilustres caravanas de ministros, de presidentes 
de bancos e governadores. A terça-feira foi inteiramente dedicada à Batalha 
da Produção, com o seu lançamento pioneiro na cidade uberlandense. 
Vivemos horas de expressão política em termos de progresso. [...] 
Uberlândia está em festas. A cidade grande se dimensiona maior com estas 
festividades que tanto nos orgulham. É uma cidade em ritmo de Brasil 
Grande. Podemos adaptar para nós o slogan do presidente Médici: “Ninguém 
mais segura Uberlândia!”.46 
 
Um dos motivos para a festa que a cidade estaria vivendo naquele momento é o 
lançamento da Batalha da Produção,47 projeto criado pelo então presidente general Emílio 
Garrastazu Médici para incrementar a produção agropecuária. Como Uberlândia era a 
pioneira no lançamento da campanha em Minas Gerais, os administradores se orgulharam 
sobremaneira. A tônica — percebe-se — é a grandiosidade de Uberlândia, que pouco depois 
elegeu o prefeito Virgílio Galassi, que o Correio de Uberlândia associou com o progresso 
nesta manchete: “Virgílio e o Progresso”: 
 
A síntese do que pretende o líder que Uberlândia consagrou nas urnas a 15 
de novembro é seu próprio pensamento de progresso. [...] As palavras ditas 
por Virgílio Galassi resumem um salto de progresso que Uberlândia tem que 
dar. A industrialização dessa cidade é imperativo de sua própria 
sobrevivência na atual conjuntura. Virgílio sabe disto. Tenham certeza os 
uberlandenses que o futuro prefeito dirigirá seus esforços, concentrará seu 
dinamismo e sua inteligência na faixa do desenvolvimento através da 
reestruturação do Distrito Industrial, muito esquecido nos últimos anos. Para 
Virgilio Galassi a realidade é que fora da industrialização Uberlândia 
estagnará, ficando uma simples cidade bonita a mais entre as outras cidades 
de Minas. Ele não quer isto. Quer uma Uberlândia Grande.48 
 
                                                        
46 A CIDADE em festas. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 27 de agosto de 1970, ano XXXIV, n. 
11.908, “Opinião”, p. 3.  
47 Para detalhamento da política econômica do governo Médici, cf.: MACARINI, José Pedro. A política 
econômica do governo Médici: 1970–1973. Nova Economia, Belo Horizonte, n. 15, v. 3, p. 53–92, set.–dez. 
2005. Nesse artigo, o autor aborda “[...] a gestação de um projeto nacional pelo regime, desaguando no projeto 
Brasil Grande Potência, o qual se apoiou no modelo ‘agrícola-exportador’ como a sua estratégia de 
desenvolvimento” (p. 52). O autor se atém ainda ao processo de execução prática dessa política ao longo do 
governo Médici. 
48 VIRGÍLIO e o progresso. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 15 de dezembro de 1970, ano XXXIV, n. 
11.170, “Opinião”, p. 3. 
38 
 
A fala desses administradores explicita a ideia de progresso, isto é, a orientação das 
ações e políticas municipais. Mesmo quando as contradições aparecem, elas são muito mais 
caracterizadas pela noção de algo que macula o progresso da cidade do que efetivamente 
como problemas reais a serem solucionados para melhorar o cotidiano dos habitantes. Isso é 
emblemático em dois textos publicados no Correio de Uberlândia: 
 
Que Uberlândia cresceu e progrediu muito em todos os sentidos é um fato 
que não se discute mais. Tornou-se até lugar comum falar no progresso 
desta cidade. [...] Uberlândia é realmente uma cidade maravilhosa, mas 
não tem um pronto-socorro. Tem um comércio fabuloso, mas não tem um 
pronto-socorro. Uma indústria que se desenvolve a cada dia, mas não tem 
um pronto-socorro. Tem tantos e tão bons colégios, mas não tem um 
pronto-socorro. Tem uma Universidade, mas não tem um pronto-socorro. 
Uberlândia tem tudo o que lhe é necessário em vários sentidos, mas não 
tem um pronto-socorro. Terá brevemente um serviço de água (Sucupira) 
que será um verdadeiro orgulho para a cidade, mas não tem pronto-
socorro. Inaugurou, há poucos dias, a nova estação da Mogiana, que é um 
verdadeiro monumento arquitetônico, mas não tem um pronto-socorro. 
Como soa mal esse “mas” que está perturbando, diminuindo o conceito 
de Uberlândia.49 
Uberlândia não merece esse tratamento desigual. É terra de gente afeita ao 
trabalho, é terra de progresso e dinamismo. Essas ruas inteiramente 
estropiadas, êsse calçamento abandonado são, na pior das hipóteses, uma 
vergonha para nós. Imagine a idéia que faz um visitante ao descer pelas 
“bacadas” intermináveis da Cesário Alvim. Já não chega a humilhante 
colocação das famigeradas “tartarugas”, há ainda o calçamento 
imprestável.50 
 
Como se pode ler, os problemas são diferentes: falta de um pronto-socorro; as 
condições do calçamento das ruas. No entanto, o que se sobressai a quem lê ambos os 
textos — publicados na página “Opinião”51 — é essa conotação de que são problemas que 
mancham a imagem progressista da cidade. Como pode uma cidade com tantos e tais 
atributos enfrentar esses problemas? Dos quais o sujeito parece mesmo ser a cidade, como 
se esta fosse desprovida de gente. Cabem aqui as proposições de Déa Ribeiro Fenelon da 
cidade como espaço de relações travadas por quem nela vive; relações tensas e 
conflituosas: 
 
                                                        
49 PRONTO-SOCORRO para Uberlândia. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 24 de abril de 1970, ano 
XXXIV, n. 11.041, “Opinião”, p. 3.  
50 UM ABRAÇO, trabalho urgente. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 4 de novembro de 1970, ano 
XXXIV, n. 11.146, “Opinião”, p. 3.  
51 A página “Opinião” veicula textos sobre eleições, nomes importantes da política local, obras e enaltecimento de 
Uberlândia; também sobre os problemas uberlandenses. Mas nesse caso o tom é de engrandecimento da cidade.  
39 
 
[...] a cidade e suas instituições devem ser vistas como espaços de produção de 
conflituosas relações que historicamente podem exprimir-se em dominação, 
cooptação ou consenso, mas também em insubordinação e resistência. Neste 
sentido, a valorização da memória apresenta-se como oportunidade de trazer à 
tona outras histórias e outros olhares sobre o passado.52 
 
Cabe pensar, então, na força que a proposta política de Zaire Rezende encontrou na 
população mais empobrecida, ávida por uma administração que olhasse para suas 
necessidades cotidianas, que estão muito além dessa noção de progresso econômico. Talvez 
por isso a Democracia Participativa ainda seja tão referida por uma maioria expressiva de 
moradores de Uberlândia. Entender “[...] como [e por que] a proposta de Democracia 
Participativa continua sendo referenciada, ou não, pelas pessoas que viveram a década de 
1980 [...]”53 é um dos objetivos de Santos e Cardoso, citados acima. Segundo eles, algo que, 
para a população, diferiu a administração Zaire Rezende das administrações anteriores foi 
“[...] o intenso relacionamento do poder público com as populações expropriadas [...]”.54 A 
presença da figura do administrador dos distritos uberlandenses nas reuniões realizadas nos 
distritos parece evidenciar isso. A entrevista com Durval Garcia referida antes enfocou a 
criação desse cargo no âmbito da administração municipal, o que foi objeto de debates na 
Câmara entre o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) — partido de Zaire 
Rezende — e o Partido Democrático Social (PDS) — partido de oposição. 
 
Adriano Bailoni — lamentou que possa ser aprovado um projeto cujo título 
não é legal e macula a tradição da Casa de zelar pela legitimidade dos textos 
e a não ser raras vezes que projetos que vieram com incorreções e foram 
sanadas pela compreensão da bancada interessada. Entretanto hoje, 
funcionando o rolo compressor do PMDB, que não arreda pé mesmo diante 
da evidência de distorções jurídicas. [...] Geraldo Gomes Rezende saudou os 
presentes e visitantes do PMDB. Lamentou o comportamento do PDS que 
obstruía o projeto que beneficia os distritos com uma organização mais 
dinâmica. [...] Sebastião Eurípedes dos Santos — disse que apoia Geraldo 
Gomes Rezende e que o povo não está interessado se o projeto é ou não 
legal, se contraria este ou aquele artigo, quer é ação: Por vinte anos os 
distritos esperaram e agora Zaire Rezende resgata a dívida com a sociedade 
especialmente a população dos distritos. Adriano Bailoni protestou contra tal 
afirmativa. Mas o orador continuou dizendo que rolo compressor vem do 
PDS que decide tudo entre quatro paredes, tirando o pão do trabalhador, 
entregou o país ao FMI [Fundo Monetário Internacional], e agora é um novo 
tempo para reparar os erros.55 
 
                                                        
52 FENELON, 1999, p. 7. 
53 SANTOS; CARDOSO, 2007, p. 3. 
54 SANTOS; CARDOSO, 2007, p. 10. 
55 UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da décima sessão da segunda reunião ordinária de 1983. Livro 119. 
Datiloscrito. 5p. Arquivo Público de Uberlândia, 28 de março de 1983, p. 2–5. 
40 
 
Essas falas dos vereadores permitem perceber o embate político em torno da 
criação do cargo de administrador dos distritos. O argumento dos vereadores do PDS era 
a ilegalidade do projeto, qual seja, o prefeito criar tal cargo e lhe estipular salários. Nas 
reportagens que cobrem essa disputa, o jornal Primeira Hora argumenta que esta girou 
em torno do nome desse administrador e da possibilidade de vincular o cargo ao vice-
prefeito.56 Ligado ao prefeito — cabe frisar —, o jornal não enfatiza a possível 
ilegalidade da ação; mas sim a aprovação do projeto pelo PDS mesmo com críticas e 
manobras.  
A fala do vereador do PMDB Sebastião Eurípedes dos Santos sugere que o 
projeto quitaria a dívida que a prefeitura teria com os distritos. Nesse jogo político, 
imagens sobre os distritos vão sendo construídas e reforçadas — ou refutadas — pelas 
administrações de acordo com suas intenções. A imagem dos distritos que a 
administração Zaire Rezende construiu é de que, uma vez esquecidos, esses lugares 
passaram a ser lembrados por ele e por seus partidários. Bucólicos — imagem não 
refutada —, os distritos passam a ser lugares aonde chegariam “as melhorias” que 
deveriam chegar.  
Nesse contexto, a noção de progresso se associa aos interesses e modos distintos de 
governar. Mas une Uberlândia e seus distritos em momentos políticos diversos, pois as 
administrações municipais, estivessem elas mais à direita ou à esquerda, procuraram construir 
e consolidar uma imagem de que atende a todos os distritos, porque fariam parte do progresso 
sem perder sua condição de “lugares de memória”: lugares que guardariam o passado desse 
município.  
Progresso é uma noção-chave na defesa dos rumos do capitalismo em sua busca por 
desenvolvimento incessante, que desqualifica formas alternativas de organização social. 
Independentemente de partido, todo discurso dos agentes municipais se encaixa nessa 
premissa: uns mais diretos defendem a industrialização e reformas urbanas como meio; outros 
põem a população no centro das preocupações para respaldar suas propostas: a convida para 
participar das mudanças que o município necessitaria. É como se o progresso fosse condição 
para melhorar as condições de vida de todos e estágio pré-distribuição de seus frutos. A 
                                                        
56 APROVADO o cargo de administrador dos distritos. Primeira Hora, Uberlândia, MG, 29 de março de 1983, 
ano II, n. 442, “Capa”; COM o administrador, evoluem os distritos. Primeira Hora, Uberlândia, MG, 29 de 
março de 1983, ano II, n. 442, “Política”, p. 3; PDS VOLTA atrás e aprova administrador dos distritos. Primeira 
Hora, Uberlândia, MG, 30 de março de 1983, ano II, n. 443, “Capa”; MESMO achando ilegal, PDS votou a 
favor do projeto. Primeira Hora, 30 de março de 1983, ano II, n. 443, “Política”, p. 3. 
41 
 
realidade se encarrega de desfazer a aparência do discurso, mas este tem efeitos temporários 
na proposta de Democracia Participativa. 
A ideia de progresso na administração peemedebista se diferencia daquela presente, 
por exemplo, nas administrações de Virgílio Galassi. Em Zaire, está associada, ao menos 
retoricamente, com suprir as necessidades da população: saúde, educação e moradia; em 
Virgílio, com obras monumentais (viadutos e rodovias) e atividade comercial e industrial. A 
ideia do governo Zaire que se tenta construir é a de um governo para o homem; logo, os 
distritos antes esquecidos passariam a ser respeitados e ouvidos pela administração municipal. 
Isso está evidente no balanço da vereadora do PMDB Nilza Alves de Oliveira após sete meses 
da administração peemedebista:  
 
A preocupação da Administração ZAIRE REZENDE tem sido com o 
atendimento das necessidades das populações dos bairros e vilas populares, 
inclusive da periferia dos distritos rurais, carentes em infraestrutura. Depois 
especificou citando vários exemplos de ação municipal tanto no perímetro 
urbano como nos distritos. Finalizou dizendo que o modelo político 
econômico de ZAIRE REZENDE pretende ser um embrião do modelo 
alternativo que se pretende conquistar para o País. Estabelecer canais de 
participação popular nas decisões é um compromisso fundamental do 
PMDB. E este é o comportamento nos sete meses de administração ZAIRE 
REZENDE.57  
 
Essa ideia de atendimento às necessidades das populações menos favorecidas e de 
participação dessa população se evidencia no discurso do prefeito e de seus partidários. 
A participação no governo é aclamada como diferencial do PMDB, que tenta se 
apresentar como governo que está junto com a população. Com efeito, em várias 
reportagens sobre melhorias nos distritos, ilustra o texto a fotografia do administrador 
dos distritos: o vice-prefeito Durval Garcia (FIG. 4 e 5). Essa reiteração visual parecer 
sugerir ao leitor a ideia de que a administração se faz presente sem mediadores e 
representantes: os líderes políticos estariam junto aos moradores, ouvindo reivindicações 
e comemorando conquistas. 
 
                                                        
57 UBERLÂNDIA. Câmara municipal. Ata da primeira sessão da sexta reunião ordinária de 1983. Livro 119. 
Datiloscrito. 4p. Arquivo Público de Uberlândia, 16 de agosto de 1983, p. 3. 
42 
 
 
 
FIGURA 4 – O jornal Primeira Hora destacou a presença do vice-prefeito do município de Uberlândia em meio a 
moradores dos distritos sob sua administração para ouvi-los e levar suas reivindicações para seu 
plano de ações da administração municipal58  
 
                                                        
58 PRIMEIRA HORA. Uberlândia, MG, 22 de abril de 1983, ano II, n. 461, “Política”, p. 3.  
43 
 
 
 
FIGURA 5 – O jornal Primeira Hora noticiou os desdobramentos da administração dos distritos 
do município de Uberlândia, enumerando obras de infraestrutura (pontes, 
abastecimento de água, poços artesianos), de preservação patrimonial (restauração 
de capela), de serviços públicos (telefonia, saúde), de participação da comunidade 
(horta e salão comunitários), dentre outros pontos59  
 
                                                        
59 PRIMEIRA HORA. Uberlândia, MG, 13 de abril de 1984, ano III, n. 730, “Regional”, p. 5.  
44 
 
Dito isso, impõe-se uma pergunta: o que a Democracia Participativa do governo Zaire 
de fato significou na vida dos moradores do município de Uberlândia na década de 80? 
Mesmo elogiosa ao prefeito, a fala da entrevistada dona Elza aponta falta de consenso quanto 
aos avanços promovidos por ele:  
 
Gente, o Zaire, ele, todo mundo fala mal dele, fala muito mal, mais até dói 
um poquinho na gente, porque foi um marco. Quando o Zaire entrô, 
Martinésia ressuscito. Cê concorda comigo, não concorda? Entendeu? Ela 
tava, assim, parada; aí ele saiu, o otro quis fazê melhor, cê entendeu? Por 
isso que foi bom, mais quem deu o primeiro passo foi ele mesmo. [...] Ele 
trabalha muito com o social [...].60 
 
Alguns aspectos se destacam nesse relato. Por exemplo, o lugar social do sujeito que 
fala ao trabalharmos com História Oral: ela foi presidente do Conselho Comunitário de 
Desenvolvimento Rural/CCDR do distrito de Martinésia,61 ou seja, ocupou lugar político-
administrativo. A ideia de que “Ele trabalha muito com o social” não só foi disseminada como 
uma das interpretações do que seria o governo peemedebista naquele momento, mas também 
se transformou, ao longo do tempo, em algo a ser repetido amplamente por partidos de 
esquerda e de direita. Falar que trabalha com o social se tornou obrigatório entre os políticos; 
e dona Elza, ao trazer essa referência para sua fala, evidencia um pouco dessa vivência 
política no âmbito administrativo, além de reproduzir o que teria sido uma referência (ao 
menos discursiva) ao governo de Zaire que acabou se tornando lugar-comum na política atual. 
Acredito que a alusão de dona Elza aos que falam mal de Zaire Rezende se refira mais 
ao segundo mandato dele (anos 2001–4), malvisto pelos moradores porque, supostamente, 
teria acrescido pouco à cidade em relação ao primeiro mandato; e mesmo este é apresentado 
com reservas por muitos. Dona Marilda, por exemplo, moradora do bairro Nossa Senhora das 
Graças, em Uberlândia, entende que foi uma proposta vazia, embora tenha havido 
expectativas em meio à população, que acreditou na possibilidade de resolver boa parte de 
suas mazelas.  
                                                        
60 REZENDE, Elza Borges. Uberlândia, MG, 25 de setembro de 2005. Fita de áudio (49 minutos). Entrevista 
concedida a mim em sua residência na cidade de Uberlândia, durante minha pesquisa de mestrado. 
61 Os conselhos comunitários de desenvolvimento rural objetivam ser um espaço de discussão de problemas 
locais para melhorar a vida das pessoas do lugar onde os conselhos atuam. A Lei Orgânica Municipal prevê sua 
existência nos distritos. A ata de fundação do Conselho Comunitário de Desenvolvimento Rural de Martinésia 
traz — referindo-se ao estatuto — um pouco do que seria ou deveria ser o trabalho do conselho: “Artigo 2º – O 
‘C. C. D. R.’ tem por finalidades: a) participar dos trabalhos comunitários; b) trabalhar pelo desenvolvimento da 
agropecuária e melhoria do bem estar da população da comunidade; c) Prestigiar, estimular e auxiliar as 
iniciativas que tragam benefícios à comunidade; e) Reunir recursos materiais, humanos e assistenciais através da 
união de esforços, colocando-os à disposição da comunidade”. MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. 
Conselho Comunitário de Desenvolvimento Rural. Ata da reunião de fundação. Livro de atas 1. Manuscrito. 
1986, p. 2–3. 
45 
 
No entanto, muito do que se prometeu ficou no discurso político. Efetivamente, as 
mudanças não chegaram com a quantidade e o significado esperados. É o que se pode 
depreender da fala da entrevistada no artigo de Santos e Cardoso, “Democracia Participativa 
em Uberlândia — significados das experiências dos moradores do Bairro Nossa Senhora das 
Graças”, citado antes: 
 
[...] a democracia participativa chegou fantasiosa, ela não queria que a gente 
aprendesse tudo (pausa). Ela não propôs isso... Vocês vão até (pausa) que era 
pra continuar obedecendo, não é? Ninguém falou que a gente podia ser dono 
da nossa história [...] Ninguém queria que a gente fosse dono da nossa 
história.62 
 
Os autores do artigo comentam a fala de dona Marilda: 
 
Ela acredita e reconhece que um espaço de participação foi aberto pela 
administração Zaire Rezende. Contudo, afirmou que esse espaço foi limitado 
à participação [...]. Foi uma fantasia interrompida pela realidade de não ter 
proporcionado, a vários moradores da cidade, a conquista do conjunto de 
interesses que aspiravam.63 
 
Também interpretam os limites dessa Democracia Participativa com argumento de que 
as classes dirigentes, em certos momentos, até concedem benefícios à população, mas se 
limitam aos interesses dos grupos dominantes da sociedade: 
 
[...] a participação institucional “possível” do liberalismo democrático não se 
apresenta para resolução dos problemas sociais expressos pela expropriação 
e pela exploração das condições de vida, mas antes pretende atenuá-los. 
Tendo como meta sustentar/reproduzir o estado social existente, as classes 
dirigentes necessitam ser, em momentos históricos específicos, mais ou 
menos complacentes com as reivindicações dos trabalhadores, na lógica de 
“mudar para conservar” a ordem. Esses elementos compõem o horizonte da 
dominação.64 
 
Em meu entendimento, os autores apontam como a Democracia Participativa se 
limitou mais às discussões, e menos a ações concretas do poder público que visassem 
minimizar as mazelas dos moradores. Mas as falas do senhor João e de dona Elza apontam 
que o governo peemedebista contribuiu em alguns aspectos com a população do distrito de 
Martinésia, por exemplo. Quando questionei o senhor João sobre a pavimentação da rodovia 
que dá acesso ao distrito, ele mencionou como isso mudou o cotidiano das pessoas que ali 
                                                        
62 SANTOS; CARDOSO, 2007, p. 17–8. 
63 SANTOS; CARDOSO, 2007, p. 18. 
64 SANTOS; CARDOSO, 2007, p. 16. 
46 
 
viviam. A obra foi alardeada pela administração peemedebista como benefício concedido à 
população dos distritos; e esse caráter da participação é sempre ressaltado. Reportagem do 
Primeira Hora de 29 de setembro de 1987 apresentou este título: “Rodovia da Participação”. 
Ao tratar da inauguração dos primeiros sete quilômetros de pavimentação da rodovia 
municipal 090,65 o texto ressalta esse aspecto: “A rodovia está sendo asfaltada pela 
Administração Municipal com a participação dos próprios moradores da zona rural e do DER, 
daí o apelido de ‘Rodovia da Participação’”.66  
Uma reunião conjunta dos conselhos comunitários de Martinésia, Cruzeiro dos 
Peixotos e Sobradinho, realizada em junho de 1986, com a presença do administrador dos 
distritos, objetivou discutir a pavimentação da rodovia. Em sua fala aos moradores, Durval 
Garcia 
 
[...] sugeriu que a prefeitura entrasse com uma parte do dinheiro e o povo 
entrasse com a outra parte. Os proprietários estão dispostos em cooperar 
desde que seja feito o levantamento do total do custo do projeto e ver 
também a parte que o Estado e as grandes firmas ou empresas podem ajudar. 
[...] o professor Durval disse que o prefeito nestes três primeiros anos de 
mandato procurou atender as prioridades dos distritos e na segunda etapa de 
sua administração será feito a urbanização dos Distritos. O professor 
encerrou a reunião dizendo que cada pessoa participante da reunião será 
agente de comunicação para o seu vizinho solicitando a sua contribuição.67 
 
A maneira como o administrador termina sua intervenção reforça a tônica não só da 
pavimentação da rodovia, mas de toda administração Zaire Rezende da década de 80; a saber: 
a participação — ao menos no plano do discurso. As pessoas teriam sido convocadas a 
problematizar suas demandas e sugerir melhorias. No caso da rodovia, as populações a ser 
beneficiadas pela obra abraçaram a causa não por questões políticas, mas porque a rodovia de 
fato melhorou as condições de vida delas, como dizem. A população de Martinésia, Cruzeiro 
dos Peixotos e da região de Sobradinho (povoado rural), contribuiu efetivamente para a obra, 
como se lê em reportagens jornalísticas e nas atas dos conselhos comunitários. Em outra 
reunião conjunta desses moradores, em outubro de 1986, ficou explícita a participação: “O D. 
E. R. [Departamento de Estradas e Rodagens] vai fazer o trabalho de subleito e leito da 
                                                        
65 No ano de 2011 essa rodovia deixou de ser municipal e passou a ser responsabilidade do governo estadual, 
tornando-se LMG-751. 
66 RODOVIA da Participação: entregue primeira etapa da obra. Primeira Hora, Uberlândia, MG, 29 de 
setembro de 1987, ano VII, n. 1.581, p. 3. 
67 MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. Conselho Comunitário de Desenvolvimento Rural. Reunião. 
Livro de atas 1. Manuscrito. 25 de junho de 1986, p. 20. 
47 
 
estrada. A prefeitura vai colocar o asfalto. Os moradores vão doar o cascalho”.68 A 
administração municipal não se esqueceu desse envolvimento dos moradores; antes, foi 
reforçado.  
No entanto, a obra sempre foi apresentada como benfeitoria do governo municipal 
para os moradores: 
 
[...] a implantação deste projeto tem caráter redistributivo, pois valoriza 
sobre maneira uma região de pequenos produtores. Os produtores sentir-se-
ão estimulados a novos investimentos pelas facilidades criadas, pela 
melhoria das condições de transporte. Como conseqüência de novos 
investimentos e da valorização das propriedades, os fazendeiros buscarão 
imprimir técnicas mais intensivas em insumos modernos o que contribuirá 
para a elevação da produtividade. [...] A participação dos integrantes dessas 
comunidades num verdadeiro mutirão de solidariedade e colaboração haverá 
de imprimir profundas marcas e promoverá intensa transformação nos 
valores destas comunidades. São as realizações das promessas de mudanças 
do PMDB promovendo o renascer da esperança de dias melhores, elevando a 
credibilidade do governo e reforçando o acerto da confiança dessas 
comunidades na democracia participativa de Zaire Rezende. [...] A melhoria 
dos serviços de água, a construção do centro comunitário, a reforma e 
ampliação das escolas, a implantação dos centros de saúde, as praças e as 
quadras de esportes e recentemente o terminal rodoviário de Cruzeiro dos 
Peixotos, não são obras do acaso e, sim, trazem em sua essência a 
manifestação de uma vontade política de valorização do homem.69 
 
No texto onde se encontra essa passagem, publicado em jornal de apoio à 
administração municipal, Plínio Velloso Vianna trata de questões econômicas, políticas e 
sociais da pavimentação dessa rodovia e a defende como “[...] obra prioritária para o 
município de Uberlândia”.70 Ele parte dos aspectos econômicos, passa pelos sociais para 
chegar aos aspectos políticos, que lhe permitem denominá-la de “Rodovia da Gratidão”. Não 
por acaso, ele enfatiza as influências de políticos para que essa obra se concretizasse e vincula 
a rodovia às eleições de 1986 para formar a constituinte e eleger governos estaduais, nas quais 
os representantes peemedebistas foram amplamente apoiados nos dois distritos em questão; 
logo, a rodovia expressaria a “gratidão” deles a essa população. Como se pode deduzir, a obra 
aparece como “concessão”; como realização política do grupo peemedebista à frente da 
prefeitura de Uberlândia. Ainda assim, o autor do texto enfatiza a participação das 
comunidades envolvidas e comenta como essa participação contribuiu para baratear os custos 
da obra com a doação do cascalho demandado. Ele usa essa participação para falar da 
                                                        
68 MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. Conselho Comunitário de Desenvolvimento Rural. Reunião. 
Livro de atas 1. Manuscrito. 15 de outubro de 1986, p. 21. 
69 VIANNA, Plinio Velloso. Rodovia da gratidão. Primeira Hora, Uberlândia, MG, 20 de janeiro de 1987, ano 
VI, n. 1.417, p. 2. 
70 VIANNA, 1987, p. 2. 
48 
 
viabilidade econômica do projeto da rodovia, ou seja, do aspecto social, que aparece para 
legitimar ganhos econômicos da obra no âmbito dessa sociedade capitalista.  
Entretanto, saliento que, afora a retórica da concessão e das benesses, a rodovia 
contribuiu para mudar relações de trabalho e de vida dos moradores. Daí que veem essa 
administração de Zaire Rezende como referência para os modos de viver dos moradores do 
município quando falam sobre o período. A rodovia era um dos problemas enfrentados pelos 
residentes desses dois distritos; outras demandas aparecem nas fontes da pesquisa aqui 
descrita: melhoria dos sistemas de transporte; reforma das escolas; atendimento médico; 
instalação de um posto dos Correios e de destacamento policial. Os distritos no geral se fazem 
presentes nas atas da Câmara Municipal no momento pré-eleição de Zaire, sobretudo na 
disputa política entre os partidos e na necessidade de reafirmar que algo estaria sendo feito 
pela população no bojo dessa sociedade que progredia: 
 
Na tribuna o vereador Antonio Carlos de Oliveira. Inicia seu 
pronunciamento comentando as críticas da representação do MDB contra a 
administração atual. Louva a atitude do vereador Dr. Jonas Fernandes Reis 
de fiscalizar, como qualquer outro vereador, a administração da coisa 
pública [...] Que se algumas falhas existem, o que é normal, estas 
desaparecem face às grandes realizações da atual administração. Enumera 
saneamento na cidade e nos distritos, iluminação nos bairros, ampliação da 
rede de esgoto, [...]. Antonio Carlos de Oliveira em aparte diz que pela 
primeira vez na história do município os distritos estão recebendo benefícios 
do governo municipal.71 
Ocupa a tribuna o vereador Amir Cherulli [...] Diz ainda que o Distrito de 
Cruzeiro dos Peixotos mesmo assim vem progredindo, com novas 
construções de prédios e até um posto de gasolina e que a sua indústria de 
laticínios vem trazendo consideráveis subsídios para o Município. 
Aparteando o orador, o vereador Orestes Claudio Fernandes diz ter grande 
consideração e amor por aquele Distrito, terra onde nasceu. E vê com tristeza 
o que lá tem acontecido. Diz ainda que o atual prefeito Municipal não tem 
nenhuma responsabilidade na deficiência do fornecimento de água do 
Distrito. E que a construção do poço artesiano foi feita na gestão do prefeito 
anterior.72 
 
Esses trechos de atas se referem a administrações municipais diferentes. A primeira 
está circunscrita à administração Virgilio Galassi; a segunda, à de Renato de Freitas. Mas a 
tônica de ambas é que o progresso nos distritos acompanha o progresso do município. Na 
primeira, saliento a frase do vereador que enfatiza as “grandes realizações da atual 
administração [a de Galassi]”, dentre as quais estariam as realizadas nos distritos 
                                                        
71 UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da décima quarta sessão da quarta reunião ordinária de 1972. Livro 
80. Manuscrito. 200p. Arquivo Público de Uberlândia, 14 de junho de 1972, p. 85-86. 
72 UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da décima quarta sessão da quarta reunião ordinária de 1973. Livro 
82. Manuscrito. 200p. Arquivo Público de Uberlândia, 7 de novembro de 1973, p. 141v. 
49 
 
uberlandenses. Na segunda citação, a fala do vereador Amir Cherulli aborda o problema do 
abastecimento de água no distrito de Cruzeiro dos Peixotos e atribui a responsabilidade à 
administração anterior; ao mesmo tempo, enfatiza o “progresso” do distrito.  
Na administração Zaire Rezende, essas disputas políticas permanecem, mas a fala dos 
vereadores aliados ao prefeito busca fornecer respostas que dessem a impressão de que as 
pessoas estavam sendo colocadas no foco, que os moradores estavam sendo atendidos; 
respostas convergentes para a valorização do homem — proposta política da democracia de 
Zaire Rezende, ainda que mais discursiva do que concreta. Talvez isso seja um dos motivos 
pelos quais a administração peemedebista é vista como marco de mudança em relação ao que 
estava posto no jogo político e induz a mudanças futuras, como se pode deduzir da fala de 
dona Elza de que “Martinésia ressuscitô” na administração de Zaire, mas que, quando “[...] 
ele saiu, o otro [Virgílio Galassi] quis fazê melhor”; mas foi Zaire “[...] quem deu o primeiro 
passo [...]”. Dona Elza aponta um caminho de transformação cujo eixo — para ela — seria a 
administração Zaire; identifica elementos de mudança em relação à situação vivida antes e 
indica que a experiência vivida nesse momento possibilitou, depois, mudar a maneira de olhar 
e administrar os distritos. 
A Democracia Participativa induziu as administrações posteriores à de Zaire Rezende 
a incorporar demandas da população: 
 
Seu José, ao se referir à sucessão eleitoral após o término do mandato 
peemedebista de Zaire Rezende — em quinze de novembro de 1988 —, a 
qual deu a vitória para Virgilio Galassi, ressalta que as pessoas orientam suas 
vidas por expectativas que não se alteram mecanicamente, nem 
instantaneamente, por uma decisão eleitoral. E apontou que o “novo 
prefeito” eleito não se colocou fora de seu tempo histórico, e que apesar de 
ter interrompido a eleição do candidato peemedebista que sucederia Zaire 
Rezende (o que, não necessariamente, significava uma rejeição às ideias de 
justiça e liberdade insufladas por seu governo, mas que era antes uma 
resposta à não efetivação desses desejos por parte do grupo zairista) teve ele 
que incorporar, de alguma forma, esses ideais em sua “nova administração”. 
[...] Após a vivência das expectativas da administração Zaire Rezende, as 
demandas sociais não deveriam ser agora ignoradas, pelo menos não como 
antes. Não poderia o novo prefeito começar de uma folha em branco a 
impressão do progresso, pois muitas pessoas haviam experimentado a 
possibilidade de novas relações, estando essas presentes em suas 
consciências. [...] Essa condição exigia (re)tratamento histórico por parte do 
político chefe do Poder Executivo, e ele o fez.73 
 
Essa análise — de Santos e Cardoso — aponta o processo que se dá nesse jogo das 
disputas políticas que considera as transformações das relações históricas travadas na 
                                                        
73 SANTOS; CARDOSO, 2007, p. 19–20. 
50 
 
sociedade. Zaire Rezende e seus partidários trouxeram para os moradores a possibilidade do 
diálogo. Embora muito do que se disse não tenha sido concretizado de fato — o que pode ser 
inferido pela derrota desse projeto político nas eleições de 1988; mas permitiu aos moradores 
do município estabelecer um tipo de relação com a administração pública que não podia ser 
desconsiderada por quem assumisse o poder.  
Com efeito, à frente da prefeitura de Uberlândia, Virgilio Galassi e Paulo Ferolla74 
souberam captar e trabalhar politicamente essas transformações. Reportagem do Correio de 
julho de 1989 — ainda nos primeiros meses desse governo — induz-nos a refletir sobre o 
novo tratamento que esse grupo político deu às demandas sociais: 
 
Pela primeira vez a atual administração municipal recebeu em audiência o 
Conselho de Entidades Comunitárias de Uberlândia [...]. Além de Virgilio 
Galassi e do Secretário Municipal de Trabalho e Ação Social, Joel 
Cupertino, estavam presentes 28 representantes de associações de bairros e o 
presidente do Conselho, Ivan Miguel Costa. O Conselho apresentou um 
documento onde expõe as necessidades prioritárias de 31 bairros da cidade. 
“Há quatro anos nós nos reunimos com cada associação, levantando as 
prioridades de cada bairro e apresentamos para a administração municipal. 
Sempre fomos atendidos. Esperamos que o atual governo aceite nossa 
participação no mesmo nível que o governo anterior”, disse Ivan Costa. 
Segundo ele, pelo menos três pontos se agravaram bastante depois que 
Virgilio Galassi assumiu — o transporte coletivo, a segurança e a 
participação comunitária junto ao poder público. “Não podemos aceitar que 
problemas que estavam pelo menos equacionados surjam novamente ou 
agravem levando a queda na qualidade de vida alcançada”, diz o 
documento.75 
 
O título da notícia — “Prefeito abre diálogo com entidades comunitárias” — parece 
responder ao que cobra o Conselho de Entidades Comunitárias.76 Noutros termos, a abertura 
ao diálogo com as associações de moradores e a audiência são uma resposta não só a essa 
demanda do conselho, mas também às transformações históricas vivenciadas no governo de 
Zaire, quando a população tinha aberto o seu canal de diálogo com o poder público. O 
Executivo municipal não pôde desconsiderar essa demanda; antes, ela teve de ser atendida 
como resposta pública à sociedade que experimentou outras formas de intervenção na 
administração.  
Na experiência de vida que dona Elza relata, ela aponta esse jogo político, que não 
está isolado nas ações dos governantes, mas que, ao contrário, compõe o cotidiano do 
                                                        
74 Paulo Ferolla foi prefeito de Uberlândia entre 1993 e 1996 e faz parte do grupo político de Virgilio Galassi. 
75 PREFEITO abre diálogo com entidades comunitárias. Correio, Uberlândia, MG, 8 de julho de 1989, ano 50, 
n. 15.162, “Geral”, p. 2.  
76 O Conselho de Entidades Comunitárias foi criado em 1983, para acompanhar e apoiar o trabalho das 
associações que agrega. 
51 
 
município naquilo que ela indica como melhorias no seu espaço de convivência: o distrito de 
Martinésia, que — para ela — melhorou com Zaire e continuou a mudar nas administrações 
posteriores à dele. Tanto que, em sua campanha para deputado federal nas eleições de 2006, 
Paulo Ferolla recorreu ao uso da imagem de seus “feitos” nos distritos de Uberlândia.  
 
 
 
FIGURA 6 – Impresso da campanha de Paulo Ferolla a deputado estadual em 200677 
 
                                                        
77 Coligação: PP, PTB, PL, PFL, PAN, PSDB. Meu acervo 
52 
 
 
 
FIGURA 7 – Impresso da campanha de Paulo Ferolla a deputado estadual em 200678 
 
À parte a conotação eleitoreira dada a essas melhorias, de fato estas chegaram aos 
distritos e provocaram mudanças, isto é, melhoraram as condições de vida dos moradores e 
aparecem nas memórias de quem as viveu, como dona Elza. Nesse material, a ideia do 
progresso se sobressai e se constrói uma imagem dos distritos como lugares tratados 
igualmente em relação ao município todo. Noutras palavras, o progresso chega também a 
esses lugares, onde “revoluciona” a vida dos moradores.  
Contudo, entendo que os distritos são tratados segundo a dualidade rural–urbano, 
quando o que se percebe, dadas as melhorias citadas, é que suas demandas não diferem de 
demandas urbanas: saneamento básico e pavimentação são fundamentais a qualquer morador. 
Essa maneira dual de tratá-los serve a objetivos políticos eleitoreiros, porque dão ideia de que 
se trata de uma administração que atende a todos os moradores. 
A tese de doutorado de Renato Jales da Silva Júnior trabalha algumas dessas 
demandas da população uberlandense. O foco de seu estudo são os processos de formação e 
produção dos espaços sociais de Uberlândia conforme o caso do bairro Presidente Roosevelt. 
Esse pesquisador aborda os programas habitacionais das décadas de 70 e 80 mediante uma 
                                                        
78 Coligação: PP, PTB, PL, PFL, PAN, PSDB. Meu acervo 
53 
 
análise das políticas implementadas pelo poder público a fim de construir moradias para os 
trabalhadores em Uberlândia. Também analisa “[...] as diversas ações dos moradores para 
melhor viver neste lugar e construir laços de sociabilidade”.79  
Silva Júnior põe em debate as demandas dos trabalhadores dessa cidade, evidenciando 
a maneira como elas vão se fazendo presentes na Câmara Municipal e na imprensa local: 
 
O mais importante desse registro é ver como a presença dos moradores 
desses espaços vai saindo do silêncio, dos lugares marginais para as 
primeiras páginas do Correio de Uberlândia. Não só o periódico foi 
obrigado a pautar a vida dos trabalhadores. Os debates na Câmara também se 
faziam a partir dos interesses desses sujeitos:  
“ADRIANO BAILONI JÚNIOR fez comentários a respeito do seu 
requerimento dirigido a COHAB de Minas Gerais, solicitando a construção 
de creches nos conjuntos residenciais; ser uma medida muito válida e a 
solução de um grande problema social, porque as mães que têm seus filhos e 
precisam trabalhar, tendo que deixá-los sozinhos, correndo risco de vida, 
acidentes graves por não ter com quem deixá-los, porque a creche viria 
trazer à mãe solteira, desquitada ou viúva, uma certa tranqüilidade, porque 
sabem que deixaram seus filhos com pessoas qualificadas [...]”.80 
Asfalto das vias públicas, creches para que as mães deixassem seus filhos e 
outros equipamentos públicos saíram dos debates no interior dos bairros e 
ganharam visibilidade nos meios de comunicação, colocando esses sujeitos 
no debate público.81 
 
Nesse trecho, o autor trouxe para a discussão a reivindicação por creches onde mães 
trabalhadoras pudessem deixar os filhos. Como se lê, ele não vitimiza os moradores, e sim 
salienta como vão se fazendo na cidade, vão disputando seus espaços, conquistando seus 
direitos: “Essa presença constante dos moradores, essa luta pelo ‘direito à cidade’ transformou 
os lugares em espaços de discussão política sobre os rumos de Uberlândia”.82 Além disso, o 
autor menciona, dentre outros, as dificuldades para manter filhos na escola e o atendimento de 
saúde, insatisfatório na maioria das vezes; mas a questão da moradia permeia o trabalho todo. 
Surge nas primeiras páginas do texto, quando Silva Júnior fala de sua experiência 
compartilhada no bairro Presidente Roosevelt: 
 
Parte dos meus amigos de infância não mora mais no bairro em função da 
dinâmica urbana recente que encareceram os poucos terrenos que ainda 
existem e as casas postas à venda. Alguns destes também frequentaram os 
                                                        
79 SILVA JÚNIOR, Renato Jales. Direito à memória: modos de viver e morar em Uberlândia entre as décadas 
de 1960 e 1980. 2013. 504 f. Tese (Doutorado em História) — Instituto de História, Universidade Federal de 
Uberlândia. Uberlândia, p. 37. 
80 UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da quarta sessão da sétima reunião ordinária de 1982. Livro 118. 
Datiloscrito. 4p. Arquivo Público de Uberlândia, 20 de setembro de 1982, p.III.  
81 SILVA JÚNIOR, 2013, p. 70. 
82 SILVA JÚNIOR, 2013, p. 71. 
54 
 
bancos das universidades e em função desta experiência mudaram modos de 
viver, tiveram mais opções de escolha para seu lugar de moradia, outros 
moram ainda no mesmo terreno que seus pais em “puxadinhos” construídos 
no fundo e existem aqueles que estão, agora, em bairros mais distantes 
novamente próximos ao mato.83 
 
Nesse trecho — parece-me —, ao falar de si e de seus companheiros, o autor sintetiza 
o processo de disputa ocorrido no espaço urbano uberlandense nas últimas décadas, pois ele 
explora a forma como as políticas habitacionais definiram os lugares destinados aos 
trabalhadores; os quais buscam construir alternativas e melhorar suas condições de vida. 
(Tanto o é que ele dedica um capítulo de sua tese para tratar de lazer, do comércio, das 
lembranças, das dificuldades de pagar as prestações da casa, das maneiras de lidar com a 
inflação, do diálogo com o poder público, dentre outros assuntos.)84 Silva Júnior evidencia um 
movimento de transformação, luta e busca de modos de viver e morar em Uberlândia que 
expressam as relações classistas aí vividas e que implicam encontrar alternativas como os 
“puxadinhos”, onde podem viver esse espaço de tensões que é a cidade. Alternativa, aliás, 
encontrada, também, por moradores dos distritos uberlandenses, pois estes não estão isolados 
da realidade vivida no município todo. 
O problema da moradia aparece noutra tese sobre Uberlândia, do historiador Sergio 
Paulo Morais. Empobrecimento e “inclusão social”: vida urbana e pobreza na cidade de 
Uberlândia/MG (1980–2004) trabalha com o processo de transformação do viver em 
Uberlândia nesses anos pesquisados. Nas palavras do autor,  
 
[...] a pesquisa dimensiona modos pelos quais o poder público interveio na 
despolitização e no desarranjo das lutas implementadas pelos pobres na 
cidade, consubstanciados na implementação e regulamentação de políticas 
de distribuição de apoio financeiro.85  
 
O autor abordou o “desfavelamento”, processo ocorrido na administração de Zaire 
Rezende nos anos 80. Continuado nas administrações posteriores, nos anos iniciais da década 
de 90 deu sinais de esgotamento; mas não a questão da “[...] moradia dos pobres, [que ainda] 
pesava nas disputas políticas do jogo eleitoral”.86  
Assim, a busca pelo direito à moradia passou a ser usada pelos candidatos e pelo poder 
instituído como forma de angariar votos, visto que esse direito é um dos mais almejados pela 
                                                        
83 SILVA JÚNIOR, 2013, p. 15. 
84 SILVA JÚNIOR, 2013, p. 37. 
85 MORAIS, 2007, p. 6. 
86 MORAIS, 2007, p. 128. 
55 
 
população. O trabalho de Morais explora como a questão da moradia se alinhou às demais 
reivindicações dos moradores da cidade e aponta que a imprensa “[...] assumiu e divulgou 
uma tradição de pobreza que colocava aos pobres as responsabilidades de suas misérias e, de 
modo relativo, do próprio empobrecimento urbano”;87 noutros termos, os pobres são 
responsabilizados pela desaceleração econômica da cidade.88 
Como se percebe, imagens sobre o viver em Uberlândia vão sendo construídas pela 
imprensa, pelas administrações municipais e até pela academia. No caso específico dos 
distritos, grande parte da produção acadêmica que os aborda é oriunda da área de geografia, 
sobretudo da Universidade Federal de Uberlândia. Discutem-se questões como definições 
conceituais sobre distrito, cidade e município, assim como aspectos do potencial turístico 
desses lugares. 
A dissertação de mestrado Entre o campo e a cidade: as territorialidades do distrito 
de Tapuirama (Uberlândia/MG) — 1975 a 2005, defendida na pós-graduação em Geografia 
da UFU, parte da ideia de estagnação e retrocesso para analisar os distritos no seu processo de 
formação histórica. A autora analisa os processos de transformação do município de 
Uberlândia pensando em como traduzem os projetos políticos de grupos hegemônicos que 
visavam construir uma Uberlândia “moderna” e “progressista”; projetos que configuram uma 
memória que identifica os distritos com o passado, em contraposição à cidade, onde estaria a 
“modernidade”, o presente e o futuro. Ela, em alguns momentos de seu trabalho, acaba 
reforçando essa imagem e vitimizando os distritos nestes termos: 
 
Ocorreu e ainda ocorre, um processo de incentivo ao desenvolvimento do 
distrito sede e um descaso com os demais distritos [...] Apesar de 
historicamente mais antigos que Uberlândia, os distritos de Miraporanga e 
Tapuirama, perderam importância em relação ao distrito sede devido à ação 
de elites dominantes da cidade de Uberlândia que promoveram o 
desenvolvimento da cidade sem se importar com sua decadência.89 
 
As transformações vividas pelos moradores não giram em torno das questões 
“políticas” em sentido partidário, como a autora faz ao abordar o distrito de Miraporanga, por 
                                                        
87 MORAIS, 2007, p. 67. 
88 Sobre o tema da moradia em Uberlândia, o trabalho de Rosângela M. Silva Petuba — Pelo direito à cidade: 
experiência e luta dos ocupantes de terra do bairro D. Almir (1990–1999) — é uma referência importante. Nas 
palavras do professor Paulo Roberto de Almeida, orientador do trabalho, a pesquisa de Petuba evidencia a luta 
pela moradia nessa cidade, “Fazendo emergir a cidade da experiência e das expectativas de seus moradores, a 
luta pela habitação ganha contornos dramáticos à medida que entra em confronto com a legislação urbana, o 
planejamento e a ‘racionalidade’ atribuídos ao poder público. É nesse contexto que os moradores experimentam 
e elaboram sua visão de cidade”. ALMEIDA, Paulo Roberto de. Encantos e desencantos da cidade... In: 
FENELON, Déa R. et. al. (Org.). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2004, p. 141. 
89 MONTES, 2006, p. 104. 
56 
 
exemplo. Montes constrói uma análise que caracteriza Miraporanga como distrito mais 
importante historicamente, e tal importância referenda a “história oficial” da formação 
territorial da região; portanto, as causas da sua decadência estariam no “passado histórico”90 
do distrito, cuja importância teria se direcionado para Uberlândia: 
 
No processo de formação histórica do distrito de Miraporanga, percebe-se a 
forte influência política de grupos dominantes do município de Uberlândia, 
que no intuito de promover o desenvolvimento do atual distrito sede não se 
importaram com a decadência de Miraporanga. As ações desses grupos, ao 
longo dos anos, e o descaso para com o distrito, resultaram no esquecimento 
da memória histórica do local e em sua decadência econômica e social e 
tornado esse distrito o mais carente de Uberlândia.91 
 
A autora qualifica o que seria o viver nesse lugar. Mas sua leitura reforça elementos de 
compreensão que são — a meu ver — muito mais acadêmicos que referendados no viver dos 
moradores. Ao conversar com eles, notei que percebem mudanças que são interpretadas como 
extremamente positivas e não caracterizam o lugar onde vivem como decadentes ou carentes; 
e sim como espaços transformados que necessitam de outras mudanças. A decadência referida 
pela autora tem suas bases numa história “oficial” desse lugar que não faz tanto sentido para a 
maioria da população que vive ali. Ela caracteriza como carência aquilo que vejo como 
demandas de populações que vivem as mazelas e a desigualdade gerada pelo capitalismo. 
De fato, os moradores de Miraporanga falam das transformações em suas vidas, 
reconhecem as mudanças na cidade e no distrito; mas têm outras referências que não essa 
ideia de decadência ou carência para interpretar tais mudanças, pois não se veem isolados das 
demais partes do município – como a própria autora aponta no seu trabalho ao falar das 
transformações recentes no distrito de Tapuirama e como os moradores dali são parte desse 
processo. Vide o caso do senhor José, por exemplo. Aposentado de 74 anos e nascido na 
Paraíba, veio para Miraporanga na década de 60, a fim de trabalhar numa fazenda da região. 
Ao ser perguntado sobre as mudanças ocorridas no lugar onde vive, ele respondeu assim: 
 
 
 
Renata — O senhor acha que aqui mudou? Nesse tempo todo que o senhor 
tá aqui, seu José? 
José — Mas é desse jeito, e foi muito, muito; mas miorô muito. Eu achei que 
miorô muito. Ih [risos], melhorô demais. Aqui, quem que trabalhava aqui 
dentro? Eu criei meus filho, formei filho foi aqui. Mas é assim, é, era 
deixano a muié em casa e trabaiano. Num tinha serviço aqui na época, tinha 
que saí e trabaiá fora, mas morano aqui. Porque aqui era difícil. E agora tem 
                                                        
90 MONTES, 2006, p. 85. 
91 MONTES, 2006, p. 86–7. 
57 
 
serviço pra todo mundo aqui, e é uma milhora muito grande, e é pegano na 
porta, e é levano. Mas milhorô cem por cento! Ou mais. Pode falá duzentos 
por cento [risos], porque, se tivesse os duzentos por cento, tem que falá. Era 
por que num tinha quem quisesse trabalhá antigamente e morá aqui. É, era 
trabalhá arredó nas fazenda, né?! Mas eu trabaiava arredó nas fazenda, mas 
num largava Miraporanga, não! E num largo, porque... eu criei meus filho 
foi aqui.92 
 
Essa fala deixa entrever como as oportunidades de trabalho se transformaram. Se antes 
o trabalho nas fazendas do entorno era mais difícil, hoje haveria trabalho para todos e as 
empresas pegariam os funcionários em casa e levariam para o trabalho. José vê essa mudança 
como positiva em relação à sua experiência de trabalho quando chegou à região; portanto, não 
avalia o lugar onde vive pelo prisma da decadência ou da carência.  
Outra pesquisadora — Elaine Corsi93 — interpretou as transformações por que passam 
os distritos em sua dissertação de mestrado em Geografia como retrocesso. Os distritos não 
participariam do “progresso” do município. Mas muitos moradores percebem como as 
pessoas que ali vivem são parte desse processo de transformação. O que a autora caracteriza 
como retrocesso seria, talvez, uma mudança na função econômica, política e social dos 
distritos no município. 
Ao caracterizar esses lugares como estagnados e em retrocesso, a autora justifica a 
importância da implementação do corredor cultural, no qual o turismo seria um “redentor” 
dessas populações. A autora propõe uma organização da dissertação que leva ao entendimento 
de que a teoria já constituída sobre o turismo e o patrimônio cultural justifica a importância 
desse corredor nos distritos, em face à situação que ela caracteriza como estagnação. Ela parte 
da teoria; e a divisão dos capítulos de sua dissertação indica essa forma de abordagem: o 
capítulo 194 trata das questões do planejamento urbano e da relevância da preservação do 
patrimônio cultural (planos urbanos de Uberlândia e planos diretores); o capítulo 2 trata do 
patrimônio arquitetônico dos distritos e de sua importância para as relações ali estabelecidas; 
                                                        
92 SOUZA, José (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 25 de fevereiro de 2012. Arquivo mp3 (48 
minutos). Entrevista concedida a mim, em sua residência.  
93 O trabalho de Elaine Corsi, intitulado Patrimônio cultural arquitetônico e Plano Diretor em Uberlândia: uma 
proposta de revitalização para os distritos de Miraporanga, Cruzeiro dos Peixotos e Martinésia aponta a 
necessidade de preservar o patrimônio cultural arquitetônico dos distritos como um caminho para melhorar as 
condições de vida da população residente. Em meu entendimento, esse trabalho é bastante significativo para 
problematizar como a academia abraça esse discurso da preservação e expõe esses lugares como espaços a serem 
consumidos pela população como uma volta ao passado. Com isso, constrói uma ideia de que estão estagnados e 
que só a competência da academia pode ajudar a melhorar as condições de vida dos moradores do lugar. 
94 O primeiro capítulo tem como título “Planejamento urbano: sua relevância na preservação do patrimônio 
cultural”; o segundo, “O patrimônio cultural arquitetônico dos distritos: sua importância para a revitalização das 
relações pessoais, culturais e econômicas”; e o terceiro, “Propostas para revitalização dos espaços culturais 
arquitetônicos nos distritos”. 
58 
 
no capítulo 3, ela faz as propostas de revitalização dos espaços arquitetônicos dos distritos. 
Essa construção do trabalho deixa entrever que a importância dessa revitalização já está posta 
pelos dirigentes e pela academia em afirmações como esta: “A população que vive nesses 
distritos é acometida por uma verdadeira apatia. Ao mesmo tempo em que existem condições 
para se propor mudanças, não se encontra apoio, das autoridades competentes para colocar em 
prática tais mudanças. É essa situação que pretendemos contribuir para solucionar”.95  
Vejo como uma grande contribuição o trabalho da autora, pois coloca em debate os 
distritos, o turismo e o patrimônio cultural; mas vejo como arriscada a forma de conduzir o 
trabalho. Para mim, é preciso considerar antes de tudo as aspirações e as vivências da 
população envolvida. Será que esses espaços eleitos pela autora como aptos a melhorar as 
condições de vida dos moradores têm algum significado para eles? Esses espaços, que para a 
autora têm valor arquitetônico como bens a ser expostos, têm outros significados para seus 
moradores? Será que as questões, os enfrentamentos e os anseios dessas pessoas não 
permeiam outras demandas, outros temas, outros espaços?  
Alguns bens arquitetônicos elencados pela autora como passíveis de tombamento 
aparecem numa série do jornal Correio de Uberlândia veiculada no caderno “Cidade e 
região” entre março e abril de 2011 com o tema “Casarões antigos”. O primeiro distrito a ser 
abordado, em 13/3/2011, foi Martinésia. Em texto com o título “Casarões que contam história 
em Martinésia”, o repórter inicia com as seguintes palavras: 
 
Se a história do distrito de Martinésia, localizado a 22 quilômetros de 
Uberlândia, fosse contada em um livro, pelo menos quatro casarões antigos e 
tradicionais mereceriam no mínimo um capítulo cada. Mais do que palavras 
manuscritas em um rascunho de papel, as obras da arquitetura remeteriam a 
períodos históricos e contariam ao mesmo tempo as histórias do distrito e 
delas próprias.96 
 
Essa descrição antecede o enfoque em um dos patrimônios desse distrito que Corsi 
elenca em sua dissertação: a casa de Emerenciano Cândido da Silva, conhecido como senhor 
Capitãozinho. Segundo os relatos da reportagem e da dissertação citada, ele foi uma pessoa 
influente nos primórdios de Martinésia e a construção dessa casa demandou altos 
investimentos.97 A reportagem do Correio de Uberlândia aborda ainda o imóvel conhecido 
como “Americana”, que, segundo Corsi, foi importante para o distrito: 
                                                        
95 CORSI, 2006, p. 92. 
96 CALFAT, Marcelo. Casarões que contam história em Martinésia. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 
13 de março de 2011, ano 73, n. 22.250, “Cidade e região”, p. A8. 
97 CORSI, 2006, p. 51. 
59 
 
 
Na década de 1920, o Distrito de Martinópolis, hoje Martinésia, viveu um 
curto período de expansão e assistiu ao aumento do número de 
estabelecimentos comerciais em seu perímetro urbano. Em 1926, o 
português Joaquim Marques Póvoa, montou seu primeiro negócio na antiga 
Uberabinha — atual Uberlândia, vendendo secos e molhados. A 
prosperidade dos negócios em Uberabinha levou-o a montar uma filial na 
então Martinópolis, denominada “A Americana — filial Casa Póvoa”, que 
vendia tecidos e também secos e molhados. A inauguração dessa loja foi 
fundamental para a eletrificação do Distrito, porém, o baixo consumo e as 
mudanças políticas ocorridas na época, o levou a estagnação, acarretando o 
fechamento da loja.98 
 
A descrição do imóvel na reportagem de Marcelo Calfat se assemelha ao texto de 
Elaine Corsi na medida em que salientam as “funções” do prédio e reforçam a ideia de um 
lugar que entrou em processo de estagnação. A reportagem enfoca ainda dois casarões não 
abordados por Corsi — as residências das irmãs Luzia Alves Borges e a de Margarida Alves 
Borges — antes de retomar a casa do senhor Capitãozinho, que parece ter sido instituída 
como patrimônio arquitetônico de Martinésia: os outros seriam importantes, mas esse teria um 
lugar especial: o “lugar da história” de Martinésia. Segundo Calfat, essa casa foi doada ao 
município em 2001 para ser transformada em museu, mas até o momento parece não ter 
havido ação efetiva do poder público nesse sentido.  
Noutro tópico da reportagem — intitulado “Há preocupação dos moradores” —, o 
repórter cita a fala de dois habitantes para reafirmar essa ideia de que preservar é preocupação 
comum a todos que ali vivem: 
 
Moradores do Distrito de Martinésia mostram preocupação com o estado de 
conservação dos antigos casarões do distrito, principalmente com a antiga 
casa de Emerenciano Candido da Silva, conhecido como Capitãozinho, 
localizado no cruzamento da avenida Central com a rua Aniceto Antônio da 
Silva. Uma das mais tradicionais construções do distrito está em total estado 
de abandono, com grandes rachaduras nas paredes, árvores que cresceram 
dentro do imóvel acompanhadas de mato alto e ainda falta de janelas e 
telhas. “O tempo foi passando e este prédio, que já foi o mais bonito daqui, 
foi sendo destruído. Hoje não serve nem de esconderijo para ninguém. É 
uma calamidade. Faz parte da nossa história e foi esquecido pelo poder 
público”, disse o aposentado Eleutério Martins Pacheco, de 85 anos, que há 
63 anos mora em Martinésia. Marcelo Pereira Dias, de 32 anos, proprietário 
de uma mercearia em frente ao imóvel, também reclama da situação. “É 
triste ver um patrimônio desse jeito. Quando eu era menino tinha gente que 
morava, era conservado. Acho que deveriam reformar e não deixar acabar”, 
afirmou.99 
 
                                                        
98 CORSI, 2006, p. 49–50. 
99 CALFAT, Marcelo. Casarões que contam história em Martinésia. Correio de Uberlândia. Uberlândia, MG, 
13 de março de 2011, ano 73, n. 22.250, “Cidade e região”, p. A8. 
60 
 
As entrevistas que fiz com os moradores dos distritos põem em xeque essa possível 
preocupação entre a maioria dos moradores. Ao falarem do lugar onde vivem, elegem outros 
espaços como aqueles que contam suas histórias e as de suas famílias. Não que a população 
não se preocupe com a questão do patrimônio: não são demandas excludentes; mas são outras 
as questões eleitas como mais importantes no cotidiano deles. A preocupação com o 
patrimônio arquitetônico parece ser mais do poder público e da academia do que de quem, no 
seu dia a dia, enfrenta problemas de moradia, trabalho, educação, saúde etc. Não que essas 
preocupações excluam a preocupação com o patrimônio histórico: esta pode ser de fato 
significativa para alguns moradores; mas entendo que aquelas questões, dentre outras, são 
centrais no viver dos moradores.  
Com efeito, essa tensão aparece no próprio Correio de Uberlândia. À série “Casarões 
antigos” sucederam reportagens sobre o déficit habitacional dos distritos; logo, nesses lugares 
onde esses casarões dignos de preservação estão presentes as pessoas enfrentam problemas de 
falta de moradia — problema esse comum às populações urbanas como um todo. A segunda 
reportagem da série trata do distrito de Miraporanga, tido como lugar das origens de 
Uberlândia. 
 
Para conhecer os primórdios da história de Uberlândia, basta dar uma volta 
por seus distritos e se informar sobre seus seculares casarões e sobre as 
famílias que os habitaram. É o caso, por exemplo, do distrito de 
Miraporanga, a 40 quilômetros da cidade, antigamente, conhecido como 
distrito de Santa Maria, que guarda muitas histórias do início da cidade. Ali, 
apesar de alguns prédios estarem ruindo e preocupando a população, há 
imóveis históricos bem conservados, incluindo a Capela de Nossa Senhora 
do Rosário, erguida entre 1850 e 1852 e considerada o patrimônio histórico 
mais antigo de Uberlândia. Foi em Miraporanga que as primeiras famílias 
chegaram à região e deram origem ao arraial de São Pedro de Uberabinha, 
atual Uberlândia. E os casarões que abrigavam os primeiros moradores 
resistiram ao tempo e até hoje são vistos como referência da arquitetura e da 
história local.100 
 
Essa ideia de lugar de origem permeia outras reportagens sobre Miraporanga, como 
esta veiculada em 26 de novembro de 2006: 
 
Encravado no fundo do vale dos córregos Santa Maria e Estiva, o centenário 
distrito de Miraporanga (“gente bonita”, na língua indígena caiapó) é 
passagem obrigatória para quem deseja conhecer um passado uberlandense 
que vai além daquele observado nos bairros Fundinho e Patrimônio. Os 
registros históricos apontam a localidade, originalmente denominada de 
Santa Maria, como um dos marcos iniciais da ocupação da região onde hoje 
                                                        
100 CASARÕES relembram o início de Uberlândia. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 20 de março de 
2011, ano 73, n. 22.257, “Cidade e região”, p. A8.  
61 
 
se encontra o município de Uberlândia por imigrantes europeus, mineiros em 
êxodo das jazidas a leste das Minas Gerais e bandeirantes paulistas. Toda 
uma gama de desbravadores do interior brasileiro no início do século 19.101 
 
Como se lê, quando se trata de Miraporanga, o tom é sempre este: lugar que deu 
origem a Uberlândia, mas que entrou em colapso. Esse tom parece ser recorrente ao se falar 
de outros distritos como lugares que foram importantes para o município; embora continuem 
a fazer parte desse espaço. Talvez suas funções tenham mudado — caso se possa dizer assim; 
mas continuam a ser importantes na economia e na vida do município de outra forma. Há 
produtores de carne e leite — ainda que sua produção seja pequena; sua população ocupa 
postos de trabalho em todo o município. A vida nesses lugares é ativa.  
No entanto, da maneira como essa memória sobre os distritos se constrói, parece haver 
a propagação da ideia de que não têm mais função para a economia e a política; sua 
importância residiria na condição de lócus de visitação (turística); logo, consumidos na lógica 
atual do turismo. Em conversa informal com um senhor que se recusou a gravar entrevista, 
perguntei sobre a casa do Capitãozinho. Quando indagado, ele olhou na direção da casa e 
disse que tinha sido ali seu casamento; daí que a importância dada por ele àquele lugar excede 
o valor “histórico” no sentido oficial, porque contém marcas de sua história de vida pessoal. O 
tempo rememorado por ele é o tempo dos significados; não o tempo cronológico. É seu 
casamento que dá sentido àquele lugar; a ponto de ser digno de rememoração no momento de 
nossa conversa. 
Com efeito, no texto “‘O momento da minha vida’: funções do tempo na história oral”, 
Alessandro Portelli aborda a relação entre o tempo e as narrativas orais, ponderando que: 
 
[...] as versões das pessoas sobre seus passados mudam quando elas próprias 
mudam. A mudança pessoal tende a ser muito mais imprevisível e de menor 
alcance do que a mudança coletiva, assim como, muitas vezes, mais 
consciente e desejada. A demanda de um indivíduo ao contar sua estória, 
pode, muitas vezes, trazer tanto conformidade quanto mudança, tanto 
coerência quanto amadurecimento. Os narradores estabelecem, portanto, 
serem tanto a mesma pessoa de sempre, quanto uma outra pessoa. Assim, as 
estórias mudam tanto com a quantidade de tempo (a experiência acumulada 
pelo narrador) quanto com a qualidade do tempo (os aspectos que ele quer 
enfatizar durante a narrativa). Nenhuma estória será contada duas vezes de 
forma idêntica. Cada história que ouvimos é única.102 
 
                                                        
101 PASSADO glorioso... Futuro incerto. Correio de Uberlândia. Uberlândia, MG, 26 de novembro de 2006, 
ano 68, n.20.680, “Cidade”, p. B2 (B2–3). 
102 PORTELLI, Alessandro. “O momento da minha vida”: funções do tempo na história oral. In: FENELON, 
Déa R. et. al. (Org.). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2004, p. 298. 
62 
 
Portelli enfatiza o papel do momento de encontro com o entrevistado, pois determina 
os elementos que o sujeito julga ser relevantes. Noutros termos, o tempo, os eventos a ser 
valorizados e o que se elege digno de memória mudam com o tempo. É o passar do tempo que 
faz algumas coisas serem valorizadas, e outras não. Para Portelli, é importante saber 
 
[...] como organizam o tempo, onde põem o antes e o depois. Recordo-me da 
história de um acontecimento em Terni, cidade industrial do centro da Itália, 
quando mataram um trabalhador. As pessoas em Terni não se lembram 
quando ocorreu. Lembro-me que meu pai dizia que “foi um pouco depois 
que compramos nosso primeiro carro” e havia uma senhora que dizia “foi 
um pouco antes que minha primeira filha tivesse seu primeiro período”. [...] 
A organização narrativa da vida cotidiana nos diz algo sobre onde está o 
sentido desta vida. Então, creio que temos que fazer histórias de vida através 
da continuidade de experiências onde há micro traumas cotidianos.103 
 
Como se pode deduzir, a imprensa e a academia salientam a importância da casa do 
senhor Capitãozinho seguindo essa noção de história que abarca nomes importantes e espaços 
eleitos como relevantes porque se referem ao passado de sujeitos de projeção política e 
econômica. No entanto, as pessoas trazem outras lembranças sobre esses espaços, que são 
referendadas na sua trajetória de vida como sujeitos sociais, haja vista o senhor que se lembra 
de seu casamento, e não do passado grandioso do ilustre morador da casa.  
Ao tratar desse patrimônio arquitetônico, eleito como lugares de memória, o trabalho 
de Elaine Corsi acaba por caracterizar os distritos como lugares decadentes: “[...] os Distritos 
foram de grande importância durante a construção da cidade de Uberlândia e que por vários 
anos mantiveram uma vida ativa. Com o crescimento do Distrito Sede, porém, eles foram 
perdendo sua função”.104 Embora não use a palavra decadência, dizeres como o de que a “vida 
ativa” dos distritos está no passado e que estes foram perdendo “sua função” sugerem essa 
ideia. A importância dos distritos como algo ligado ao passado é atribuição da autora; assim 
como o veredicto de que hoje a vida nos distritos não é mais ativa. Igualmente, ter vida ativa 
parecer ser uma linha de argumentação para legitimar a importância da proposta: efetivar o 
corredor cultural nos distritos, incentivando o turismo.  
Essas construções argumentativas e imagéticas perdem sua força se associadas com o 
viver dos moradores desses lugares. Eles mudaram sim, mas não entraram em decadência: 
exercem outros papéis que geram novas maneiras de viver e de trabalhar, novos problemas e 
novas demandas. Pelo que foi trabalhado até agora, percebe-se que os distritos são espaços 
inseridos na dinâmica do capital; por exemplo, são invadidos pelo agronegócio, que imprime 
                                                        
103 ALMEIDA; KOURY, 2001/02, p. 35. 
104 CORSI, 2006, p. 2. 
63 
 
outros movimentos às relações de trabalho e de vida. Portanto, entendo que sejam espaços que 
devam ser caracterizados não como decadentes, mas como espaços transformados e em 
transformação pela dinâmica capitalista que gera demandas e problemas enfrentados por todos 
os moradores dos municípios. São espaços que tiveram suas “funções” econômicas e políticas 
modificadas por essa lógica capitalista; logo, não são lugares decadentes, mas inseridos numa 
dinâmica que produz desigualdade, presente em todo o espaço social do município, inclusive 
nas periferias. Destas, porém, não há imagens que romantizam o bucolismo; porque seriam 
lugares a ser apagados da memória urbana.  
O trabalho de Corsi reitera essa ideia da decadência numa passagem textual onde 
discorre sobre o distrito de Miraporanga. Diz ela: 
 
Em Miraporanga já houve uma vida bastante agitada, com suas festas 
religiosas, manifestações culturais, romarias mantendo viva sua história e 
seus relacionamentos interpessoais. Hoje, estas atividades quase já não 
acontecem e até mesmo a missa não é realizada todo fim de semana como o 
costume dos católicos. Com isso, a comunidade vai perdendo suas 
características, seu modo de vida, o que constituiu sua cultura.105 
 
Como se lê, a linha de argumentação dela procura reforçar a imagem dos distritos 
como lugares que perderam; mas — tenho procurado enfatizar no trabalho com as fontes 
pesquisadas — essa noção de perda e decadência ajuda pouco a entender o que é viver nesses 
lugares. Isso porque o centro de análise de qualquer sociedade tem de ser o processo histórico 
de transformação por que passa constantemente, o que não é diferente nos distritos. Essa ideia 
da decadência é recorrente em relação a Miraporanga e tem uma força enorme; provam isso a 
imprensa, a academia e até alguns moradores antigos, que relembram esse lugar como o mais 
importante de Uberlândia, mas que, dada as forças políticas, perdeu proeminência.  
Se esse fato leva às construções imagéticas de decadência, então é necessário ir além e 
pensar nas relações travadas pelos moradores desse lugar que não estão fora do município, 
isto é, que participam de sua dinâmica, logo têm seus modos de vida, suas relações de 
trabalho e sua convivência transformados. Nessa lógica, acredito que entender essa realidade 
de vida mais a fundo requer trabalhar com a noção de reelaboração, e não a de perda ou de 
decadência. As palavras da professora Yara Aun Khoury são úteis aqui, porque elucidam 
como os processos históricos se forjam na sociedade à luz das experiências dos homens e das 
mulheres que a compõem:  
 
 
                                                        
105 CORSI, 2006, p. 35. 
64 
 
 
Lidando com as problemáticas do trabalho e do trabalhador, das cidades e do 
viver urbano, refletindo sobre a cultura e a memória, vamos refazendo nossa 
noção de sujeito histórico. Isso requer ter em mente a perspectiva de lidar 
com homens e mulheres não como indivíduos compartimentados, mas 
fazendo-se socialmente, compartilhando experiências e memórias, moldando 
a realidade ao tempo em que são moldados por ela. Requer, também, 
repensar a noção de ação coletiva, não como a que se constituiu nesse 
mundo que hoje se desfaz diante de nós, mas aquela que se forja em meio a 
tendências em disputa, vontades e escolhas possíveis nas relações de poder 
vividas no social.106 
 
Politicamente, Miraporanga pode até ter “perdido” para Uberlândia o seu lugar, o 
problema é que essa imagem de “decadência” é usada como parâmetro para pensar o que é viver 
nesse lugar hoje. Todavia, o que se percebe é que se trata de um espaço com demandas e 
problemas decorrentes do desenvolvimento desigual que o capitalismo impõe às relações 
estabelecidas na sociedade; por isso, é a análise desse jogo social que pode questionar os 
significados do viver nesse espaço, marcado por “[...] disputas, vontades e escolhas”, as quais 
Khoury salienta.  
Em agosto de 2010, na comemoração dos 122 anos de Uberlândia, o Jornal da 
Vitoriosa — programa de tevê da Rede Vitoriosa, afiliada ao SBT — exibiu uma série sobre 
os distritos de Uberlândia. No dia 24, o jornal enfocou Miraporanga, com uma abordagem que 
faz referência a importância do lugar no passado, mas que perdeu essa importância, o que é 
simbolizado pela fala do repórter Arcênio Correa combinada com a imagem das ruínas da 
casa de Domingas Camin,107 considerada patrimônio histórico. Diz o repórter: “[...] em 
                                                        
106 KHOURY, Yara Aun. O historiador, as fontes orais e a escrita da história. In: MACIEL, Laura Antunes; 
ALMEIDA, Paulo Roberto de. KHOURY, Yara Aun (Org.). Outras histórias: memórias e linguagens. São 
Paulo: Olhos d’Água, 2006, p. 27. 
107 “Domingas Camin Guazelli nasceu em Mococa, Estado de São Paulo, no ano de 1901, filha de Pedro Ângelo 
Camin e Maria José Pereira dos Santos Camin. Em 1907, mudou-se com as irmãs para a capital, enquanto seus 
pais viajavam com seu irmão para a Itália, estudando durante nove anos e meio no Colégio Madre Xavier 
Cabrini. Aos 17 anos, casou-se com o italiano Dino Guazelli, união que teve como fruto três herdeiros: Ricardo 
José Guazelli, Clemente Guazelli e Pedro Ângelo Guazelli. Logo após o casamento, estabeleceram residência em 
Ribeirão Preto, mudando posteriormente para Poços de Caldas, depois para o Rio de Janeiro. Em princípios da 
década de 1930, então viúva, transferiu-se para Uberlândia, Cruzeiro dos Peixotos, a convite do tio, Sr. José 
Camim, onde permaneceu por cerca de vinte anos. Nesse período, dedicou-se à fabricação de queijos, em 
parceria com o tio; e pôs-se a lecionar para crianças na Fazenda Quilombo. Posteriormente, teve como sócio na 
produção de queijos o Sr. Ângelo Biase, por aproximadamente dez anos. Em 1962, adquiriu terras e imóveis em 
Miraporanga, onde deu continuidade à produção de queijos, em sociedade com o Sr. Francisco Camin — neto de 
José Camin; instalando a fábrica na edificação ao lado de sua casa. Sem abandonar seu entusiasmo pelo educar, 
concedeu um terreno defronte à sua residência para que o então prefeito, Raul Pereira, construísse uma modesta 
sala onde pudesse ser implementada uma escola. Quando o Bispo Dom Almir decidiu demolir a Igreja de Nossa 
Senhora das Neves, em 1967, contou com o apoio de D. Domingas, que com o material retirado da demolição, 
principalmente a madeira, ajudou a edificar a nova Igreja próxima à sua residência. Falecida em 1998, a 
professora, costureira, parteira, empresária e escrivã deixou registradas sua vivacidade e paixão pelo trabalho e 
ensino na memória e na história de Miraporanga”. Disponível em: 
<http://www.uberlandia.mg.gov.br/uploads/cms_b_arquivos/2020.pdf>. Acesso em: 1º mar. 2013. 
65 
 
fevereiro de 2010, uma parte do telhado foi ao chão e, com isso, um pedaço de Miraporanga 
também. Mesmo assim, Miraporanga conta com o futuro, vindo da própria juventude que 
mora aqui e que ama o lugar”.108 Como se lê, ele demarca a importância no passado e projeta 
o futuro nas novas gerações que vivem ali. 
Entretanto, ao longo de toda reportagem, destaca-se o passado, ora pela casa de 
Domingas Camin, ora pela igreja de Nossa Senhora do Rosário: “A capela do Rosário é um 
marco histórico da chegada dos tropeiros à região”.109 Ao falar dessa igreja, o repórter 
entrevista dona Maria Cremilda, que reside próximo da igreja e cuida da limpeza do lugar. 
Natural de Recife, vive em Miraporanga há mais de uma década; ao contar brevemente a 
história dela, o repórter diz que dona Maria não pensa em voltar para sua terra natal, pois em 
Miraporanga “[...] ela ganhou a tranquilidade e o sossego”.110  
Além da ideia de decadência e de lugar do passado, essas construções imagéticas dos 
distritos passam pela ideia de bucolismo, de idílico, de lugar tranquilo para viver, como o 
repórter tenta transmitir aos seus telespectadores. Por exemplo, Martinésia foi tema do 
programa Terra Gente em 1988. Algumas frases ditas pela narradora do programa são 
emblemáticas: “São pessoas cristãs e que possuem grande bondade”,111 “lugar tranquilo e 
sossegado”.112 “Aqui as pessoas falam da importância do local no passado, da sua excelente 
agropecuária, da paz que prevalece até os dias de hoje.”113 A fala inicial da narradora é a 
seguinte:  
 
Neste universo da região do Triângulo Mineiro, além da agropecuária, 
indústrias, empresas comerciais e outras atividades exigidas pelo mundo 
atual, existe muita riqueza para ser explorada na sua história. Voltar ao 
passado para valorizar o presente é uma viagem repleta de emoções. Nossa 
viagem deste domingo é o acompanhamento de um dos distritos de 
Uberlândia: Martinésia.114 
 
 
                                                        
108 CORREA, Arcênio. Distritos de Uberlândia — Miraporanga (primeira reportagem da série). Jornal da 
Vitoriosa, Rede Vitoriosa, Uberlândia, MG, 24 de agosto de 2010. Disponível em: 
<http://www.youtube.com/watch?v=uZxazPCKMA4>. Acesso em: 3 jan. 2011. 
109 CORREA, 2010.  
110 CORREA, 2010.  
111 TERRA da Gente. TV Paranaíba. Uberlândia, MG, 1988. Disponível em: 
<http://www.youtube.com/watch?v=gyMZlSiHijE> e <http://www.youtube.com/watch?v=-QTrJe5A1T4>. 
Acesso em: 3 jan. 2011. 
112 TV PARANAÍBA, 1988. 
113 TV PARANAÍBA, 1988. 
114 TV PARANAÍBA, 1988. 
66 
 
A narradora continua a “viagem” mediante uma associação que põe a experiência de 
vida na cidade grande como mais válida, talvez porque ela reconhecesse como históricos 
apenas os fatos de expressividade nacional e internacional.  
 
Apesar de relativo isolamento em relação aos maiores centros, muitas 
pessoas têm história para contar, é o caso do próprio Senhor Zoroastro, que 
aos 80 anos de idade acompanhou grandes momentos de nossa história, 
como a primeira guerra mundial e a revolução de 32 na Era Vargas. [...] 
Hoje a gente vê poucas pessoas nas ruas, as casas são silenciosas, mas 
mesmo assim transmitem uma sensação de viverem plenamente os dias 
atuais. Agora, por exemplo, muita gente está no campo, principal fonte de 
renda dos distritos.115 
 
A fala final do programa faz estas considerações: 
 
Martinésia é um lugar onde encontramos costumes, tradição, pessoas 
humildes, modestas, com uma simplicidade inexistente nos grandes centros 
urbanos, aqui a ambição é desconhecida e prevalece o companheirismo, a 
autenticidade, a consideração, o respeito e o amor ao próximo; a vida tem 
um sentido mais significativo, os sentimentos são expressos com 
sinceridade, o otimismo e a fé estão presentes no interior de cada cidadão, e 
o principal objetivo dessas pessoas de extrema sensibilidade é a procura 
incessante da verdadeira paz.116 
 
As ideias verbalizadas, as imagens e a música de fundo constroem ou reafirmam 
imagens sobre os distritos como lugares tranquilos, sossegados, lugar de pessoas 
virtuosas117 e que, curiosamente, acompanham os acontecimentos importantes do mundo. 
A fala inicial — a metáfora da viagem — reforça a imagem de que os distritos estão no 
passado e que “viajar” por eles significa buscar um tempo que já se foi; enquanto a fala 
final reafirma uma ideia de pureza dos moradores, como se vivessem num mundo 
diferente do mundo capitalista vivido na cidade. Se assim o for, então parece ser 
contraditória a afirmação de que as pessoas “[...] transmitem a sensação de viverem 
plenamente os dias atuais”.  
                                                        
115 TV PARANAÍBA, 1988 
116 TV PARANAÍBA, 1988. 
117 No exame de qualificação desta tese, o professor Antonio de Pádua Bosi se referiu a essas imagens como não 
exclusivas do município de Uberlândia, pois a publicidade sobre Minas Gerais coincide com elas porque 
estariam articuladas — nas palavras dele — “[...] à ideia de uma Minas Gerais residual cuja memória dominante 
ofusca o passado de desigualdade e violência rotineira”. Ele exemplifica a constituição e reafirmação dessa 
imagem com a música “Simplicidade”, composta por John Ulhoa, do grupo Pato Fu, que gravou a música em 
2005: “Vai diminuindo a cidade/ Vai aumentando a simpatia/ Quanto menor a casinha/ Mais sincero o bom dia/ 
Mais mole a cama em que durmo/ Mais duro o chão que eu piso/ Tem água limpa na pia/ Tem dente a mais no 
sorriso/ Busquei felicidade/ Encontrei foi Maria/ Ela, pinga e farinha/ E eu sentindo alegria/ Café tá quente no 
fogo/ Barriga não tá vazia/ Quanto mais simplicidade/ Melhor o nascer do dia”. ULHOA, John. Simplicidade 
(quinta música). In: PATO FU. Toda cura para todo mal. São Paulo: SONY/BMG, 2005. 1 CD, digital, 
estéreo. Acompanha livreto.  
67 
 
Em 27 de agosto de 2010, noutra série de programas de tevê sobre os distritos, o tema 
foi Martinésia, introduzido pelo repórter nestes termos:  
 
 
A aparência é de um bairro, mas de perto é bem mais do que isso, Martinésia 
é um distrito. Lugar de pessoas acolhedoras, hospitaleiras, de gente que 
busca o silêncio, a tranquilidade. Um cenário privilegiado. [...] Aqui tem 
história nas ruas, nas casas antigas, nas pessoas que viram de perto a 
evolução do lugar, como dona Luzia. [...] Nestes 84 anos o distrito ainda 
continua pacato, até a chegada da tradicional festa de folia de Reis, quando 
reúne seis mil fiéis, tradição que também é mantida na fazenda Mata dos 
Dias e na festa de são João que acontece na igreja.118 
 
Mais de duas décadas separam os dois programas de tevê; e algumas imagens 
permanecem: pessoas virtuosas, tranquilidade e sossego — que só seria quebrado por um 
momento de excepcionalidade como a festa de Santos Reis, que atrai milhares de pessoas. O 
programa de 2010 traz um elemento novo para o debate: a experiência da família Clarete, isto 
é, um casal que nasceu no distrito, mudou-se e retornou após a aposentadoria em busca da 
suposta tranquilidade. A câmera foca na horta que o casal cultiva no terreno da casa; como se 
quisesse sugerir o distrito como um lugar que proporcionaria aos moradores um modo vida 
incomum nos grandes centros urbanos. A opção por Martinésia significou, para essa família, 
“[...] abandonar a loucura de uma cidade grande”, como diz o repórter. 
Consideradas em conjunto, essas reportagens deixam entrever uma “valorização” do 
lugar que é o distrito mediante imagens comuns a dois momentos diferentes: o bucolismo, as 
pessoas humildes e a tranquilidade. Mais que isso, essa valorização no plano da aparência 
tenta escamotear outras realidades experimentadas no espaço dos distritos. De fato, há uma 
paisagem exuberante ali; mas, contemplá-la supõe lidar com problemas como a violência, que 
poderia macular esse bucolismo. Em conversa com um morador do distrito de Miraporanga, 
indaguei se achava que Miraporanga havia mudado:  
 
Luis — Bom, tem mudado de, tá cresceno, né?! Por exemplo, com a chegada 
dessas usina aí, mudou bastante. Mas tem muita coisa aqui também que, num 
valeu a pena mudá. Porque nós num temo segurança, porque a vista do que 
era, cresceu bastante! Muito mesmo! Mas nós num temo segurança, porque 
aqui, final de semana, é uma bebaiada horrível. A gente não tem sossego. 
[...] eles já reivindicaram várias vezes as autoridade competente do 
                                                        
118 CORREA, Arcênio. Distritos de Uberlândia — Martinésia (segunda reportagem da série). Jornal da 
Vitoriosa, Rede Vitoriosa, Uberlândia, MG, 27 de agosto de 2010. Disponível em: 
<http://www.youtube.com/watch?v=nwfr62M2Ytw >. Acesso em: 3 jan. 2011. 
68 
 
município pra pôr policial aqui e parece que entra num ouvido e sai no outro. 
Não tão nem aí.119 
 
Essa fala aponta um movimento de transformação do lugar, que passou a ser mais 
movimentado, graças — segundo o senhor Luis — à chegada das usinas de cana-de-açúcar à 
região; isto é, ao aumento do número de pessoas que por ali circulam e ao consumo excessivo 
de álcool, o que tem inquietado a população.  
O problema da insegurança nos distritos considerados como espaços bucólicos 
remonta à década de 80 — talvez com menos intensidade do que hoje. Cabe citar a ata de uma 
reunião do CCDR de Martinésia: 
 
O presidente do C. C. D. R. [conselho comunitário] de Martinésia, Sr. 
Elieutério Martins Pacheco falou inicialmente dos benefícios já recebidos e 
em seguida expôs as metas futuras que são: a ponte dos carrapatos, criação 
de uma ronda policial, reforma e iluminação do cemitério, melhorias nos 
campos de futebol, construção de uma quadra poliesportiva, Patrulha 
Mecanizada para atender os pequenos agricultores com o preparo de curva 
de nível e pequenas lavouras de arroz irrigado, melhora nos mata-burros e 
estradas da linha da CALU.120 (Grifo meu). 
 
Essa passagem deixa entrever os problemas enfrentados pela população local que a 
levavam a reivindicar uma ronda policial. No caso desta última, entendo que não seria 
reivindicada caso os moradores não tivessem percebido a existência de problemas de 
insegurança. Essa reivindicação parece indicar que ali ocorria algo que justificava a ronda. 
Não por acaso esse assunto aparece em outras reuniões do conselho. Em conversas com os 
moradores, citam assaltos a fazendas da região que se tornaram frequentes, gerando uma 
sensação de insegurança na população. A força dessa demanda pressionou as autoridades: 
em 2005, foi inaugurado um subdestacamento da Polícia Militar nesse distrito. 
Também no distrito de Tapuirama se abordou o assunto segurança, por exemplo, 
nas discussões da Associação de Moradores. Em novembro de 2001, os moradores se 
reuniram: 
 
[...] para tratarmos de certos assuntos como: segurança do Distrito; está 
comprometida, devido a falta de policiais e as condições precárias da 
viatura, tentar conseguir através da ajuda comunidade para proporcionar 
uma segurança com qualidade; pois aqui está havendo muitos assaltos e 
até um sequestro relâmpago [sic], com moradores daqui da comunidade 
                                                        
119 RIBEIRO, Luis (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 25 de fevereiro de 2012. Arquivo de mp3 (34 
minutos). Entrevista concedida a mim em sua residência. 
120 MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. Conselho Comunitário de Desenvolvimento Rural. Reunião. 
Livro de atas 1. Manuscrito. 25 de maio de 1985, p. 15–6. 
69 
 
de Tapuirama. [....] A reunião é pra ver se a gente consegue uma viatura 
nova para os policiais poderem se deslocar mais rápido e a nós da 
comunidade ficar mais tranquilos e esperamos muito breve ser 
atendidos.121 
 
Em setembro de 2013, o programa de tevê Chumbo Grosso122 exibiu uma série de 
reportagens sobre a segurança nos distritos de Uberlândia. O jornalista que apresentava 
o programa — e a série — reforça a ideia de tranquilidade dos lugares em questão e 
defende a ideia de que a presença da polícia tem garantido a segurança neles. No 
programa sobre o distrito de Martinésia, a câmera focaliza a placa de inauguração do 
subdestacamento e reforça a imagem com a fala de moradores que afirmam ser ali um 
lugar seguro. A série termina no distrito de Miraporanga; o repórter começa o programa 
em frente à obra de construção do posto policial123 e reafirma a noção de que a presença 
da polícia garante a tranquilidade, embora alguns moradores se refiram a problemas de 
segurança pública.  
Da forma como é dita, a presença da polícia equivale à segurança. Entretanto, visto 
que a ronda policial chega por reivindicação da população, é provável que os problemas já 
existissem, a ponto de obrigar a população a reivindicar do poder público a presença da 
polícia. Uma pesquisa simples em websites de busca mostrará eventos indicativos da presença 
da violência nesses lugares: assaltos a fazendas, assassinatos, agressões, desova de cadáveres 
e outros indicam a coexistência entre violência, paisagem bucólica e a imagem de certa 
tranquilidade em relação às cidades.  
A (re)valorização dos distritos no anos 2000 — em reportagens de jornais e trabalhos 
acadêmicos, por exemplo — traduz um elemento diferente, qual seja: a busca de lugares 
próximos ao campo que proporcionassem a tranquilidade que a correria das grandes cidades 
anula. A revalorização desses distritos converge para uma economia de mercado que encara 
os distritos — e o campo — como espaços a ser também consumidos por quem almeja a esse 
suposto sossego.  
Estudioso do tema, José Graziano da Silva analisa as transformações por que 
passou o campo nas últimas décadas em razão, por exemplo, do aumento na produtividade 
                                                        
121 TAPUIRAMA — distrito de Uberlândia, MG. Associação de Moradores do Distrito de Tapuirama. Livro de 
atas 2, Manuscrito. 12 de novembro de 2001, p. 23–4. 
122 Chumbo Grosso é um programa jornalístico-policial exibido de segunda-feira a sábado, das 7h às 8h, pela 
Rede Vitoriosa, afiliada ao Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). 
123 Durante a inauguração de uma agência comunitária dos Correios em Miraporanga, foi anunciado que o 
distrito receberia também um posto policial, por meio de parceria entre a prefeitura de Uberlândia e a usina 
sucroalcooleira Vale do Tijuco. Em maio de 2014 essa Base Comunitária da Polícia Militar em Miraporanga foi 
inaugurada. 
70 
 
agrícola, da transformação das relações de trabalho, da invasão do espaço rural pelas 
indústrias, do uso do campo para atividades não agrícolas como o turismo, que esse autor 
assim vê na 
 
[...] nova onda de valorização do espaço rural, [...] questões ecológicas, 
preservação da cultura “country”, lazer, turismo ou para moradia. Observa-se 
em todo mundo uma preocupação crescente com a preservação ambiental que 
estimulou novo filão do turismo: o ecológico. A nova forma de valorização do 
espaço vem a remodelar as atividades ali existentes, em função da preservação 
ambiental e do atendimento aos turistas. Na valorização da cultura “country” é 
simbólico o crescimento das festas de peões pelo interior brasileiro. A 
atividade de turismo rural também está se expandindo, o que se reflete no 
número ascendente de fazendas-hotéis e pousadas rurais. O espaço rural 
também está sendo cada vez mais demandado como espaço para lazer. Na 
última década, milhares de pesque-pagues proliferaram pelo interior. Nestes, a 
produção de peixes propriamente dita não é a maior fonte de renda, mas sim 
os serviços prestados nos pesqueiros, visando populações urbanas de rendas 
média e baixa. Também observa-se a expansão das construções rurais para 
segunda moradia das famílias urbanas de rendas média e alta, em chácaras e 
sítios de lazer no interior do Brasil.124 
 
Essa passagem aponta alguns dos muitos aspectos das transformações recentes na 
sociedade brasileira — mais especificamente no campo — que José Graziano da Silva estuda. 
Nelas, as relações no “agronegócio” estão se modificando nessas novas dinâmicas que 
implicam outras formas de viver e trabalhar. Exemplifica essa situação a “invasão” da cana-
de-açúcar no distrito de Miraporanga.  
Dadas essas transformações e aquelas dedutíveis das reportagens de televisão, percebo 
um movimento de mudança no significado das áreas rurais no bojo desse apelo pela 
preservação ambiental, pelo turismo rural ou pela busca desses espaços como moradia fixa — 
vide o caso da família Clarete, citada na reportagem — ou como moradia de fim de semana. 
A academia absorve essas questões. Por exemplo, no trabalho de Elaine Corsi, que é uma 
proposta de revitalizar os distritos e constituí-los como espaço de turismo, ou seja, como alternativa 
de renda para seus moradores. Outros trabalhos também abraçam a ideia de fazer dos distritos de 
Uberlândia áreas de ecoturismo e turismo rural.125  
Com efeito, o campo e sua paisagem passam a ser oferecidos como bens consumíveis. 
Exemplo disso é o restaurante Ora pro Nobis no distrito de Cruzeiro dos Peixotos (MG). 
                                                        
124 SILVA, José Graziano da; DEL GROSSI, Mauro Eduardo. O novo rural brasileiro. In: IAPAR (Org.). 
Ocupações rurais não agrícolas: anais: oficina de atualização temática. Londrina: IAPAR, 2000, v. I, p. 166. 
Disponível em: <http://www.iapar.br/arquivos/File/zip_pdf/novo_rural_br.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2012. 
125 Cf. ANDRADE; SANTOS, 2004. 
71 
 
Havia no website desse restaurante um texto significativo — e provocativo — da discussão 
sobre a “venda” do campo e seus atrativos como espaços de lazer a ser consumidos: 
 
A paisagem possui um encantamento especial. O ambiente é tranqüilo. O 
barulho dos carros e a movimentação típica da cidade cedem espaço à 
calmaria do campo. A música que se ouve é a do canto dos pássaros. As 
refeições são feitas em mesas e bancos rústicos de madeira. A comida, feita e 
servida, no fogão à lenha. Tudo preparado em panelas de ferro e de pedra. 
Doces caseiros, queijos mineiros e até um armazém, onde são expostos os 
trabalhos artesanais dos moradores de Cruzeiro dos Peixotos fazem parte do 
cenário. Na porteira de entrada, o escrito na madeira: Ora-Pro-Nobis, um 
lugar onde mais do que servir a deliciosa comida mineira, oferece-se o 
prazer de estar na “roça”. A idéia partiu da jornalista Dolores Mendes. 
“Gosto da profissão de jornalista, mas o restaurante é o que me dá prazer, é 
uma paixão. Sempre senti falta de um lugar onde pudesse almoçar em 
contato com a natureza e passar uma tarde tranqüila. A gente precisava de 
um ambiente como este”, comenta Dolores. O encanto especial de Dolores 
pela comunidade e o fácil acesso ao Distrito foram os principais motivos que 
a fizeram escolher Cruzeiro dos Peixotos para abrir o restaurante. “Sempre 
gostei dos Distritos de Uberlândia. Eles representam o começo da cidade e 
têm patrimônios históricos, ainda incalculáveis. Coincidiu de eu encontrar 
em Cruzeiro um casarão à venda, onde era um antigo laticínio. Foi quando 
tive a idéia de fazê-lo sede do restaurante”, conta.126 
 
Essa passagem do texto — publicado originalmente na revista Negócios — traz 
elementos para discutir essa exaltação dos distritos como lugares tranquilos e rurais, como 
espaços de patrimônio histórico, pois reafirma uma memória construída cujo objetivo é inserir 
os distritos no circuito do turismo, da economia de mercado, que explora o “bucólico” como 
valor a ser vendido à população. Não a que vive no distrito; mas a que vem de outros lugares 
para “consumir” a comida e o espaço. Numa sociedade capitalista, a construção dessa 
memória — ou sua reprodução nos dias atuais — tem nos valores de mercado sua lógica, que 
abrange os distritos na medida em que vivenciam mudanças nas relações de trabalho, na 
convivência e na vida em seus múltiplos aspectos. 
Cruzeiro dos Peixotos é palco de um projeto realizado pela Universidade Federal de 
Uberlândia com o Serviço Social do Comércio (SESC/MG) e a empresa Viola de Nóis Produções. 
Trata-se de um festival nacional de viola que já teve três edições (2011, 2012 e 2013). As chamadas 
                                                        
126 COMIDA mineira. Negócios, Uberlândia, MG [on-line]. Disponível em: 
<http://www.revistanegocios.com.br/imprime.asp?tp=0&nt=458&cat=15>. Acessado em: 20 de maio de 2010. 
(O primeiro acesso foi feito no website do restaurante, www.orapronobis.com.br, onde o texto tinha o título de 
“Casarão é transformado em restaurante mineiro em Cruzeiro dos Peixotos”. O texto não está mais disponível no 
website do restaurante. 
72 
 
do festival na imprensa justificam sua realização em Cruzeiro dos Peixotos por ser esse distrito o 
berço de uma dupla sertaneja importante no cenário nacional: Pena Branca e Xavantinho.127  
 
O I FESTIVAL NACIONAL DE VIOLA DE CRUZEIRO DOS PEIXOTOS 
é uma realização da Universidade Federal de Uberlândia em parceria com o 
SESC/MG-Uberlândia e a produção da Viola de Nóis Produções para o 
município, que pretende expandir e demonstrar para Uberlândia e região a 
riqueza do universo caipira brasileiro com utilização do genuíno 
instrumento, a viola caipira. O festival acontecerá nos dias 24, 25 e 26 de 
fevereiro de 2011 a partir das 18 horas, no DISTRITO DE CRUZEIRO DOS 
PEIXOTOS – UBERLÂNDIA/MG [...] Localizado no município de 
Uberlândia/MG, Cruzeiro dos Peixotos, é berço (local de nascimento e 
criação) da dupla Pena Branca e Xavantinho, que tanto contribuíram para a 
difusão da Cultura Caipira no país e exterior. O intuito de realização do I 
FESTIVAL NACIONAL DE VIOLA DE CRUZEIRO DOS PEIXOTOS é 
homenagear a dupla e o distrito. No local de realização do festival (Rua 
Belizário Dias, n.5, em frente a igreja matriz) será construído o primeiro 
Memorial da Viola Caipira Pena Branca e Xavantinho.128 
                                                        
127 “Pena Branca e Xavantinho faziam parte de uma família composta por 9 pessoas, dentre elas: o pai Francisco 
da Silva, a mãe Dolores Maria de Jesus, conhecida por Coitinha, e mais 5 irmãos. Pena Branca nasceu em 
Igarapava, região interiorana de São Paulo, e era o primogênito da família. Com dez dias de seu nascimento, a 
família decidiu se mudar para Minas Gerais, em Cruzeiro dos Peixotos, distrito de Uberlândia, localidade na qual 
‘o pai possuía uma pequena lavoura e criava algumas cabeças de gado em terras arrendadas’ (JANGADA 
BRASIL, 1999), com a ajuda de Dona Coitinha, que auxiliava o marido no trabalho com a plantação. Nesse 
ambiente bucólico, nasceram os 6 irmãos de Pena Branca: Osvaldo, Antônio, Osmar, Maria Aparecida, Divina 
Eterna e também o Xavantinho. [...] Em 1956, Pena Branca [...]formou uma dupla sertaneja com Xavantinho. 
[...] Em 1961, Pena Branca e Xavantinho começaram a sonhar alto [...] apresentando-se, pela primeira vez, nesse 
meio de comunicação [o rádio], na rádio Educadora de Uberlândia, com o nome José e Ranulfo.[...] Ainda longe 
do sucesso, os dois irmãos trabalhavam nos centros urbanos como carregadores de caminhão, conciliando o 
trabalho braçal e o desejo de, um dia, poderem se dedicar somente à música. Não poderiam abandonar o 
emprego, já que o dinheiro adquirido por meio dele possibilitava o investimento em instrumentos musicais, 
como violas e violões.[...] Quatro anos depois, em 1968, [...] Xavantinho foi para São Paulo em busca do sucesso 
e, um ano depois, trabalhando numa transportadora dessa cidade, escreveu para o irmão Pena Branca, 
convidando-o a tentar a sorte na grande metrópole junto com ele [...] Mas, em 1969, os irmãos, firmes em seus 
propósitos, trabalhando de dia e ensaiando de noite, começaram a participar de encontros entre músicos, que 
tinham o objetivo de manter e divulgar a tradição da música caipira. Nesses encontros, era comum a presença de 
artistas consagrados no segmento de música sertaneja de raiz, como Tonico e Tinoco.[...] os irmãos não 
desanimaram e se inscreveram no festival MPB Shell de 1980, justamente com a música Que terreiro é esse, que 
outrora fora alvo de preconceito. Participar desse evento foi muito importante na carreira de Pena Branca e 
Xavantinho, não só porque a canção apresentada foi classificada para as finais, mas, acima de tudo, porque foi 
marcando presença em festivais como esse que vieram a conhecer grandes nomes da música, como Almir Sater e 
Renato Teixeira, com quem manteriam elos de amizade duradouros. [...] Alguns meses depois, ainda em 1980, 
conforme relato da revista Jangada Brasil (1999), os irmãos reencontraram Roberto de Oliveira, que é, 
atualmente, um dos diretores da Rede Globo, e este organizou e lançou o primeiro LP da dupla: Velha Morada, 
que incluía 12 canções. Todos apostaram na canção Velha morada, a mesma que serviu como sugestão para o 
nome do disco. No entanto, a música que mais se destacou e despertou a atenção da crítica e das pessoas foi Cio 
da Terra, composta por Chico Buarque e Milton Nascimento, cantores e compositores consagrados da MPB. A 
interpretação que Pena Branca e Xavantinho fizeram de Cio da Terra pode ser considerada um divisor de águas 
na carreira dos irmãos, já que foi por meio dessa canção que a dupla ganhou visibilidade nacional, sendo 
convidada até mesmo a se apresentar em importantes programas televisivos da época, assim como no programa 
Som Brasil, levado ao ar em 1981, pela Rede Globo e comandado por Rolando Boldrin [...]”. PAULA, Andréa 
Cristina de Paula. A religiosidade na voz de Pena Branca e Xavantinho. 2012. 158f. Dissertação (Mestrado 
em Letras) — Instituto de Letras e Linguística, Universidade Federal de Uberlândia, p. 20–27. Xavantinho 
morreu em 1999 e Pena Branca, em 2010. 
128 I FESTIVAL Nacional de Viola de Cruzeiro dos Peixotos. Viola de Nóis Produções. Disponível em: 
<http://www.violaviva.org/festival.htm>. Acesso em: 31/1/2011. 
73 
 
Cruzeiro dos Peixotos é apresentado como um lugar de “tradição” da música caipira, 
uma vez que nesse distrito nasceu Xavantinho, que fazia dupla com o irmão, Pena Branca; 
logo, a realização do festival nessa localidade não é mero acaso: ela alia aspectos 
fundamentais para o sucesso de um evento como esse. A localização do distrito, que 
geograficamente estaria na área rural do município, comporia um cenário condizente com o 
tipo de música apresentada: a caipira executada na viola. A edição de 2012 do festival 
abrangeu um público de oito mil pessoas segundo notícia do Jornal Correio; o que me parece 
um número expressivo de participantes ante uma população de quase mil habitantes em 2010 
(vide TAB. 1, p. 82). Logo, existe um público que participa desses momentos de lazer que 
inspiram uma volta ao campo, dando ares de sossego e tranquilidade. 
Além das imagens sobre o que é viver nos distritos do município, construídas e 
reafirmadas na fala de moradores, em reportagens de jornal impresso e televisivo e na 
produção acadêmica, as obras de memorialistas “dizem” o que é viver nesses lugares. O livro 
Colcha de retalhos, de Neire Jorge Resende,129 exemplifica essa construção no caso de 
Tapuirama. Seu relato começa com a tradicional história da fundação do lugar e sua relação 
com a igreja e os nomes então “importantes”. Nesse trecho inicial, a autora dá o tom 
saudosista do livro, mediante fotografias da igreja: uma exibe um carro — que diz ser um 
Ford 1939; na sequência, outra tem em primeiro plano um carro de boi; uma terceira 
fotografia mostra a igreja após a instalação de um relógio. Essa composição de imagens e 
textos passa ao leitor a ideia de um lugar ligado ao passado, romantizado pela presença de 
bens antigos e vinculado ao bucolismo do campo, porém com alguns elementos do progresso. 
Essa ideia permanece ao longo do livro, numa história contada por meio de nomes 
importantes, festas, meios de transporte, time de futebol, escola etc. Desse modo, os assuntos 
abordados por ela vão compondo a “colcha de retalhos” da história do distrito de Tapuirama. 
Na obra Cidade dos sonhos meus,130 de autoria do memorialista Jerônimo Arantes, os 
distritos aparecem num capítulo específico: “Setor rural — distritos de municípios”. Essa 
                                                        
129 O livro Colcha de retalhos não tem informações sobre data de sua publicação. Mas pela introdução é possível 
dizer que foi publicado em 2005 ou depois — “A história é do começo de Tapuirama até o início do ano de 
2005!”, diz ela — e que foi moradora de Tapuirama — “Por não caber em meu coração e em meu pensamento 
todo o conhecimento da história de Tapuirama, quero compartilhar com vocês coisa que vivi e ouvi contar”, diz. 
RESENDE, Neire Jorge. Colcha de retalhos. S. l., s. d. [2005], p. 12. 
130 Cidade dos sonhos meus foi publicado pela editora da Universidade Federal de Uberlândia, em 2003, quando 
se comemoravam os 25 anos dessa instituição. As autoras que apresentam o livro — professora do Instituto de 
História da UFU Maria Clara Tomaz Machado e a então coordenadora do Arquivo Público de Uberlândia 
Valéria Maria Queiroz Cavalcante Lopes — referem-se ao livro como uma homenagem aos muitos 
memorialistas da cidade, em especial Jerônimo Arantes, que faleceu em 1983. Segundo elas, “Com 67 anos de 
idade, livre dos afazeres profissionais, pôde se dedicar a escrever e organizar este livro que, talvez para ele, 
coroasse suas aspirações de memorioso, englobando os vários folhetos e catálogos já publicados, que contavam, 
74 
 
organização da obra obedece ao original deixado pelo autor, posto que a edição do livro, pela 
editora da Universidade Federal de Uberlândia e pelo Arquivo Público Municipal, procurou 
— segundo Maria Clara T. Machado e Valéria Maria Q. C. Lopes — respeitar ao máximo 
uma primeira versão da gráfica revisada pelo autor.131 Ainda segundo elas, trata-se do texto de 
um memorialista, e não a de um historiador; logo,  
 
A sua narrativa obedece a um plano cronológico, etapista, cujo sentido da 
“história” é linear, teleológico, denunciando a evolução e o progresso como 
fim último de qualquer história. As fontes que compõem o todo se delineiam 
estanques, em busca de um didatismo que pressupõe uma lógica daquilo que 
origina e constitui o real. Assim, a região, os fundadores, a primeira igreja, 
os distritos, o poder político, as efemérides, as escolas, as empresas, a 
imprensa, os recursos hídricos, o povoamento são itens que permitem 
visualizar o geral.132 
 
O memorialista escolhe como temas assuntos que culminam no progresso da cidade; e 
nessa lógica os distritos se tornam lugares diferentes da cidade. Mas, sem o estabelecimento 
do contraditório entre essa cidade progressista e os distritos rurais, eles comporiam o todo 
desse município promissor. O autor aborda a criação dos quatro distritos — cada um numa 
parte específica. Ao final das partes sobre Miraporanga (antiga Santa Maria) e Tapuirama, ele 
cita poemas assinado por Dalbas Júnior — pseudônimo do autor — que tematizam os 
distritos. Eis alguns versos dos poemas: 
 
Santa Maria (Dalbas Júnior)  
(Povoado) 
Santa Maria.../ Recanto sossegado/ das ubérrimas terras de Minas,/ [...]/ 
Santa Maria.../ noites de alegria,/ quando eu bem menino,/ corria atrás dos 
vagalumes/ a brincar... a saltar.../ a cantar... vendo o luar/ banhando de luz, a 
relva macia,/ que crescia à beira dos trilhos/ das ruas do povoado!!!/ Santa 
Maria!!!/ eu quero tanto/ a sua boa gente,/ onde eu contente,/ tendo essa 
amizade/ quisera viver a eternidade,/ e nunca morrer/ para não esquecer/ essa 
vida inocente,/ que a gente/ agora na mocidade/ sente tanta saudade!!!/ [...]/ 
Santa Maria.../ [...]/ Eu quero a vida abençoada/ e sossegada, da gente que aí/ 
mora longe da cidade.../ sem maldade — sem falsidade,/ sem o martírio, no 
delírio/ da vida afanosa e cruel,/ onde o fel é o balsamo consolador,/ a chaga 
inclemente,/ que aqui se sente/ na amargura de viver!!!/ Santa Maria!!!/ 
fique sempre bonitinha./ Não queiras crescer,/ para se envaidecer sendo 
cidade./ Conserva a tua poesia,/ [...]133 
 
 
                                                                                                                                                                             
cada um deles, de forma parcial, as suas múltiplas representações da cidade”. MACHADO, Maria Clara Tomaz; 
LOPES, Valéria Maria Queiroz Cavalcante. O memorioso e suas representações sobre a cidade. In: ARANTES, 
Jerônimo. Cidade dos sonhos meus: memória histórica de Uberlândia. Uberlândia: ed. UFU, 2003, p. 9–10. 
131 ARANTES, 2003, p. 10. 
132 ARANTES, 2003, p. 10. 
133 ARANTES, 2003, p. 111. 
75 
 
Tapuirama (Dalbas Júnior) 
Tapuirama!!/ Como são encantadoras/ as tuas manhãs radiosas,/ quando o 
sol surge despontando/ seus esplendorosos raios de luz/ [...]/ Tapuirama!!/ 
Que doce musicalidade tem o gorgeio/ dos teus alegres passarinhos/ que 
cantam na galhada fartalhamente/ [...]/ Tapuirama!!/ Como eu gosto de 
contemplar/ a pureza do teu céu azulíneo/ numa noite de luar./ [...].134 
 
Os elementos que compõem os poemas sugerem ideias de tranquilidade, de um lugar que 
parou no tempo, de lugares de certa pureza que permitem contato mais estreito com a paisagem 
rural. Acredito que o autor buscou esses poemas justamente porque expressam sua compreensão 
desses lugares como locais de sossego, de uma gente sem a maldade da cidade, cercada pela 
paisagem rural. A maneira como os distritos aparecem no livro dá a entender que esses lugares 
têm realidades um pouco diferentes do que há na cidade que ele apresenta e que progride. Os 
distritos guardariam a tranquilidade do campo não mais encontrável nessa cidade que cresce.  
Cabe dizer que as obras dos memorialistas fundamentam muitos trabalhos acadêmicos, 
a ponto de norteá-los em certa medida. Nesse caso, contribuem para reafirmar uma maneira 
de compreender os distritos que permeia produções acadêmicas e jornalísticas, assim como a 
própria compreensão que a população do município tem desses lugares.  
Com efeito, os elementos de bucolismo, da ruralidade e da pureza são marcantes nas 
obras Registro do patrimônio cultural e edificado das áreas diretamente afetadas, de entorno 
e de influência das usinas hidrelétricas de Capim Branco I e II e Práticas sociais e o 
reordenamento econômico das atividades de turismo e lazer no entorno das UHEs Amador 
Aguiar I e II. A primeira foi organizada por Rossevelt José dos Santos e Kelen Borges Alves; 
a segunda, por Rossevelt José dos Santos. As sedes distritais de Martinésia e Cruzeiro dos 
Peixotos estão na área de influência do empreendimento hidrelétrico em questão — as usinas 
Amador Aguiar I e II —, e os autores fazem um levantamento dos imóveis dignos de 
preservação que os detalha do ponto de vista arquitetônico, levanta as potencialidades 
turísticas desses lugares e descreve as festas religiosas e as comidas. A apresentação da 
primeira obra contém uma afirmação que direciona o entendimento dos dois livros: “A cultura 
dos diversos lugares estudados tem a ver com as práticas rurais estabelecidas na região do 
Triângulo Mineiro, a qual compõe o essencial deste estudo”.135  
Os dois trabalhos — que têm características de inventário — enfatizam os aspectos rurais 
desses lugares; e o fazem mediante o uso de fotografias, reproduzidas nos textos que descrevem 
                                                        
134 ARANTES, 2003, p. 127. 
135 SANTOS, Rossevelt José dos; ALVES, Kelen Borges. Registro do patrimônio cultural e edificado das 
áreas diretamente afetadas, de entorno e de influência das usinas hidrelétricas de Capim Branco I e II. 
Uberlândia: Composer, 2005, p. 9. 
76 
 
essa construção imagética e não focam os conflitos e problemas cotidianos de moradores afetados 
por tal tipo de empreendimento, pois a instalação de usinas hidrelétricas como essas mudam os 
modos de vida dos moradores. Dona Sandra, por exemplo, toca nessa questão: 
 
Renata — A Usina mudou alguma coisa em Martinésia? 
Sandra — Mudou.  
Mudou o quê? 
É porque aumentou o trânsito, né?! Caminhões, caminhões, carro, aumentou, 
tanto pra ir pra... — como é que chama? Capim Branco II! — pra aqui 
também, o trânsito aumentou muito.136 
 
Essa fala põe em questão um dos muitos aspectos da interferência de empreendimentos 
hidrelétricos como o de Amador Aguiar II.137 Os impactos ambientais e sociais são muitos; por 
exemplo: a inundação de áreas de cultivo agrícola, a interferência na biodiversidade e os 
problemas sociais da desapropriação de terras, para ficar em três exemplos. Mas as duas obras 
apresentam as mudanças de uma maneira tranquila, expressa na forma bucólica como os autores 
se referem às áreas afetadas e de influência. A apresentação da primeira obra justifica sua 
realização como possibilidade de registrar a cultura dos lugares atingidos de alguma forma pela 
construção. 
 
A construção de obras visando a aproveitamentos hidrelétricos sempre 
implica em deslocamento das pessoas residentes na Área Diretamente 
Afetada (ADA) e no alagamento de bens edificados, sendo de impacto 
significativo para a memória coletiva de uma região, ocasionando uma 
inevitável perda das referências locais, principalmente por aqueles 
moradores diretamente atingidos. No caso do Patrimônio Cultural os 
impactos não são passíveis de serem mitigados em sua totalidade, 
principalmente no que tange ao patrimônio edificado. Desta forma, na 
perspectiva de minimizar tais impactos, neste livro procurou-se analisar os 
resultados do projeto de pesquisa, proposto quando da elaboração do EIA-
RIMA. O livro justifica-se por possibilitar um registro documental das 
                                                        
136 OLIVEIRA, Sandra (nome fictício). Martinésia, Uberlândia, MG, 27 de junho de 2012. Arquivo de mp3 (71 
minutos). Entrevista concedida a mim na escola desse distrito.  
137 “O Consórcio Capim Branco Energia – CCBE, constituído pelas empresas Vale S. A (48,42%), Cemig Capim 
Branco Energia S. A (21,05%), Epícares Empreendimentos e Participações Ltda. (17,89%) e Votorantim Metais 
Zinco S. A (12,63%), administra as usinas hidrelétricas Amador Aguiar I e II. A Operação e Manutenção (O&M) 
é realizada pela Cemig Capim Branco Energia S. A. Com potência instalada total de 450 MW, as usinas foram 
implantadas no rio Araguari, entre os municípios de Uberlândia, Araguari e uma pequena porção do município 
de Indianópolis, na mesorregião do Triângulo Mineiro, Minas Gerais.” CONSÓRCIO CAPIM BRANCO 
ENERGIA/CCBE. Institucional. Disponível em: <http://www.ccbe.com.br/institucional/>. Acesso em: 30 mar. 
2014. “Instalado em Belo Horizonte no ano de 2001, o escritório administrativo do CCBE foi transferido em 
2003 primeiramente para Uberlândia e, ainda no mesmo ano, para Araguari. Em agosto de 2009, a sede do 
CCBE retornou definitivamente para a cidade de Uberlândia, onde permanece até os dias atuais.” CONSÓRCIO 
CAPIM BRANCO ENERGIA/CCBE. Dez anos de CCBE em nossa região. Informativo Capim Branco. 
Uberlândia, MG, ano IX, n. 9, set./dez. 2003, p. 2. Disponível em: 
<http://www.ccbe.com.br/wp-content/uploads/2014/03/inf3pdf.pdf>. Acessado em 30/03/2014. Em 2007, o 
nome das usinas foi alterado de Capim Branco I e II para Amador Aguiar I e II. 
77 
 
características culturais e construtivas do local afetado, relacionando-o com 
as Áreas de Entorno (AE), de Influência (AI) e mesmo com a sociedade mais 
abrangente, nas suas mais diversificadas manifestações, no momento de 
conhecimento quase que exclusivo da população residente.138 
 
Um livro como esse tem o mérito de registrar a vida, a história e o cotidiano dos 
lugares que tematiza. Mas é preciso ter cuidado de não transformá-lo numa “compensação” 
das perdas derivadas desse tipo de empreendimento, cujo bojo sempre traz um discurso de 
desenvolvimento da região, de geração de energia para abastecer o progresso. Também é 
preciso cuidar para que não se reforce uma imagem vitimizada das populações atingidas por 
esse tipo de empreendimento, as quais precisariam do saber e da racionalidade acadêmica 
para manter viva sua memória, para registrar saberes antes transmitidos oralmente. 
Dito isso, percebem-se múltiplos viveres — em transformação — nos distritos de 
Uberlândia e que deles se constroem imagens pela imprensa, pelos moradores e pela 
academia. Interpretadas à luz da lógica desses agentes — fontes deste estudo —, tais imagem 
se prestam, em certa medida, a objetivos políticos e econômicos, a exemplo da efetivação de 
políticas públicas para os distritos e do uso desses lugares como espaços de lazer, turismo e 
segunda moradia. Uma vez apresentadas essas imagens construídas de como é viver nos 
distritos, convém centrar a análise na interpretação dos relatos dos moradores entrevistados a 
fim de problematizar a maneira como vivem e interpretam modos de viver nos distritos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
                                                        
138 SANTOS; ALVES, 2005, p. 8. 
78 
 
2 
 
Os distritos na fala de seus moradores 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
om base em fontes distintas (imprensa, obras de memorialistas e relatos orais de 
moradores), apresentamos no capítulo 1 certas imagens construídas de Martinésia, 
Cruzeiro dos Peixotos, Tapuirama e Miraporanga, distritos do município de 
Uberlândia, MG. Neste capítulo, problematizamos o viver nesses lugares à luz das narrativas 
orais dos moradores. Mas não se trata de estabelecer o contraditório entre o que seriam os 
viveres e as imagens, pois também as pessoas constroem imagens, que se aproximam e se 
distanciam daquelas presentes nos jornais, na historiografia e no discurso político e de órgãos 
públicos. A fala de um morador do distrito de Martinésia que me recebeu em sua casa, mas se 
recusou a gravar nossa conversa, oferece elementos úteis para iniciar esta problematização.  
Com 87 anos de idade à época de nossa conversa, ele mora há mais de 50 na mesma 
casa. Ao chegar, apresentei-me e disse que gostaria de conversar sobre Martinésia: sobre 
como é viver ali. Então indaguei se o distrito tinha mudado. Eis sua resposta: “Que teve 
transformação, teve!”. Essa fala me impele a pensar em quais são as referências dessas 
mudanças. Ao adentrar a sala de sua casa, avistei um quadro com uma fotografia dependurado 
na parede. Perguntei se o lugar fotografado era Martinésia. Ele disse que sim. Então indaguei 
sobre a data em que foi tirada a fotografia. Ele tentou buscar essa informação na memória e, 
ao fazê-lo, usou como marco temporal a morte de sua esposa, no início da década de 90. 
C
79 
 
Logo, a fotografia teria sido tirada ainda nos anos 80. Ao conversarmos sobre a imagem, ele 
relatou mudanças como o asfaltamento da rodovia e das vias urbanas, assim como a 
construção do ginásio poliesportivo; também identificou sua casa, ao lado da qual havia uma 
beneficiadora de arroz.  
O que significa, então, para esse morador — e para tantos outros — viver nos distritos 
uberlandenses? Cabe retomar aqui a citação do jornal Correio (vide p. 14) onde se lê um 
relato sobre o caminho do ônibus que, na época, percorria o trajeto Uberlândia–distritos 
(Martinésia e Cruzeiro dos Peixotos). Saliento o trecho onde o repórter afirma que aqueles 
eram “[...] caminhos que levam ao passado”.139 Ora, o que o morador citado disse põe em 
xeque essa ideia, pois seu relato deixa entrever um lugar em transformação, que ainda guarda 
ares de lugar tranquilo e casarões antigos, mas não estagnado num tempo que já se foi; antes, 
ele relata as mudanças que foram chegando e alterando a vida de quem ali vivia e vive. 
Em entrevista com o padre Francisco de Assis,140 que à época da conversa atendia aos 
distritos de Martinésia e Cruzeiro dos Peixotos já havia quase quatro anos, esse aspecto da 
transformação dos viveres é salientado quando lhe peço para falar de sua trajetória de vida: 
 
[...] quando a gente veio pra cá, pro distrito, eu notei, assim, que aqui as 
pessoas, elas vivem duas realidades. É porque muitas, é, foram obrigadas a 
sair daqui e ir pra cidade, porque a situação econômica é, ficou muito difícil, 
porque a cidade desenvolveu; e aqui, aqui não acompanhou o 
desenvolvimento. Então, essas pessoas têm que sair daqui. Umas saíram 
daqui e foram pra cidade, outras moram aqui e vão pra cidade de ônibus e 
vai trabalhá e volta. Ou seja, a cidade virou, a cidade hoje, o Distrito virou, 
assim, uma convivência de final de semana; e também virou, assim, uma 
coisa em que a pessoa num aproveita mais o lugar onde vive, né?! Então, 
num tem mais essa, essa afinidade com os vizinhos, num tem mais, assim, 
porque não tem tempo! Porque amanhã ele tem que levantá, ele tem que 
pegá o primeiro ônibus de dez pras seis da manhã [às 5h50]. Então é essa 
coisa toda. E nessa, nesse, nessa corrida econômica, de cada um defendê o 
seu dia-a-dia, o seu pão, sua família, a sua situação econômica, é, também é, 
a religiosidade caiu bastante. Porque, as pessoas, elas não têm mais aquele 
tempo, de se confraternizá [...].141 
 
As duas realidades de que fala o padre eu entendo como dois grupos de pessoas: as que 
optaram por sair do distrito; as que optaram por permanecer. Ele avalia a saída de muitos 
residentes como resultado da pressão imposta pelas dificuldades econômicas; isto é, 
                                                        
139 ÔNIBUS faz diariamente uma viagem no tempo. Correio do Triângulo. Uberlândia, MG, 6 de novembro de 
1994, ano 55, nº 16.703, “Cidades”, p. 7. 
140 Padre Francisco de Assis é natural de Divinópolis e sacerdote há 13 anos. À época da entrevista, ele residia 
nos fundos da Igreja de Santo Antônio, no distrito de Cruzeiro dos Peixotos. Em 2014, a diocese o transferiu 
para o município de Indianópolis.  
141 SANTIAGO, Francisco de Assis Felipe. Martinésia, Uberlândia, MG, 23 de junho de 2012. Arquivo de mp3 
(65 Minutos). Entrevista concedida a mim, na Igreja São João Batista. 
80 
 
consequência do que ele caracteriza como “não desenvolvimento” do distrito, que vejo como 
as poucas perspectivas de trabalho oferecidas por esse lugar em transformação que fizeram os 
nativos buscarem outras oportunidades na cidade. Quanto ao segundo grupo, ele vê com 
tristeza a mudança nas relações pessoais de convivência, que foram modificadas pelo que ele 
entende como falta de tempo para se encontrar, pois o trabalho e a sobrevivência ocupam a 
maior parte da vida desses moradores. Para o padre, essas alterações implicam queda da 
religiosidade, que ele define nestes termos: “[...] a religiosidade ficou muito restrita a certos 
horários, né!? O pessoal vem é [em] certos horários. Eles vêm à missa, por exemplo, na festa 
de São João Batista [...]”.142  
Padre Francisco se refere a essa mudança no modo de participar dos momentos 
promovidos na Igreja usando a missa como exemplo. Segundo ele, as pessoas tinham o hábito 
de se reunirem para rezar o terço antes da missa, que ele vê como “ato de devoção” que foi se 
perdendo; diga-se, caracterizando o que chama de queda da religiosidade. Ele percebe que a 
participação nas missas tem se restringido a determinados momentos; e mesmo essa 
participação está se transformando com o passar dos tempos. Na sequência de sua fala, ele 
credita as alterações à “[...] situação econômica das pessoas [...]” e à cidade porque “[...] 
oferece muitas outras coisa, muitos outros atrativos, né!?”.143 A percepção do padre apresenta 
uma relação entre a religiosidade e o todo que compõe a vida das pessoas. Ele não entende 
essa religiosidade como algo à parte do que as pessoas vivem em seu cotidiano ao longo do 
tempo; pelo contrário, avalia as mudanças nos atos de fé em consonância com as mudanças 
nos modos de trabalhar, de se relacionar e de viver. 
Outros trechos da análise que faz o padre Francisco ajudam a problematizar as questões 
que ele levanta: 
 
São dois distritos velhos, são velhos, e não desenvolveu. Eu não sei o 
porquê. [...] por exemplo, tanto aqui como no Cruzeiro [...] Nós num temo 
uma farmácia. Não! Num tem não. Nós num tem um correio. 
Renata — Aqui também não tem correio? 
Pe. Francisco: Não tem. 
Renata: Agência bancária? 
Não tem. Não tem! Nós não temos um supermercado, nós não temos 
açougue, então tudo nós temos na cidade. Quem tem carro, às vezes, compra 
lá no [supermercado] Bretas, enche o carro e trás, e, como diz o outro, [...] 
Pra suprir a sua dispensa, tal e tal. Mas e quem num tem? É uma questão 
muito difícil, porque aí a gente tem, tem que, lá no Cruzeiro, nós temo 
pessoa que vende frango, que vende leite, essas coisas assim, verduras, né?! 
Pessoas que plantam verduras nas hortas em casa e vende alface, tudo. Mas a 
                                                        
142 SANTIAGO, 2012. 
143 SANTIAGO, 2012. 
81 
 
gente pensa, assim, por quê que aqui é, [aqui] num desenvolveu? Porque se 
aqui fosse desenvolvido, um desses distrito teria autonomia, né?! Autonomia 
política, que seria, assim, uma coisa muito interessante aqui; mesmo 
indústria, né?! Ter uma indústria aqui ou lá no Cruzeiro porque já tem muito 
espaço, ou aqui ou lá no Cruzeiro, né?! [...] Então, assim, aqui, as pessoas, é, 
diz o pessoal daqui, da Martinésia, que aqui já teve muita coisa, já teve muita 
coisa aqui, quando tinha muita gente, já teve açougue, já teve armazém, 
assim sortido, é, já teve uma farmácia, né?! [...] Então aqui já teve muita 
coisa, mas depois as pessoas foram mudando, foram saindo, foram se 
migrando, foram, sabe?! E aí a, essas coisas foram é, assim, acabando.144 
 
Essa narrativa ressalta uma noção de desenvolvimento como sinônimo de progresso, 
de mudanças graduais que levariam ao crescimento econômico do lugar. Associado à noção 
de capitalismo, o termo aponta a evolução do sistema, sempre em direção de seu 
aperfeiçoamento, que, embora seja seletivo e excludente, torna-se opção nas políticas públicas 
não só municipais. Padre Francisco destaca o que foi perdido, assim como o que é ausência — 
a falta de indústrias e de um comércio mais variado, por exemplo. Nos distritos de 
Uberlândia, faltam farmácias e açougues; existem os armazéns — mas a população reclama 
dos preços. Numa palavra, o comércio é incipiente — é mantido por bares, sobretudo. Nesse 
caso, a indústria seria um sinônimo de progresso: indicaria uma etapa do capitalismo mais 
avançada do que aquela vivida nos distritos durante a década passada: novos produtos, outros 
empregos, maior participação política no município e possível fixação dos moradores. 
A fala do padre, ao mesmo tempo morador e observador dos viveres nesses distritos, 
aponta como a sobrevivência — o trabalho — pressiona145 os moradores; noutros termos, põe 
em xeque a ideia expressa na reportagem citada antes que caracteriza os distritos como 
lugares do passado. Afinal, os moradores enfrentam problemas idênticos aos que os citadinos 
da sede do município enfrentam. Na reportagem, o distrito parece ser mera paisagem de 
casarões antigos, vida pacata e desprovida de gente. Se assim o for, então essa imagem 
                                                        
144 SANTIAGO, 2012. 
145 Edward P. Thompson e Raymond Williams fazem reflexões centrais sobre as relações entre economia, 
política, sociedade e cultura. Thompson põe “[...] em questão a ideia de ser possível descrever um modo de 
produção em termos ‘econômicos’ pondo de lado, como secundárias (menos ‘reais’), as normas, a cultura, os 
decisivos conceitos sobre os quais se organiza um modo de produção”. THOMPSON, E. P. Folclore, 
antropologia e história social. In: ______. A peculiaridade dos ingleses e outros artigos. Campinas: ed. 
UNICAMP, 2001, p. 25. Não há como separar as várias “instâncias” do viver das pessoas: aqui é trabalho, aqui é 
lazer, aqui é religiosidade. Essas instâncias estão absolutamente imbricadas. Assim, poderíamos pensar no que 
diz Williams: “[...] o econômico impõe limites e exerce pressões”? WILLIAMS, Raymond. Base e 
superestrutura na teoria cultural marxista. Revista USP, São Paulo, n. 65, mar./maio 2005, p. 210. Ambos os 
autores pensam no interior do marxismo, logo não desconsideram as questões econômicas; mas não as colocam 
como determinantes — embora reconheçam sua importância: “[...] há um sem-número de contextos e situações 
em que homens e mulheres, ao se confrontar com as necessidades de sua existência, formulam seus próprios 
valores e criam sua cultura própria, intrínsecos ao seu modo de vida” — THOMPSON, 2001, p. 261. Ao fim de 
seu texto, esse autor salienta que as relações produtivas são vivenciadas na vida social e cultural, repercutem nas 
ideias e nos valores humanos e são questionadas nas ações, escolhas e crenças humanas. 
82 
 
possibilita problematizar justamente o quão complexo é viver nesses lugares, porque pouco ou 
nada se difere de viver numa cidade como Uberlândia, de mais de 500 mil habitantes. 
O que diz o padre Francisco indica que esse processo é complexo, porque supõe ir 
além de uma caracterização do distrito como negação da cidade, ou seja, como o “não 
desenvolvido”. Construída e reforçada pelos moradores, pela imprensa, pela academia, a ideia 
do “não desenvolvimento” ajuda a legitimar uma noção dos distritos como lugar da 
decadência: outrora ativos, agora quase inativos (“decadentes”), por causa de um processo de 
transformação da realidade social do campo e da cidade em fins do século XX e início do 
XXI. Entendo que essa noção de “não desenvolvimento” reforçada até pelos moradores é 
mais uma construção discursiva para explicar as transformações que eles estão vivendo. O 
lugar que “não se desenvolveu” serve para alimentar uma possível indústria do turismo rural, 
que busca nos distritos um tempo ido, mas que deixou vestígios e marcas de práticas e 
tradições que suscitam a curiosidade e poderiam ser ali encontradas. (Essa possibilidade de 
exploração se vale da ação da imprensa e da academia). Também serve ao poder público 
como instrumento para angariar votos. 
Com base na fala do padre Francisco, discuto questões que ele levanta, a exemplo 
da modificação da configuração populacional, das relações de trabalho, das 
transformações nas relações pessoais de convivência e, sobretudo, na saída de muitos 
moradores dos distritos em busca de alternativas de vida na cidade. As tabelas a seguir 
oferecem dados estatístico-demográficos que permitem entender mais alguns processos 
dessa questão.  
 
 
TABELA 1 
Município de Uberlândia: população dos distritos (1950–2010)146 
DISTRITO POPULAÇÃO TOTAL 
 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 
Uberlândia distrito-sede 42.810 78.895 111.610 235.554 360.809 492.056 591.361 
Cruzeiro dos Peixotos 3.463 3.065 2.054 1.170 997 1.176 976 
Martinésia 3.086 2.095 2.089 930 927 871 836 
Miraporanga 2.568 2.293 2.297 1.913 2.703 4.985 6.948* 
Tapuirama 3.057 1.934 1.634 1.607 1.625 2.126 3.892 
Total 54.984 88.282 119.714 241.174 367.061 501.214 604.013 
* Esse número inclui moradores dos loteamentos Morada Nova (com exceção do Morada Nova 8) e Uirapuru, 
que somam uma população de 2.459 habitantes 
 
                                                        
146 Cf. MONTES, 2006; UBERLÂNDIA. Prefeitura. Secretaria de Planejamento Urbano. Banco de Dados 
Integrados (BDI). Apresentação, caracterização do território, aspectos demográficos, aspectos institucionais e 
administrativos, sistemas fazendários. 2011. Disponível em: < 
http://www.uberlandia.mg.gov.br/uploads/cms_b_arquivos/1428.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2012. 
83 
 
 
TABELA 2 
Município de Uberlândia: população total (urbana e rural)  
residente nos distritos (1991–2010)147 
 NÚMERO DE HABITANTES 
1991 2000 2010 
Cruzeiro dos 
Peixotos 
Total 997 1.176 976 
Urbana 295 390 482 
Rural 702 786 494 
Martinésia Total 927 871 836 
Urbana 290 330 461 
Rural 637 541 375 
Miraporanga Total 2.703 4.985 6.948 
Urbana 788 115 240 
Rural 1.915 4.870 6.708 
Tapuirama Total 1.625 2.126 3.892 
Urbana 1.268 1.596 1.981 
Rural 357 530 1.911 
 
Os dados expressos nessas tabelas evidenciam a proeminência da população urbana 
em todo o município nas últimas décadas. Pesquisador do assunto, Wenceslau Gonçalves 
Neto148 aponta que, na década de 60, mais da metade dos brasileiros vivia no campo e que, 
nos anos 80, esse porcentual girava em torno de 30%. O município de Uberlândia passou por 
esse processo de reconfiguração populacional, como indica Vera Lúcia Salazar Pessoa149 à luz 
dos censos demográficos: dos 54.984 habitantes do município no decênio de 50, 20.118 
(36,6%) viviam no campo e 34.866 (63,4%), na cidade. Na década de 80, a população somou 
241.180 habitantes — 231.808 residiam no meio urbano; 9.372, no meio rural. Noutros 
termos, 96,2% da população uberlandense vivia na cidade (ou seja, 3,8% continuaram no 
campo). Eis por que cabe dizer que houve uma transformação no perfil populacional: passou a 
ser predominantemente urbano. Enfim, pelos dados da Tabela 1, é possível perceber que entre 
os anos 60 e 80 os distritos perderam população. Se em Miraporanga e Tapuirama a perda 
cessou nas décadas de 1990 e 2000; em Martinésia e Cruzeiro dos Peixotos a população 
continuou a decrescer, com nuances em certos períodos.  
                                                        
147 Cf. MONTES, 2006; UBERLÂNDIA, 2011.  
148 GONÇALVES NETO, Wenceslau. Estado e agricultura no Brasil: política agrícola e modernização 
econômica. 1960-1980. São Paulo: Hucitec, 1997, p.23. O pesquisador trabalha o processo de modernização da 
agricultura, evidenciando as modificações ocasionadas pela ampla intervenção estatal no campo, incentivando a 
inserção de novas tecnologias, via crédito rural, dentre outras medidas. No entanto, mostra as contradições de tal 
processo, uma vez que se privilegiou grandes produtores, determinadas culturas e regiões do país. A 
modernização do campo brasileiro implicou numa significativa reconfiguração populacional devido à elevada 
saída do homem do campo em função desse complexo processo de transformação do meio rural brasileiro. 
149 PESSÔA, Vera Lúcia Salazar. Características da modernização da agricultura e do desenvolvimento 
rural em Uberlândia. 1982. 164f. Dissertação (Mestrado em Geografia) — Universidade Estadual Paulista 
“Júlio Mesquista”, Rio Claro, p. 30. 
84 
 
Os dados estatísticos deixam entrever uma questão-chave: a definição do que seja rural 
e urbano. Em O rural e o urbano: é possível uma tipologia?, estudo derivado de sua tese de 
doutorado em Geografia, defendida na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Eduardo 
Paulon Girardi esclarece que 
 
A definição oficial brasileira de rural e urbano é baseada na lei e desconsidera 
o mensuramento de características como o tamanho populacional, ocupação, 
renda ou pressão antrópica. A classificação baseia-se nas áreas, sendo a 
população classificada como rural ou urbana de acordo com a localização de 
seu domicílio. Para o IBGE são urbanas as sedes municipais (cidades) e as 
sedes distritais (vilas), cujos perímetros são definidos por lei municipal. 
Também são consideradas urbanas as áreas urbanas isoladas, igualmente 
definidas por lei municipal, porém separadas das cidades ou das vilas por área 
rural ou outro limite legal. (IBGE, 2000, v. 7). As áreas rurais são aquelas fora 
dos perímetros definidos como urbanos.150 
 
Nesse trecho, Girardi expõe brevemente o entendimento do Instituto Brasileiro de 
Geografia e Estatística/IBGE (a origem dos dados apresentados) do que seja população 
urbana e rural segundo a localização dos domicílios.151 Esse autor ainda apresenta as vertentes 
                                                        
150 GIRARDI, Eduardo Paulon. O rural e o urbano: é possível uma tipologia? Presidente Prudente, 2008. 
Disponível em: <http://www.geo.uel.br/didatico/omar/modulo_b/a12.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2014, p. 7. 
151 “O IBGE utiliza oito classes de localização da área do domicílio nos censos. Para contabilizar a população 
rural e urbana o instituto agrupa essas classes. Segundo o IBGE a população urbana é formada pelos habitantes 
das seguintes localizações de área: 1. Áreas urbanizadas de cidades ou vilas: ‘são aquelas legalmente definidas 
como urbanas, caracterizadas por construções, arruamentos e intensa ocupação humana; as áreas afetadas por 
transformações decorrentes do desenvolvimento urbano, e aquelas reservadas à expansão urbana.’ (IBGE, 2000. 
v.7, não pag.). 2. Áreas não-urbanizadas de cidades ou vilas: ‘são aquelas legalmente definidas como urbanas, 
caracterizadas por ocupação predominantemente de caráter rural.’ (IBGE, 2000. v.7, não pag.). 3. Áreas urbanas 
isoladas: ‘áreas definidas por lei municipal, e separadas da sede municipal ou distrital por área rural ou por um 
outro limite legal.’ (IBGE, 2000. v.7 não pag.). A população rural é classificada segundo cinco localizações da 
área: 1. Aglomerado de extensão urbana: são os assentamentos situados em áreas fora do perímetro urbano legal, 
mas desenvolvidos a partir da expansão de uma cidade ou vila, ou por elas englobados em sua expansão. Por 
constituírem uma simples extensão da área efetivamente urbanizada, atribui-se, por definição, caráter urbano aos 
aglomerados rurais deste tipo. Tais assentamentos podem ser constituídos por loteamentos já habitados, 
conjuntos habitacionais, aglomerados de moradias ditas subnormais ou núcleos desenvolvidos em torno de 
estabelecimentos industriais, comerciais ou de serviços. (IBGE, 2000, v.7 não pag.). 2. Povoado: é o aglomerado 
rural isolado que corresponde a aglomerados sem caráter privado ou empresarial, ou seja, não vinculados a um 
único proprietário do solo (empresa agrícola, indústrias, usinas, etc.), cujos moradores exercem atividades 
econômicas, quer primárias (extrativismo vegetal, animal e mineral; e atividades agropecuárias), terciárias 
(equipamentos e serviços) ou, mesmo, secundárias (industriais em geral), no próprio aglomerado ou fora dele. O 
aglomerado rural isolado do tipo povoado é caracterizado pela existência de serviços para atender os moradores 
do próprio aglomerado ou de áreas rurais próximas. É, assim, considerado como critério definidor deste tipo de 
aglomerado, a existência de um número mínimo de serviços ou equipamentos. (IBGE, 2000, v.7 não pag.). 3. 
Núcleo: é o aglomerado rural isolado vinculado a um único proprietário do solo (empresa agrícola, indústria, 
usina, etc.) dispondo ou não dos serviços ou equipamentos definidores dos povoados. É considerado, pois, como 
característica definidora deste tipo de aglomerado rural isolado, seu caráter privado ou empresarial. (IBGE, 
2000, v.7 não pag.). 4. Outros aglomerados: são os aglomerados que não dispõem, no todo ou em parte, dos 
serviços ou equipamentos definidores dos povoados e que não estão vinculados a um único proprietário (empresa 
agrícola, indústria, usina, etc.). (IBGE, 2000, v.7 não pag.). 5. Área rural exceto aglomerado: são as áreas não 
classificadas como urbanas ou aglomerados rurais.” GIRARDI, 2008. Disponível em: 
<http://www.geo.uel.br/didatico/omar/modulo_b/a12.pdf>. Acessado em: 28 fev. 2014, p. 22–4. 
85 
 
distintas de entendimento do que seria o rural e o urbano nos estudos geográficos das duas 
últimas décadas.152 Isso porque esse assunto tem sido tema recorrente no debate recente sobre 
a questão.  
No caso dos distritos, cabe notar que a população de suas sedes entra na categoria 
urbana. Assim, embora os distritos uberlandenses sejam aclamados pela imprensa, pela 
academia e pelo poder público muito mais pelo que têm de rural (até os moradores 
apresentam uma identificação forte com o meio rural em seus modos de vida), 
estatisticamente os domicílios distritais são definidos como urbanos. A tranquilidade 
alardeada — os ares de campo — tende, muitas vezes, a escamotear os problemas, as 
dificuldades encontradas pelos moradores, as quais são expressivamente demandas de 
atributos urbanos. 
Os dados estatístico-demográficos citados antes indicam as transformações por que 
passou a sociedade, ou seja, dão indícios de que algo está mudando. Apontam uma alteração 
na feição demográfica do município de Uberlândia. Mas é preciso ter em mente que “Isso 
[os números] é bom para aqueles que gostam de fofocas quantitativas, mas devemos agora 
empreender trabalho sério e questionar: qual o significado da forma de comportamento que 
tentamos calcular?”.153 Mais que alertar, essa prescrição de Thompson — feita em seu 
estudo sobre a Venda de esposas na Inglaterra do século XIX que retoma os números dessa 
prática — inspira a ir além da quantificação estatística, além do aparentemente aclarado 
pelos números; pois entendo que é o significado dos processos sociais quantificados que 
precisa de investigação. Nesta tese, o uso dos dados estatísticos busca subsidiar inferências 
de que houve, de fato, uma transformação significativa na configuração da população 
brasileira, à qual nem o município de Uberlândia nem os moradores de seus distritos 
ficaram incólumes.  
Cabe reiterar a discussão que fiz em minha dissertação de mestrado em História, 
Proprietários rurais do distrito de Martinésia (Uberlândia–MG), sobre parte desse processo 
de transformação do campo, em específico no distrito de Martinésia; onde verifiquei a 
experiência de proprietários rurais que vivenciaram a saída de amigos e familiares do distrito 
e permaneceram, mas não nas áreas urbanas, e sim nas áreas rurais (fazendas e sítios) Essa 
permanência implicou o reordenamento das atividades produtivas e significou transformação 
                                                        
152 Segundo Girardi, “[...] existiriam atualmente duas grandes abordagens sobre as definições de campo e cidade: 
a dicotômica e o continuum”; na primeira, campo e cidade se opõem; na segunda, a industrialização aproximaria 
“[...] o campo da realidade urbana” — GIRARDI, 2008, p. 3. O trabalho desse pesquisador detalha como cada 
vertente interpreta a temática e quais seriam os autores de cada uma. 
153 THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre cultura popular. São Paulo: Companhia das Letras, 
1998, p. 314. 
86 
 
nas relações de convivência entre a vizinhança e nas formas de realizar as festas religiosas. As 
mudanças abarcam processos mais amplos que a produção rural em si. Para muitos 
proprietários de terras de Martinésia, permanecer aí pressupôs substituir culturas de 
subsistência por culturas de mercado. Muitos optaram pela pecuária de leite ou corte, com 
isso os alimentos que eram produzidos na própria propriedade passaram a ser comprados na 
cidade.  
As transformações trouxeram dificuldades, porque implicaram a inserção de novas 
tecnologias nem sempre acessíveis a pequenos proprietários, dados os custos. Com isso, foi — e 
é — preciso elaborar estratégias que permitissem permanecer no campo, por causa da vida que 
este proporciona e de uma relação de afetividade com a terra que vai além do lucro com a 
produção agrícola. Permanecer significa, então, continuar a viver na e da terra — os mais velhos 
têm ainda a renda de aposentadorias; porém, a permanência implica reorganizar as 
propriedades, e isso interfere na organização econômica do distrito. Por exemplo, a pecuária 
emprega um número menor de trabalhadores do que a agricultura como era praticada antes. 
As alterações nas relações de trabalho nesses espaços não podem ser vistas 
isoladamente da realidade social na sociedade capitalista — desigual — em que vivemos. 
Assim, os dados estatísticos citados antes permitem ver que as realidades de cada um dos 
quatro distritos uberlandenses se diferem entre si. Ver que, no período 1980–2000, 
Miraporanga e Tapuirama ganharam população, enquanto Martinésia e Cruzeiro dos Peixotos 
continuaram a perder. Montes cogita que o crescimento da população de Tapuirama na década 
de 90 se vincula à chegada de muitos trabalhadores da Bahia, sobretudo para trabalhar na 
extração de resina no entorno do distrito. A empresa Jurandir Proença Lopes Resinas se 
instalou em Tapuirama em 1993. Segundo informações dos moradores, a empresa diminuiu 
consideravelmente a atuação nessa região. Montes aponta ainda uma possível explicação, 
também, para o crescimento populacional de Miraporanga:  
 
[...] os grandes latifundiários estão se tornando empresas rurais como a 
Cargil (produtora de laranjas) e empregam mais pessoas que as antigas 
fazendas e, também, devido ao assentamento rural conhecido como Maringá, 
que concorreu para aumentar o número de moradores rurais do distrito.154 
 
Deve-se acrescentar aos dados de Montes a inserção, nos últimos anos, da cultura da 
cana-de-açúcar em Miraporanga, que tem atraído pessoas, sobretudo nordestinos, para 
                                                        
154 MONTES, 2006, p. 78.  
87 
 
trabalhar. O cultivo da laranja ainda permanece nesse distrito, agora comandado pela empresa 
Fisher,155 e não pela Cargil.  
De fato, os quatro distritos apresentam cenários diferentes. Mas entendo que as 
transformações vivenciadas pelos moradores de ambos compõem um mesmo processo de 
transformação da sociedade e do campo brasileiros, em especial em fins do século XX e no 
início do XXI. Em conversa com José Luis Biasi, morador de Cruzeiro dos Peixotos, ele 
comenta um pouco essa transformação do campo em seu distrito: 
 
Renata — E as fazendas aqui do entorno, José Luís, o quê que o pessoal faz, 
assim, nas fazendas? Tem plantações... Ou mais é gado...? 
José Luís — É mais, é, hoje é mais é gado, né?! Hoje num tem plantação. De 
primeiro, era muito lavoura, nossa! Era muito trem de colhê, hoje num colhe 
nada, hoje é na cidade. 
Nem hortaliça, nada disso?  
Caiu muito. Vinte ano atrás, era uma febre de, de horta. Hoje num tem isso 
mais. Hoje a coisa deu muito doença, então todo mundo parou. [...] Mexe é 
com gado; e mais: o povo tá partino mais é pro gado de corte, e não o gado 
de leite. Aí que tá, tem muitas doença. Trabalhano no vermelho, então... 
[Risos]. Então, tá indo mais pro lado de gado de corte.156 
 
Igualmente, Luiza Barbosa fala dessa transformação do campo em Cruzeiro dos 
Peixotos: 
 
Renata — [...] o tipo de cultivo... Isso mudou? As pessoas que estão no 
campo [...], você falou que produziam de tudo, hoje parece que não mais? 
Luiza — Mudou, porque, por exemplo, o meu pai, ele plantava pra 
subsistência, né?! Ele plantava o milho, que dava pro ano inteiro, ele 
plantava o arroz que dava pro ano inteiro, é... Criava o porco, criava 
galinha... [...] Então hoje ninguém mais... aqui, por aqui, ninguém planta! Às 
vezes alguém planta o milho, mas é pra fazê silagem e pronto, né?! Criação 
de gado. 
As propriedades estão vivendo mais é da pecuária? 
É, é gado, né?! Cê já compra, põe lá e vive do dinheiro e pronto. 
As plantações já desapareceram? 
É. Aqui por perto, aqui nos, aqui tem uma fazenda aqui embaixo, que hoje 
ela é do Martins, do Celso Martins, lá plantava, hoje é só gado. É uma 
fazenda muito grande! 
                                                        
155 Multinacional de origem brasileira, o grupo Fischer foi fundado em 1932. Segundo informações disponíveis 
no website do grupo, as áreas de atuação são: “[...] produção e industrialização de laranja, e exportação de suco 
de laranja [...] se cercando de cuidados em todas as etapas de seu negócio: cultivo, manejo, produção, 
processamento, estocagem e distribuição. Cuidados esses que se estendem às suas demais atividades como a 
produção e processamento de maçãs e suco de maçãs no Estado de Santa Catarina, e ainda na operação logística 
com embarcações de apoio marítimo às plataformas de petróleo, construção e reforma naval e dragagens 
portuárias”. Disponível em: 
<http://www.cborio.com.br/fischer/fischer/sites/fischer/portal_grupo/grupo_fischer/historia_paginada.html> 
Acessado em: 22 fev. 2012. 
156 BIASI, José Luis. Cruzeiro dos Peixotos, Uberlândia, MG, 30 de agosto de 2012. Arquivo de mp3 (43 
minutos). Entrevista concedida a mim, em sua residência no distrito.  
88 
 
Acho que você já me falou que plantava muita coisa...  
Luiza: E é uma fazenda enorme! Hoje é gado. Não que o gado não seja 
importante, é lógico: tá virano carne, tem muito açougue, tem... Mas é só, só 
gado lá. E mesmo os pequenininho, ninguém mais planta, eles fala que não, 
por que eu num vou ter como pagá trator [...] eu compro! Aí todo mundo 
pensa assim, aí ninguém planta, aí... 157 
 
Luiza e José Luis têm trajetórias parecidas: nasceram na fazenda, depois foram para as 
sedes distritais — viveram quase a vida toda em seus distritos de origem. E ambos apontam 
alterações nas formas de produzir nesse campo: se antes as famílias produziam os alimentos 
necessários à subsistência, hoje essa produção não compensa em virtude dos custos dos 
insumos agrícolas e do maquinário necessário, dentre outros. Para permanecer nesse lugar, os 
proprietários rurais buscam alternativas como mudar a atividade exercida; isto é, adotar a 
pecuária como possibilidade de permanência na terra — produtores maiores têm a 
possibilidade de obter lucros mais elevados, pois a atividade agrícola ficou dispendiosa.  
Essas dificuldades ajudam a entender um pouco a queda populacional nesses dois 
distritos. O relato desses moradores — e de muitos outros — sugere que se mudar para a 
cidade foi o caminho de muitos dessa região em fins do século XX. Cruzeiro dos Peixotos 
vivenciou um leve aumento populacional na década de 1990, mas nos anos 2000 perdeu 
população de novo. Assim, entendo que esse pequeno aumento — vide Tabela 1 — não indica 
mudança nas maneiras de viver, produzir e trabalhar nesse lugar; do contrário, a população do 
distrito não voltaria a decrescer na década seguinte. 
Martinésia e Cruzeiro dos Peixotos vivem, então, uma realidade no mercado de 
trabalho que gira em torno de alguns postos de emprego nas fazendas (como vaqueiro, diarista 
ou na construção de cercas e similares). Entre os distritos, foi instalada, por volta de 2011, 
uma sementeira que, segundo informações dos moradores, é ligada à empresa multinacional 
Bayer e emprega moradores. (Não encontrei mais informações sobre o empreendimento.) Nas 
proximidades de Cruzeiro dos Peixotos, um frigorífico158, uma empresa produtora de adubos e 
algumas pedreiras também empregam moradores do distrito. Muitos trabalham na cidade de 
                                                        
157 BARBOSA, Luiza (nome fictício). Cruzeiro dos Peixotos, Uberlândia, MG, 14 de setembro de 2012. Arquivo 
de mp3 (29 minutos). Entrevista concedida a mim, na escola do distrito de Cruzeiro dos Peixotos. Professora e 
moradora do distrito de Cruzeiro dos Peixotos, ela nasceu numa fazenda do distrito, morou três anos em 
Uberlândia e, após se casar, voltou a morar em Cruzeiro dos Peixotos.  
158 O Frigorífico Luciana, segundo informações do relatório de licença de operação de 2010 da superintendência 
de meio ambiente de Minas, atua nas “[...] atividades de abate de animais de médio e grande porte, 
predominando o abate de bovinos, com média de 150 animais/dia e o abate de suínos, com média de 100 
animais/dia, industrialização da carne, inclusive desossa, charqueada e preparação de conservas, com média de 
18,5 t/dia e o processamento de subprodutos de origem animal para produção de sebo, óleos e farinha, com 
capacidade de 12,5 t/dia [...]”. MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento 
Sustentável. Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Parecer SUPRAM 
— Protocolo 780729/2010 — Processo de licenciamento ambiental 00283/1995/006/2006. Disponível em:  
<file:///C:/Users/Renata/Downloads/ITEM_15.1_Frigor%C3%ADfico_Luciana_Ltda_-_PU.pdf>. Acesso em: 
18 jun. 2013. 
89 
 
Uberlândia, e isso gera dificuldades para os proprietários rurais da região segundo o 
entrevistado Duarte: 
 
Paulo159 — E o povo que mora no distrito, Duarte? Era o mesmo povo? Era 
a mesma gente de sempre ou mudou muito? Como é que é? 
Duarte — Não. Mudou um pouco, é... além daquelas pessoas mais idosa que 
já veio a falecer, tem os familiares, um pouco foi pra cidade também pra 
trabalhar... Hoje tá fácil, porque o ônibus, ele deve fazer aqui, me parece que 
é umas seis corrida por dia, então a maioria das pessoas do distrito tão 
trabalhano em Uberlândia! Nas empresa [atacadista] Arcom, [atacadista] 
União, várias empresa, né?! E então o serviço aqui do, como se diz, do 
campo ficou mais difícil! Porque falta mão-de-obra. [...] Ficou de quem toca. 
Cê não acha pessoas pra prestá serviço. 
E, fala-se muito ou falava-se muito, sr. Duarte, “povo rico de Martinésia”, 
que eram os fazendeiros. Esse povo é o mesmo povo? Os fazendeiros daqui, 
da região... eles produzem a mesma coisa? Como é que... Mudou alguma 
coisa? 
Não, diferenciou muito, porque os grande produtor, que é, que é chamado os 
rico, já faleceram. Aí o quê que aconteceu, né?! Partiu pras famílias. Aí foi, 
foi diminuindo porque... alguns venderam, foram pra cidade, já mudou de 
proprietário, né?! 
E aí não são as mesmas pessoas mais, né?! 
Não, não são as mesmas! É, por exemplo, lá no... porque, eu moro aqui há 
31 anos, mas antes d’eu vim pra cá, eu morava lá no Pontal, Pontal não, 
Mata dos Dias, que chama lá, né?! Lá, na época, tinha uns, deveria ter uns 20 
produtor. Aí, com a morte lá dos mais velho, é, aquilo foi vendido.160. 
 
A fala do senhor Duarte aponta esse processo de transformação das relações 
trabalhistas em Martinésia na medida em que salienta a busca de trabalho na cidade por 
muitos moradores desse distrito; o que supostamente deixa os proprietários rurais sem mão de 
obra para serviços no campo. Acredito que essa alternativa signifique a busca por certa 
estabilidade no emprego, haja vista que o trabalho nas fazendas é esporádico, ou seja, não dá a 
segurança do ganho mensal que oferece o emprego na cidade com carteira de trabalho 
assinada. Ele aponta ainda o desmonte das propriedades pelo parcelamento delas em razão da 
morte dos proprietários; isso gera a divisão entre os filhos, dos quais muitos nem sempre dão 
continuidade ao trabalho no campo e alguns mantêm as propriedades como espaço de lazer. 
Esse parcelamento e a não continuidade da produção agrícola ou pecuária faz os moradores 
desses distritos buscarem alternativas de trabalho; e muitos as encontram na cidade, cujo 
acesso é facilitado pela pavimentação das rodovias e pela integração dos distritos ao sistema 
de transporte coletivo de Uberlândia. 
                                                        
159 Paulo Roberto de Almeida, professor da linha de pesquisa Trabalho e Movimentos Sociais do Programa de 
Pós-graduação em História da UFU, que me acompanhou em várias entrevistas. 
160 JUSTINO, Duarte Cesar. Martinésia, Uberlândia, MG, maio de 2011. Arquivo de mp3 (31 minutos). 
Entrevista concedida a mim. 
90 
 
O relato de dois moradores de Tapuirama sobre as condições de trabalho nesse distrito 
é significativo para refletir sobre a realidade vivida pelos moradores desse lugar. A princípio, 
cito um trecho da conversa em que falávamos das transformações das festas religiosas de 
Tapuirama, quando o senhor Honório fez a seguinte afirmação: 
 
Honório — [...] [A gente] num sabe por quê! Agora, num sabe se é porque as 
época vai mudano, né?! Às vez é as época, né?! Vai mudano... e o povo 
tamém, antigamente tinha muita gente na roça, e hoje já num tem quase 
ninguém, né?! Porque os que tá na roça tá quereno tudo vim pro comércio, 
né?! E a gente num sabe por quê. 
Renata — Ah, isso é uma coisa interessante [...] 
Honório — É. 
A zona rural aqui também, ela tá se esvaziando? 
Honório — Muito, muito. Igual a Suzicarlos [sic], sabe o que eu acho, que 
[é] mais ou menos [igual a Suzicarlei]. 
Suzicarlei — Eu sou um exemplo. 
Honório — Isso, é... 
Suzicarlei — Eu sou um exemplo... [...] 
Honório — Ela, ela veio, pior eu, porque cê vê que eu, igual a gente, que tá 
com 56 ano, toda a vida da gente foi na roça. Toda a vida da gente foi na 
roça! Né?! E praticamente em duas fazenda, né?! Os 56 ano... Então, o quê 
que acontece? É, hoje cabô! Hoje cabô! Hoje, igual, a gente tá fazendo, 
morano, tinha lá, igual, por exemplo, era nóis, era, no caso era duas famia, 
hoje tá só uma, uma tá numa casa emprestada do vizinho. Então e por aí vai 
indo. Vai só esvaziano, esvaziano, esvaziano.161 
 
Esse trecho do diálogo reitera na discussão uma questão já trabalhada quanto aos 
distritos de Cruzeiro dos Peixotos e Martinésia: um campo que se esvazia; e o 
esvaziamento, mais que um fato na fala do entrevistado, mais que um dado, é um 
significado atribuído à realidade vivenciada por ele naquele lugar. Essa interpretação 
carrega um sentimento em relação àquilo que ele narra, pois houve um processo de 
transformação que modificou o viver ali, e o senhor Honório sente esse esvaziamento, 
enfatizado na repetição ao fim da fala citada.  
Suzicarlei reforça sua condição de exemplo desse esvaziamento; e o senhor 
Honório fala desse momento de uma forma que parece lhe causar dor. Afinal, “Toda a 
vida da gente foi na roça! [...] praticamente em duas fazenda [...] os 56 ano... Então, o quê 
que acontece? É, hoje cabô! Hoje cabô!”. Ele reconstrói com certa tristeza essa trajetória e 
ao longo da entrevista narra um pouco de como se deu essa saída do campo: 
 
 
                                                        
161 FONSECA, Honório I. da. Tapuirama, Uberlândia, MG, 21 abril de 2012. Arquivo de mp3 (139 minutos). 
Essa entrevista concedida a mim, em sua casa; FAGUNDES, Suzicarlei. Tapuirama, Uberlândia, MG, 21 abril de 
2012. Arquivo de mp3 (139 minutos). Entrevista concedida a mim na casa do senhor Honório. 
91 
 
Por que o senhor fez essa opção, pela...? 
Honório — Não, lá por quê. Os menino tudo estudaro, né?! Estudaro tal, e 
ficô um comigo lá; aí, esse que ficô comigo resorveu estudá. Aí, nele resorvê 
estudá, pra ficá só eu, aí eu num dava conta. Aí eles tinha que arrumá, [...] 
três [pessoas]; a gente dois, aí precisava mais três. Aí, eles passaro pela ideia 
pra dispensá nóis que arrumava uma famia completa, né?! Aí aconteceu desi, 
aí eles dispensô, porque eles tinha que arrumá uma famia completa, né?!162  
 
A saída do senhor Honório do campo é interpretada por ele como consequência da 
saída dos filhos para estudar. Como se pode depreender, para seus patrões não era mais 
vantajoso mantê-lo com seus familiares na propriedade, pois precisavam de uma família 
maior para o trabalho com o gado. No primeiro trecho citado, ele recompõe essa saída como 
algo que mudou significativamente sua vida, pois afirma que ficou a “vida toda foi na roça”. 
Nesse caso, a saída desse lugar gerou uma transformação na maneira de viver — e uma 
experiência compartilhada por outras pessoas, pois “Hoje cabô! [...] Vai só esvaziano, 
esvaziano, esvaziano”. Como alternativa à saída do campo, ele e a esposa se mudaram para 
Tapuirama, lugar que — em sua visão — proporciona tranquilidade e a comodidade de ter 
transporte fácil; lugar de pessoas conhecidas, que proporcionam a ele e sua família um modo 
de viver parecido com a tranquilidade vivida antes, mas sem as dificuldades da lida na roça.  
 
E a gente veio pra cá. [...] dia 28 agora [abril/2012] faz um ano que nóis 
veio. Mas tá bão! Eu tô sentino bem, acostumei fácil, as coisa mais fácil é 
mió de acostumá, né?! Porque todo mundo fala: “Mas, eh Honório! Maisi, cê 
capaz que deu uma saudade da fazenda e tal?!”. Eu falo assim: “Não, num 
penso mais não, eu tenho as coisa pra mim pensá, agora eu num penso em 
fazenda mais, né?!”. “Ah, o senhor tá com saudade da fazenda”. Eu falei: 
“Não... Já pensô dia que amanhece choveno, 5 hora da manhã, levantá, 
moiano, esse sol quente, né?! Então, tem dia que eu saio ali de fora e fico 
pensano, gente do céu! O povo sofre demais, trabaiá nesse sol, né?! Então 
hoje que a gente pensa o tanto que a gente já sofreu; o tanto que a gente já 
sofreu. Cinco hora da manhã a gente acorda, tá choveno, eu alembro, falo 
nossa!...163 
 
A narrativa do senhor Honório apresenta esse campo que faz parte da referência de 
uma vida toda e, sair desse lugar causa certa tristeza, que é amenizada pelo fato de perceber as 
dificuldades do trabalho que ali se exerce e, nesse sentido, ele busca uma alternativa de vida 
que ao mesmo tempo lembra o viver mais pacato da roça e possibilita uma vida menos 
sacrificante. Penso que o senhor Honório não entende essa saída como perda, mas como uma 
transformação na maneira de viver que, se por um lado, muda o que foi vivido até então, por 
outro, permite vivenciar outras experiências menos penosas. 
                                                        
162 FONSECA, 2012.  
163 FONSECA, 2012. 
92 
 
Em outro momento da conversa houve um diálogo que é significativo, na medida em 
que os dois entrevistados constroem uma leitura sobre a realidade do trabalho hoje em 
Tapuirama: 
 
Renata — E essas mães, elas trabalham...? 
Suzicarlei — A maioria aqui. 
Mas elas trabalham na roça? o quê que elas... 
De um pouco tudo. Porque tem uma facilidade hoje de ter o coletivo, que sai 
daqui de manhã pra levá as pessoas pra trabalhá e à noite trás de volta... 
Aquele que qué trabalhá na cidade, vai pra cidade, aquele que qué trabalhá 
no campo, vai pro campo, é... Cê já deve tê ouvido falá isso por ser de 
Martinésia, o que tá Tapuirama é o primo rico! [risos] 
Não! 
Lá na prefeitura [de Uberlândia], eles fala assim, que Tapuirama é o primo 
rico, que aqui não, é, falta-se funcionário, tanto é que tem, a população aqui 
hoje é de 40% a 50% por cento de fora, mais é os baiano, de mão de obra, 
porque aqui num supre a necessidade de trabalho. 
Tem muito trabalho e pouca... 
Honório: — Muito, muito. 
Suzicarlei – Muita oferta de trabalho e pouco trabalhador. 
Ah! 
Honório — É, Tapuirama pra ser um comércio pequeno, sempre eu comento, 
que pra ser comércio do jeito que é, Tapuirama é um dos lugar que mais 
corre dinheiro. Porque... 
Suzicarlei — [...] primo pobre. [risos] 
Honório — Porque tem muito trabaio, muito serviço, então só num trabaia 
quem num qué. Igual à creche lá, as muié coisa lá, porque umas leva pra 
trabalhá, outras leva pra ficá à tôa, então... isso num é normal, né?! De 
comércio, isso aí é normal, né?! Maisi, Tapuirama é uma das região que 
corre mais dinheiro! Corre mais dinheiro! Pode andá aí contá quantos 
comércio que tem funcionano aí, ninguém tá falano em fechá. É sinal que tá 
bão, né?! E tem ônibus que vai de manhã... é dois, né?! Suze, parece, né?! 
De manhã cedo, 6 [da manhã], vai dois tudo cheio de gente, pra trabaiá, e... 
Suzicarlei — Tem o das 7h [da manhã] também... 
Honório — E isso aí é [...] [Em] Tapuirama, corre dinheiro, Tapuirama é 
muito bão, nesse ponto. 
Renata — E esses empregos, eles são na resina, na extração...? 
Suzicarlei — Na extração de resina, na, na Caxuana que é... madeira... 
Honório — Ih, tem muita coisa, a Monsanto ali, na, na... 
Suzicarlei — Na construção... 
Honório — Na Syngenta... 
Suzicarlei — Na [Dell] também, cês viram aí no caminho aí da... 
Honório — Isso. O pessoal que mexe com lavoura, né?! Dá muito! 
Suzicarlei — [...] Tem os canaviais também, porque as usinas de açúcar, de 
álcool de Uberaba tá aqui pertinho aqui. 
Honório — Também... Isso. Tem outra firma aqui, Eldorado aqui, que mexe 
muito com lavoura, então... É, Tapuirama é muito bão! Nesse sentido aí... 
Suzicarlei — E aqui dentro tem os lavouristas, que plantam, que são muitos! 
Honório — Isso. 
Suzicarlei — São migrantes, vieram do sul, vieram do Paraná... 
São grandes...? 
Honório — São grandes, comporta muita gente... 
Suzicarlei — Vieram de São Paulo...  
93 
 
E plantam o quê? 
Honório — É, soja, milho... Né?! Então, e comporta muita gente... 
E eles contratam essa mão de obra daqui? 
Suzicarlei — É, daqui. 
Honório — Isso. É. 
Suzicarlei — A mão de obra toda é 100% daqui. 
E quando não é suficiente, tem os nordestinos? 
Suzicarlei — E os paranaense também, uai! Tem o pessoal que vem lá do 
Paraná que tá aí no campo tamém. 
Honório — É muita gente que, igual o povo do Paraná que vem... 
Suzicarlei — Essa época da colheita, o pessoal do Paraná vem colhê... 
Renata — Eles vêm ficam aqui e depois voltam... 
Suzicarlei — Vem colhê, vem ajudá na colheta aqui, porque lá eles colhem 
mais cedo, lá no Paraná, eles colhem mais cedo, e eles vêm pra cá. 
Honório — E, e as empresa aqui por perto, cê já observo que sempre tá 
procurano gente em Tapuirama pra trabaiá, né?! 
Suzicarlei — A Plantar teve em Tapuirama essa semana, hoje tá fazeno 
entrevista lá... 
O que é Plantar? 
Honório — A Plantar é uma empresa que tem aí, porque sempre é no centro 
da Igreja ali, precisa de gente [...] 
Suzi — É... reflorestamento. 
Honório — É. 
Suzicarlei — É uma empresa de reflorestamento. Contanto aqui, aqui, o 
serviço pode ser em Tupaciguara, pode ser em Araguari, pode ser em 
Indianópolis, pode ser em Araxá, em qualquer redondeza, mas a fabricação, 
a mão de obra é daqui. 
Honório — E já tá muito bão... 
E tem uma explicação pra eles procurarem aqui? 
Suzicarlei — Isso aí eu num sei não, por quê... 
Honório — Será que porque o povo é bão de serviço, será? 
Suzicarlei — Não sei. Ou será porque a mão de obra é barata! [risos] 
Honório — Ou será que é porque a mão de obra aqui é mais barata será... 
Suzicarlei — Eu não sei a explicação não. 
Honório — É.  
É, isso num é [...] deles não, né?! 
Suzicarlei — A Monsanto, lá pra novembro, por exemplo, a gente sabe um 
contrato [...] que eles teria 300 funcionário aqui em Tapuirama. 
Honório — Hein! 
Suzicarlei — Eu acho que é só pra consegui uns... [65], e o restante eles 
foram buscá lá em Araguari. Um contrato de três mês! Porque geralmente é 
essa quantidade de tempo que, três mês termina a [fábrica] terminô o 
serviço. Mas todo mundo já vai consciente disso, então... Mas que a procura 
aqui é grande, é. 
Honório — Agora, eu acho que pro lado de cá, pro lado de Uberlândia eu 
acho que a procura é grande cê sabe por quê? Por causa dos coletivo. 
Suzicarlei — É, por quê? 
Honório — Porque já tem os coletivo pra ir, então a pessoa sente fácil pra ir, 
né?! E as empresa sente fácil pra procurá. Então isso aí ajuda muito. 
Suzicarlei — É.  
Honório — É já tá... ajuda muito. 
Suzicarlei — Coletivo passa na porta, passa lá dentro. 
Honório — É. Ajuda muito, nesse sentido.164 
                                                        
164 FAGUNDES, 2012; FONSECA, 2012. 
94 
 
Nesse trecho de diálogo, os interlocutores recompõem uma imagem da realidade do 
trabalho hoje em Tapuirama. Nas primeiras falas citadas do senhor Honório, ele apresenta um 
campo que vai se configurando de outras formas pelo esvaziamento de população; e nesse 
último trecho, ele e Suzicarlei trazem para o diálogo uma Tapuirama transformada pela 
presença de empresas de grande porte que atraem moradores para o distrito; a exemplo de 
trabalhadores oriundos de Jacobina, BA, na década de 1990, para trabalhar na extração de 
resina, conforme o estudo de Juliana Lemes Inácio, que constrói uma reflexão sobre a 
chegada deles ao distrito. 
Em sua dissertação de mestrado, “A gente tem que ficar onde tem serviço”: memórias 
e experiências de trabalhadores no distrito de Tapuirama, Uberlândia-MG,165 Juliana Lemes 
aborda as relações de trabalho, a moradia, os costumes e as relações com o meio rural, as 
instituições e com a cidade de Uberlândia. Finda em 2007, sua pesquisa já apontava 
diminuição da atividade de extração, diga-se, indicava a busca de alternativas de trabalho na 
medida em que alguns trabalhadores voltam para a terra natal, enquanto alguns mudam de 
região e outros permanecem no distrito, onde procuram postos de trabalho. Ela salienta 
aspectos das condições de trabalho na extração da resina: 
 
Os trabalhadores são transportados de Tapuirama para a floresta em um 
ônibus da empresa. Eles saem de casa por volta das seis da manhã e 
aguardam o veículo em pontos determinados dentro do Distrito — sendo que 
pelo menos dois deles localizam-se próximos às “vilas” onde moram — e 
começam a trabalhar às sete horas. Pela manhã um fiscal lhes dá a tarefa a 
ser cumprida e o horário do término da jornada dependerá do desempenho de 
cada trabalhador. No entanto, se ela for terminada mais cedo o trabalhador 
deve aguardar o ônibus que deixa a floresta somente às dezesseis horas, 
chegando a Tapuirama às dezessete horas.166 
 
Esse trecho contém elementos das relações de trabalho nesse espaço; por exemplo, o 
fiscal que distribui as tarefas. Nesse caso, o pagamento se condiciona à produção do 
trabalhador: sua remuneração depende de sua capacidade de produzir, o que alguns 
trabalhadores interpretam como certa liberdade, pois teriam a possibilidade de aumentar seus 
ganhos. Mas — salienta Juliana Inácio — o ganho por produção significa aprisionamento do 
trabalhador: “[...] o indivíduo passa, ele próprio, a se disciplinar e a se vigiar, e não o seu 
patrão. Sozinhos em meio à floresta, eles buscam produzir a tarefa do dia, pois dependem 
dessa realização para garantirem seus ganhos ao final de cada mês”.167 A citação permite 
                                                        
165 INÁCIO, 2008.  
166 INÁCIO, 2008, p. 78. 
167 INÁCIO, 2008, p. 76. 
95 
 
ainda discutir a locomoção e a rotina dos trabalhadores. O meio de transporte é um ônibus 
com horários predeterminados para transitar — o que obriga o trabalhador a permanecer na 
floresta mesmo que tenha findado sua tarefa.  
Obviamente, o almoço acontece no local de trabalho e 
 
[...] constitui um espaço de convivência dos trabalhadores. Quando tive a 
oportunidade de visitá-los na Floresta do Lobo, alguns deles, deitados aos 
pés das árvores, conversavam enquanto descansavam ou escutavam músicas 
no rádio de pilha que levam para o serviço. O almoço acontece em meio à 
floresta e não tem um lugar fixo, geralmente os trabalhadores escolhem um 
lugar limpo. A comida é preparada em casa pela madrugada ou na noite 
anterior e acomodada em marmitas térmicas. Quando chegam ao trabalho 
eles reservam um lugar próximo e de fácil localização para deixá-las até o 
horário do almoço, quando geralmente a comida já não está mais quente.168 
 
Compartilhado pelos trabalhadores no ambiente possível na floresta, o momento da 
refeição constitui, segundo a interpretação da autora, um espaço de convivência, pois 
conversam e trocam experiências, falando da vida e de assuntos variados. Trata-se de um tipo 
de trabalho feito majoritariamente por homens, pois a execução das etapas de extração requer 
muita força. Em 2006, os ganhos mensais variavam de R$ 450 a R$ 600, segundo diz a autora 
com base em relatos dos trabalhadores. Noutros termos, dado o salário mínimo à época, R$ 
350, a remuneração mensal desses trabalhadores não chegava a dois salários mínimos. 
A pesquisa de Juliana Inácio problematiza outras questões que merecem destaque. Por 
exemplo, o relacionamento de trabalhadores migrantes com os moradores de Tapuirama. 
 
No espaço social onde se relacionam, os trabalhadores convivem com 
imagens negativas sobre eles, construídas a partir da idéia de senso comum 
de que “baianos são preguiçosos” e daquelas elaboradas pela imprensa, a 
partir de uma visão de classe, que veicula uma não aceitação daqueles que 
vêm de fora, pois eles retirariam as oportunidades dos “naturais da cidade”. 
Nesse sentido, as pessoas constroem estratégias de afirmação de seus lugares 
sociais e de seus valores, buscando desconstruir os modos como são vistos 
por outros no espaço público no qual se relacionam. [...] Alguns moradores 
de Tapuirama, em conversas informais, afirmam que depois da chegada dos 
“baianos”, como denominam aqueles trabalhadores, eles deixaram de 
freqüentar os bares do Distrito com amigos ou com a família porque estes os 
transformaram em lugares de confusão e de brigas. Mas relações de 
confiança também são vividas por eles [...].169 
 
Esse trecho deixa entrever os meandros das relações que os trabalhadores estabelecem 
no cotidiano do distrito: ora são vítimas do preconceito — porque são tidos como arruaceiros 
                                                        
168 INÁCIO, 2008, p. 80. 
169 INÁCIO, 2008, p. 86. 
96 
 
pelos moradores do lugar; ora são percebidos na igualdade de condição: trabalhadores dignos 
de respeito tanto quanto os nativos de Tapuirama. O distrito é, portanto, um espaço onde os 
embates são travados e os conflitos são experimentados pelos sujeitos em suas condições de 
classe trabalhadora que busca condições de vida mais dignas e enfrentam problemas que vão 
além do ambiente de trabalho propriamente dito. 
Essa ideia de alternativas de trabalho dos moradores oriundos de outras regiões e dos 
nativos permeia a fala de Honório e Suzicarlei, que demarca a chegada do “agronegócio” à 
região, traduzido por empresas como Monsanto, Syngenta, Caxuana, Plantar e Eldorado.170 
Ambos falam da busca constante de mão de obra para essas empresas em Tapuirama, embora 
ressaltem o caráter temporário de muitos postos de trabalhos oferecidos por essas companhias. 
Também indicam a presença de paranaenses: os que vieram para investir no distrito e os que 
vieram para trabalhar (nos investimentos). Os investidores arrendam terras, compram 
propriedades e plantam grãos; para colher as lavouras, trazem mão de obra da região Sul. 
Parte das pessoas que vêm fica alojada nas fazendas onde trabalham, parte divide casas na 
área urbana. Trata-se, portanto, de dois grupos distintos de migrantes: capitalistas investidores 
e pessoas que buscam o distrito como alternativa de trabalho. 
Quando os provoquei perguntando se sabiam por que essas empresas buscavam mão 
de obra em Tapuirama, Honório respondeu com uma pergunta, que me pareceu um tanto 
retórica: “Será que porque o povo é bão de serviço, será?” (grifo meu); assim como 
Suzicarlei: “Não sei. Ou será por que a mão de obra é barata? [risos]”. A entonação de 
pergunta dada por Honório a sua fala parece ocultar um sentido que a fala Suzicarlei explicita: 
há uma mão de obra que supre as necessidades das empresas, mas é mal-remunerada. Não se 
pode tomar o que dizem como pura especulação; afinal, são moradores do lugar que 
vivenciam a realidade da população; Suzicarlei é presidente da associação de moradores do 
distrito e, como tal, trava contato com muitos que a procuram para expor necessidades; com 
                                                        
170 A Monsanto é uma multinacional com sede nos Estados Unidos que atua no Brasil desde a década de 1960. 
Em Uberlândia, segundo informações do website da empresa, atua no processamento de sementes de milho, 
sorgo e algodão, na pesquisa e no desenvolvimento de sementes e na pesquisa em biotecnologia. MONSANTO. 
Histórico. Disponível em: <http://www.monsanto.com.br>. Acesso em: 12 dez. 2012. Resultado da fusão entre 
as companhias Novartis Agribusiness e Zêneca Agrícola, Syngenta surgiu em 2000 como multinacional anglo-
suíça com sede em Basileia, Suíça. Em Uberlândia, ela mantém um centro de pesquisa. Segundo informações do 
site da empresa, a “A unidade de Uberlândia reúne diversas técnicas avançadas de pesquisa em sementes, que 
permitem o desenvolvimento de híbridos de milho e variedades de soja adaptadas às necessidades dos 
agricultores brasileiros”. SYNGENTA. Syngenta investe em centro de pesquisa em Uberlândia. Disponível 
em: <http://www.syngenta.com/country/br/pt/imprensa/releases/Pages/228.aspx>. Acesso em: 12 dez. 2012. Em 
2010, investiu R$ 25 milhões no melhoramento e na ampliação do seu centro de pesquisa em Uberlândia. A 
Caxuana explora a comercialização de produtos florestais. Sua sede fica no município de Nova Ponte, rodovia 
Uberlândia–Araxá, a mesma que dá acesso a Tapuirama. Foram encontradas poucas informações sobre as 
empresas Eldorado e Plantar; sabe-se que a primeira atua no plantio de grãos como soja e milho e a segunda 
trabalha com reflorestamento. 
97 
 
isso, é provável que conheça mais a fundo a realidade do trabalho e a vida da população 
trabalhadora.  
Outro trecho da fala de Honório — “Porque tem muito trabaio, muito serviço, então só 
num trabaia quem num qué” — parece indicar o momento atual como de maior oferta de 
trabalho. Se assim o for, então creio que tal leitura se relacione com sua experiência pregressa 
de trabalho sacrificado no campo; por exemplo, hoje — diz ele — o ônibus facilita a vida, 
abre o leque de possibilidades. Contudo, embora haja oferta de trabalho, a remuneração nem 
sempre é satisfatória, daí que essa ocupação é muitas vezes provisória. Juliana Inácio aponta 
esse traço de provisoriedade que, muitas vezes, marca o trabalho; e o faz com base na fala do 
morador de Tapuirama Odinei da Silva Fonseca, que tinha 25 anos de idade à época da 
entrevista (julho de 2006). À pergunta sobre o emprego no distrito ele respondeu assim:  
 
Tapuirama tem bastante serviço, só que nada de carteira assinada, só mais 
trabalho informal mesmo. Igual quando eu voltei pra cá, tá com oito meses, 
nove meses, até hoje não consegui arrumar um emprego de carteira assinada, 
mais eu não fiquei nenhum mês parado, sempre estou trabalhando, mais nada 
de carteira assinada. Agora eu num sei se é por ser um local pequeno 
mesmo, a cultura das pessoas não é de assinar a carteira, eu acho que 
trabalho tem bastante, tem muito trabalho, só que.... os famosos bicos, né? É 
o trabalho informal, geralmente curtos períodos, mais sempre quando 
termina um trabalho já tem outro aí pra você fazer.171 
 
A fala de José Luis e de sua filha, Nadia, permite aprofundar essa discussão: 
 
Renata — E você acha que o Cruzeiro mudou? 
José Luís — Muito. 
O que mudou aqui? 
Ichi! Mudou... mudou o tipo de viver. Cruzeiro não tem pobreza, pra falá a 
verdade. 
Não tem pobreza? Por que o senhor acha? 
Não tem pobreza, todo mundo... Pobreza assim, que eu falo ó... 
Miséria? 
É, miséria. O cara aqui não passa fome. O cara tem, todos é, têm o seu 
salarinho, todo mundo se vira, num tem aquele negócio de ficá pedino na 
porta do outro. Tudo, é tudo... 
O que essas pessoas fazem da vida aqui? O que tem de trabalho aqui? 
Uai, a maior parte do povo do Cruzeiro hoje é aposentado. 
Nádia — Não, mas tem, por exemplo, pessoas que trabalham na pedreira da 
região, é... 
José Luís — Na fazenda, mora aqui vai pra fa... 
Nádia — Fazenda, é, como que fala? É, quando é um vaqueiro, algum 
funcionário de alguma fazenda. Hoje em dia também, como tem o coletivo, 
então um monte de pessoas, é, trabalha em indústria na cidade, até trabalha 
de doméstica, as mulheres vão trabalhá lá de doméstica, na escola... 
                                                        
171 INÁCIO, 2008, p. 49. 
98 
 
José Luís — E de primeiro não tinha isso. De primeiro o sujeito tinha que 
trabaiá por dia e quando achava dia de serviço, né?! Baratinho, né?! Hoje 
todo mundo ganha bem, e tá vivendo sua vida bem mesmo. [...] Ih! Hoje a 
vida é muito melhor. É hoje, qualquer pessoa tá bem, né?! Que o salário tá 
ótimo. Num sei o salário mínimo, mas [...] é 50, 60 conto por dia, livre, né?! 
Então transforma em um bom salário, né?! Bom, pra pobre, né?! Pra pobre 
que num tem estudo, né?! Quem tem estudo é outra coisa, né?! [Risos]172 
 
As falas de Honório, Odinei, José Luis e Nadia permitem dizer que veem esses 
distritos como lugares que têm opções de trabalho: desde serviços nas fazendas, passando por 
empregos nas empresas do entorno, até a busca da cidade como alternativa — como no caso 
citado por Nadia de mulheres que vão para a cidade trabalhar como diaristas e domésticas.  
Entretanto, por mais que apresentem os distritos como prósperos, essas narrativas 
tocam num ponto-chave: a remuneração. José Luis entende que os moradores de Cruzeiro dos 
Peixotos não vivem em situação de miséria, mas entende que o salário (entre R$ 1,5 mil e R$ 
1,8 mil) é bom pra quem não tem estudo; para os que têm, seria insatisfatório. Em conversa 
com um comerciante desse distrito que não quis gravar entrevista, ele fez uma consideração 
que, aliada a essa fala de José Luis, leva a pensar em quais são as oportunidades de trabalho 
na região. Ainda que esses moradores busquem alternativas, nem sempre a remuneração 
recebida é satisfatória; impede a miséria absoluta — como diz José Luis —, mas não 
proporciona ganhos relevantes. Segundo o comerciante, “[...] em Cruzeiro, o consumo é de 
segunda”, como no caso da cerveja; ele diz que vende, sobretudo, as marcas mais baratas, pois 
as mais caras não têm saída no comércio do local. 
Essa dimensão do trabalho — do significado que tem e das expectativas dos sujeitos 
em relação às oportunidades encontradas — parece se vincular muito com a experiência 
pregressa das pessoas. Em conversa não gravada com uma moradora de Miraporanga oriunda 
do Vale do Jequitinhonha, perguntei-lhe por que se mudou para o distrito e ela respondeu que 
o motivo foram as condições de trabalho na sua terra, que eram menores que aqui na região, 
conforme conhecidos dela haviam relatado para sua família. Quando eu perguntei a ela se 
aqui era melhor, a resposta foi que em Miraporanga ela e o marido trabalhavam de carteira 
assinada e ganhavam mais – na sua região o ganha diário ficava em torno de R$15, segundo 
ela – , o que a faz reafirmar que Miraporanga é bem melhor que sua terra natal. 
Essa moradora avalia como positiva a experiência de trabalho que ela e seu marido 
têm em Miraporanga. Além de a renda ser maior, ela e ele tiveram a oportunidade de 
                                                        
172 BIASI, José Luis. Cruzeiro dos Peixotos, Uberlândia, MG, 30 de agosto de 2012. Arquivo de mp3 (43 
minutos). Entrevista concedida a mim em sua residência no distrito; BIASI, Nadia Giaretta. Cruzeiro dos 
Peixotos, Uberlândia, MG, 30 de agosto de 2012. Arquivo de mp3 (43 minutos). Entrevista concedida a mim. 
99 
 
trabalhar formalmente em uma granja nas proximidades do distrito; e ela valoriza o 
registro na carteira de trabalho. Talvez porque — como disse na continuidade da conversa 
— estivesse passando por um período de afastamento profissional por causa de problema 
na coluna vertebral. Logo, o registro em carteira — o emprego formal — teria lhe 
permitido se afastar com remuneração; isto é, sem ter de mudar o padrão de vida da 
família. Apesar desse problema de saúde — provocado talvez pelo trabalho da coleta de 
ovos na granja (ela não disse) —, ela interpreta a realidade do presente em comparação ao 
seu passado de sacrifício e, mesmo com a saúde fragilizada possivelmente pelo tipo de 
trabalho que executa, ela não relativiza essa leitura, ou seja, a condição do presente é 
avaliada como melhor em relação ao passado. 
O campo nesses distritos — e no município todo — é um campo transformado e 
em transformação, composto de propriedades pequenas, como em Cruzeiro dos Peixotos e 
Martinésia, cujos habitantes sentem e vivenciam os efeitos da lógica de produção 
capitalista — a lógica do agronegócio. Mais que isso, dão respostas, reelaborando, 
adequando-se ao que é possível nesse universo de transformações. Essa lógica capitalista 
chega não só pela presença de empresas multinacionais como Monsanto e Syngenta a 
Tapuirama, mas também pela interferência nas propriedades pequenas; dados os custos de 
produção e a dificuldade de crédito, os proprietários têm de modificar suas atividades 
produtivas — por exemplo, optando pela pecuária. Nesse sentido, embora os quatro 
distritos apresentem peculiaridades — que busquei trabalhar até aqui —, entendo que 
todos vivenciam a lógica do agronegócio: a transformação do campo. Com efeito, 
vivenciam-na de maneiras diferentes; mas é provável que esse processo aconteça, seja 
pela presença de multinacionais do agronegócio ou pelas dificuldades de produção 
introduzidas por essa lógica, que implicam mudanças de vida e de trabalho para manter as 
propriedades. 
As transformações se evidenciam ainda na presença de certas culturas na paisagem dos 
distritos. Em Tapuirama e Miraporanga, por exemplo, o cultivo da cana-de-açúcar se impôs 
— e não sem modificar esses espaços. Em conversa com dona Josefa, ela relata um pouco 
dessa mudança recente de Miraporanga:  
 
Renata — E ele desenvolve alguma atividade, agrícola, pecuária? 
Josefa — Não, o meu marido, ele é veterinário. Então, assim, eles têm 
assim... ele só mexe mais com gado na fazenda também, ainda, né?! Ainda 
não foram... é... a gente fala assim, picado pela doença da cana, da cana, né?! 
100 
 
Por que aqui, dos grandes proprietários, todos tão entregando as fazendas pra 
plantação de cana, infelizmente, né?! Alguns venderam, os, os pequenos 
produtores, que assim, não tinha, né!?... Pouca terra, venderam. E os maiores 
tão arrendando pro plantio da cana, né?! Infelizmente. Agora nós 
continuamos lá com gado [risos].173 
 
Nesse momento da entrevista, conversávamos sobre a trajetória de sua família. Dona 
Josefa contou que ao se casar se mudou para uma fazenda no distrito de Miraporanga, de onde 
saiu para que os filhos pudessem estudar. Seu marido vendeu a propriedade, mas o sogro 
ainda mantém uma fazenda, cuja atividade é a pecuária. Ela está ciente da realidade que o 
distrito vivencia: a presença da cana-de-açúcar; cujo cultivo em larga escala ela vê como uma 
“doença”. Ao longo de nossa conversa, seu relato deixou claro o porquê dessa interpretação: 
essa cultura modifica a paisagem e extingue propriedades, sobretudo as pequenas, que não 
sobrevivem ao avanço do cultivo. Nesse sentido, mais que o desgaste ambiental (o 
esgotamento dos recursos minerais do solo, por exemplo), o cultivo da cana-de-açúcar 
modifica o espaço e, com isso, as relações de trabalho. 
 Rossevelt José dos Santos e Karen Cristina de F. G. Albino fazem um estudo da 
geografia da cana-de-açúcar no Triângulo Mineiro e apresentam números significativos. 
Segundo eles, em 1975 a região respondia por 7,6% da produção de Minas Gerais; em 1988, 
esse índice subiu para 37%, maior do estado.174 Ainda segundo esses autores, o aumento do 
cultivo da cana está intimamente relacionado ao esgotamento das fontes de energia não-
renováveis e a consequente busca por outras fontes energéticas, o que gera a intensificação do 
plantio nas áreas onde ela já se fazia presente e também a busca por novas áreas.175 Esse 
processo, possivelmente, tem relação com a configuração populacional expressa nas tabelas 1 
e 2 (vide p. 82 e 83), pois implica a busca de mão de obra para trabalhar com essa cultura, ou 
seja, implica a chegada de população para ocupar os postos de trabalho, como em 
Miraporanga. 
Dada essa presença da cana-de-açúcar, pareceu coerente entrevistar trabalhadores das 
usinas. Conheci um casal que trabalha em uma usina de cana nas proximidades de 
Miraporanga desde sua implantação, por volta de 2010.  
 
 
 
                                                        
173 FERREIRA, Josefa (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 25 de fevereiro de 2012. Arquivo de mp3 
(30 minutos). Entrevista concedida a mim na Escola Municipal Domingas Camin.  
174 SANTOS, Rossevelt Jose dos; ALBINO, Karen Cristina de Fatima Guedes. A geografia da cana-de-açúcar 
em Uberlândia e na região do Triângulo Mineiro. Horizonte Científico, v. 5, n. 2, 2011, p. 2. 
175 SANTOS; ALBINO, 2011, p. 3. 
101 
 
Renata — E na usina tem muita gente trabalhando? 
Rita — Tem muita. Tem muita gente, muita gente! 
E é muita gente de fora, tem gente daqui? Como que é? 
Luis — Tem do Maranhão, tem da Alagoas, tem do Pernambuco, só do 
Pernambuco chegou trezentos esse mês passado [janeiro de 2012].  
Mas aí eles num vêm pra morá, eles vêm... 
Luis — É, da Bahia chegou duzentos e tanto. 
Rita — Vem, sô! Morá... Aqui mesmo mora muita gente... 
Luis — E daqui de Uberlândia, de Uberaba e Patos é... Não, lá, pra senhora 
vê, que lá é que nem formiga caminhano, quando é hora de batê o ponto de 
tardezinha, é uma fila enorme! Qué vê gente é lá... 
Mas eles moram aqui? 
Rita — Mora um pouco aqui na vila, outros moram no Prata, outros mora em 
Uberaba.176 
 
 Segundo Rossevelt José dos Santos e Karen Cristina de F. G. Albino, as usinas são 
“[...] a unidade produtora que agrega as plantações e a maior parte da dinâmica de produção e 
escoamento desta cultura [...]”.177 E dona Rita e seu Luis falam um pouco desse espaço de 
trabalho — a usina —, apresentando-o como lugar de muitos trabalhadores, sobretudo pessoas 
de regiões como o Nordeste. O senhor Luis relata que há maranhenses, alagoanos, 
pernambucanos e baianos, que vão para o distrito a fim de trabalhar no plantio da cana-de-
açúcar; segundo o casal, o trabalho de corte dessa usina já está mecanizado. Os dois ainda 
relatam que esses trabalhadores moram não só em Miraporanga, mas também no município de 
Prata, Uberaba, Veríssimo e Campo Florido. Existem os acampamentos nas usinas para esses 
trabalhadores. No caso de quem mora em Miraporanga, por exemplo, a usina contrata um 
ônibus para levar e buscar, pois há trabalhadores terceirizados que fazem o serviço de 
manutenção da usina após a safra e trabalham por contrato. (Numa das visitas que fiz a 
Miraporanga, soube de um grupo de trabalhadores de São Paulo que estava nesse distrito para 
trabalhar em uma construção na usina.) Senhor Luis usou a metáfora da formiga para que eu 
pudesse compreender um pouco do que relatava sobre seu local de trabalho: um local repleto 
de pessoas, o que ele visualiza no momento de bater o ponto, quando todos entram na fila. 
O casal — senhor Luis e dona Rita — vive em Miraporanga há 11 anos. Ela tinha 
familiares que vieram para o distrito antes dela para trabalhar na cultura da laranja; ele, já em 
1984, deixava a família no Ceará para trabalhar em Miraporanga na colheita de café. Finda a 
safra, voltava para sua terra. Fez isso durante seis anos, até se mudar de vez com a família. 
                                                        
176 RIBEIRO, Rita; RIBEIRO, Luis (nomes fictícios). Miraporanga, Uberlândia, MG, 25 de fevereiro de 2012. 
Arquivo de mp3 (34 minutos). Entrevista concedida a mim. 
177 SANTOS; ALBINO, 2011, p. 12. 
102 
 
Após se instalarem no distrito, trabalharam na cultura da laranja. Na usina,178 trabalham desde 
que esta entrou em atividade. Ao longo de toda entrevista, ambos se referiram às qualidades 
do lugar onde trabalham: a imensidão das lavouras de cana-de-açúcar e os números não só da 
produção, mas também de empregos gerados. Dona Rita compara o trabalho de antes com o 
de hoje na usina: 
 
[...] quando eu trabaiava na laranja, subino escada, desceno com sacola de 
laranja pesada que eu vivia me acabano! Eu vivia bem magrinha! De trabaiá 
nos, na roça. Depois que eu tô na Usina, [...] engordei um pouquinho, por 
quê? Porque é mais sossegado, né?! Na sombra! Eu trabaio na sombra, num 
é no sol! Sossegado! Pra mim, eu, eu adoro trabaiá lá. Gosto, nossa! Adoro 
as pessoa!179 
 
Ela começou a trabalhar na plantação, agora trabalha na copa, ou seja, internamente. 
Não só nesse trecho, mas ainda em outros ela menciona como a usina mudou a vida dela para 
melhor. Com efeito, sua experiência e a experiência de sua família evidenciam a mudança que 
esse emprego gerou na vida deles: antes dependente da colheita do café — que é sazonal, ou 
seja, instável — hoje seu marido tem um emprego que proporciona à família certa segurança e 
uma vida mais digna em condições financeiras menos instáveis. 
Em minhas conversas com moradores de Miraporanga, eles relataram que os postos de 
trabalho nesse distrito provêm, maciçamente, da cultura da laranja — liderada pela empresa 
Fischer —, da usina de cana-de-açúcar, das granjas e de trabalhos em fazendas. Na usina, o 
trabalho não está restrito à lida direta com a plantação, pois muitos trabalhadores são 
recrutados para as construções feitas na usina e são serviços terceirizados. A presença da 
usina, nas proximidades do distrito, modifica não só a paisagem, mas também as relações que 
se estabelecem nesse lugar. Muitas mulheres, por exemplo, trabalham como diaristas nas 
casas de trabalhadores que têm de fazer algum serviço na usina. Dona Jerônima comenta essas 
questões:  
                                                        
178 A usina onde os entrevistados Luis e Rita trabalham é a Vale do Tijuco, localizada no município de Uberaba. 
É a primeira das três que compõem o complexo da Companhia Mineira de Açúcar e Álcool (CMAA). “Instalada 
no Triângulo Mineiro em 2006, a CMAA é uma sociedade de participações (holding) de capital aberto, com 
registro na CVM – Comissão de Valores Mobiliários desde 2009, e que por meio de unidades controladas do 
ramo sucroalcooleiro (usinas), utiliza a cana-de-açúcar como principal matéria prima para a produção de etanol, 
açúcar e co-geração de energia elétrica. Para isso, a CMAA vem trabalhando para a implantação e 
aprimoramento de seu complexo industrial, que inicialmente será formado por 3 grandes usinas, localizadas 
próximo às cidades de Uberaba, Uberlândia, Veríssimo e Prata, e que juntas processarão milhões de toneladas de 
cana por ano, produzindo etanol, açúcar e energia elétrica com capacidade suficiente para abastecer uma cidade 
de aproximadamente 720 mil habitantes.” COMPANHIA MINEIRA DE AÇÚCAR E ÁLCOOL/CMAA. 
Institucional. Disponível em: <http://www.cmaa.ind.br/companhia-mineira-de-acucar-e-alcool/>. Acesso em: 
22 out. 2012.  
179 RIBEIRO, 2012. 
103 
 
 
Renata — As mulheres [...], muitas delas trabalham? 
Jerônima — Trabalha. Dia de semana é difícil de cê vê uma mulher em casa. 
Tá tudo fora, trabalhano.180  
 
A entrevistada tem essa percepção talvez por que conheça bem Miraporanga, isto é, 
conheça bem muitos trabalhadores dali, vivencia a realidade de muitos deles, pois lhes 
fornece marmitas, logo, ouve o que contam. De fato, andar nas ruas do distrito durante a 
semana é ver poucas pessoas circulando. No fim semana, porém, as pessoas se reúnem em 
grupos, em especial nos bares. Ante a ausência de opções de lazer, o bar funciona como 
espaço de diversão, estimulada pelo consumo de bebida e, muitas vezes, embalada pela 
música. Ficam abertos mesmo durante a semana, quando são frequentados mais pelos 
moradores; no fim de semana, os frequentadores incluem visitantes da cidade de Uberlândia e 
de cidades vizinhas. 
Os moradores dos distritos reclamam das opções restritas de lazer, dentre as quais 
estão as festas religiosas como alternativa de diversão. Em Miraporanga, porém, parece 
que nem elas conseguem reunir grande número de pessoas; é como se não fizessem mais 
muito sentido para os moradores. Afinal, são realizadas pelos que moram no lugar há mais 
tempo. Sobrevivem, por exemplo, as festas de Santos Reis. Além disso, a Igreja Católica 
parece ter perdido espaço em Miraporanga. Como o padre visita esse distrito local uma 
vez por mês, a população acaba recorrendo às igrejas evangélicas. Daí que as festas de 
cunho mais religioso direcionadas pela Igreja Católica perderam lugar. Nos outros três 
distritos, a presença e atuação da Igreja Católica preponderam mais que as de outras 
denominações religiosas. 
Em Miraporanga, os moradores associam a realização das festas religiosas com o 
passado. Santos e Albino interpretaram o que tem ocorrido no tocante a festas tradicionais em 
Miraporanga nestes termos:  
 
Quanto aos caracteres herdados daqueles que iniciaram o povoamento da 
região, têm se tornado cada vez mais escassas as expressões culturais locais 
no distrito. Festas como a Folia de Reis, a de Nossa Senhora do Rosário e a 
Congada são realizadas pelas poucas famílias que ainda cultivam o valor 
pelas práticas antigas, sem haver, todavia, a comunhão destes rituais com 
toda a população.181 
 
 
                                                        
180 PEREIRA, Jerônima (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 18 de março de 2012. Arquivo de mp3 
(19 minutos). Entrevista concedida a mim em sua casa.  
181 SANTOS; ALBINO, 2011, p. 19–20. 
104 
 
A academia constrói interpretações da realidade social sobre a qual pesquisa. No 
caso desse texto, seus autores veem essas festas como algo a ser mantido pela população 
para preservar as origens do lugar; nesse caso, estariam as festas deslocadas da realidade 
social que o distrito vivencia. Se for correto dizer que o distrito se transformou, que as 
pessoas mudaram e que as relações se modificaram, então cabe dizer que os sentidos 
atribuídos a essas festas tenham se modificado com o passar do tempo; não permaneceram 
como antes. (Comentada também por esses autores, a presença das igrejas evangélicas me 
parece um dado significativo, ou seja, que provoca mudanças nas práticas religiosas dos 
distritos.)  
Santos e Albino até tocam nesse ponto, mas congelam as práticas religiosas no 
passado, como se devessem chegar ao presente da forma como sempre foram; ou seja, como 
se devessem ser transpostas de uma realidade para outra. Numa sociedade que se modifica, 
vejo essa possibilidade como improvável; seria desconsiderar a historicidade dos processos de 
transformação da sociedade, que modifica não só as relações materiais, mas também o 
conjunto da vida social.  
Em seu estudo sobre o costume na cultura dos trabalhadores ingleses dos séculos 
XVIII e XIX, Thompson aponta como necessário não desvincular as práticas culturais das 
relações materiais:  
 
Longe de exibir a permanência sugerida pela palavra “tradição”, o costume 
era um campo para a mudança e a disputa, uma arena na qual interesses 
opostos apresentavam reivindicações conflitantes. Essa é uma razão pela 
qual precisamos ter cuidado quanto a generalizações como “cultura 
popular”. [...] espero que a cultura plebeia tenha se tornado um conceito 
mais concreto e utilizável, não mais situado no ambiente dos “significados, 
atitudes, valores”, mas localizado dentro de um equilíbrio particular de 
relações sociais, um ambiente de trabalho de exploração, de relações de 
poder mascaradas pelos ritos do paternalismo e da deferência. Desse modo, 
assim espero, a “cultura popular” é situada no lugar material que lhe 
corresponde.182 
 
Como entendo que muitos autores incorrem em tal desvinculação quando tentam 
interpretar as festas religiosas, o caminho que trilhei à luz desse historiador inglês foi analisar 
as transformações ocorridas nas festas associadamente com as demais transformações da vida 
social desses lugares. A fala de dona Luiza, moradora do distrito de Cruzeiro dos Peixotos, 
ajuda a delineá-lo: 
 
                                                        
182 THOMPSON, 1998, p. 16. 
105 
 
Renata — Por que os dias de serem feitas as festas, isso também mudou? 
Luiza — Mudou. Mudou, porque — [a gente] fala novena — porque são 
nove dias. 
Nove dias! 
Então era assim, por exemplo, se o dia de são Sebastião é 20 de janeiro, 
então contava nove dias pra trás, aí seguia. Independe do dia em que caísse. 
Então se são Sebastião desse numa segunda, a festa era numa segunda, 
porque o pessoal [...] falava assim que era o “dia santo”. Então, pra quem é 
da roça, fala o “dia santo”. [...] Então, como era o “dia santo”, então 
ninguém trabalhava aquele dia, então podia ser na segunda, na terça, 
qualquer dia que todo mundo ia. Hoje já não. Se fizé numa segunda, por 
exemplo, num vai ninguém porque todo mundo tá trabalhano! Então mesmo 
quem é da fazenda, ele tem que cumpri. Aí, aí hoje faz assim: começa, já faz 
os cálculos pra fazê só em fim de semana, sábado, domingo, ou pega sexta, 
sábado, domingo. Aí já conta os nove, que dá pra caí nos finais de semana, e 
já procura jogá também a data pra terminá, a última novena que é a que lota 
de gente, que já é tradição também, num sábado e aí no domingo é a Festa.183 
 
Essa fala deixa entrever indícios de uma transformação nas festas religiosas que 
ultrapassa as barreiras da religião e da religiosidade. São mudanças nas relações de produção, 
de trabalho e de vida de quem mora nos distritos uberlandenses. Uma expressão dessa 
alteração está no “dia santo”: muito respeitado pelos mais velhos e que ocorria paralelamente 
ao calendário civil de datas e feriados comemorativos. Esse dia de comemoração fazia sentido 
na celebração de algo superior que estaria acima do que seria o dia oficialmente reservado a 
descanso e à festa (ao lazer). Tinha o sentido de agradecimento e respeito ao santo, expresso 
na “parada” das atividades laborais para celebrar sua festa com a máxima participação 
possível. Os pais levavam a prole para missas, rezas e quermesses — que aconteciam na 
sequência e eram momentos de encontrar amigos, rever conhecidos e conversar. Num ritmo 
de trabalho determinado por relação mais familiar da produção, a “parada” era possível. Na 
lógica de produção no campo prevalente nesses lugares, aos poucos as festas foram adequadas 
ao calendário oficial vigente. Como no presente o tempo de descanso e lazer são os fins de 
semana, as festas passaram a ser realizadas nesses momentos.  
As alterações dividem a opinião dos moradores. Uns percebem como perda o fato de a 
festa não ocorrer da mesma forma e não se comemorar o santo no dia certo, e sim no fim de 
semana mais próximo. Outros as percebem como positivas. E o mesmo morador percebe 
algumas mudanças como positivas e outras como negativas. A fala do senhor Eduardo, 
morador do distrito de Tapuirama, é significativa nesse sentido: 
 
 
                                                        
183 BARBOSA, Luiza (nome fictício). Cruzeiros do Peixotos, Uberlândia, MG, dia 14 de setembro de 2012. 
Arquivo de mp3 (29 minutos). Entrevista concedida a mim. 
106 
 
Renata — As festas, a Igreja... isso mudou? 
Eduardo — Mudô, mudô muito mesmo! Tudo mudô muito! Tem gente que 
fala que ficô mais ruim, que o povo num tem jeito. Não! Num ficô mais 
ruim, ficô milhor! O duro é que naquele tempo era muito, é, a pessoa vinha, 
ficava debaixo de árvore, acendia lenha, cê sabe, né!? Num tinha dinheiro. 
Hoje tem, né!? Todo mundo tem dinheiro. E fico muito melhor. [...] bão era 
antigamente. Tudo que é antigo, quando a gente era menino é bão, as coisa é 
mais gostoso, porque a gente num tinha costume com gente! Se viesse cem 
pessoa nóis achava dimais, hoje vem mil. Mas a gente tá acostumado com 
gente todo dia, né!? O que era bão das festa de julho, tinha uma festa de 
julho que era bão sabe por quê? Era as novidade. Porque naquele tempo num 
tinha televisão, num tinha... nóis num tinha rádio, num tinha! Eu fui ter rádio 
depois que eu casei, num tinha rádio, não! Agora, aí vinha gente de fora, 
vinha circo, vinha pessoas de fora vendê trem diferente, né!? É, naquele 
tempo, música, hoje tem música de, de serve todo dia, naquele tempo era 
uma vez por ano, via uma música lançada [...] de sertanejo um ano, aquilo 
marcava, né!? Aí vinha um disco só, aqueles discão, só uma música dum 
lado, aquilo rodava, é só aquilo naquelas... picapinha antiga, né!? E nóis 
ficava em cima pra ouvi, porque aquilo era, depois daquilo era só o ano que 
vem, né!? Por isso que era bão! A pessoa tinha novidade, hoje cê tem 
novidade, hoje cê tem novidade toda hora na televisão, na roupa, na.... Eu 
acho que assim, por isso que é bão, era bão.184 
 
Aparentemente, o entrevistado parece se contradizer em sua fala: começa dizendo que 
“ficô milhor” e termina dizendo que “era bão” no tempo passado. Entretanto, numa leitura 
atenta de sua fala, sobressai-se a complexidade dos processos sociais que implica não só 
perdas, mas ainda ganhos. Ele constrói uma impressão das transformações sociais — como 
nas festas religiosas — em que algumas coisas mudam pra melhor e outras, nem tanto. 
Também deixa aparente em sua fala a divergência de opiniões sobre tais transformações, pois 
diz que há quem considere que as coisas pioraram. Se as festas de julho (a Festa de Nossa 
Senhora da Abadia) tinham a função-chave de trazer novidades para os moradores por 
intermédio das pessoas de fora, hoje as novidades estão disponíveis a qualquer hora. Mas ele 
avalia isso um tanto negativamente, pelo ponto de vista da banalização das coisas, que tira o 
sabor de novo de algo cativante; o novo seria divulgado e tornado comum há qualquer tempo, 
sobretudo por outros meios que não a voz dos frequentadores das festas de julho, talvez 
porque as pessoas passaram a ter condições mais dignas de vida — “Todo mundo tem 
dinheiro” — e a ter acesso a outros meios de se situar nos acontecimentos do mundo. 
A fala do senhor Eduardo permite problematizar essa complexidade das relações 
sociais noutra questão: as gerações. Com 67 anos de idade à época da entrevista, ele viveu 
outra experiência em relação às festas se comparado a uma pessoa de 20 anos ou 30 anos, 
                                                        
184 SANTOS, Eduardo Ferreira dos. Tapuirama. Uberlândia, MG, 21 de abril de 2012. Arquivo de mp3 (28 
minutos). Entrevista concedida a mim em sua casa.  
107 
 
para algumas das quais a importância da festa reside mais na possibilidade de lazer e diversão, 
e menos na devoção religiosa. Nesse caso, as alterações são vistas positivamente por elas. 
(Cabe salientar que as reclamações dos moradores incluem, justamente, a falta de opções de 
lazer.) Mas mesmo entre os mais vividos não há consenso sobre a interpretação das mudanças 
na festa como perda. Alguns as avaliam como positivas; por exemplo, o ajuste de calendário 
— festa no fim de semana — seria uma forma de estimular a participação dos trabalhadores.  
As relações sociais, de trabalho e de vida se transformam ao longo do tempo; e muitas 
vezes a imprensa e a academia constroem visões das festas tradicionais como sobrevivência 
do passado nos distritos. A imprensa, sempre que fala dos festejos de Santos Reis, por 
exemplo, busca a ideia de tradição para referendá-los — vide esta passagem: “Em Martinésia 
e Cruzeiro dos Peixotos, [...] a Folia de Reis tem forte tradição [...]”.185 Essa ideia de tradição 
patente em textos acadêmicos e noticiosos conduz a uma noção de algo estático, algo capaz de 
atravessar incólume as transformações sociais, algo que sobrevive ao tempo sem mudar. 
Entendo que muitas dessas festas permanecem ao longo das gerações, mas são transformadas 
de algum modo, como salienta a entrevistada Luiza. A meu ver, a mudança nos dias de 
realização indica essas modificações porque evidencia que as festas não são manifestações 
culturais alheias à dinâmica de vida nos distritos; antes, são parte da vida de quem mora 
nesses lugares e muda quando eles mudam186. 
Honório e Suzicarlei relatam a transformação da Festa de Nossa Senhora da Abadia, 
celebrada em Tapuirama. Ela falava da vinda de pessoas de Santa Juliana, Nova Ponte e 
outras cidades para participar dos festejos quando indaguei: 
 
E ela mudou? A festa? A maneira de... 
Suzicarlei — Mudou, mudou. Dizem que pra pior, mas no meu 
entendimento mudou pra melhor. Porque antes era feita quinze dias de festa, 
quinze dia de novena. Iniciava-se no dia 1º de julho, e dia quinze de julho, se 
desse numa segunda, era na segunda, na terça, na quarta, na quinta ou na 
sexta, no sábado ou no domingo, o dia 15 era o dia da festa. Eu me lembro 
que tinha muita gente, mas em vista do que tinha hoje, do que tem hoje, hoje 
tem mais. Porque no ano de [19]99, no ano de 99, ela mudou, é, pra três final 
de semana, se eu não me engano, no ano de 97, 96, ela mudou pros 
domingos; talvez um pouco antes, ela mudou pro domingo. Iniciava-se na 
primeira sexta-feira de julho, encerrava-se na terceira, no terceiro domingo 
de julho. Mas mesmo assim o movimento continuou grande. Aí, alguns 
festeiros é, faziam ela só uma, uma semana. Iniciava-se na sexta, 
                                                        
185 MONTEIRO, Clarice. Comemorações de folias de reis seguem formato do ano anterior. Correio de 
Uberlândia, Uberlândia, MG, 5 de janeiro de 2012, “Entretenimento”. Disponível em: 
<http://www.correiodeuberlandia.com.br/entretenimento/comemoracoes-de-folia-de-reis-seguem-formato-dos-
anos-anteriores/>. Acesso em: 26 out. 2012. 
186 GOLOVATY, 2005 discute como as festas de Santos Reis aparecem no jornal Correio como sobrevivências 
de um passado exótico e ele propõe a discussão dessas festas por meio de quem as produz. 
108 
 
atravessava-se a semana e encerrava no, no domingo. Ficava ali dez dias. Aí, 
a partir de 99, ela confirmou uma data, que é a data primeira sexta-feira de 
julho, ela inicia, e terceiro domingo ela encerra. Der o dia que der. E no ano 
de... 2000, no ano de 2000 iniciou-se uma romaria, com saída da Paróquia 
Cristo Rei lá do bairro Alvorada, e vindo até aqui. Essa caminhada varia da 
quantidade de pessoas: já teve 500 pessoas, já teve 300, já teve 150, volta pra 
300. Então, isso aí vai depender da, da época e da, da divulgação. [...] Então 
isso aí é uma forma da pessoa tá fazeno essa peregrinação em 
agradecimento, em devoção, gratidão. 
E a maneira como essa festa é feita, ela mudou? 
Suzicarlei — Mudou. 
O espaço é diferente? 
Suzicarlei — É diferente. 
Honório — Mudou quase tudo. 
Suzicarlei — É diferente. 
Como era? 
Honório — É porque, antigamente, igual a Suzi coisô, antigamente era dois 
festeiro ou era um; o seu pai [pai de Suzicarlei] já foi uma vez, agora hoje é 
quatro, né?! 
Suzicarlei — Quatro. 
Honório — Hoje é quatro. Então, já é uma coisa que começô a mudá. E 
antigamente, porque o pessoal quase ninguém tinha carro, então vinha, 
ficava — igual ela tá falano — ficava dez dia, quinze dia, ficava tudo aqui. 
Agora, hoje, não. Os dia que tem, todo mundo vem de carro e vorta, né?! 
Três da manhã [3h], já cabô tudo, três, quatro hora [da manhã]; e 
antigamente, não! Antigamente, emendava, né! Era dia, essas avenida aí era 
tudo cheia de barraquinha, né?! Então era mais... aí mudô muito, igual essa 
coisa que ela tá falano, essa Romaria num tinha, é, já passô a tê, né?! O salão 
comunitário num tinha, passô a tê, né?! Isso e é muitas coisa, né?! Eu acho 
que mudô praticamente quase cem por cento, o sistema da festa que era. 
Vamo supô: trinta ano atrás, vamo supô um exemplo, faz uma festa que a 
gente, ocê ainda era pequena, pra hoje! Quase cem por cento mudou. 
Suzicarlei — Hoje tem duas festa, a religiosa e a social. 
Mas em torno de nossa senhora da Abadia? 
Suzicarlei — Em torno de nossa senhora da Abadia. Mas a gente diz, tem os 
festeiros, tem os, os participantes da festa, da Igreja, e os participantes da 
festa do salão. 
E antes não era assim? 
Suzicarlei — É um público... Antes não! 
Honório — Antigamente, as coisa era tão interessante, que a, hoje tem só o 
salão comunitário de festa, um exemplo, então tá o salão comunitário e a 
Igreja, e antigamente era vários salão de dança, hoje é só um salão! Porque 
aí termina leilão, essas coisa aí vai, tem a festa mesmo, né?! E antigamente 
não, antigamente tinha dança, igual, ocê chegô a lembrá, aí uns quatro lugar, 
né?! Então era... agora hoje não, hoje passô a ser o movimento só na Igreja, 
na praça e no salão. Cabô. Agora, antigamente não. Antigamente, ao redor 
da praça as parte de avenida era tudo festa, era tudo festa. Era aquelas 
barraquinha, aqueles ambulante, aquelas coisa, agora hoje é só redó da praça. 
Hoje mudô muito, mudô muito, né?! 
Mas continuou tendo leilão... 
Honório — Só que... é, continuou, continuou, só que antigamente era no 
coreto, né?! Da Igreja e hoje passô a ser no salão, porque depois que teve o 
salão aí cabo, cabô com o movimento lá de fora. Mas é igual nóis tava 
falano, tem o pessoal de festa na Igreja e tem o pessoal de festa no salão, 
né?! Só que uns às vez irmana pouco, né?! Eu num posso falá do qual que eu 
109 
 
sou! [Risos] Porque eu sou quase dos dois. [Risos] Então tem essas 
diferença, né?! Mas miorô muito. Miorô muito. 
O senhor acha que é melhor hoje? 
Honório — Ah, eu vou te falá, eu pra falá a verdade, eu acho que 
antigamente seria melhor. Eu achava melhor, tinha mais coisa pra vê, tinha 
mais coisa diferente. Agora hoje cê, é essas dois coisa que eu te falo, ocê tem 
a missa e da missa cê tem o salão, o leilão e pronto. Antigamente não, 
antigamente tinha muita barraca, cê ia... 
Suzicarlei — Cê passeava... 
Honório — Cê passeava, cê tinha dois quarteirão completo, né?! Pegava essa 
esquina aqui na de lá, então cê tinha coisa pra vê. Hoje, igual a Suzi sabe 
que, hoje, ocê só tem a missa, a igreja ali e o salão e pronto. É! 
Suzicarlei — Saiu da Igreja o salão, saiu do salão a Igreja... 
Honório — Saiu do salão entra na Igreja, saiu da Igreja o salão. Então é esse 
trajetório só. Agora, antigamente não. Antigamente cê tinha coisa diferente, 
tinha muito parque, muita diversão, vinha circo de tourada e pa pa pa, né?! 
Vinha cantor. Hoje cabô. Hoje num tem isso. Hoje num tem isso.187 
 
Suzicarlei pontua uma mudança associável com aquela que Luiza apontou quanto à 
festa de Cruzeiro dos Peixotos: a alteração nos dias de realização da festa. Antes, o dia da 
festa era o dia 15: não importava o dia da semana, “[...] se desse numa segunda era na 
segunda..., se desse numa terça...”. Em 1999, a festa passou a ter um dia da semana 
predeterminado para começar — a primeira sexta-feira do mês — e findar — o terceiro 
domingo. O senhor Honório menciona essa mudança como fundamental. Como poucos dos 
festeiros tinham carro, muitos eram obrigados a permanecer no distrito de “dez dia” a “quinze 
dia, ficava tudo aqui”. Hoje, como “todo mundo vem de carro”, em dia de festa, por volta de 
“Três manhã, já cabô tudo”, pois quem vem de fora volta para casa, em vez de continuar a 
festar como “antigamente [que] emendava [a noite com o dia]”.  
Como se pode deduzir da fala desses moradores de Tapuirama, a mudança vai além da 
festa em si, pois esta continua a ser feita anualmente. A mudança está nos modos e tempos 
específicos de fazê-la, que mudaram ao longo dos anos. As pessoas não podem mais tirar de 
10 dias a 15 para se dedicarem ao seu santo de devoção; nem as relações de trabalho são mais 
as mesmas de quando se fazia isso comumente. Produzir no campo era em grande medida 
produzir para a subsistência da família — embora alguns tivessem atividades agrícolas ou 
pecuárias para comercialização. Hoje, a produção de subsistência quase inexiste nesses 
distritos, e as de comercialização têm uma relação com o mercado consumidor que 
impossibilita qualquer pausa. Além disso, muitos moradores desses distritos são, hoje, 
trabalhadores assalariados; logo, exceto em caso de férias ou licença, não podem faltar ao 
trabalho tantos dias seguidos a fim de participar da festa de devoção a um santo.  
                                                        
187 FAGUNDES, 2012; FONSECA, 2012. 
110 
 
As festas religiosas estão intrinsecamente ligadas a todas as instâncias da vida desses 
moradores, por isso são adaptadas, reorganizadas e reelaboradas pelos modos de viver nesses 
lugares, transformados e em transformação. Alguns veem a mudança nas datas de realização 
das festas como perda de “tradição” — sobretudo os mais velhos; outros a percebem como 
possibilidade de mais pessoas participarem. A participação não se restringe a quem mora no 
distrito, uma vez que moradores de outros localidades (Uberlândia e outras cidades) 
participam dessas festas: alguns porque são devotos do santo celebrado, outros porque veem 
na festa a possibilidade de reencontrar conhecidos, e outros mais porque a festa significa 
lazer. Portanto, as festas são momentos de interação, troca entre moradores do lugar e os de 
outras localidades.  
O senhor Honório se refere a alterações nos espaços de realização da Festa de Nossa 
Senhora da Abadia em Tapuirama. Segundo ele, a festa se espalhava distrito afora: havia 
lugar de dançar e os leilões no coreto; as ruas eram tomadas por vendedores ambulantes, 
parques de diversão e cantores. Hoje a festa estaria restrita ao espaço da igreja e do salão. 
Entendo que, nessa leitura dele, a festa não tem mais a influência que tinha sobre esse lugar. 
Ainda é importante, mas ganhou outras roupagens que a modificaram. Essas transformações 
são percebidas e sentidas por esses moradores em detalhes, como se lê no relato do senhor 
Duarte: 
Duarte — Antigamente, era os novenários. Por exemplo punha, punha eu... 
Paulo — Quem era os novenários? 
Duarte — Os novenários são as pessoas, né?! Por exemplo, punha eu de 
novenário com a Rosângela, né?! Ou o Acrisio com a minha esposa ou ocê 
com a esposa do vizinho ali, tal tal... Então, é... a sua obrigação era arrematá 
a prenda que a pessoa ia dá, doá lá pro Santo. 
Duarte — Hoje já bagunçaro. Já começaro pondo os casais, depois parô, 
passô a pôr por região... Entendeu? A novena hoje é região. Vamo supô 
assim: dos Martins, região da Mata dos Dias, região do Pontal... Aí são 
todos. 
Renata — Aí as pessoas não se sentem mais... 
Duarte — Não sente obrigada a ter aquela coisa de levá prenda e tal. 
Mulher — Antes era um compromisso que a gente tinha de levar a prenda, 
né?! 
Duarte — Era, era! É tanto que eu tenho exemplo dumas pessoas, assim, 
mais antiga, inclusive já, já é falecido, [...] ela, a novena dela, ela fazia 
direitinho. Depois que fez essas mudança, ela vinha nas novena às veiz, 
rezava e tudo; mas deixou de dá, de trazê a prenda. Então, aquilo foi... foi 
afastando.188 
 
 
 
 
                                                        
188 JUSTINO, Duarte Cesar. Martinésia, Uberlândia, MG, maio de 2011. Arquivo de mp3 (31 minutos). 
Entrevista concedida a mim.  
111 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FIGURA 8 – Reprodução do programa da Festa de São João Batista de Martinésia em 2012, que não lista o 
nome dos novenários, mas sim o de um grupo de pessoas 189  
 
                                                        
189 Acervo de morador do distrito de Martinésia 
112 
 
 
 
 
FIGURA 9 – Destaque da reprodução do programa da Festa de São João Batista de Martinésia em 2012190  
 
Os programas (FIG. 8 e 9) mostram os novenários de cada dia da festa como 
“Moradores da Região do Onça e dos Macacos”, “Moradores da Região dos Dourados e 
Lageado”, dentre outras localidades rurais que compõem o distrito e agrupam fazendas do 
entorno. No passado, conforme afirma Duarte, os nomes eram listados individualmente. Em 
minhas memórias de infância é bem viva a memória relativa à expectativa dos moradores de 
Martinésia e à de quem vinha de outros lugares para participar da festa e reforçar as relações 
estreitas com esse lugar. Em meio a centenas de nomes, procurava-se o da família, pois isso 
gerava um sentimento de pertença àquela festa, ou seja, suscitava a “obrigação” de colaborar 
doando prenda ou arrematando-as. Com o tempo, esse costume foi se perdendo. Os programas 
continuaram a ser impressos, mas sem mencionar nomes individuais; só o dos grupos de 
pessoas. Daí o sentimento de tristeza na fala de Duarte — e talvez na de muitos outros 
moradores. As mudanças se vinculam à interferência da igreja na organização dessas festas, 
                                                        
190 Acervo de morador do distrito de Martinésia 
113 
 
que nem sempre considera elementos que, para os moradores, são fundamentais e cujo sentido 
de religiosidade muda para as pessoas. 
Os programas apresentam outro elemento: a marca de várias empresas, possíveis 
patrocinadores da festa. São companhias de ramos variados de atuação: algumas ligadas ao 
campo (cooperativa agropecuária, consultoria ambiental para atividades agropastoris e 
silvícolas, criação e venda de cavalos etc.), outras sem vinculação aparente com o campo 
(indústria química, de equipamentos de áudio para automóveis e banco). A marca dessas 
empresas impressa no programa — parece-me — indica a interação de Martinésia com a sede 
do município: boa parte delas fica na cidade de Uberlândia. Isso talvez se explique porque os 
donos das empresas ou gerentes com autoridade para patrocinar eventos têm algum tipo de 
relação com o distrito e usam do espaço da festa para divulgar marcas e produtos. Os 
moradores do distrito e das fazendas, moradores antigos e devotos dos santos celebrados, 
também, colaboram para a realização das festas, com a doação de prendas e de artigos usados 
na preparação do evento. 
Fugiu ao escopo da pesquisa subjacente a esta tese uma discussão mais substancial 
sobre os rituais das festas. Meu objetivo incide mais na reflexão que tentei materializar até 
aqui, por isso busco entender as festas como parte do modo de viver dos moradores desses 
distritos que, com(o) eles, vão se transformando, pois não são manifestações culturais; e sim 
parte da vida desses sujeitos: sua cultura, que com eles é reelaborada.191 O viver nos distritos 
se altera, e a maneira como é percebido e vivido por seus moradores também; igualmente, a 
alteração afeta gerações distintas.  
Como foi visto até aqui, pelos relatos citados, os viveres nos distritos se 
diferenciam ao longo do tempo. Em parte, por causa das experiências individuais: a 
trajetória de vida de cada um, que se referenda nas expectativas e nas frustrações. Em 
alguns momentos, a tradução verbal desses viveres faz coro com as falas “oficiais” sobre 
os modos de vida dos moradores distritais; em outros, apresenta contrapontos às visões 
hegemônicas. Eis por que não cabe falar em uma única leitura do que significa viver 
nesses lugares, pois falar do viver nos distritos do município de Uberlândia significa 
                                                        
191 Thompson trabalha com a cultura percebendo-a na amplitude e materialidade das relações sociais, 
econômicas e políticas; isto é, na materialidade das relações: “[...] não podemos nos esquecer que ‘cultura’ é um 
termo emaranhado, que, ao reunir tantas atividades e atributos em um só feixe, pode na verdade confundir ou 
ocultar distinções que precisam ser feitas. Será necessário desfazer o feixe e examinar com mais cuidado os seus 
componentes: ritos, modos simbólicos, os atributos culturais da hegemonia, a transmissão do costume de geração 
para geração e desenvolvimento do costume sob formas historicamente específicas das relações sociais e de 
trabalho” (grifo meu). THOMPSON, 2002, p. 22. 
114 
 
falar de diferenças nos modos de vida em si e na interpretação que os moradores 
constroem desses modos de viver.  
Com efeito, as conversas com os moradores deixaram entrever esses modos de 
viver e interpretar sua realidade. Moradora dos arredores de Martinésia desde o 
nascimento, dona Luzia me disse o que para ela é viver nesse distrito. Nesse momento 
da entrevista conversávamos sobre uma reportagem do jornal Correio onde se lê que 
muitas famílias em Martinésia constroem, nos fundos de suas casas, residências para 
filhos quando se casam. Perguntei por que achava que essas pessoas permaneciam no 
distrito: 
 
Luzia — Bom, eu acredito que seja pela tranquilidade que tem, né?! A 
calma... e para trabalhá, assim, as lavouras acabaram, é, são poucas que 
ainda fazem o cultivo de lavoura que dá serviço pras pessoas, mais é... gado 
leiteiro, né?! Que são poucos os funcionário nas fazenda. Antigamente os 
fazendeiro tinha de quatro a cinco pessoas morano nas terra deles pra 
trabalhá, né? Agora num tem. Mas, em compensação tem o trânsito aí agora 
que é muito bom, né?! O transporte, aliás, que levam eles aí cinco e meia da 
manhã, retornam sete ou sete e meia da noite. E eles vão trabalhá em 
Uberlândia e moram aqui, né? Num meio mais tranquilo... os bairros hoje 
que, que são comprado moradia, casas, né?! São muito distantes do centro da 
cidade, né?! São Jorge, é Jardim das Palmeiras, né?! Não tanto também, 
terrenos assim, casas, né?! Pra classe baixa, então... eles fica aqui! É verdade 
o que cê diz, tem famílias aí que na área que eles têm a casa, tem dois três 
filhos que moram, fazem uma casinha pra um, uma casinha pra outro e vai 
abrigano a família ali, né?! E todos trabalha em Uberlândia. [...] 
Paulo — E onde que essas pessoas trabalham hoje, dona Luzia?... Qual, 
assim, na convivência da senhora no local onde que, pra onde que essas 
pessoas tão indo trabalhar? A senhora falou que assim, por exemplo, os 
fazendeiros já não têm mais aquela demanda de mão de obra... 
Luzia — Não. 
Paulo — [...] Todo mundo mexe com leite, com pouca gente, tal... Onde é 
que esse povo está trabalhando? E os fazendeiros, o que tão fazendo aqui, na 
verdade, na região? 
Luzia — Os fazendeiros, eles mexe é mais, é leite, agora é mesmo o gado 
leiteiro, né?! Então tem um dois vaqueiro, ou um vaqueiro e um caseiro, né?! 
Por que também eles moram, os dono mora em Uberlândia, e então é bem 
pouco a mão de obra, né?! Pra ele, pro povo aqui, por isso eles vão. 
Trabalham muitos é no grupo [atacadista] Martins; os Martins dão muita 
preferência pro povo daqui por que eles são gente humilde, gente boa, 
trabalhadora, honesta, né?! É, [o atacadista] Arcom, tem muitas pessoas aqui 
que trabalha na Arcom. É, a [têxtil] Daiwa tinha um grande número, até eles 
buscavam os trabalhadores aqui de Kombi, mas aí aconteceu um desastre, e aí 
eles deixaram de vir. O [supermercado] Bretas pega bastante pessoas aqui, eles 
vieram o ano passado, final do ano fazê entrevista aí com o povo pra trabalhá, 
né? Eles dão preferência às pessoas de zona rural, né?! Tem a necessidade das 
pessoas, né?! Por que eles são humilde, mais honesto, né?! Trabalhador.192 
                                                        
192 BORGES, Luzia Alves. Martinésia, Uberlândia, MG, 20 de abril de 2011. Arquivo de mp3 (43 minutos). 
Entrevista concedida a mim, em sua residência no distrito. 
115 
 
Se a entrevistada percebe redução nas opções de trabalho nas fazendas do entorno do 
distrito, também percebe que quem vive ali busca novas alternativas, facilitadas — como ela 
disse — pela pavimentação da rodovia e pela integração de Martinésia ao sistema de 
transporte urbano de Uberlândia, onde muitos moradores trabalham. Trabalho este nem 
sempre bem-remunerado, mas que dá certa segurança ante a instabilidade e esporadicidade de 
alguns postos de trabalho. Embora comece sua resposta falando da tranquilidade do distrito, 
logo as questões do trabalho se impõem a um ponto tal, que denota uma percepção de que os 
moradores de Martinésia que trabalham em Uberlândia não estariam numa situação pior do 
que aquela em que se encontram muitos moradores da cidade que residem em bairros 
distantes e têm de se deslocar vários quilômetros para trabalhar. Dona Luzia mostra ter uma 
visão ampliada dessa sociedade que ela compõe e comenta. Viver nesse lugar é, na leitura que 
ela constrói, integrar um universo de dificuldades a ser superadas e que moradores de outras 
partes do município também enfrentam. No caso da moradia, muitas vezes a alternativa é 
construir casas no fundo de terrenos com residência, em vez de morar em bairros distantes, o 
que dificultaria o deslocamento para o trabalho.  
Contudo, ela vincula essa opção de vida à possibilidade de viver num ambiente 
tranquilo. Essa ideia de tranquilidade e sossego permeia não só a fala de moradores como 
dona Luzia, mas ainda o que diz a imprensa, como se lê nestes trechos de reportagens: 
 
 
Martinésia é um distrito de Uberlândia, localizado a 30 quilômetros do 
centro da cidade. O asfalto da estrada foi a maior conquista dos moradores. 
No arraial — como é chamado por seus habitantes —, o tempo parece ter 
parado nas décadas de 20 e 30. São casarões antigos e gastos pelo passar 
lento das horas, nestes mais de 70 anos de história. O silêncio no distrito 
somente é cortado por uma fala distante de algum morador — raro de se ver 
nas ruas de terra — ou pelo vento que levanta a poeira, quando passa pela 
rua central. Tudo parece lento naquele lugar. A vida sossegada ainda é 
preservada no dia, nas hortas das casas, com criação de galinhas à moda 
caipira, verduras frescas e hortaliças, além de muita árvore frutífera que 
cobre de sombra os quintais. [...] No distrito não falta água (de poços 
artesianos), luz, telefone e televisão. O grande problema para os moradores é 
a falta de esgoto.193  
 
 
 
 
 
                                                        
193 CRUZEIRO marca o tempo do silêncio em Martinésia. Correio do Triângulo, Uberlândia, MG, 20 de junho 
de 1993, ano 53, n. 16.279, “Cidades”, p. 10. 
116 
 
Tranqüilidade, segurança e contato com a natureza a menos de 20 minutos 
do Centro da cidade. Não se trata de propaganda de condomínio horizontal, 
mas de algumas das vantagens que têm levado muitos uberlandenses a 
fixarem residência no Distrito de Cruzeiro dos Peixotos. O lugar vem sendo 
escolhido, também, por pessoas interessadas numa casa de veraneio, onde 
possam passar os fins de semana com a família e os amigos. É o sossego de 
uma pequena comunidade aliado aos recursos de um grande centro 
urbano.194 
 
Uma década separa a publicação de um trecho e de outro, mas a imagem parece ser 
a mesma: os distritos guardam um ambiente de tranquilidade, com a grande vantagem de 
estar próximos da cidade. Os trechos evidenciam uma noção romantizada desses espaços, 
em grande medida reproduzida pelos moradores — vide a fala de dona Luzia citada antes 
em que ela qualifica as pessoas desse lugar como gente “humilde”, “gente boa”, 
“trabalhadora”, “honesta”, “pessoas de zona rural”. A imprensa se apropria — não 
entendo que crie essa noção — desse sentimento expresso pelos moradores e o traduz em 
reportagens para a sociedade com o tom de justificativa, por exemplo, para o uso lucrativo 
desses lugares como espaços a ser consumidos pela “população urbana”. Além disso, os 
problemas dos distritos parecem ser insignificantes ante o “sossego do lugar”, o que 
justificaria a falta de políticas públicas das administrações municipais. 
Expresso por dona Luiza, esse sentimento de Martinésia como lugar tranquilo aparece 
também na fala de um morador de Tapuirama: 
 
 
Renata — Como é que você define Tapuirama? 
Elismar — Olha, eu acho assim: eu num vou falá pro cê que é bom 
demais. Tapuirama é bom porque, assim, eu tenho muitos amigos, todo 
mundo conhece todo mundo, sabe? Mas, assim, por esse lado de lazer, 
essas coisas, acho que podia ser melhor ainda, né?! [...] É um lugar 
organizado, muito organizado! Todo mundo conhece todo mundo, o 
pessoal é muito amigo, muito amigo! Assim, a gente, por exemplo, a 
gente tem intimidade com todo mundo. Cê vê que o pessoal é gente boa. 
Cê sai na rua, o pessoal: “Ou! Ou!”. Cumprimenta um, cumprimenta 
outro. Assim, é um lugar bão de cê ficá. É perto de Uberlândia, porque 
tudo que cê precisa, cê pega o carro e vai pra Uberlândia. Cê vai em 20 
minuto, 25 minuto. Tem bairro lá em Uberlândia que procê ir numa 
farmácia cê gasta 30 minutos. Aqui é quase a mesma coisa: cê pega aqui, 
pega a rodovia, vai rapidinho e volta. Então, é um lugar tranquilo, num é 
aquela barulheira, aquele agito, sabe? Muita gente igual esse pessoal mais 
de idade gosta muito daqui justamente por isso: é a tranquilidade. Procê 
vê: eu morei em Uberlândia, quando, aí eu mudei pra cá, achei aqui muito 
tranquilo. Aí, agora que eu tô na roça, aí eu vou em Uberlândia, a gente 
                                                        
194 CRUZEIRO dos Peixotos e do sossego. Correio, Uberlândia, MG, 23 de janeiro de 2005, ano 66, n. 20.008, 
“Cidade”, p. B1. 
117 
 
vai lá toda semana fazê entrega de pimenta. Tem vez que eu chego em 
casa com dor de cabeça por causa do barulho! E olha que — como se diz 
— eu sou novo [27 anos de idade à época da entrevista] pra sentir isso. E 
assim, cê vai lá, é aquela carraiada [...] aí cê fica doido pra chegá em 
casa. Ai, nossa! Até chegá lá na roça... Aí, já aqui, não! Aqui cê vem pra 
cá é aquela tranquilidade, cê num... sabe que num é aquela correria, 
aquele movimento doido. Então, eu acho bão aqui, eu gosto. Eu acho 
Tapuirama um lugar bão. Sabe? Tá certo, podia melhorá? Podia ter lazer, 
podia, em alguns pontos, podia ter, mas — como se diz —, por não ter, a 
gente num vai falá que num é bão. Porque é bão, num é todo lugar que cê 
chega que cê conhece tanta gente, que cê tem muita amizade, tem tanta 
gente, que cê sabe que é seu amigo: “Não, é meu amigo” e tal, né?! Num 
é todo lugar que é assim.195 
 
Elismar se refere à forma como as pessoas de mais idade buscam Tapuirama para 
ter a vida tranquila que o distrito proporcionaria. E seu relato evidencia o quão importante 
era essa questão para ele aos 27 anos de idade. Já morou em Uberlândia e Caldas Novas, 
por isso enfatiza como a correria da cidade o angustia. Vai com frequência a Uberlândia 
para comercializar a produção de pimentas, mas não sem se incomodar com o movimento 
e o barulho; e Tapuirama seria o refúgio para sair da agitação urbana. Assim como dona 
Luzia, ele ressalta as dificuldades que enfrentam moradores da cidade residentes em áreas 
distantes da região central. Logo, morar no distrito não se difere muito de morar onde 
residem esses moradores; antes, ele entende que o acesso facilita o deslocamento, que se 
torna menos desgastante que o de moradores das periferias da cidade. Assim, residir em 
Tapuirama é opção de vida que possibilita ter certa tranquilidade e a comodidade de ir — 
de carro — à cidade em menos de meia hora. E a imprensa se apropria dessa possibilidade 
— como evidencia o trecho de notícia do Correio citado antes — para justificar a 
construção de casas de veraneio e a fixação de moradia por uma população que busca 
sossego.  
Para os moradores, esse lugar “tranquilo” é um ambiente que dominam; todos que ali 
residem são conhecidos uns dos outros, daí relações de convivência mais estreitas. Assim, 
longe da impressão que o jornal e as administrações procuram difundir e deixar no 
imaginário, a tranquilidade dos distritos se vincula à experiência cotidiana dessas pessoas. 
Não é algo a ser “consumido”, pois implica modos de viver nesse lugar em que as relações 
pessoais ainda mantêm certa proximidade, embora a chegada de pessoas de fora para viver 
nos distritos altere as relações interpessoais. 
                                                        
195 MACHADO, Elismar Nunes. Tapuirama, Uberlândia, MG, 21 de outubro de 2012. Arquivo de mp3 (32 
minutos). Entrevista concedida a mim na residência do entrevistado Honório I. da Fonseca. 
118 
 
Dito isso, entre os moradores, falar o que significa viver nesses distritos supõe 
uma multiplicidade de gerações, origens e relações de trabalho e de convivências nesse 
espaço. Uma multiplicidade que encontra pontos de contato e de divergência; diga-se, 
interpretações construídas com base em experiências sociais distintas. Para Luis e Rita, 
Miraporanga lhes permitiu uma vida sem a provisoriedade que marca a vinda do 
Nordeste para a região em tempos de colheita do café. Para Luiza, viver em Cruzeiro 
dos Peixotos significa manter modos de vida que fazem sentido pela sua trajetória de 
moradora desde a infância. Para Elismar, Tapuirama permite aliar sossego com a 
proximidade da cidade. Como se pode deduzir, as experiências e interpretações são 
múltiplas e diversas. 
Contudo, às vezes esses moradores falam da mesma coisa com objetivos e sentidos 
diferentes. Isso ficou evidente no relato de alguns dos moradores de Miraporanga. Adentrar as 
casas de muitos moradores antigos desse distrito é notar, em algum lugar, uma foto ou uma 
pintura da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída no século XIX. Um desses 
moradores cuja casa visitei me mostrou um cartão-postal da igreja. Ele não quis que a 
entrevista fosse gravada, mas falou da importância de Miraporanga, outrora relevante para a 
região. Todo orgulhoso, presenteou-me com uma cópia do cartão (FIG. 10) e, ao fazê-lo, falou 
da importância histórica de Miraporanga. 
 
119 
 
 
 
FIGURA 10 – Reprodução de cartão-postal da Igreja Nossa Senhora do Rosário196 
 
                                                        
196 Secretaria Municipal de Cultura. Acervo de morador do distrito de Miraporanga. 
120 
 
Nas conversas com alguns moradores antigos de Miraporanga, essa história grandiosa 
do lugar se sobressai. Falam da necessidade que sentem de preservar esse lugar de passado 
importante. Quando falam da importância da preservação dos bens arquitetônicos de 
Miraporanga, buscam atribuir a essa ação um sentido de conservação do passado grandioso. A 
moradora recente do distrito dona Jerônima, quando toca nesse assunto, menciona que “[...] 
Uberlândia era pra ser aqui. Aqui era pra ser Uberlândia, né?”.197 Mas a trajetória dela em 
Miraporanga permite cogitar que, em seu ponto de vista, preservar esse patrimônio tem, mais 
que uma perspectiva de passado, uma visão de futuro. Isso porque ela fornece marmitas e 
refeições, logo a preservação se vincula à ideia de “progresso”. Embora reconheça a 
importância do passado, aponta um futuro promissor para os residentes. Trata-se de uma 
dimensão que entendo não estar presente na fala dos moradores antigos; ou seja, é uma 
dimensão mais evidente e marcante na fala dos moradores novos; para os quais a preservação 
teria um sentido de futuro, e não de um passado a ser congelado para visitação.198 Não se pode 
dizer que os residentes mais antigos não vejam a preservação como possibilidade de melhorar 
as condições de vida; mas, quando rememoram esse passado grandioso, eles o fazem com 
sentimento de nostalgia. 
Abordar os viveres nesses lugares é ter contato com uma multiplicidade de 
interpretações fundada nas trajetórias de cada morador. A fala de Nadia permite refletir sobre 
essa questão. Moradora de Cruzeiro dos Peixotos, ela ficou longe da família quando foi 
                                                        
197 PEREIRA, Jerônima (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 18 de março de 2012. Arquivo de mp3 
(19 minutos). Entrevista concedida a mim em sua casa. Aos 51 anos de idade à época da entrevista, era 
presidente da associação de moradores do distrito. 
198 As considerações da pesquisadora Maria Célia Paoli ajudam a compreender o significado das noções de 
preservação e patrimônio histórico e o quanto há de distorção na maneira de lidar com elas. Ela propõe uma 
maneira de olhar para essas questões: “A essas alturas da discussão sobre história, memória, patrimônio, 
passado, sabemos todos que nenhuma destas palavras tem um sentido único. Antes, formam um espaço de 
sentido múltiplo, onde diferentes versões se contrariam porque saídas de uma cultura plural e conflitante. A 
noção de ‘patrimônio histórico’ deveria evocar estas dimensões múltiplas da cultura como imagens de um 
passado vivo: acontecimentos e coisas que merecem ser preservadas porque são coletivamente significativas em 
sua diversidade. Não é, no entanto, o que parece acontecer: quando se fala em patrimônio histórico, pensa-se 
quase sempre em uma imagem congelada do passado. Um passado paralisado em museus cheios de objetos que 
ali estão para atestar que há uma herança coletiva — cuja função social parece suspeita. [...] A atitude externa 
que habitualmente se tem com relação a este passado mostra o quanto a sua preservação — como produção 
simbólica e material — é dissociada de sua significação coletiva, e o quanto está longe de expressar as 
experiências sociais. [...] Fazer com que nossa produção incida sobre a questão da cidadania implica fazer passar 
a história e a política de preservação & construção do passado pelo crivo de sua significação coletiva e plural. 
[...] A construção de um outro horizonte historiográfico se apoia na possibilidade de recriar a memória dos que 
perderam não só o poder, mas também a visibilidade de suas ações, resistências e projetos. Ela pressupõe que a 
tarefa principal a ser contemplada em uma política de preservação e produção de patrimônio coletivo que 
repouse no reconhecimento do direito ao passado enquanto dimensão básica da cidadania, é resgatar estas ações 
e mesmo suas utopias não realizadas, fazendo-as emergir ao lado da memória do poder e em contestação ao seu 
triunfalismo.” PAOLI, Maria Célia. In: SÃO PAULO. Departamento do Patrimônio Histórico. O direito à 
memória: patrimônio histórico e cidadania. São Paulo: DPH, 1992, p. 25–8. 
121 
 
estudar e viver em Lavras (MG), onde se doutorou. Quando lhe perguntei como via o distrito, 
Nadia fez estas considerações: 
 
Eu gosto daqui. Eu acho que aqui é um bom lugar pra vivê. Num sei! É, em 
todos os aspectos, igual por exemplo, é ambiente. Eu num sei, eu acho que 
aqui é tão bom porque é sossegado, cê ouve o barulho dos pássaros, cê tem 
um ar, parece que eu acho que o ar é melhor, não, é, em comparação pra 
Uberlândia; de Uberlândia tudo bem, mas por exemplo, quando eu vou eu já 
fui em São Paulo, parece que eu sinto a diferença do ar de lá com o de cá, 
então parece que aqui é muito mais saudável de vivê, assim, até... Ah! E essa 
parte de, sei lá, cê vai numa festa cê vê um monte de gente conhecida... cê tá 
sempre em torno de pessoas que cê conhece, então num é igual cê saí por 
exemplo e ir passear num shopping, cê anda, anda, anda, cê parece que num 
vê ninguém lá, num sei, eu num vou, eu num gosto desse tipo de, de passeio, 
eu gosto de passeá tipo, naquela época tem terço de Nossa Senhora 
Aparecida, então, cê vai todo fim de semana, cê reza, cê conversa, cê troca 
uma ideia, é esse tipo de coisa que eu gosto! Então eu acho que aqui eu, eu 
gosto de morá aqui.199 
 
A fala de Nadia tem pontos comuns com a de Elismar: aponta o distrito como lugar 
tranquilo, de pessoas conhecidas entre si, o que possibilita levar a vida com sossego. Como já 
viveram noutros lugares que não os distritos — cidades populosas, movimentadas —, talvez a 
trajetória individual justifique a maneira de vê-los como lugares pacatos, isto é, como lugares 
menos tumultuados que a cidade.  
Esse modo de viver nos distritos difere entre os mais novos. Em conversas com pais e 
mães, muitos reclamam que os filhos mais novos querem se mudar para Uberlândia, onde 
teriam acesso a lazer e opções de estudo, dentre outras possibilidades que os distritos não 
oferecem. Em minha percepção, os que querem sair, em geral, são os que sempre viveram 
com os pais; portanto, querem experimentar outras realidades que não a desses lugares, 
supostamente desprovidos de oportunidades para os mais novos. É nessa lógica que vejo as 
trajetórias individuais como referência para as leituras e imagens que os moradores constroem 
em relação aos distritos. Como sugere a fala de Nadia e Elismar — residentes mais novos —, 
a imagem de lugar tranquilo, sossegado permeia não só a fala de moradores mais antigos, mas 
também de novos moradores que buscaram os distritos como opção de tranquilidade após se 
aposentarem e como alternativa de residência mesmo que trabalhem na cidade. 
Essa romantização propagada dos distritos e dos sentidos atribuídos à vida nesses 
lugares parece ignorar que estes não estão isolados da dinâmica capitalista: também aí o 
capitalismo impõe interesses, estabelece limites e exerce pressão sobre os moradores; ou seja, 
                                                        
199 BIASI, Nadia Giaretta. Cruzeiro dos Peixotos, Uberlândia, MG, 30 de agosto de 2012. Arquivo de mp3 (43 
minutos). Entrevista concedida a mim.  
122 
 
conduz a uma redefinição de sentidos e interfere diretamente nas vivências cotidianas. Esta 
constatação — cabe dizer — deriva de um tratamento não dicotômico das imagens 
construídas, divulgadas e, às vezes, trabalhadas incessantemente em relação aos relatos dos 
moradores, por si só repletos de contradições e assimilações. Creio que um contraste 
dicotômico, dual não permitiria aprofundar o entendimento dos significados variados que têm 
os viveres nesses lugares porque estes — como se viu — deixam entrever uma multiplicidade 
de interpretações; diga-se, são viveres em transformação associável com demandas e 
reivindicações que abordo no capítulo a seguir.  
123 
 
3 
 
Distritos como espaço de lutas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
rabalho neste capítulo as reivindicações da população dos distritos por moradia, 
saúde, transporte, lazer, dentre outras, e como elas aparecem no município, não 
sendo, portanto, questões específicas dos distritos. Nesse sentido, o capítulo foca 
nos distritos dos anos 2000 e em como as transformações por que foram passando esses 
lugares — já abordadas nos capítulos anteriores — são vividas e interpretadas pelas pessoas; 
transformações essas que desencadeiam, refutam ou reforçam demandas dos moradores do 
município de Uberlândia como um todo. 
Das entrevistas que realizei para minha pesquisa de mestrado — já referida —, o 
relato do senhor João Dias parece ser pertinente retomar: 
 
Renata — O senhor acha a vida hoje é melhor que antes?  
Senhor João Dias — Bom, nuns pontos é! Nuns ponto, pra vivê, é. Só [que] a 
vida hoje é mais ruim, eu acho que... no meu tempo, nóis mandava na nossa 
família, agora nóis num manda na nossa família mais. Evoluiu demais, uma 
coisa passada pro meu jeito.  
O senhor fala em relação aos filhos?  
Com os filho, com tudo que há, a criação. É tudo diferente. Filho hoje num 
tem aquele modo [com] que a gente foi criado. Eu, até hoje, eu tô lá na cidade, 
sempre eu fico na casa da minha irmã, no fundo, pra dormi; mais eu levanto, 
vou pra arrumá meus negócios na rua, [mas] sem entrá lá dentro de casa, sabê 
da minha mãe, sabê como é que ela passô e tomá bênção, eu não saio! E hoje 
cê não vê os filho chegá perto dos pai e aquele jeito. O mundo evoluiu demais. 
Eu acho muito esquisito: [o filho] chega, em veiz de pedir a bênção, [diz] “Oi, 
oi!”. E eu acho tão interessante o filho chegá perto do pai e pedi a bênção e 
T
124 
 
ele: “Deus abençoa, meu filho!”. Eu gosto demais do respeito [...] muita gente 
põe os filho pra estudá, muitos pai, não é todos, põe os filhos pra estudá, acha 
que os filho tá lá na escola, tá aprendeno, [então] ele não precisa dá educação 
de berço; mais [a] leitura, se não tivé educação do berço [...], a leitura é 
perdida. A educação de berço vale mais do que papel.200 
 
Morador da zona rural de Martinésia, o senhor João Dias — contrariando a ideia de 
isolamento associável com os distritos — vivencia as mudanças por que passa a sociedade e o 
faz no domínio das relações familiares. Ele sente e interpreta as transformações sociais 
mediante o que chama de evolução, isto é, de algo negativo para as relações familiares, porque 
fez desaparecer certa deferência dos filhos com os pais que, não faz muito tempo, era comum. 
Portanto, a vida social mudou; e João Dias transita pelos espaços afetados pela transformação.  
Eis por que não cabe ver os distritos como um mundo à parte da cidade. A experiência 
dos moradores que compartilham de tais espaços e transformações nas últimas décadas indica 
a necessidade de ultrapassar análises reducionistas, que muitas vezes atribuem aos distritos o 
status de lugar onde prevalecem certa pureza e certo bucolismo que supostamente anulam a 
capacidade de seus moradores de refletir sobre o que é vivido por eles hoje. Ao se referir a sua 
experiência de vida — “no meu tempo, nóis mandava na nossa família, agora nóis num manda 
na nossa família mais. Evoluiu demais, uma coisa passada pro meu jeito” —, o senhor João 
Dias sugere que também ele perdeu esse “controle”; ou seja, que as relações em sua família se 
tornaram menos formais. Não se trata, portanto, de algo que ele vê apenas na cidade quando 
visita a irmã; ele vivencia isso em seu espaço de convivência: o distrito. 
Numa das vezes em que fui a Miraporanga, logo que eu chegava — ao lado da 
pesquisadora Geovanna de Lourdes Alves Ramos201 —, avistei um senhor que trabalhava 
numa construção. Ao ser abordado por nós, Geovanna lhe perguntou se morava ali e se 
poderia dar uma entrevista sobre Miraporanga — sobre viver no distrito. Ele se recusou 
veementemente a ser entrevistado e, num gesto de negativa feito com a cabeça, disse: “Isso 
aqui não tem jeito, não!”. Ao dizê-lo, apontou um buraco imenso na rua por onde tentávamos 
entrar em Miraporanga, que nos obrigou a dar a volta e tentar outra entrada. Essa fala e a de 
João Dias, de Martinésia, suscitam uma reflexão sobre o que significa viver nesses distritos: 
sobre o que levaria esse morador a pensar que Miraporanga é um lugar “que não tem jeito”. 
Entrevistar pessoas, visitar outras e andar pelo distrito mostrou que o buraco na rua era 
um problema dos vários problemas que os moradores apontariam. Talvez por que sejam 
                                                        
200 DIAS NETO, João. Martinésia, Uberlândia, MG, 31 de julho de 2005. Fita de áudio (52 minutos). Entrevista 
concedida a mim em sua residência, numa fazenda na região da Mata dos Dias. 
201 Geovanna de Lourdes Alves Ramos é graduada e mestre em História e doutora em Educação pela 
Universidade Federal de Uberlândia. Ela me acompanhou em várias entrevistas no distrito de Miraporanga. 
125 
 
lugares em transformação — como disse João Dias — e com muitos problemas — como 
sugeriu o morador de Miraporanga. Entendo que esses dois pontos devam ser unidos na 
discussão que faz este capítulo segundo a lógica de que a transformação gera demandas, 
aprofunda demandas antigas e pode refutar outras. A conversa com o senhor José — que me 
contou de sua vinda para Miraporanga — é significativa para a discussão. Como se pode 
deduzir, sua fala sobre o lugar onde ele vive é marcada por um sentimento de apreço, 
traduzido na reafirmação de que se mudou para Miraporanga para nunca mais sair dali, 
porque ali é muito bom de viver.  
 
Renata — O senhor veio pra cá por indicação de alguém? 
José — É... cheguei aqui, fiquei, trabalhei, trabalhei muito na, fiquei pra qui, 
mas num saí mais daqui, mas trabalhei na região toda, né?! Mas eu num saí 
de Miraporanga, não! Toda vida gostei de ficá aqui. Toda vida gostei de 
Miraporanga... É um lugar calmo, não tem... É, num... é um lugar que, num 
tem, num é muito [...] é bom pra saúde, é um lugar bom mesmo, aqui é bom, 
eu gosto de Miraporanga. Eu tenho 47 ano que eu moro aqui em 
Miraporanga. Agora, precisava dá uma arrumadinha mais, certo?! [...] 
O que o senhor acha que precisava melhorar aqui? 
Aqui tinha como melhorá, só que tinha que fazê umas casa... tinha que fazê 
umas casa, arrumá, arrumá essa, a escola que tá ali arrumadinha, [...] a 
escola tinha que arrumá ela... Tem que arrumá... mais... organizá umas coisa 
aqui dentro. Tem muitas coisa aí que num tão organizado, não! Nóis precisa 
dum Correio, que nóis num tá teno, nóis num tá teno correspondência 
nenhuma. E nóis, tem, precisa das correspondência e nós procura, num tem. 
A energia que num vem. Nóis procura lá, num acha energia em Uberlândia. 
Aí, nós procuramo Correio, procura CEMIG [Centrais Elétricas de Minas 
Gerais], num acha, nem energia, tá quase com dois mês, se me cortá uma 
energia, eu sinto muita vergonha, porque... eu, nunca me cortou uma energia 
e num precisa! Num precisa cortá nada meu! 
Então não tem uma agência aqui do Correio? Para vocês receberem as 
coisas? As cartas? ...] 
José — Tem não! Aqui num tem, não! Num tem agência do Correio, num 
tem nada! [...] nós tamo sem, né?! Essas coisa, e correspondência! Nós temo 
correspondência pra vim... pra carro, nóis tem carro, o carro precisa dos 
documento, [...] precisa pagá imposto, essas coisa. Aí vem de Belo 
Horizonte umas coisa, num tem jeito de... sabê como é que é... Chega 
atrasado, muito atrasado.202 
 
Entendo que esse morador tenha uma visão mais otimista do que aquele para o qual 
não havia mais o que fazer com Miraporanga. Mas em meio a muitas coisas positivas se 
destaca a necessidade de “dá uma arrumadinha”, isto é, corrigir problemas, melhorar algumas 
coisas. Perguntei que coisas seriam, e ele citou melhorias na escola — mesmo não tendo 
filhos em idade escolar, ele verbaliza seu desejo de ver aquele espaço melhorado; construir 
                                                        
202 SOUZA, José (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 25 de fevereiro de 2012. Arquivo de mp3 (48 
minutos). Entrevista concedida a mim. 
126 
 
casas — os moradores reclamam das poucas casas disponíveis para venda e aluguel e do 
preço cobrado pelas existentes; e a instalação de uma agência dos Correios — necessidade 
que ele enfatiza. Também outros moradores com quem conversei reivindicam a agência. 
No caso do senhor José, porém, mais que a uma demanda social, a reivindicação desse 
direito se associa, primeiramente, à ética: pagar os débitos quando suas possibilidades lhe 
permitem cumprir todas as obrigações — “Num precisa cortá nada meu!”; isto é, não pagar as 
contas devidas afeta sua moral — “se me cortá uma energia, eu sinto muita vergonha”. 
Quando se refere à falta que lhe faz a agência de Correios, não tem em vista o descaso do 
poder público com a população distrital em geral e de Miraporanga em particular. Subjacentes 
a sua reivindicação estão seus valores pessoais: sua moral. Portanto, contar com uma agência 
dos Correios supõe mais que a sensação de ser respeitado como cidadão pelo poder público; a 
garantia desse direito cria condições para que ele faça valer os valores morais.  
Minha conversa com o senhor José aconteceu no início de 2012. Em abril de 2013, a 
imprensa noticiou a assinatura de um acordo entre a prefeitura e a Empresa Brasileira de Correios 
e Telégrafos para instalar postos de serviço nos distritos de Miraporanga, Martinésia e Cruzeiro 
dos Peixotos — Tapuirama já contava com um.203 Em julho, os postos começaram a funcionar: 
 
O distrito de Miraporanga recebeu, ontem, a primeira agência comunitária dos 
Correios. A agência é uma parceria entre Prefeitura de Uberlândia, através da 
Secretaria de Governo, e Correios. O posto funcionará a partir da próxima 
semana e será responsável pela distribuição diária das correspondências e 
execução de outros serviços básicos. A prefeitura vai ceder um funcionário 
para trabalhar na agência comunitária do distrito, que conta com o Código de 
Endereçamento Postal (CEP) 38418. Na próxima semana, devem entrar em 
funcionamento ainda as agências comunitárias dos distritos de Martinésia e 
Cruzeiro dos Peixotos. O distrito de Tapuirama já conta com o benefício 
devido à facilidade do acesso pela rodovia. Segundo o prefeito Gilmar 
Machado, a agência é apenas uma das várias transformações em prol do 
desenvolvimento de Miraporanga. “No início do ano providenciamos uma 
linha de transporte coletivo da cidade ao distrito. Em breve, também haverá 
um posto policial, residências do Programa Minha Casa, Minha Vida e a Usina 
Sucroalcooleira Vale do Tejuco”, disse o prefeito. As obras do posto policial e 
de residências para os policiais militares foram iniciadas nesta semana e são 
uma parceria da prefeitura com a Usina Vale do Tejuco. Dados do censo de 
2010 do IBGE constatam que cerca de 400 pessoas vivem na área urbana de 
Miraporanga e outras 6,5 mil, na área rural.204 
                                                        
203 CONVÊNIO possibilita instalação de agências dos Correios nos distritos de Uberlândia. Correio de 
Uberlândia, Uberlândia, MG, 8 de março de 2013, “Cidade e região”. Disponível em:  
<https://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/convenio-possibilita-instalacao-de-agencias-dos-
correios-nos-distritos-de-uberlandia/>. Acesso em: 15 abr. 2013. 
204 DISTRITOS de Uberlândia ganham agência comunitária dos Correios. Correio de Uberlândia, Uberlândia, 
MG, 5 de julho de 2013, “Cidade e região”. Disponível em:  
<http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/distritos-de-uberlandia-ganham-agencia-comunitaria-
dos-correios>. Acesso em: 10 jul 2013. 
127 
 
A notícia sobre o funcionamento do posto dos Correios em Miraporanga inclui outras 
realizações da prefeitura nos distritos, sobretudo neste. Mas é preciso salientar que esses 
benefícios resultam da reivindicação de moradores como o senhor José — como mostra sua 
fala; e embora algumas reivindicações sejam atendidas, não escapam ao jugo do capitalismo, 
evidente nas relações travadas na sociedade. O caso do posto policial é exemplar, pois sua 
construção derivou de uma parceria com a Usina Vale do Tijuco, empresa do ramo 
sucroalcooleiro. Assim, se a população deseja e necessita de segurança, como direito, o 
suprimento dessa demanda é capitaneado pelo capital, a fim de proteger seus interesses e 
bens: é importante que a empresa se instale em um local seguro. Mas isso é noticiado como 
benesse resultante da ação da prefeitura e da companhia. 
Em 21 de janeiro de 2013, o website da Prefeitura Municipal de Uberlândia publicou 
uma notícia apresentada por esta manchete: “Superintendência ouve demandas dos moradores 
dos distritos de Uberlândia”.205 O texto enfoca a nova equipe da Superintendência de 
Operações dos Distritos, que assumiu essa posição após a posse, em 2013, do prefeito de 
Uberlândia, Gilmar Machado e que teria percorrido os quatro distritos para identificar 
problemas e reivindicações. A notícia cita a necessidade de restaurar prédios históricos, fazer 
reparos nas escolas, gerar renda, ampliar opções de lazer e suprir uma das maiores carências: 
o atendimento à saúde, além de comentar o fechamento do laticínio de Cruzeiro dos Peixotos, 
em 1997. Noutros termos, a reportagem noticia demandas similares às que apontou o senhor 
José — por exemplo, melhorar as escolas — e outras reforçadas por muitos moradores que 
entrevistei e com quem conversei informalmente; também expõe reivindicações antigas. Essa 
reportagem é datada da segunda década dos anos 2000 e muito do que nesse momento está 
colocado são reivindicações antigas dessa população: 
 
O distrito de Martinésia, a 30 quilômetros de distância do centro de 
Uberlândia, é um pequeno e sossegado lugar [...]. Seus moradores, apesar de 
gostarem da vida tranqüila, enumeram alguns dos principais problemas na 
área de infra-estrutura, como asfalto, rede de esgoto, saúde e lazer. Para 
Maria Januária e Valda Martins Januário, no distrito falta quase tudo. Elas 
afirmaram viver lá há mais de 40 anos sem esgoto, sem policiamento e sem 
atendimento eficiente na área de saúde. [...] Maria Januária reclamou 
também da “bebedeira” de final de semana, quando os garotos ficam 
jogando sinuca e os adultos fazem muita bagunça. Para resolver esta questão, 
precisa-se de um policiamento mais ostensivo [...] A poeira é o grande 
problema para os moradores. [...] O transporte para Martinésia é feito pela 
Transcol. O ônibus sai às oito horas da manhã e retorna às 15:30 horas. Os 
                                                        
205 SUPERINTENDÊNCIA ouve demandas dos moradores dos distritos de Uberlândia. Prefeitura Municipal 
de Uberlândia, Uberlândia, MG, 21 de janeiro de 2013. Disponível em: 
< http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=agenciaNoticias&id=3317>. Acesso em: 5 mar. 2013. 
128 
 
moradores que não possuem carro têm muita dificuldade quando precisam 
de algo da cidade e recorrem à velha amizade de amigos e vizinhos antigos, 
que se conhecem desde a infância, para quebrar os “galhos” quando 
necessário. O pessoal mais jovem reclamou da falta de atividades culturais e 
de lazer no distrito.206 
 
Nas quase duas décadas que separam a data de publicação dessas duas notícias, o 
objetivo dos textos parece não mudar, pois ambos oferecem um apanhado do que a população 
reivindica. Os pontos de contato entre um texto e outro se evidenciam: por exemplo, nas 
reivindicações por lazer e atendimento médico de qualidade; não por acaso uma reivindicação 
de moradores de todo o município de Uberlândia,207 em especial dos mais carentes que 
dependem de saúde pública e têm de entrar em filas para ser atendidos — e nem sempre 
satisfatoriamente. Além disso, a reivindicação por lazer é comum a toda a população mais 
empobrecida do município; da qual muitas pessoas não podem pagar pelo lazer, pois seus 
ganhos se destinam a necessidades como alimentação, moradia, vestuário, medicamentos etc.  
Ainda em abril de 1994, o Correio do Triângulo publicou — na coluna “Cidade 
reclama” — um tipo de resposta a essas demandas da população:  
 
Com relação ao atendimento médico, o Assessor da Secretaria Municipal de 
Saúde, Alexandre Custódio, afirmou que todo posto de saúde é como o de 
Martinésia, por definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), trata de 
ações básicas de saúde e essas envolvem atendimento ambulatorial, através 
da especialidade de clínica médica, portanto não existe estrutura para lotação 
de médicos especialistas nesse distrito. Esse procedimento ocorre em todo 
País. Ele disse ainda que em Martinésia, a demanda na área de saúde pode 
ser considerada pequena. Mas a secretaria está aberta a diálogo, no sentido 
de possibilitar outras melhorias na área de saúde, bem como de ampliação no 
atendimento, basta que os moradores procurem a secretaria e exponham os 
seus problemas. Ele fez questão de frisar que, em termos de saúde, o País 
está trabalhando dentro das possibilidades. [...] Sobre o transporte coletivo 
no local, o assessor da Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes, 
Divonei Gonçalves adiantou que já se está reavaliando a planilha das vias 
distritais. [...] A Secretaria Municipal de Obras informou que é necessário 
                                                        
206 FALTA de infra-estrutura tira o sossego de Martinésia. Correio do Triângulo, Uberlândia, MG, 19 de março 
de 1994, ano 55, n. 16.532, “Cidades”, p. 10. 
207 Três estudos oferecem subsídios úteis para aprofundar a compreensão das reivindicações da população do 
município de Uberlândia e as mazelas das camadas mais empobrecidas da cidade: Pelo direito à cidade: 
experiência e luta dos ocupantes de terra do bairro Dom Almir — Uberlândia (1990–2000), de Rosangela Maria 
Silva Petuba, que investiga os numerosos embates travados por trabalhadores na luta cotidiana pelo “direito à 
cidade”; Entre viver e morar: experiências dos moradores de conjuntos habitacionais (Uberlândia – anos 
1980/1990), de Maucia Vieira dos Reis, que aborda os modos de viver dos moradores dos conjuntos 
habitacionais Segismundo Pereira e Santa Luzia nas décadas de 1980 e 1990 e sua busca pelo direito à casa 
própria, além de enfocar os vários enfrentamentos na luta por direitos como água, esgoto, transporte, saúde, 
dentre outros; e Ser trabalhador na cidade: relações de classe em Uberlândia: fins do século XX e início do 
século XXI, de Carlos Meneses de Sousa Santos, que analisa o significado da condição de trabalhador em 
Uberlândia, ou seja, numa sociedade marcada pela desigualdade e pelas disputas de classe no bojo de projetos 
múltiplos de cidade que se forjam nesses embates e nas lutas diárias pela sobrevivência. 
129 
 
que as pessoas de Martinésia encaminhem um abaixo-assinado requerendo o 
asfaltamento e indicando as ruas que necessitam dessa estrutura. [...] Quanto 
a parte de lazer e cultura, a Secretaria Municipal de Cultura adiantou que o 
distrito não foi esquecido. Faz parte dos planos da secretaria desenvolver, 
uma vez a cada mês, em todos os distritos, atividades culturais, como 
música, dança e teatro.208 
 
Nessas passagens, os eventuais destinatários das reivindicações mencionadas na outra 
reportagem são convidados a dar explicações ou respostas à população de Martinésia. Nesse 
sentido, a fala do assessor da secretaria de Saúde — parece-me — é a que expressa uma 
maneira de tratar os distritos pela administração municipal de Paulo Ferolla (1993–6). A 
justificativa é que a realidade vivida pelo distrito é mais ampla do que não só a do município, 
mas também a do país. Essa maneira de ver as demandas da população como um todo serve, 
no fundo, para justificar o não atendimento de reivindicações; parece que o atendimento 
deficitário é a regra. Logo, os moradores devem se conformar com o que está posto, pois se 
trata de uma realidade compartilhada por moradores do país inteiro. Daí que são levados a se 
conformarem com a situação vivida. 
Atendimento à saúde é uma questão cara aos moradores dos distritos. Tais quais seus 
pares de outras partes do município, eles se submetem à lógica do atendimento básico nas 
unidades de saúde e encaminhamento dos casos mais complexos para o Hospital de Clínicas 
de Uberlândia. Em maio de 2012, o jornal Correio publicou, na coluna “Ponto de vista”, um 
texto do médico sanitarista Nilton Pereira Júnior que aborda os resultados de uma pesquisa do 
Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) sobre o que a população 
identifica como seus maiores problemas. Em Uberlândia, a população apontou a saúde como a 
grande preocupação.209 Passagens de um diálogo entre Suzicarlei, senhor Honório e eu 
oferece um panorama da saúde no distrito de Tapuirama: 
 
Suzicarlei — Aí, na reivindicação da saúde, tem médico, hoje tá vindo três 
vez na semana. Mas antes tava vindo só uma. Aí, tem ambulância, funciona 
aqui de segunda a segunda, mas só durante o dia. 
Renata — [Risos] Se passar mal à noite? 
Suzicarlei — Das sete da manhã às sete da noite. 
[...] 
Então, se uma pessoa passa mal à noite é muito mais difícil? 
Suzicarlei — Aqui sempre a gente fala: “Ó, pessoal, num adoece à noite, 
não! Só de dia, tá?”. 
                                                        
208 MARTINÉSIA terá novos benefícios em breve. Correio do Triângulo, Uberlândia, MG, 24 de abril de 1994, 
ano 55, n. 16.536, “Cidades”, p. 10. 
209 PEREIRA JÚNIOR, Nilton. Saúde pública. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 29 de maio de 2012, 
ano 74, n. 22.693, “Ponto de vista”, p. A2. Cf. ainda SANTOS, Ivan. Saúde pública em Uberlândia. Correio de 
Uberlândia, Uberlândia, MG, 25 de maio de 2012, ano 74, n. 22.689, “Opinião”, p. A2. 
130 
 
Honório — Pois é, então, aí num fica difícil? 
[...] 
Honório — Agora, o pior é isso aí: das sete da manhã às sete da noite. 
Suzicarlei — Das sete da manhã às sete da noite. 
Honório — Aí tem que chegá e falá, falá: “Não, num adoece de noite, não! 
Adoece só de dia, gente! Senão dá zebra. 
[...] 
Suzicarlei — Agora vê. Aí era uma vez por semana, passô a ter três vezes 
por semana. 
Um clínico geral? 
Suzicarlei — Clínico geral. 
Pediatra... nada? 
Suzicarlei — Ginecologista nem pensá. Essa, esse segundo abaixo-assinado 
que eu tô ali, tá falano sobre isso. Onde é que tá o clínico geral? Tá ali, 
fazeno o papel dele. Onde está o ginecologista? Onde tá o pediatra? Ah, mas 
o clínico-geral atende todo mundo. Eu sei. Mas num podia vim uma vez por 
semana um ginecologista? Num podia vim uma vez por semana um 
pediatra? 
Honório — É! 
Suzicarlei — Ah! Num tem médico? Uai, então contrata esse médico! [...] 
Então isso aí deixa muito a desejar. Dia de, de terça-feira é o dia de mais 
movimento lá, que atende mais pessoas, porque o médico fica o dia inteiro. 
Os outros ou ele fica parte da manhã, ou ele fica a parte da tarde. Mas é 
melhor do que nada. Aí, fica ali no quarteirão da minha casa ali, o pessoal 
sobe brigano ali: “‘Ah, porque num tem remédio!’, ‘Eu precisava do remédio 
da pressão, num tem’. ‘Eu precisava do remédio pra isso e num tem’. ‘Eu 
precisava do remédio pra isso, agora eu vou ter de ir lá no Uberlândia pra 
buscá o remédio’”. E a minha menina é — a mais velha — é, é diabética, 
então ela faz uso de insulina, insulina que eu pego ali. No início da doença 
dela, que hoje já tá com dez ano que ela tá doente, mas no início da doença, 
eu passei problema demais, porque ali nunca tinha nada. 
Honório — Aqui é custoso, né?!210 
 
A fala dos entrevistados apresenta a situação da saúde em Tapuirama como indistinta 
daquela dos outros três distritos. Nas unidades de saúde aí instaladas, há médicos que fazem 
atendimentos mais simples — clínicos gerais; quando veem como necessário, encaminham o 
paciente para exames e tratamentos especializados em Uberlândia. Os entrevistados frisam a 
presença da ambulância no distrito entre 7h e 19h, o que dificulta as coisas para quem passa 
mal à noite — referência que usam para mostrar a precariedade do viver nesse lugar e 
depender do sistema público de saúde, na maioria das vezes insatisfatório e ineficiente.211  
                                                        
210 FAGUNDES, 2012; FONSECA, 2012. 
211 Os autores Gedeon G. F. e Silva e Julio Cesar de L. Ramires caracterizaram o sistema de saúde de Uberlândia 
e mapearam dados dos distritos sanitários. Chegaram à conclusão de que há um estrangulamento desse sistema, 
provocando a insatisfação da população que se vê obrigada a se submeter a filas gigantes para garantir consultas 
e exames; isto é, a população que não pode pagar pela saúde. SILVA, Gedeon Gomes Figueira; RAMIRES, Julio 
Cesar de Lima. O acesso à saúde em Uberlândia: o exemplo das Unidades de Assistência Integrada. Disponível 
em: 
http://www.geografiaememoria.ig.ufu.br/downloads/Julio_Cesar_De_Lima_Ramires_O_ACESSO_A_SAUDE_
EM_UBERLANDIA_O_EXEMPLO_DAS_UNIDADES_DE.pdf. Acessado em: 16 ago. 2013. 
131 
 
Em reportagem de jornal já citada neste capítulo é abordado o transporte em 
Martinésia, do qual a população estaria reclamando; isto é, dos poucos horários de ônibus 
disponíveis, que impediam ou dificultavam a ida até Uberlândia. Até 2000, a empresa extinta 
Transportes Coletivos Uberlândia (TRANSCOL) mantinha uma linha de ônibus que atendia 
os moradores de Martinésia e Cruzeiro dos Peixotos em duas viagens diárias, conforme a 
descrição da reportagem. Na reunião do Conselho Comunitário de Desenvolvimento Rural de 
Martinésia realizada em junho de 1989, esse assunto foi um ponto discutido. Um ex-
presidente do conselho falou da necessidade de fazer:  
 
[...] um pedido ao secretário de Serviços Urbanos de Uberlândia no sentido 
de reformular a linha da Transcol que serve na ligação: Uberlândia–Cruzeiro 
dos Peixotos–Martinésia–Pontal, aos domingos, objetivando facilitar a vida 
das pessoas em seus deslocamentos da zona rural para a cidade e vice-
versa.212  
 
Uma moradora do distrito salienta a necessidade de que o “[...] CODERM [Conselho 
Comunitário de Desenvolvimento Rural de Martinésia] [...] [interceda] junto à Transcol para 
que os horários de ônibus sejam cumpridos”.213 Essas falas indicam a insatisfação com o 
serviço de transporte. Na reportagem citada214, os moradores reclamam da dificuldade que os 
horários limitados impõem a quem precisa ir à cidade.  
A fala do ex-presidente do CODERM sugere uma questão menos localizada, pois ele 
reclama da falta de transporte aos domingos; certamente porque a necessidade de ir à cidade 
supunha mais que resolver questões bancárias, burocráticas e fazer compras; pela fala, 
pode-se supor que a ida à cidade fosse, também, uma busca por lazer, nos espaços públicos 
ou como visita a amigos e parentes. Locomover pelo espaço é, portanto, mais que transitar 
fisicamente, porque se vincula a um sentimento de pertencimento215 ao lugar, que o ex-
presidente entende como parte de sua vida. Mais que necessidade de locomoção pura e 
simples, trata-se da possibilidade de buscar alternativas para melhorar ainda mais as 
                                                        
212 MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. Conselho Comunitário de Desenvolvimento Rural de 
Martinésia/CCDR. Livro de atas 1. Ata de reunião de 9 de junho de 1989. Manuscrito, p. 37. 
213 MARTINÉISA, 9 jun. 1989, p. 49. 
214 FALTA de infra-estrutura tira o sossego de Martinésia. Correio do Triângulo, Uberlândia, MG, 19 de março 
de 1994, ano 55, n. 16.532, “Cidades”, p. 10. 
215 A noção de pertencimento se apoia no trabalho de Antonio Augusto Arantes, para quem “O termo cidadania 
envolve pelo menos dois aspectos que convém destacar logo. Em primeiro lugar, ele se refere ao sentimento de 
pertencer, compartilhar interesses, memórias e experiências com outrem, sentir-se parte de uma ampla 
coletividade, possuir valores em comum e sentimentos profundos, carregados de conteúdos emocionais e força 
simbólica. Pertencer a uma classe, grupos, categoria ou nação é possuir uma localização no mapa social 
reconhecida como legítima e situar-se num espaço físico compartilhado”. ARANTES, Antonio A. Desigualdade 
e diferença — cultura e cidadania em tempos de globalização. In: ______. Paisagens paulistanas: 
transformação do espaço público. Campinas: ed. UNICAMP, 2000, p. 132–3. 
132 
 
condições de vida pelo acesso a direitos num espaço que ele entende como seu. Daí o 
sentimento de pertença. 
Assim como em Martinésia, a questão era discutida nas reuniões da associação de 
moradores de Tapuirama; na reunião de 8 de outubro de 1997 estavam presentes o então 
vereador Vilmar Rezende e o assessor especial da Secretaria de Trânsito e Transportes. O 
vereador abriu a reunião falando da questão dos transportes, depois o assessor explicou “[...] o 
que está acontecendo com o transporte coletivo que foi prometido para Tapuirama e falou 
também sobre a vinda de um ponto de táxi para a comunidade de Tapuirama”.216 O texto da 
ata não detalha as falas, mas acredito que a presença de autoridades para dar explicações à 
população indique insatisfação dos moradores com as possibilidades de se locomoverem 
através do município. 
A pressão exercida pelos moradores levou o poder público a atender essas 
reivindicações. Em 2000, o sistema de transportes coletivos de Uberlândia, implantado em 
1997, integrou Martinésia, Cruzeiro dos Peixotos e Tapuirama como rota. O Correio 
noticiou o fato com esta manchete: “Distritos estão integrados ao SIT”,217 à qual se segue 
um texto que menciona, como grande vantagem da integração, o barateamento dos custos 
do transporte para a população dos distritos; o texto aponta a isenção do pagamento da 
passagem para idosos e pessoas que têm necessidade especiais, assim como o desconto para 
os estudantes. Ainda aborda a não integração do distrito de Miraporanga — 
equivocadamente mencionado como Martinésia —, justificada pela falta de pavimentação 
da rodovia que dá acesso ao distrito.  
De fato, os pontos apontados na reportagem foram importantes para os moradores, 
pois antes pagavam tarifas de transporte rodoviário e agora pagam o mesmo que os 
moradores de Uberlândia; além disso, idosos e estudantes passam a ter acesso à isenção e 
ao subsídio. A implementação das linhas Terminal Umuarama–Martinésia/Cruzeiro dos 
Peixotos) e Terminal Umuarama–Tapuirama não resolveu todos os problemas dos 
moradores relativos ao transporte, mas abriu um novo campo de possibilidades para 
muitos que puderam continuar a morar nos distritos e trabalhar/estudar no distrito-sede.  
A integração do distrito de Miraporanga aconteceu em fevereiro de 2013: treze anos 
após os demais distritos se integrarem. Em entrevistas com moradores de Miraporanga, o 
transporte se projeta como problema recorrente na fala deles: 
                                                        
216 TAPUIRAMA — distrito de Uberlândia, MG. Associação dos Moradores do Distrito de Tapuirama/AMDT. 
Livro de atas 2. Ata de reunião de 8 de outubro de 1997. Manuscrito, p. 13–4. 
217 DISTRITOS estão integrados ao SIT. Correio, Uberlândia, MG, 11 de novembro de 2000, ano 62, n. 18.568, 
“Cidades”, p. B2. 
133 
 
Rosana — A estrada também foi feita, que eu fiquei muito contente! Um 
pedaço aqui, outro acolá. Mas num tem problema! De primeiro, a gente ia, e 
o carro quebrava no caminho... [risos]. Lá vem a gente ficá debaixo das 
moita! Daqui que vinhesse um carro, pra pegá a gente! Ave Maria! Já tem 
sofrido muito! E num dava tempo pra gente resolvê... Só era entrá no banco, 
só era o ônibus chegá pegano. [...] Eu num pago, né?! Esse ônibus daqui nós 
paga. Eu pago, seu Hélio paga, dona Tereza paga. Mas podia botá ônibus aí 
que já tá a estrada, bem dizê, pronta. Certo? Mas, como é que a gente vai 
resolvê isso? 
Geovanna — Como a senhora acha que seria possível? O quê que a senhora 
acha que poderia fazer? 
Rosana — Era botá ônibus pra cá, né?! Pros pobrezinho dos véio ter um. 
[Seria] uma paz! Sai de oito hora [da manhã], sai daí de oito e meia, vamo 
pra cidade. De quatro hora [16h], a gente tá voltano. E teno ônibus pra lá e 
pra cá, era uma beleza, num era?! 
Renata — Vocês usam o ônibus de Campo Florido? É isso? 
Rosana — Isso! 
Renata — Ele vai oito e meia da manhã? 
Rosana – É! 
Renata — E volta às? 
Rosana — Quatro hora da tarde. E a gente tem que fazê as coisa tudo rápido, 
correno! Tem vez que eu nem como! [...] Com fome, dinheiro na bolsa e 
num posso comê, porque se eu me sentá pra comê, tem outro serviço pra 
fazê. Ou, ai se botasse ônibus, ai, ai meu Deus! Da prefeitura... [...] Então, é 
na segunda, na terça num tem ônibus, na quarta tem. Na quinta num tem, só 
tem na sexta e no sábado. Pronto! 
Geovanna — Quarta, sexta e sábado. 
Rosana — Sim. Tem vez que a pessoa é doente, qué no ônibus pra pegá lá 
um médico, né? Num pode. 
Nora [de Dona Rosana] — Chega lá que hora? Umas dez e pouca [da 
manhã], sai pro banco, enfrentá fila, pegá dinheiro, pra fazê compra... Cê 
acha que dá, que hora que é? Aí já tem que corrê lá, tem que corrê pro ponto 
pra pegá, [...] Já viu falá num mercado lá, nóis vai pra lá. Pega um ônibus do 
coletivo, pra ir pra lá, esperá o ônibus daqui. 
Rosana — Que era Bom Dia antigamente... 
Nora — Se perdê, já era. Cê fica na cidade. 
Rosana — Agora é Amauri. 
Nora — Se perdê a hora do ônibus, já era. Cê fica lá, lá plantado. E tem o dia 
deles passá, segunda, quarta, sexta e sábado. E sábado é mais cedo que ele 
sai de lá, a gente quase morre. [...] 
Rosana — As minhas compra eu compro tudinho, o que tá faltano... deixo ali 
na praça e o carro de mão pega... O home vai buscá. 
Nora — Agora, segunda-feira memo nóis vai lá pra cidade... 
Rosana — É duas, três viagem que ele dá. 
Geovanna — O carrinho? 
Rosana — Isso, carrim de mão... 
Nora — O carrim de mão... tem que ir buscá. 
Rosana — É, minha fia! A vida é cruel [risos]!218 
 
                                                        
218 NASCIMENTO, Rosana (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 25 de fevereiro de 2012. Arquivo de 
mp3 (27 minutos). Entrevista concedida a mim na residência dela, com participação da nora em alguns 
momentos. 
134 
 
Nesse trecho do diálogo, elas se referem às dificuldades causadas pela falta de 
transporte todos os dias da semana. Falam das dificuldades de locomoção até a cidade de 
Uberlândia; isto é, dos problemas da estrada, em fase de pavimentação à época da entrevista; 
pavimentação que ela entende como avanço: “eu fiquei muito contente”. Mas reivindica o 
ônibus, pois a estrada estava sendo melhorada. A linha usada pelos moradores não tinha 
viagens diárias, o que lhes gerava problemas: “Tem vez que a pessoa [...] qué o ônibus pra 
pegá lá um médico [...] Num pode”. Além disso, outro entrave mencionado por elas é o pouco 
tempo que o ônibus permanecia na cidade — “tem que fazê tudo [...] correno!”. O tom da fala 
e a maneira como expressaram suas percepções deixa entrever certo ressentimento pela falta 
de atenção com os moradores do lugar onde vivem, sobretudo porque a dificuldade de 
locomover afeta vários aspectos de suas vidas, inclusive a saúde, em casos de emergência.  
Entretanto, para quem não podia contar com o favor de um amigo, conhecido ou 
vizinho, sair do distrito se tornava quase impossível quando não havia linha de ônibus. Talvez 
por causa dessas dificuldades, dentre outras, Rosana encerre essa parte da nossa conversa com 
uma constatação que sintetiza parte do que entendia como sua realidade e realidade de seus 
pares: “É minha fia, a vida é cruel!”. 
No dia 4 de fevereiro de 2013, começou a operar a linha de ônibus terminal Planalto–
Miraporanga, que faz duas viagens de ida e duas de volta, todos os dias da semana. No dia 7, 
o Correio noticiou o início da operação da linha, em um texto ilustrado por uma fotografia 
com esta legenda: “Francelina da Silva disse que ônibus possibilitará que a neta trabalhe na 
cidade”.219 No texto se lê que  
 
A dona de casa Francelina Carlos da Silva e outros nove passageiros 
embarcaram, na manhã de terça-feira (5), no ônibus coletivo da linha D 481, 
no distrito de Miraporanga, para uma viagem de aproximadamente uma hora 
pelos 50 km que separam a localidade do terminal do bairro Planalto, na 
zona oeste de Uberlândia. Demanda antiga da população, a linha começou a 
operar na última segunda-feira e circula diariamente, em dois horários de ida 
e dois de volta, com passagem de R$ 2,85. Francelina da Silva, que veio para 
Uberlândia para pagar as contas do início do mês, conta que, até a semana 
passada, com a inexistência de uma linha vinculada ao Sistema Integrado de 
Transporte (SIT), os moradores de Miraporanga só conseguiam ônibus para 
viajar à cidade em três dias da semana, geralmente às segundas-feiras, 
terças-feiras e aos domingos. E ainda pagavam mais caro, R$ 8,50 pelo 
mesmo trecho. “Antes dessa linha (D 481), tínhamos um ônibus de uma 
viação rodoviária com horários incertos e a viagem que demorava mais de 
uma hora. Agora, teremos muita facilidade para ir e voltar de Uberlândia.” 
Para a vendedora Keren Jolita de Almeida, a nova rota viabilizada pela 
Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes (Settran) vai mudar a rotina 
                                                        
219 MIRAPORANGA conta com linha de ônibus. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 7 de fevereiro de 
2013, ano 75, n. 22.947, “Cidade e região”, p. A5. 
135 
 
da família. No início da manhã de anteontem, ela viajou para Uberlândia 
com o intuito de, em pouco tempo, comprar material escolar para dois de 
seus três filhos. [...] De acordo com o assessor municipal de transporte da 
Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes (Settran), Divino dos Santos, 
a nova linha inaugurada nesta semana deve dar a oportunidade para que 
moradores do distrito trabalhem na cidade. “Graças à reivindicação dos 
moradores, implantamos essa linha de Miraporanga. Acredito que, nos 
próximos meses, ocorra a adaptação dos passageiros e a rota de Miraporanga 
repita a aceitação da linha D 282, que, diariamente, leva dois ônibus de 
trabalhadores de Tapuirama para Uberlândia”, afirmou Santos.220 
 
O texto constrói uma ideia de que a linha de ônibus então recém-criada torna o distrito 
parte da cidade: é como se estivessem separados e o ônibus os ligasse. Mas os moradores de 
Miraporanga já eram parte desse lugar e se sentiam assim; já lutavam e reivindicavam há 
tempos seu direito de transitar com mais facilidade. Se é inegável que o ônibus ajuda a 
resolver muitos problemas de deslocamento — aspecto importante para muitos moradores —, 
ele não inaugura um pertencimento a esse lugar: as pessoas já o disputavam e já buscavam, 
nas brechas e alternativas de vida, transitar pela cidade e usufruir daquilo que ela podia lhes 
oferecer. A fala do assessor da Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes que finaliza o 
texto reforça a possibilidade que a linha de ônibus abre: a de os moradores do distrito 
trabalharem na cidade. Possibilidade relevante para quem mora em Miraporanga. Nos demais 
distritos, já era uma realidade, pois muitos procuram na cidade as oportunidades de emprego 
formal que proporcione estabilidade e benefícios.  
Esse aspecto, porém, repercute em outras reivindicações. No caso de Tapuirama, se 
antes os moradores reivindicavam uma linha de transporte coletivo, hoje pedem mais 
horários e reclamam da superlotação do ônibus. Em 2009, Ademar Luiz Vieira Neto 
analisou a linha distrital terminal Umuarama–Tapuirama (linha D 282, conforme a 
nomenclatura do sistema de transporte) em sua monografia de graduação em Geografia da 
Universidade Federal de Uberlândia. Alguns dados de sua pesquisa contribuem para a 
discussão desenvolvida nesta parte da tese. O autor aplicou questionários com os 
moradores de Tapuirama enfocando uma série de aspectos. Trago para esta discussão a 
finalidade da linha, os horários mais movimentados, a quantidade de horários e os 
incômodos da viagem. As figuras a seguir reproduzem gráficos que traduzem os dados 
levantados, tabulados e analisados pelo autor. 
 
                                                        
220 MIRAPORANGA conta com linha de ônibus. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 7 de fevereiro de 
2013, ano 75, n. 22.947, “Cidade e região”, p. A5. 
136 
 
 
 
FIGURA 11 – Dados relativos à finalidade do uso de transporte coletivo na linha terminal Umuarama–
Tapuirama conforme a opinião de usuários residentes em Tapuirama, distrito de Uberlândia, 
MG — 2009 (fig. recortada para fins estéticos e de ajuste à diagramação da tese)221  
 
 
 
 
 
 
 
 
FIGURA 12 – Dados referentes a horários de mais movimento de passageiros na linha de ônibus D282 
no sentido Tapuirama–Uberlândia conforme a opinião de usuários residentes em 
Tapuirama, distrito de Uberlândia, MG — 2009 (fig. recortada para fins estéticos e de 
ajuste à diagramação da tese)222 
 
 
 
                                                        
221 NETO, Ademar Luiz Vieira. Transporte público de Uberlândia: análise da linha distrital de Tapuirama. 
2009. Monografia (Graduação em Geografia) — Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, p. 
17 
222 NETO, 2009, p. 8. 
137 
 
 
 
FIGURA 13 – Dados relativos aos horários de mais movimento de passageiros na linha de ônibus 
D282 no sentido Uberlândia–Tapuirama de acordo com a opinião de usuários que 
residem em Tapuirama, distrito de Uberlândia, MG — 2009 (fig. recortada para fins 
estéticos e de ajuste à diagramação da tese)223 
 
 
 
 
 
FIGURA 14 – Dados relativos aos incômodos durante a viagem da linha de ônibus terminal Umuarama-
Tapuirama segundo a opinião de usuários residentes em Tapuirama, distrito de Uberlândia, 
MG — 2009 (fig. recortada para fins estéticos e de ajuste à diagramação da tese)224 
 
Com base no gráfico da Figura 11 — que apresenta dados sobre os usos da linha de 
ônibus —, grande parte da população de Tapuirama a usa para trabalhar ou estudar em 
Uberlândia. Os gráficos com dados de horários mais utilizados pela população (FIG. 12 e 13) 
evidenciam isso ainda mais; notem-se os dois primeiros horários de saída do distrito rumo à 
Uberlândia e o número significativo de usuários dos últimos horários que vão para o distrito. 
                                                        
223 NETO, 2009, p. 26.  
224 NETO, 2009, p. 19.  
138 
 
Noutros termos, as pessoas deixam o distrito em grande medida para trabalhar ou estudar na 
cidade. Nesse caso, faz sentido a reclamação dos moradores quanto à superlotação. 
Acrescente-se que divergem as pessoas entrevistadas quanto à disponibilidade de horários: 
pouco mais da metade acha satisfatório, mas um número significativo discorda.225 Se 
pensarmos que essa população se desloca para trabalhar ou estudar, é justificável que 
reivindique solução para o problema da superlotação, posto que nesses horários de pico se 
avoluma o número de pessoas que viajam quase uma hora em pé. (No caso de quem vai 
enfrentar um dia de trabalho ou estudo, o cansaço começa bem cedo.) Como trabalhar na 
cidade se tornou opção para que muitos moradores busquem suprir suas demandas para 
melhorar suas condições de vida, o mínimo que desejam é se deslocarem sem tantos 
desconfortos. 
Essa realidade é compartilhada pelos moradores do distrito-sede que se apertam em 
ônibus lotados para chegar ao local de trabalho. Uma busca rápida na internet sobre a situação 
do transporte público de Uberlândia mostrará notícias e, sobretudo, reclamações de usuários 
do transporte coletivo na coluna “Opinião do leitor”, do Correio de Uberlândia. As 
reclamações giram em torno da superlotação dos ônibus e do tempo de espera nos pontos, 
como se pode ler em dois exemplos que identifiquei em minha busca: 
 
ÔNIBUS LOTADOS 
Não escrevo ao CORREIO de Uberlândia para criticar o prefeito, mas andar 
de ônibus em Uberlândia está muito difícil. Os ônibus estão muito lotados 
em todas as horas do dia e, no meu entender, a prefeitura precisa exigir que 
as empresas coloquem mais ônibus nas linhas. 
Jair Pessoa Lima 
Consultor de Negócios226 
 
TRANSPORTE PÚBLICO 
Após percorrer um trajeto de uma linha de ônibus e a bordo dele com destino 
a um bairro de Uberlândia (exemplo, o 120, que vai para o bairro Jardim da 
Palmeiras), em horários de pico, pode-se notar certo desdenho com a classe 
que utiliza este meio de transporte. O intervalo de tempo entre um ônibus e 
outro em horário de pico é o mesmo dos horários normais e a consequência é 
o acúmulo de passageiros nos pontos e a superlotação dentro dos 
automóveis. Tudo isso gera irritação dos passageiros, dos motoristas e de 
todos que se envolvem com este trabalho, já que nem sempre conseguem 
embarcar na hora desejada, devido à superlotação. 
Wésiton Borges — Geógrafo, Uberlândia (MG)227 
                                                        
225 Cerca de 52% consideram satisfatória a quantidade de horários da linha — NETO, 2009, p. 22. 
226 ÔNIBUS lotado. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 29 de março de 2014, ano 76, “Opinião”. 
Disponível em: 
<http://www.correiodeuberlandia.com.br/opiniaodoleitor/2014/03/29/anular-os-votos/>. Acesso em: 14 maio 
2014. 
227 TRANSPORTE público. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 21 de fevereiro de 2011, ano 73, n. 
22.230, “Opinião do Leitor”, p.A2. 
139 
 
Em minha busca, encontrei um documento elaborado pelo vereador Adriano Zago 
(Partido do Movimento Democrático Brasileiro/PMDB), em 2014, sobre a situação do 
transporte público na cidade de Uberlândia. No fim de 2013, ele usou ônibus para se 
locomover pela cidade durante dez dias e publicou um relato dessa experiência. O texto 
aponta problemas que a população elenca em relação ao transporte: falta de abrigos nos 
pontos, insegurança nas viagens (assaltos), superlotação em horários de pico, tempo de espera 
e trajeto, dentre outros. Na parte do relatório sobre a visão dos usuários, ele trata da 
experiência dos moradores dos distritos de Martinésia e Cruzeiro dos Peixotos: 
 
Nos relatos dos usuários do sistema, destaca-se o que foi narrado pelos 
moradores dos distritos de Uberlândia. Reclamações que são comuns tanto 
aos cidadãos de Martinésia, quanto de Cruzeiro dos Peixotos, bem como aos 
demais usuários do transporte público, porém, naquela fala dos moradores 
dos referidos distritos, tais denúncias se encontram exponenciadas por suas 
gravidades e absurdos. Depoimentos indicam a escassez de horários e de 
carros para que as demandas (profissionais e pessoais) sejam atendidas com 
a mínima eficiência, por conta da recorrente superlotação nos horários de 
pico. Além disso, tanto nos finais de semana e feriados ou mesmo após as 
19h (é o horário da última corrida), os demais horários são completamente 
inadequados, sobretudo nos finais de semana. É como se Cruzeiro dos 
Peixotos e Martinésia desaparecessem do mapa. Não obstante às longas 
esperas, existe um rodízio de quem viaja sentado, já que os passageiros que 
escapam de viajar de pé são aqueles que têm a sorte de terem o ônibus, 
primeiro, em seu ponto, ou seja, quando o carro passa em Martinésia, 
primeiro, são os moradores de Cruzeiro dos Peixotos que, ao longo de 45 
minutos, permanecem em pé (ou sentados nos degraus das escadas); e vice-
versa.228  
 
Como se lê, os problemas listados reiteram os que citei antes — horários e 
superlotação, por exemplo. Numa palavra, são problemas compartilhados por toda a 
população uberlandense. Como vereador, o que Adriano Zago fez tem cunho político: ele 
precisa dar respostas à população que o elegeu; mas o resultado de sua iniciativa oferece 
subsídios para uma reflexão sobre o transporte púbico uberlandense como direito da 
população que precisa de mais prioridade nas políticas públicas. O transporte é, desse modo, 
uma questão que permeia momentos diferentes nos distritos. É um direito disputado ao longo 
do tempo: ora se ganha, ora se perde; ora se alcançam as melhorias. Se o acesso ao transporte 
coletivo é uma demanda suprida substancialmente em todos os distritos, novas demandas e 
                                                        
228 ZAGO, Adriano. 10 dias de ônibus em Uberlândia — problemas e soluções. Relatório final. 2014. 
Disponível em: 
<http://www.adrianozago.com.br/wp-content/uploads/2014/04/Relatorio_10-dias-de-onibus.pdf>. Acesso em: 14 
maio 2014. 
140 
 
novos problemas se impõem, de tal modo que os moradores reivindicam novos direitos 
associados com necessidades antigas e supridas só em parte.  
Se a integração dos distritos pelo sistema de transporte criou possibilidades de seus 
moradores trabalharem na cidade, o fechamento do laticínio de Cruzeiro dos Peixotos e da 
fábrica de doces de Martinésia, em 1997, — noticiado pelo Correio — impôs uma situação 
inversa: a do desemprego.  
 
O descontentamento das mulheres que trabalhavam no laticínio em 
Cruzeiro dos Peixotos e na fábrica de doces em Martinésia, ambos 
localizados nos distritos de Uberlândia, e fechados há mais de três meses, 
está estampado na vida simples dessas pessoas. As famílias que já 
contavam com um salário mínimo por mês, hoje, sem o trabalho, passam 
por dificuldades financeiras, já que as cidades não oferecem outros 
empregos. [...] A dona de casa Marisa de Paula, que também trabalhou no 
laticínio durante todo tempo de funcionamento, está revoltada com a 
decisão da prefeitura e não acredita no retorno da fábrica. “Já está há 
muito tempo parada. Perdi as esperanças.” Ela disse que apesar de o 
salário ser pouco, R$ 120,00, ajudava nas despesas. Marisa que é casada 
e possui dois filhos, não vê perspectivas de emprego. O fechamento das 
duas fábricas também interferiu no pequeno comércio de Cruzeiro dos 
Peixotos e Martinésia [...] sem a renda fixa do laticínio as mulheres 
diminuíram o poder de compra.229 
 
O foco dessa notícia são as dificuldades de encontrar emprego em Martinésia e Cruzeiro 
dos Peixotos, situação que teria se agravado com o fechamento do laticínio e da fábrica. Nesse 
caso, pensada nessa amplitude, a situação da locomoção dos moradores permite dizer que a 
reivindicação por transporte coletivo, pela extensão dos horários e pela diminuição da 
superlotação se alinha à busca de alternativas de trabalho e vida para os moradores — isto é, 
emprego na cidade. A reivindicação vai além do conforto nas viagens e das opções de horário: 
significa disputar socialmente a possibilidade de conquistar postos de trabalho em Uberlândia: 
espaço que eles entendem como também deles, e não como realidade à parte do distrito. Prova 
disso é que tencionam o poder público para verem atendidas suas reivindicações.  
As opções de emprego mais encontradas pelos moradores se concentram em empresas 
atacadistas e supermercados. Algumas mulheres trabalham como diaristas ou domésticas. À 
possibilidade do emprego na cidade se alinha uma opção de lazer para eles, em certa medida 
facilitada pela opção do transporte. Em entrevista de 2005 com o senhor José Geraldo, 
morador de uma fazenda do distrito de Martinésia, ao ser perguntado sobre a relação com a 
cidade, ele mencionou as transformações da vida e como a cidade é uma opção até de lazer 
para quem mora nos distritos: 
                                                        
229 VIDA difícil nos distritos. Correio, Uberlândia, MG, 11 de outubro de 1997, ano 59, n. 17.612, “Cidades”, p. 9. 
141 
 
[...] o mundo vai evoluindo. Hoje, quer dizer, nós temos uma estrada 
pavimentada, você tem, por exemplo, aqui hoje o Sistema Integrado de 
Transporte, quer dizer, dentro de Uberlândia, também faz é, esse distrito, 
quer dizer e daí, nós falamos com a energia, hoje temos aqui a oportunidade 
de ter a internet aqui. Então você passa a morar na zona rural tendo uma vida 
muito parecida, você praticamente vivendo, assim, tudo que se tem na 
cidade. Você participa, você sai daqui, é coisa de meia hora, você tá lá 
dentro de Uberlândia, em qualquer lugar. Você pode tá num cinema, num 
teatro, em qualquer local, num shopping, né? Então a relação hoje é, hoje é, 
acho que é bem diferente; e, assim, eu acho que pra melhor. Você gasta 
muito mais também [risos]. Mas você vive melhor, numa condição de vida 
melhor.230 
 
O entrevistado fala de como a vida mudou e não isola da mudança o distrito onde 
mora. Sente-se parte do processo de transformação e indica que em sua infância a relação 
com a cidade se guiava por questões mais práticas: adquirir algum bem que não havia no 
distrito e resolver questões bancárias, por exemplo. No momento da entrevista, aponta que 
essas relações foram estreitadas e facilitadas pela pavimentação da rodovia de acesso e 
pela integração ao sistema de transporte. Na leitura dele, abriu-se a possibilidade de os 
moradores do distrito chegarem à cidade de uma forma menos penosa e usufruir dela, 
inclusive de suas opções de lazer. Ele cita como exemplos o cinema, o teatro e os 
shopping centers.  
Contudo, tendo em vista que os shoppings centers passaram a abrigar o cinema, ao 
menos em Uberlândia, assistir a um filme no cinema supõe gastar um montante que talvez 
faça desse lazer uma opção acessível a poucos. Não por acaso ele toca nesse ponto, que 
considero fundamental. Se a vida melhorou, não foi sem custos: hoje se gasta mais. Logo, 
se as opções de lazer oferecidas pela cidade são para poucos dentre os muitos que moram 
nela, também o são nos distritos, pois estes espaços não escapam aos efeitos da 
desigualdade social. Ainda que a estrada pavimentada e o ônibus facilitem o acesso à 
diversão na cidade, não asseguram para muitas pessoas o acesso a opções de lazer como o 
cinema. 
A fala dos moradores Nadia e José Luis caminha na direção que segue a interpretação 
de José Geraldo: 
 
Nádia — Acho que o meu pai, qué dizê, que mudô o estilo de vida que as 
pessoas tá levano hoje. [Por]Que de primeiro era o quê? Só casa, é trabalho 
e... é, como é que fala? Trabalhava na roça e vinha pra casa. Agora, não! 
Agora é o quê? A pessoa tem mais, eu acho que tem mais opções de lazer e 
                                                        
230 PACHECO, José Geraldo. Martinésia, Uberlândia, MG,19 de junho de 2005. Arquivo de mp3 (31 minutos). 
Entrevista concedida a mim em sua residência. 
142 
 
de primeiro num tinha... É... Num sei, ela faz mais coisas além de trabalhá 
e... 
Renata — E antes era um trabalho na roça? Só? 
José Luís — Na roça é tudo muito sacrificado, nossa! Trabalho custoso, né?! 
Pesado, né?! Cê andava longe pra ir numa roça, e de a pé... Hoje não, hoje cê 
vai trabaiá, cê vai na sua moto, vai na sua condução, hoje ficô tudo mais 
fácil. 
Você acha que hoje é melhor? 
José Luís — Ichi! Muito melhor [risos]. Hoje qualqué pessoa tem o seu 
carro, de primeira pra gente comprá uma, eu pra mim comprá uma bicicleta, 
nossa senhora! Que trabalho que deu, uai! Naquela época, então era tudo 
difícil, era tudo, os carro do povo era tudo véio, quem usava carro novo era 
só os fazendeiro mesmo que podia, né?! Hoje mudô. Hoje fazendeiro, ele tá 
igual um pobre mesmo, porque o pobre tá andano em carro novo, e o 
fazendeiro tá na mesma, né?! [...] 
Você falou que aqui hoje tem mais opções de lazer para as pessoas. O que 
você acha que é essa... 
Nádia — Ai, o lazer que eu falo é porque, ah, eles vai pra praça... Tá teno 
um — como é que fala? — um esporte ali, que é, num sei, é alguma coisa 
volta, algum projeto da UFU que tá sendo desenvolvido ali. Então tá tendo 
ginástica... 
Eu acho que cheguei a ver um projeto de extensão... 
Nádia — É ginástica... 
Umas coisas de música, de viola? 
Nádia — É, umas coisa assim. Então o povo tá envolvido. 
José Luís — É, tem o encontro de viola aqui, todo ano, aí... 
Nádia — É, encontro de viola...231 
 
Pai e filha avaliam essa transformação nas maneiras de viver e — assim como o senhor 
José Geraldo — percebem mudanças nos padrões de consumo, exemplificado pelo senhor José 
Luís por meio dos carros, hoje mais acessíveis a um maior número de pessoas, segundo ele. 
Ambos falam em “mais opções de lazer”, mas entendo que, pelo que vinham narrando, essas 
“opções de lazer” são, na verdade, transformações nos viveres, uma vez que, na sequência, falam 
de como, no passado, a vida estava mais restrita ao trabalho, que era mais sacrificado do que na 
atualidade na visão deles. Quando provoco Nádia sobre o que ela chama de mais opções de lazer, 
ela aponta a praça e as opções proporcionadas por um projeto de extensão da Universidade 
Federal de Uberlândia (UFU); seu pai amplia a resposta citando o festival de viola (vide p. 71–3). 
Nesse momento da entrevista, acredito que apontassem um universo de transformações 
na realidade em que vivem; transformações no trabalho e nos padrões de consumo — isto é, na 
vida social — por que tem passado a sociedade nas últimas décadas e às quais os moradores do 
distrito não escapam, diferentemente do que propagam muitas das imagens sobre eles. Cada 
fonte com que me deparei — entrevistas, textos de jornal, atas — aponta justamente que a vida 
nesses lugares se transformou e se transforma. Muitos dos dilemas dos moradores dos distritos, 
                                                        
231 BIASI, 2012; BIASI, 2012. 
143 
 
também são os dos que vivem nas áreas urbanas mais afastadas do centro de Uberlândia, a 
exemplo do transporte — já discutido. A diferença é que sobre tais lugares não se constroem 
nem se divulgam imagens romantizadas, como se faz em relação aos distritos.232  
O projeto de extensão que a UFU desenvolve no distrito de Cruzeiro dos Peixotos e a 
que se refere Nádia tem como título Enfrentamento da violência contra a criança e o 
adolescente: arte e educação promovendo a autodefesa e o empoderamento de crianças e 
adolescentes do distrito de Cruzeiro dos Peixotos — Uberlândia/MG”. A justificativa do 
projeto, presente em seu termo de referência, aponta que 
 
O perfil socioeconômico das crianças e adolescentes enfocados nesse projeto 
pode ser caracterizado como “baixo, visto que, a maioria vem de famílias 
que moram em fazendas onde [pais e filhos] prestam serviços temporários”. 
Outros são residentes no próprio distrito, onde a renda familiar é proveniente 
do frigorífico local ou da própria cidade aonde os pais vão de ônibus 
trabalharem e só retornam no fim do dia. “As atividades remuneradas 
exercidas por estes pais e até mesmo pelos alunos são de: servente de 
pedreiro, limpeza de quintais, plantio, colheita de hortaliças, construção de 
cerca, extração de basalto e outros. Há pais que são funcionários públicos, 
outros comerciantes e motoristas”. O acesso a atividades culturais, 
esportivas e ao lazer é extremamente reduzido. Haja vista que, salvo os 
projetos desenvolvidos em parceria com a Universidade Federal de 
Uberlândia, é quase inexistente ações voltadas para essas áreas. A 
comunidade caracteriza-se também por ser predominantemente católica, 
sendo os festejos religiosos marca característica do calendário local.233 
 
Os autores do projeto obviamente precisam convencer a sociedade da necessidade de 
implantação do seu projeto, no entanto, para além dessa questão, acredito que ele só encontra 
respaldo no próprio distrito porque ele faz algum sentido para as pessoas que ali vivem e, de 
                                                        
232 O trabalho de Reis discute o significado do direito ao transporte público para as populações residentes nos 
conjuntos habitacionais por ela investigados; e sua discussão aponta problemas como preço da passagem, falta de 
qualidade dos serviços prestados e outras numerosas dificuldades que população empobrecida da cidade enfrenta 
em sua rotina diária de se locomover pelo espaço urbano. Exemplo disso está na experiência de um morador do 
conjunto habitacional Segismundo Pereira no início de sua implantação, que abre caminho a uma reflexão sobre as 
dificuldades de quem precisa de transporte público, tais como demora no trajeto e gastos com transporte. Segundo 
Reis, “Marco Túlio lembra que “quando morava no bairro Cazéca não dependia de ônibus”. Esse depender trouxe 
para o seu cotidiano um constrangimento quanto ao uso do transporte coletivo e de outros caminhos a serem 
percorridos por eles e seus irmãos para chegarem à escola: “… de lá para alcançar é… o centro, Tubal Vilela, a 
gente andava a pé e de lá retornava e ía prá escola, assim tranqüilo. Daí, aqui (no Segismundo) a gente já teve esse 
constrangimento de ter é… participar do transporte urbano (…). Só que o ônibus dava muita volta (…) era 
demorado mais tinha (…) passava dentro do Santa Mônica… do Saraiva, era complicado…”. A obrigatoriedade 
do uso regular do ônibus trouxe, para a família de Marco Túlio, um refazer do orçamento financeiro, efetivando, 
nesse rearranjo, as novas despesas, os estudos dos filhos, como valor moral a ser conservado. A despeito das 
dificuldades expostas, “ninguém largou a escola”. REIS, Maucia Vieira dos. Entre viver e morar: experiências 
dos moradores de conjuntos habitacionais (Uberlândia — anos 1980/1990). 2003. 123f. Dissertação (Mestrado em 
História) — Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia, p. 66. 
233 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA. Enfrentamento da violência contra a criança e o 
adolescente: arte e educação promovendo a autodefesa e o empoderamento de crianças e adolescentes do distrito 
de Cruzeiro dos Peixotos — Uberlândia/MG. Registro 10.346, ano-base 2012. Disponível em: 
<http://www.siex.proex.ufu.br/catalogo>. Acesso em: 5 mar. 2013. 
144 
 
fato, os distritos são espaços carentes de opções de lazer que se restringem muito às festas 
religiosas, às cavalgadas e a algumas partidas de futebol, além dos bares. Enfim, as opções 
são escassas e o senhor Honório também aponta a mesma situação em Tapuirama: 
 
Honório — [...] Porque, igual ela tá falano lá dos exemplo lá do salão, o comércio, 
pra isso aí. É bão demais! Imagina se ocês, a associação, não precisasse de 
dinheiro pra mantê a creche, o quê que ia ter em Tapuirama pro povo?. 
Renata — Então aqui não tem lazer?  
Suzicarlei — Não. [...] 
Além desses, esse exemplos... 
Honório — É. Vê aonde que eu quero né?! Chegá lá. Sinto, aí o quê que 
povo ia fazê? Ia ficá nos buteco bebeno pinga. Então, igual eu tô coretano aí, 
de, de coisá, cortá, não, porque tem que fazê, tem que fazê, final de semana 
tem que tê coisa pro povo ir, tanto faz novo como véio, tem que tê coisa pro 
povo ir, pra miorá o comércio, né?! Tem que tê diversão pro povo! Porque as 
pessoa trabalha a semana inteira, tá cansado, então final de semana...234 
 
Senhor Honório indica que os bailes promovidos pela associação de moradores de 
Tapuirama a fim de arrecadar fundos para a manutenção da creche235 são uma opção de lazer 
significativa no distrito; porque, do contrário, as pessoas acabariam nos bares — segundo diz 
o entrevistado. Com efeito, isso é uma realidade marcante nos distritos pesquisados. Em 
minhas visitas nos fins de semana, era notório o número de pessoas em bares, consumindo 
bebida alcoólica. Os moradores reclamam que, muitas vezes, isso acaba em brigas e em 
barulho excessivo, provocado pelos aparelhos de som nos carros.  
A problemática do lazer é evidente não só nesses lugares, mas também no município 
todo. Embora seja viabilizado pelo ponto de vista da locomoção — facilitada pelo transporte 
coletivo —, nem sempre o lazer disponível na cidade é acessível do ponto de vista econômico. 
Em grande medida, a renda familiar impossibilita a busca de tais opções. Curiosamente, os 
distritos são apresentados pela mídia — como se viu nos capítulos anteriores — na condição 
de espaços de lazer, de “turismo rural”; lugares onde buscar um ambiente diferente do espaço 
da cidade. Mas são espaços de lazer para o outro: a quem não vive ali e busca o “exótico”, o 
que difere da vida na cidade. Embora os distritos sejam “vendidos” como recantos dessa 
busca, seus moradores não possuem ali espaços de lazer, uma vez que compartilham o viver 
cotidiano desse lugar. Noutros termos, para eles, os distritos são o lugar onde vivem, travam 
os enfrentamentos cotidianos e buscam sobreviver ante as contradições capitalistas, que eles 
sentem na pele. Assim, creio  que essa vivência não deixe muito espaço para verem o lugar 
pelo prisma do bucólico, do idílico, do “exótico”.  
                                                        
234 FAGUNDES, 2012; FONSECA, 2012. 
235 A creche se vincula à associação de moradores de Tapuirama, que recebe verba da prefeitura de Uberlândia 
para mantê-la. Ainda assim a associação promove eventos para pagar despesas eventuais que a verba enviada 
não cobre. 
145 
 
Eis por que muitas vezes as falas oficiais, da mídia e da academia se esvaziam. Suas 
temáticas e referências não são as que os moradores entendem como importantes em seu cotidiano. 
Talvez, para um morador desses distritos, faça mais sentido falar em revitalização do campo de 
futebol do que de uma casa que foi de determinada figura importante ou que foi um estabelecimento 
importante. Como se trata de lugares carentes de lazer, talvez seja mais importante e significativo 
melhorar como espaço de lazer o campo de futebol e a quadra poliesportiva. 
Dona Luzia, moradora de Martinésia, faz questão de explicitar seu desejo de relembrar, 
registrar e transmitir a memória dos nomes importantes do distrito, dos prédios considerados 
históricos. Mas em nossas conversas surgiram questões como o futebol; e nesse momento da 
entrevista retomei a questão, já referida por ela em momento anterior da conversa. 
 
Renata — E o futebol, Dona Luzia... A senhora falou que é uma diversão, 
né?!  
Luzia — É. 
Eu me lembro que, quando eu era menina, o futebol aqui em Martinésia era 
uma diversão de família! 
Luzia — De família, era... 
A gente vinha, assistia, pro Cruzeiro, pra Tapuirama, pra Olhos d’água... 
Luzia — Hum Rum... Campeonato rural de futebol. 
É assim até hoje, as pessoas participam... a família? 
Luzia — Até hoje. Participa. Cê precisa vê, agora é de manhã, aos domingo 
de manhã. E a gente sempre vai, né?! E chega lá pra [risos] tá cheio de 
gente! Por que tem o campo [...] num sei se cê já viu. Foi ampliado... agora 
tem, tem bar, tem a arquibancada pra assentá lá, num fica lá de pé... 
Não tem nada disso mais [risos]? 
Luzia: Não!... Tem o vestiário, pra homem e pra mulher... banheiros... É 
muito bem organizado, inclusive eles vão até dá uma reformada. Muito bem 
arborizado, é sombra que é uma beleza. É gramado... o campo. Porque era 
terra. Cê lembra que era terra vermelha, né?! E a gente gosta. Eu gosto, eu 
gosto muito! Cê sabe que quando começou o campeonato rural, é, de futebol 
aí, que a gente gostava muito, num tinha outra coisa assim pra diverti, né?! 
Era o futebol, mas eu comprei um carro só pra acompanhá, porque tinha dia 
que a gente tinha carona, tinha dia que a gente ia em cima de caminhão... 
mas ia, né?! Acompanhava o... [risos]. Eu gosto. 
E as pessoas participam então? 
Luzia — Participa, faz torcida, é... as família, participa. 
E ainda é nos distritos?... 
Luzia — É, esse... agora eu num sei se, se vai terminá agora em maio o 
campeonato, mas é, tem aqui, tem no Cruzeiro, né?! Outro dia tinha aí, eu 
num fui, não. O ano passado eu fui, lá no Tapuirama. Vê uma [partida de] 
final [de campeonato] lá, né [risos]?! Aí nós perdemos em Tapuirama, né?! 
[Risos] Ficamo em segundo lugar. Mas nós já somo tricampeões [risos]!236 
 
Como se pode deduzir dessa fala da entrevistada, os campeonatos rurais de futebol 
foram importantes para ela, a ponto de dona Luzia comprar um carro para acompanhar os 
                                                        
236 BORGES, Luzia Alves. Martinésia, Uberlândia, MG, 20 de abril de 2011. Arquivo de mp3 (42 minutos). 
Entrevista concedida a mim em sua residência.  
146 
 
jogos nos distritos e nas comunidades rurais onde eram realizadas as partidas. Em conversas 
com outros moradores do distrito de Martinésia, alguns têm uma percepção diversa: 
diferentemente da entrevistada, não dão a mesma importância que já deram. Ainda assim, 
destaco a maneira como enfatiza o espaço do distrito onde ocorrem as partidas de futebol, que 
— ela relata — foi melhorado; visto que dona Luzia sabe que compartilho dessa memória, 
convidou-me a rememorar com ela (“cê lembra, que era terra vermelha?”) a transformação 
que, em minha leitura da fala dela, tem um sentido não só de melhoria das condições físicas 
do campo, mas também de valorização do lugar e do significado que aquela prática tem para 
os moradores. 
Embora alguns moradores não vejam os campeonatos rurais de futebol da forma como 
viam no passado — não lhe atribuem a mesma importância —, estes ainda têm um valor 
significativo para muitos porque se trata de um momento de lazer compartilhado por vários 
moradores. Em uma visita minha a Tapuirama em 2012 para gravar entrevistas, ao chegar à 
casa de um morador, alguns amigos dele estavam lá e falavam de seu descontentamento com 
a partida final do campeonato rural de futebol, que seria disputada num estádio de Uberlândia, 
e não no distrito. Comentavam com pesar a questão porque, com isso, os torcedores do time 
não poderiam comparecer em grande número; além disso, percebi certo desconforto quanto a 
realizar a partida noutro lugar: é como se entendessem isso como um deslocamento de sentido 
para aquele momento. 
Assim como o campo de futebol e as práticas dele decorrentes fazem mais sentido para 
os moradores que os espaços eleitos como de memória, o cemitério é outro espaço dos 
distritos que percebo como valorizado pela população. A importância dada é latente em 
Martinésia e Tapuirama. Em Cruzeiros dos Peixotos não há cemitério (muitos procuram o 
cemitério de Martinésia; outros, os da cidade de Uberlândia); em Miraporanga, não percebo 
esse envolvimento da população com esse lugar. Em entrevista com a professora Suzana ela 
se referiu — no momento em que falávamos sobre os moradores de Miraporanga — a uma 
população no distrito que não se fixa no lugar (pessoas vindas de outras regiões do país para 
trabalhar) — e menciona a questão do cemitério:  
 
Renata — E a população que é daqui mesmo então tem pouca gente? 
Suzana — São pouquíssimas, pouquíssimas... Que são miraporanguenses 
natos são muito poucos. Eu até, no passado, eu até comentei com a, a 
Geovanna [vide p. 123], eu fiquei até decepcionada quando eu vi o cemitério 
[risos]. [Por]Que, quando eu tava buscando respostas pras minhas 
indagações, eu pensei: “Nossa, a hora que eu entrar lá no cemitério, eu vou 
ver tanto túmulo antigo, e eu vou poder pesquisar e tudo...”. Quando eu abri 
as portas tinha — me parece — quatro ou cinco túmulos, e uns até assim 
147 
 
totalmente destruídos, né?! E cê não vê mais nada. Eu fiquei assustada e a 
gente percebe também que aqui, quando as pessoas falecem, elas não têm o 
hábito de serem enterradas aqui. São enterradas em outras localidades. Então 
assim, eu fiquei frustrada porque eu pensei que eu fosse encontrar tanta 
coisa, pra eu... buscar resposta pras minhas indagações [risos] não que eu 
queira que as pessoas morrem... não, né?! [risos] Mas, assim, eu pensava que 
o... os habitantes do, do passado, né?! [Es]Tivessem lá e eu ia achar muita 
coisa pra mim correr atrás. Mas me frustrei nesse aspecto [risos].237 
 
A frustração é notória na fala de Suzana. Embora não seja moradora de 
Miraporanga, ela trabalha lá faz mais de vinte anos e mostra ser apaixonada pelo distrito, 
a ponto de achar que encontraria, no cemitério, referências a famílias antigas que viveram 
em Miraporanga as quais lhe permitissem conhecer e entender mais a história do local. 
Mas ela se enganou. A situação do cemitério é assustadora segundo a imagem que Suzana 
constrói: os túmulos, além de velhos e mal-conservados, são poucos — como ela disse. 
Esse fato é sintomático para entender parte da realidade de Miraporanga, que, já há alguns 
anos, recebe pessoas de outros lugares do país que, quando morrem no distrito, têm seus 
corpos enterrados noutras localidades que não Miraporanga, onde há poucos moradores 
nativos. Cabe pensar também que, por se tratar de uma população que vem para o lugar, 
então parte dela volta para suas cidades de origem, depois retorna, trazendo parentes. 
Noutros termos, essa população se movimenta, por isso — creio — os óbitos não 
acontecem em grande número no distrito; logo, o cemitério local não é referência para 
essas pessoas.  
Talvez possa parecer contraditório explorar a noção de pertencimento e o não 
enraizamento no distrito — como fiz. Mas entendo que a possível contradição se dissipe 
caso se considere que, enquanto permanecem nesse lugar, as pessoas de fora entendem e 
disputam esse espaço como seu; procuram vivê-lo nas melhores condições possíveis. A 
quem permanece no distrito — opta por morar nele —, disputar melhorias e buscar 
alternativas de vida mais digna significa se perceber como pertencente a esse lugar, isto é, 
ser parte dele.  
Nos distritos de Martinésia e Tapuirama, o cemitério é um espaço de disputa política 
porque os moradores reivindicam melhorias nesse lugar. Trata-se de um espaço extremamente 
importante no cotidiano desses lugares. 
 
 
                                                        
237 ALVES, Suzana (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 16 de fevereiro de 2012. Arquivo de mp3 
(46 minutos). Entrevista concedida a mim na Escola Municipal Domingas. 
148 
 
Renata — O que o povo reivindica aqui? Além dessas coisas... que já são 
muitas?  
Suzicarlei — Reivindica mais horário de ônibus, mais médico. É os mais 
procurado. Mais médico, mais medicamento, mais policiamento, isso aí é 
essencial. [...] 
Honório — É, mas ainda tem umas coisa ainda que o povo às veiz esquece. 
É [...] tava conversano lá, [...] foi no dia do enterro duma pessoa lá, lá no 
cemitério. Num tem energia. É brincadeira, né?! Num tem uma casa 
adequada, porque se tivé fazeno um enterro a pessoa precisá escondê da 
chuva, igual isturdia que o coisa morreu, da Fatinha, né?! Coisô lá, pergunta 
a Selma, óia pro cê vê, chegô lá, foi preciso coisá lá, jogô o homi de quarqué 
jeito lá, pois ele debaixo du’a taperinha, um trem caído. Então, na hora lá, eu 
ainda comentei, falei: “Gente, as pessoa preocupa tanto!... Vereador, é 
política, perepepê, parapapá, né?! Mas esquece dumas coisa tão importante! 
Que é a energia lá, e faz uma casa lá, um barracão, uma coisa pra... né?!”. 
Suzicarlei — Ah, a energia eu num sei se vão levá lá, não! 
Honório — Então, às veiz a pessoa preocupa com ô.. Óia aqui: o banco da 
praça quebrô tal, mas num preocupa com a, esse tipo de coisa, sabe? Então, 
preocupa com ó, rancô a unha! O fulano tem que me levá lá, tal [...] enrola 
um papo nele e pronto! 
Suzicarlei — Lá do cemitério, o ano passado, alguém me cobrô banheiro lá. 
Honório — Aonde? Lá no? 
Suzicarlei — Lá no cemitério. 
Honório — É, não, mas... 
Suzicarlei — Quereno banheiro, porque dia de finado aqui tem um pessoal, 
os que vem de fora, tem uns que gosta de, porque tem um dia que se 
encontra, aqui tem dois dia que se encontra muitas pessoas de fora aqui, é 
dia de finados e dia de eleição. 
É igual em Martinésia [risos]? É o dia de ver todo mundo? 
Suzicarlei — É os dia de vê todo mundo! Só que tem gente que chega lá no 
cemitério depois do almoço, e eles fica lá até quatro, cinco hora da tarde, 
porque ali vai... [...] Encontra um, encontra outro, e tem uma grande sombra 
[do lado] lá, então todo mundo senta debaixo daquela sombra lá e vai... pôr a 
conversa em dia238. 
 
Perguntei-lhes quais eram as reivindicações principais dos moradores de Tapuirama. 
Dona Suzicarlei citou o transporte e a saúde; senhor Honório citou algo que, como morador 
do lugar, ele entende como fundamental: a infraestrutura do cemitério, a iluminação do lugar 
e um abrigo. Para ele, a falta de luz tira parte da dignidade do enterro porque tem de ser feito 
às pressas. Essa reivindicação e a do senhor José pelo serviço de correio ultrapassa o discurso 
dos direitos do cidadão na ótica eleitoreira: é algo que fere valores morais e religiosos; que 
passa por uma visão de mundo cuja essência são relações pessoais e de sentimentos. Nosso 
diálogo mostra isso quando dona Suzicarlei se refere à reivindicação de banheiros no 
cemitério, justificada pelo movimento de visitantes no Dia de Finados, quando o cemitério 
vira — segundo disseram — ponto de encontro entre antigos e moradores atuais que vão 
                                                        
238 FAGUNDES, 2012; FONSECA, 2012. 
149 
 
visitar os túmulos de familiares. Nota-se aí o quanto esse espaço é importante e valorizado 
pelos moradores. 
Esta não é, no entanto, uma reivindicação atual. Atas da Câmara Municipal de Uberlândia 
da década de 70 mostram que a reivindicação por melhorias no cemitério estava na pauta de 
discussão. A segunda sessão da primeira reunião ordinária de 1970, no dia 3 de março, fez uma 
indicação “[...] solicitando reparos no cemitério do Distrito de Tapuirama e outra, ainda ao Sr. 
Prefeito no sentido de serem eliminados os formigueiros da Praça Dr. Vasconcelos Costa na sede 
do mesmo distrito”.239 Em março de 71, o tema voltou à discussão:  
 
O Vereador José Abalem Neto usa da tribuna para apresentar duas 
indicações subscritas pelo vereador Sebastião Rangel. Uma, solicitando 
da Mesa, envio de ofício aos comandantes das unidades militares [...]. 
Outra, solicitando do senhor Prefeito inclusão da construção de muros no 
cemitério de Tapuirama, no seu plano prioritário de obras para o presente 
exercício.240 
 
Essas demandas não apareceriam na Câmara se não fizessem sentido para os 
moradores. Podem até ter conotação eleitoreira, mas a fala destes deixa entrever a valorização 
desse espaço como lugar de sociabilidade — por mais estranho que isso pareça. Com base em 
suas falas, entendo que as pessoas enxergam o cemitério como lugar onde podem voltar às 
origens: ao nascimento, ao enraizamento da família. A participação de ritual fúnebre de 
enterro em Martinésia mostra isso com clareza. O cemitério se localiza na descida da Igreja de 
São João Batista, no alto de uma colina. Reza o costume que os corpos devem ser velados na 
igreja por algum tempo; no momento em que o caixão é lacrado, bate-se o sino da igreja e 
segue o cortejo, a pé, com familiares e amigos se revezando na sustentação do ataúde até o 
destino final: o cemitério. Esse costume permanece entre moradores atuais e, também, entre 
os que tiveram uma história naquele lugar. Com estes faz-se o mesmo. Para eles — e seus 
familiares —, o ritual fúnebre significa — cabe reiterar — uma volta a um lugar que foi 
significativo em suas vidas. Eis por que entendo a relevância de reivindicar que o cemitério 
seja um espaço minimamente digno não só para os mortos, mas também para os vivos que 
vão reverenciar entes queridos. 
As reuniões de moradores em Martinésia e Tapuirama revelam a valorização do 
espaço do cemitério. Uma passagem de ata de reunião do conselho comunitário de Martinésia 
de 1983, feita na escola municipal do distrito, mostra isso: 
                                                        
239 UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da segunda sessão da primeira reunião ordinária de 1970. Livro de 
atas 76. Manuscrito. 200p. Arquivo Público de Uberlândia, 3 de março de 1970, p. 124v–5. 
240 UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da sexta sessão da segunda reunião ordinária de 1971. Livro de atas 
76. Manuscrito. 200p. Arquivo Público de Uberlândia, 8 de março de 1971, p. 165v. 
150 
 
 
A finalidade da reunião foi discutir os problemas da comunidade com o 
Vice-Prefeito de Uberlândia, Durval Garcia e com o Secretário Municipal 
de Ação e Saúde, Dr. Flávio Goulart. O Presidente do C. C. D. R. Sr. 
Elson Alves Rezende reivindicou diversos benefícios para a comunidade, 
evidenciando a necessidade da instalação de um Posto de Saúde, melhoria 
do abastecimento de água, construção de uma área de lazer e reforma do 
cemitério. O Dr. Durval Garcia expôs os planos do governo municipal 
para Martinésia, confirmando a instalação do Posto de Saúde, o 
abastecimento de água, iluminação do cemitério, construção de meio-
fios, de uma praça em frente a igreja e um pequeno conjunto de casas 
populares.241 
 
A passagem a seguir saiu da ata de reunião da associação de moradores de Tapuirama 
feita em janeiro de 2009: 
 
[...] foi realizada a reunião na residência da Presidente Odete Gonzaga dos 
Santos Oliveira, que iniciou-se às 20:30 hs, para tratarmos dos seguintes 
assuntos: 1º) Temos como prioridade um pedido de médico de 05 dias por 
semana. 2º) Pedido de ambulância 24 horas. 3º) Serviço de correio, já que o 
daqui não tem mais. 4º) Iluminação defasada em algumas ruas de Tapuirama 
tais como: Travessa Nossa Senhora da Abadia, um poste no final da Avenida 
José P. Abalém, na rua Joaquim Pereira Nascimento. 5º) Foram pedidos mais 
orelhões para atenderem o Distrito. 6º) Melhorias no cemitério. 7º) Reforma 
na área externa do colégio Municipal Sebastião Rangel. 8º) Foi solicitado um 
centro de lazer para a 3ª idade.242  
 
Nesses dois trechos, a reivindicação por melhorias nos cemitérios aparece em meio a 
questões básicas como saúde, educação e lazer. Na reunião em Martinésia, o assunto foi 
abordado ante o então vice-prefeito Durval Garcia, o que dá indícios de que a questão do 
cemitério era assunto importante para a população, digno de ser tratado naquela reunião e ter 
resposta dele, isto é, o compromisso de melhorar o local. Na reunião em Tapuirama, já na 
década passada, os moradores abordam o tema do cemitério. Isso sugere o quanto este é um 
espaço valorizado pela população, que o inclui em suas reivindicações centrais, por ser não só 
espaço dos mortos, mas também o lugar da sociabilidade. 
Mesmo essas e outras tantas reivindicações dos moradores dos distritos, a fala oficial 
— expressa no website da prefeitura de Uberlândia — sobre os distritos se restringe aos 
históricos de cada um deles e dados demográficos. As reivindicações e os questionamentos 
dos moradores do presente trabalhados até aqui ficam de lado; a importância desses lugares se 
                                                        
241 MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. Conselho Comunitário de Desenvolvimento Rural de 
Martinésia/CCDR. Livro de atas 1. Ata de reunião de 17 de fevereiro de 1989. Manuscrito, p. 4. 
242 TAPUIRAMA — distrito de Uberlândia, MG. Associação dos Moradores do Distrito de Tapuirama/AMDT. 
Livro de atas 3. Ata de reunião de 12 de janeiro de 2009. Manuscrito, p. 5. 
151 
 
destaca no passado. Logo, os históricos divulgados remontam ao passado de fundação dos 
distritos: 
Cruzeiro dos Peixotos teve um início de formação que não diferiu muito dos 
demais Distritos. Conta-se que em 1905, uma das famílias residentes na 
localidade cravou um cruzeiro na área hoje onde se situa a Igreja Santo 
Antônio. Ali, os moradores das redondezas se reuniam para rezar e, 
eventualmente, promover eventos para a arrecadação de fundos, que mais 
tarde seriam usados para a construção da igreja. Fato que chama a atenção 
era o hábito de se sepultar, ao pé do cruzeiro, as crianças nati-mortas, os 
“anjinhos”. A construção da igreja aconteceu depois que o fazendeiro José 
Camin, cumprindo uma promessa feita por sua esposa D. Cherubina, 
levantou a capela no local, consagrada a Santo Antônio e São Sebastião. A 
imagem de Santo Antônio também foi doada por um morador da região, Sr. 
José Batista. No ano de 1915, nova doação de terras feita pelo Sr. José 
Camin à Câmara Municipal deu origem ao prédio destinado à Escola Rural 
Estadual. O primeiro armazém foi instalado em 1918. Posteriormente, entre 
1930 e 1940, foram instalados um açougue, uma beneficiadora de arroz, uma 
fábrica de doces, manteiga e queijo. A formação efetiva do povoado se deu 
por volta de 1925, quando um número considerável de famílias começou a se 
instalar e, em 1928, o povoado ganhou o primeiro telefone. Em 31 de 
dezembro de 1943, o decreto-lei nº 1058 da Assembléia Legislativa do 
Estado de Minas Gerais, criou o Distrito de Cruzeiro dos Peixotos. O acesso 
ao distrito de Cruzeiro dos Peixotos, localizado a 20 km de Uberlândia, é 
pela Rodovia Municipal Neuza Resende.243 
 
No ano de 1807, no arraial do Desemboque, foi formada uma bandeira para 
explorar a região dos rios Grande e Paranaíba, na captura de índios Caiapós, 
que supostamente teriam fugido para Goiás e Mato Grosso, escondendo-se na 
área. Em 27 de outubro de 1809, o marquês de São João das Palmas, 
Governador da Capitania de Goiás, nomeou o sargento -mor Antônio 
Eustáquio da Silva e Oliveira, comandante e regente dos Sertões da Farinha 
Podre. Entre 1850 e 1852 foi construída a primeira capela no local para Nossa 
Senhora do Carmo e Santa Maria Maior (Nossa Senhora das Neves). Em 09 de 
agosto de 1864 a Lei nº 1198, criou o Distrito da Paz de Santa Maria, 
pertencente à freguesia de Monte Alegre, no município de Prata. Pelo decreto-
lei nº 1058 de 31 de dezembro de 1943, o Distrito de Santa Maria passou a ser 
denominado de Distrito de Miraporanga, que no vocabulário tupi significa 
“gente bonita”. Miraporanga fica a 40 km de Uberlândia. Para chegar ao 
Distrito, é necessário trafegar pela BR-497, sentido à cidade de Prata.244  
 
Esses históricos, assim como aqueles sobre os outros dois distritos, fazem um relato 
sucinto de fundação deles. Na fonte central — o website da prefeitura —, esses dados 
compõem o conteúdo da superintendência de administração dos distritos, assim como um 
texto sobre os objetivos desse órgão e o link para uma tabela (ANEXO B) com os dados do 
Censo 2010 para os distritos (FIG. 15). 
                                                        
243 UBERLÂNDIA. Prefeitura. Cruzeiro dos Peixotos. Breve histórico. Disponível em:  
<http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=Conteudo&id=493>. Acesso em: 9 set. 2009. 
244 UBERLÂNDIA. Prefeitura. Miraporanga. Breve histórico. Disponível em:  
<http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=Conteudo&id=492>. Acesso em: 9 set. 2009.  
152 
 
 
FIGURA 15 – Reprodução da página eletrônica de abertura referente à seção da superintendência de operação dos distritos no website da prefeitura de Uberlândia245 
                                                        
245 Disponível em: <http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=secretariasOrgaos&s=41&pg=495> . Acesso em: 22 jun 2014. 
  
 
153
A forma como estão dispostas essas informações no website oficial deixam uma 
lacuna entre os tempos históricos de sua fundação e o da realidade atual, supostamente 
expressa nos números populacionais. Não há menção aos moradores como sujeitos que vivem 
(n)esses lugares. A história digna de contar é a do passado; o hoje se resume a números 
censitários. Eis por que cabe dizer que a visão (a ser) construída é a de uma sociedade cuja 
importância reside mais no passado. No caso de Miraporanga, essa ênfase no passado é mais 
evidente, posto que lá está um dos bens tombados como patrimônio histórico no município: a 
Igreja Nossa Senhora do Rosário (vide p. 118–9). Tombada em 1968, a igreja é lembrada pela 
imprensa e pelo poder público municipal como lugar que guardaria um pouco da história 
desse município. Essa visão se explicita nas placas instaladas na entrada da Igreja por ocasião 
das duas restaurações que sofreu: 
 
 
 
 
FIGURA 16 – Placa localizada na frente da Capela Nossa Senhora do Rosário, 
em Miraporanga, como marco comemorativo do processo de 
restauração da igreja246  
 
                                                        
246 Meu acervo — fotografia tirada em 25/2/2012. 
 
  
 
154
 
 
FIGURA 17 – Placa localizada na frente da Capela Nossa 
Senhora do Rosário, em Miraporanga, 
como marco comemorativo do processo de 
restauro por que passou a capela247  
 
A placa datada de 1986 traz inscrito este texto: “Restauração da Capela Nossa Senhora 
do Rosário ‘Reconstruindo, desvendamos raízes, redescobrimos o belo, o novo... Para que a 
história não se perca, preservamos esta obra, memória do nosso povo. (S. M. C.).’”. Na de 
2001, lê-se:  
 
Restauração da Capela de Nossa Senhora do Rosário do Distrito de 
Miraporanga “Ao recuperarmos a Capela de Miraporanga não estamos 
preservando apenas o perfil arquitetônico do templo, mas também todas as 
vivências, emoções e identidades que se afirmaram no seu entorno. Neste 
sentido, cabe a cada habitante desde distrito apropriar-se deste como um 
elemento constituinte de sua memória”. (Lídia Maria Meirelles)”. 
 
Como se lê, os dois processos de restauração — um concluído em 1986, outro em 
2001 — desdobraram-se durante os mandatos de Zaire Rezende. As inscrições de ambas as 
placas se referem ao lugar como parte da “memória do nosso povo”, “elemento constituinte de 
                                                        
247 Meu acervo — fotografia tirada em 25/2/2012. 
  
 
155
sua memória”. Com isso, parecem querer reforçar a noção de que a capela guarda a história da 
população que ali vive.  
Como apontei no capítulo 2, os moradores antigos até reproduzem essas falas e essa 
memória do distrito de Miraporanga como origem de Uberlândia, como lugar de passado 
grandioso. Mas quando se pergunta aos moradores se a igreja é muito frequentada, falam que 
poucas pessoas vão ali. Segundo a senhora que cuida do lugar, o número de frequentadores 
das missas realizadas mensalmente na capela é pequeno; as pessoas de lá quase não a visitam, 
a situação em que ela se encontra dá ao visitante a impressão de abandono, marcante pela 
poeira e pelo desleixo do lugar. Entendo, desse modo, que a capela é aclamada como 
portadora desse passado histórico, mas ela não tem muito sentido como espaço de 
sociabilidade dos moradores.  
Da forma como vejo, é perceptível certo descompasso entre as falas oficias dos 
administradores públicos/seus representantes e as vivências dos moradores do lugar. Isso se 
mostra no caso do complexo Domingas Camin,248 tombado como patrimônio histórico 
municipal em 2000. Mas, recentemente, uma das construções desse complexo teve sua 
fachada descaracterizada pela inserção de um telhado na lateral da construção onde as pessoas 
se reúnem para beber. Esse complexo aparece na imprensa como um lugar que guardaria esse 
passado histórico do lugar, mas talvez isso não faça tanto sentido para muitos dos moradores 
                                                        
248 “O conjunto [Domingas Camin] situa-se em um terreno de aproximadamente 5.700 m², na rua do Comércio, 
nº. 300, em Miraporanga, distrito do município de Uberlândia. Edificado em fins do século XIX, pelo coronel 
Ernesto Rodrigues da Cunha, importante figura política e administrativa de Santa Maria. O conjunto é formado 
por duas residências, uma para morar com sua esposa e filhos e a outra para a empregada da família. É provável 
que a cocheira seja também desta mesma época. Posteriormente, construiu-se um acréscimo para abrigar a 
cozinha e banheiro, observado pela diferenciação das telhas: francesas no apêndice e pela estrutura em concreto 
existente no porão desta parte. Vendido o conjunto ao Sr. Pascoal Bruno, a residência da empregada foi 
transformada em casa comercial, provavelmente uma mercearia. Substituiu-se as janelas da fachada frontal por 
portas, remodelando o espaço interno. Os indícios que levam a essa conclusão constituem-se nos cortes 
observados no requadro de madeira das esquadrias. A edificação da garagem possivelmente deu-se nesse 
período. Em princípios da década de 1960, Domingas Camin adquiriu o conjunto e passou a utilizar o espaço 
comercial como fábrica de queijos, realizando outras transformações internas no espaço, como a retirada parcial 
de barrotes e o assoalho de madeira, e construção de escadas e de uma elevação para passagem do leite, 
alterando a fachada. Com a desativação da queijaria, na década de 1970, abandonou-se essa parte do conjunto, 
agravando o processo de deterioração ao longo dos anos. Na parte utilizada como residência, retirou-se o fogão à 
lenha e construiu-se um armário na segunda sala. As intervenções apontadas na parte destinada a residência de d. 
Domingas, foram a construção de um armário na segunda sala e a instalação de uma divisória de tambique na 
cozinha. A construção de uma rampa de acesso deu-se em princípios da década de 1990, quando a moradora 
passou a necessitar de cadeira de rodas para se locomover. A parte destinada à moradia da família do Coronel 
manteve o uso com o passar dos anos, apresentando interferências menos descaracterizantes como, troca de pisos 
e fornos, instalações elétrica e hidráulicas. Após o falecimento de D. Domingas, a casa ficou fechada por um 
período, sendo, posteriormente, alugada para reuniões de centro espírita do Distrito. Atualmente, apenas a parte 
do imóvel é utilizada para tais reuniões, sendo a outra alugada juntamente com a cocheira. Em outubro de 2000, 
o conjunto – duas residências e a cocheira tiveram decretadas seu tombamento através do Decreto Legislativo 
número 752. Tal fato não acarreta, necessariamente, a preservação do bem, e o estado de conservação do 
conjunto altera-se entre regular (residência e curral) e péssimo (queijaria).” CORSI, 2006, p. 40–1. 
  
 
156
que ali vivem. Além disso, eles têm outras demandas que destoam desse discurso da 
importância da preservação desses lugares para a população. Cabe reiterar a série de 
reportagens publicada pelo jornal Correio em 2001 (vide cap. 1) sobre prédios antigos e a 
importância dessas construções para o lugar onde vivem, conforme a fala de alguns 
moradores. Poucos dias depois dessa série de reportagens, o jornal publicou uma notícia que 
cita o déficit habitacional nos distritos: 
 
Sem uma definição da área do município dada como garantia em uma 
pendência na Justiça, casas são erguidas irregularmente no local em 
Miraporanga. Apesar de já contarem com rede de energia elétrica instalada 
em padrões da concessionária estadual de energia, as ligações de água nas 
casas não são realizadas pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto 
(Dmae). [...] Com a expansão da produção sucroalcooleira nas imediações 
do distrito, a demanda habitacional também aumenta, assim como a 
quantidade de casas construídas por trabalhadores desta atividade na área de 
ocupação.249 
 
O então secretário municipal de Habitação, Felipe Attiê, que falou ao repórter, 
 
[...] afirmou que não há nenhuma família de Miraporanga inscrita na lista de 
espera para casas populares da prefeitura. “É lógico que deva ter déficit 
habitacional no distrito, mas é complicado fazer essa avaliação, muita gente 
trabalha em fazenda, fica fora o dia todo, e agora ainda tem o pessoal, da 
cana-de-açúcar”, afirmou o secretário. Para o secretário de habitação, o fato 
de o distrito de Tapuirama ter representação na Câmara dos Vereadores, 
ajuda na hora de haver a execução de projetos habitacionais. “Eles se 
organizaram e vieram aqui. O Vilmar (Resende, vereador e presidente da 
Câmara) também ajudou. Ele é legítimo representante do povo”, afirmou.250 
 
No primeiro trecho citado, aparece o problema da falta de opções de moradia, e uma 
solução que a população achou foi construir numa área que é objeto de disputa judicial. Essa 
ocupação é abordada pelos moradores com receio, uma vez que os muitos moradores não 
possuem a documentação dos imóveis onde residem. Quando pergunto sobre o assunto, as 
respostas são evasivas. Pouco se fala. De certa forma, as reportagens “culpam” os novos 
moradores que lidam com a cana: seriam eles os responsáveis pelo aumento da demanda de 
moradias. É como se não tivessem direito a esse lugar. No segundo trecho, a fala do então 
secretário de Habitação culpa os moradores e a falta de representantes políticos na Câmara 
pela situação em que se encontram os moradores de Miraporanga. 
                                                        
249 FERNANDES, Arthur. Moradores têm soluções alternativas. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 17 de 
abril de 2011, ano 73, n. 22.285, “Cidade e região”, p. A3. 
250 FERNANDES, Arthur. Prefeitura não recebeu inscrições. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 17 de 
abril de 2011, ano 73, n. 22.285 “Cidade e região”, p. A3. 
  
 
157
Nos outros distritos o problema da moradia também é sério. A série de reportagens do 
Correio referida acima aborda a questão: 
 
Durval Cardoso critica também a transformação do distrito em local 
turístico, visão que acaba direcionando as políticas públicas para uma visão 
diferente da que pretendem os moradores de Cruzeiro dos Peixotos.“Não 
somos contra o turismo, mas é preciso que não se tenha apenas uma visão 
externa, isso leva as pessoas a comprar casas para passar fins de semana, 
enquanto as pessoas que nasceram aqui não têm onde morar”, disse. No 
distrito de Martinésia, a situação é a mesma: gente que mora no núcleo 
urbano de Uberlândia investe na aquisição de terrenos para construir casas 
para alugar ou está de olho em uma propriedade de veraneio nestas pacatas 
comunidades a menos de 40 quilômetros do Centro da cidade.251 
 
O morador referido nesse trecho era o presidente da associação de moradores de 
Cruzeiro dos Peixotos. A mesma reportagem relata o encaminhamento de um ofício à 
administração municipal por meio dessa associação, indicando possíveis vendedores de terras 
no distrito que permitiriam a prefeitura construir casas para amenizar o problema do déficit 
habitacional. Os repórteres usam a fala desse morador/presidente para abordar o uso da 
imagem dos distritos como pacatos pelo turismo e pela especulação imobiliária. É interessante 
como o jornal traz essa consequência para os moradores: a construção de uma imagem dos 
distritos como lugares tranquilos e sossegados geraria custos sociais para eles, no sentido de 
que afeta a própria vivência cotidiana no lugar e o acesso a direitos fundamentais, como o 
direito a moradia. 
Nos distritos é comum famílias dividirem o mesmo terreno: os filhos casam e erguem 
casas ao lado da casa paterna. Isso reforça a ideia de que os distritos são espaços escolhidos 
para viver, mas dentro do campo de possibilidades aberto pelas condições materiais e 
conforme o acesso a direitos como moradia. Em conversas informais, alguns moradores 
dizem que até teriam como pagar pelos terrenos caso fossem feitos loteamentos,252 mas são 
pequenas as ofertas de lotes, logo os moradores vão encontrando alternativas para 
permanecerem nos distritos. 
                                                        
251 FERNANDES, Arthur; MENDES, Dolores. Distritos apresentam solução para o déficit. Correio de 
Uberlândia, Uberlândia, MG, 11 de abril 2011, ano 73 n. 22.279, “Cidade e região”, p. A4. 
252 Os distritos de Martinésia e Cruzeiro dos Peixotos estão há mais de dez anos sem moradias populares 
financiadas pela prefeitura. Tapuirama recebeu algumas unidades em 2011, além das que foram entregues em 
anos anteriores. A situação de Miraporanga é mais complicada, pois está numa área que envolve disputa judicial, 
o que faz com que as pessoas construam moradias “irregulares” nessa área. Em todos os distritos, as pessoas que 
almejam alcançar esse direito, em geral, são filhos, parentes de moradores que pretendem permanecer no lugar; e 
também novos moradores que se deslocaram para esses distritos a fim de trabalhar e optaram por fixar 
residência. 
  
 
158
A demanda por moradia é comum a todo espaço urbano; mas, a julgar pela maneira 
como os distritos aparecem na legislação municipal, esse ponto parece ser fundamental. Basta 
pensar, por exemplo, nas atribuições da superintendência de administração dos distritos. A 
meu ver, elas indiciam um pouco a política adotada para esses lugares: mais voltada à questão 
do campo, do patrimônio histórico, do potencial turístico; mas isso não significa suprir as 
demandas associadas com essas questões, em hipótese alguma. A rigor, o que indicam é a 
noção do que seja o distrito para as administrações municipais, ainda vistos pelo prisma do 
campesino, pois estão na área rural do município. Portanto, há uma dicotomização entre 
urbano e rural evidente nessa legislação, que parece destoar das transformações desses 
espaços sociais. Ignora-se que, longe da dicotomia campo–cidade, rural–urbano, eles 
apresentam um espaço de relações sociais não só complexo, mas também que contraria essas 
noções e esses conceitos cristalizados.  
O campo é um espaço fundamental para os moradores dos distritos, porque ainda gera 
postos de trabalho para a população distrital. Mas é um campo transformado — por exemplo, 
pela invasão da cana-de-açúcar em Miraporanga. Não só são outras as questões do campo 
entendido como no passado, mas também estão conectadas a questões antes tidas como típicas 
da cidade. No texto “Município e distrito: um estudo teórico”, os autores propõem um avanço 
nesse entendimento dos distritos como espaços transformados pelas modificações do campo 
nos últimos anos com base em autores que discutem a questão. Eles mostram as dificuldades 
de definição do que seria o rural e o urbano e as diferentes teorias sobre o assunto e salientam 
que  
 
[...] a identificação do cotidiano dos moradores é, por sua vez um viés 
significativamente importante para a percepção de diversos outros pontos, 
uma vez que a inclusão de uma vertente humana traz consigo um contexto 
amplo que está ligado a outras áreas do conhecimento [...].253  
 
No entanto, esse cotidiano não é trabalhado no texto. As questões levantadas ficam no 
plano teórico — como apresentam o título do artigo e os objetivos do estudo. Geógrafos, os 
autores enfatizam a escassez de produções que tratem conceitualmente da categoria distrito; 
por isso propõem seu texto como possibilidade de jogar luz sobre a temática na área da 
geografia urbana e partem do pressuposto de que a dependência do distrito-sede direciona a 
relação entre este e os demais distritos. O texto significa, sim, um avanço, pois apresenta a 
necessidade de que os pesquisadores discutam a questão. Trata-se da proposição de um 
                                                        
253 PINA; LIMA, 2008, p. 126. 
  
 
159
caminho de análise de que compartilho e que busco fazer presente nesta tese. Mas cabe dizer 
que o que propõem como possibilidade de avanço na discussão — a inserção dos moradores 
— fica ausente no decorrer do texto.  
É nesse sentido que entendo a necessidade de propor questionamentos e análises que 
ultrapassem o plano teórico. Necessidade que uma moradora distrital indica em sua fala: 
 
Luzia — Eu acho que aqui é zona rural, né? Apesar de ser distrito, com toda 
a infraestrutura de uma cidade, né?! Porque hoje nós temos uma 
infraestrutura das grandes cidades, né?! [Risos] Mas o povo em si tem aquela 
raiz de ruralista, né?! 
Renata — A senhora falou de um “jeito”. Que jeito é esse [risos]? Um jeito 
de ser? 
Luzia — É, esse jeito assim, simples, né?! Então, é um povo simples, né? E, 
mas... eu acredito que, as raízes são mesmo ruralista, por mais que às veiz, 
estudam... né?! Por que aqui já tem muita gente assim, com curso 
universitário, né?! Mas é, tem aquele, aquela maneira de ser do rural, né?! 
Eu num sei se ficô claro assim, definidamente, mas... eu me considero 
ruralista. 
Paulo — Pois é, mas o quê que a senhora vê na cidade que a senhora acha 
que é diferente daqui? 
Luzia — Risos 
Paulo — A senhora sabe explicar aqui, explica como é lá. O quê que a 
senhora vê lá?  
Luzia — Lá, eu vejo assim, as pessoa, a vivência das pessoa, a maneira de, a 
diversão em si... é bem diferente, né?! Falando em diversão, vamo vê, o 
nosso povo aqui eles gostam é dum forró, né?! Então numa festa assim vai 
ter forró, né?! Já o povo da cidade, já é outro tipo de música, né?! De ritmo. 
E... hoje o povo não está assim, na cidade... Antigamente, o jovem... — e eu 
aproveitei muito essa parte, assim, eu gostava muito de cinema, né?! Gosto 
até hoje, né?! Mas os cinemas acabaram, né?! A televisão, depois agora a 
internet, né?! Tomo o espaço do cinema, né?! Cê pode vê que quando eu era 
jovem tinha quatro bons cinemas no centro de Uberlândia, né?! A gente 
tinha onde escolhê pra ir, onde tivesse passando um filme do gosto da gente, 
né?! Agora num tem nenhum no centro mais, né?! É só lá no shopping, né?! 
Eu nem ainda num fui lá pra vê. [Risos]. E, então, eu acho assim, que, mudô 
muito, nesse sentido assim. 
Paulo — Pois é, mas as gerações que estão nascendo aqui hoje, os jovens, 
vamos colocar assim: essa meninada. A senhora acha que eles conservam 
esses mesmos hábitos? 
Luzia — Ah não, essa turma agora assim dessa, dessa nova era do século 
vinte e um [risos], acho que eles vão ser bem diferentes... eles já são mais... 
mais evoluído, né?! Num sei... 
Paulo — A senhora não acha que eles vão mudar o lugar, o local aqui 
também, dona Luzia? 
Luzia — Não, eu acredito que mudá assim o local não, mas eles é que vão 
mudá de... né?! Por que eles vão achar que, a maneira, os gosto, o jeito de 
vida, né?! É vai ser mais, eles não vão pra, então o caminho certo pra eles é 
  
 
160
na cidade, né?! Pelo que a gente vê, ouve, né?! Eles num... não vão querê ser 
assim...254 
 
A fala de dona Luzia é singular porque ela tenta demarcar diferenças entre o viver no 
distrito e o viver na cidade, refere-se à forma como até no passado a cidade já era um espaço 
compartilhado por ela como moradora de Martinésia. E esse compartilhar é expresso por meio 
dos cinemas que ela frequentou e que perderam parte de sua importância diante de meios de 
comunicação como a televisão e a internet. Essa moradora percebe as transformações à sua 
volta e verbaliza algumas, a exemplo da perspectiva geracional, evidente em sua percepção do 
lugar onde vive. Ela entende que o distrito tem o que chama de raízes ruralistas, embora conte 
com a infraestrutura da cidade; mas crê que os “jovens do século XXI” vão ser diferentes, ou 
seja, não terão mais a raiz ruralista, pois seriam mais “evoluídos” — como ela caracteriza; 
evolução que ela percebe na chegada da televisão e da internet. No entender dela, esses jovens 
buscarão a cidade como alternativa de vida — “eles é que vão mudá de [Martinésia]”; “o 
caminho certo pra eles é na cidade”.  
Trata-se, portanto, de um espaço de relações complexas e contraditórias, porque 
vividas numa sociedade capitalista em permanente transformação; na qual os valores mudam, 
assim como mudam as maneiras de viver, trabalhar e se relacionar. Viver nesses distritos — 
aponta a fala de dona Luzia — é algo marcado por essa complexidade, a qual recompõe 
modos de vida transformados que indicam um campo de disputas sociais nesse emaranhado 
de questões surgidas nas últimas décadas nos espaços aqui analisados. Logo, as definições 
conceituais fechadas e cristalizadas falham ao tentar abarcar a realidade vivenciada nesses 
espaços.  
Com efeito, as disputas sociais permearam uma reunião da associação de moradores 
de Tapuirama em 2009 — já referida; nela, aparecem temas que são reivindicações dos 
moradores. Os dois primeiros se referem à saúde: “1º) Temos como prioridade um pedido de 
médico de 05 dias por semana; 2º) Pedido de ambulância 24 horas”.255 Atendimento aos 
problemas de saúde — cabe reiterar — é reivindicação-chave da população de todo o 
município de Uberlândia;256 nos outros distritos — que compõem esse município —, a 
                                                        
254 BORGES, Luzia Alves. Martinésia, Uberlândia, MG, 20 de abril de 2011. Arquivo de mp3 (42 minutos). 
Entrevista concedida a mim.  
255 TAPUIRAMA, 12 de janeiro de 2009, p. 5. 
256 ADMINISTRAÇÃO de UAIs é discutida na Câmara Uberlândia, MG. GI, Rio do Janeiro, 3 de dezembro de 
2012, “Triângulo Mineiro”. Disponível em: 
<http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2012/12/administracao-de-uais-e-discutida-na-
camara-de-uberlandia-mg.html>. Acesso em: 20 abr. 2004; POSTO de saúde fecha em Uberlândia sem aviso 
prévio aos pacientes. GI, Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 2014, “Triângulo Mineiro”. Disponível em: 
  
 
161
situação não se difere — vide a discussão feita com base na fala de dona Rosana, moradora de 
Miraporanga (vide p. 133).  
Das reivindicações dos moradores de Tapuirama, o pedido da presença de uma 
ambulância pode parecer banal a quem mora na cidade, onde se consegue chegar ao hospital 
com certa rapidez. Mas, para quem mora a 20 quilômetros de distância ou mais dessa 
assistência e não tem meios de locomoção, a presença da ambulância oferece uma segurança 
mínima de que, se algum morador adoecer, será atendido de imediato graças à agilidade que o 
veículo proporciona. Curiosamente, a ambulância existente no distrito não tem autorização da 
central para levar pacientes sem contato prévio: 
 
Suzicarlei — Eles não têm permissão. [...] Lá, agora cê vê, o doente tá aqui. 
Não, tem que ligá lá na central, aí a central ainda fala assim: “Deixa eu falá 
com o paciente pra eu vê como é que ele ta. Pra vê se eles vão mandá”. Aí é 
onde que se você perde muito a paciência, vai no posto policial ali, ou se 
acha a viatura, e a viatura leva. [...] 
Renata — Essa ambulância, o pessoal que trabalha não tem autorização? 
Suzi — Não tem autorização. Num é porque eles não querem, não! É porque 
a secretaria de Saúde não autoriza eles saírem daqui. É, mas aqui a gente 
sempre fala: num pode adoecê de noite, não! Porque eles não liberam, 
porque aqui cabe o carro, era só ligá e falá: “Ó, motorista fulano tá de 
serviço hoje? Pega o fulano aí e trás aqui na rua tal aí”. Porque, como 
conhece todo mundo, bastava falá o nome da pessoa aí que já sabia. [Mas é 
assim:] “Não, deixa eu falá com o paciente pra vê como é que ele ta”. Eu 
fiquei sabeno aqui outro dia — eu fiquei horrorizada —, [de] um home 
desmaiado infartano... 
E eles querendo falar com ele [risos]? 
Honório — Coitado 
Suzi — Ele falô: “Deixa eu falá com ele e vê como é que ele ta”. Ele falô: 
“Não, ele tá inconsciente”. Aí ele desligô o telefone, foi ali no posto policial 
e eles levô ele lá na... 
Honório — Nossa Senhora.257 
 
Dona Suzicarlei e senhor Honório falam das dificuldades enfrentadas pelos moradores 
quando se trata da assistência à sua saúde. Esse diálogo entre nós sugere o quanto viver nos 
distritos implica falta de acesso a direitos fundamentais. Chega a ser cômica a forma como ela 
relata o acontecido com uma pessoa que passava mal — supostamente enfartando —, 
enquanto a central de ambulâncias pedia para falar com o paciente. Os moradores resolveram 
a questão por conta própria: chamaram a viatura da polícia para socorrer o morador. Assim, 
                                                                                                                                                                             
<http://m.g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2014/01/posto-de-saude-fecha-em-uberlandia-
sem-aviso-previo-aos-pacientes.html>. Acesso em: 20 abr. 2014; CÂMARA realiza audiência pública sobre 
saúde em Uberlândia. Uipi, Uberlândia, MG, 1º de abril de 2014. Disponível em: 
<http://uipi.com.br/destaques/destaque-2/2014/04/01/camara-realiza-audiencia-publica-sobre-saude-em-
uberlandia/>. Acesso em: 20 abr. 2014. 
257 FAGUNDES, 2012; FONSECA, 2012. 
  
 
162
embora a presença da ambulância não garanta a resolução de problemas — como esses 
moradores tentam mostrar em suas falas —, ela continua a ser importante para os moradores 
porque cria certo ar de segurança, mesmo que a burocracia emperre a liberação da ambulância 
pela central — como relatou dona Suzicarlei. 
No mesmo dia de minha conversa com esse dois moradores, conversei com o senhor 
Eduardo e lhe perguntei o que achava que precisava melhorar em Tapuirama:  
 
Eu acho que precisa, a, no caso de, de... Aqui, eu acho que precisa melhorá 
muito no causo de segurança e saúde. Só! Saúde, vamo dizê, tem um posto 
de saúde aqui — num sei se lá em Uberlândia é assim também —, mas num 
tem jeito de tratá lá, porque cê vai lá. Outro dia eu encontrei umas moça que 
é que faz, sai na rua procurano doente [...] [Eu] tô com diabete começano... 
Ela falô: “Não, vamo marcá uma consulta. Marcô a consulta. Fui. Daí mais 
ou menos uns cinco dia, fui. Depois pediu um exame, é, tem que marcá na 
cidade. Marca, fica esperano, remarca. Isso já tem uns...uns quatro mês, num 
me chamaro. Tem um cumpadre meu aqui, ele fez uns exame, foi aqui no 
postinho, eles pediu uns exame, ele fez. Até outro dia ele tava falano: tá com 
um ano e três mês que ele tá esperano vim o resultado do exame. É muito... 
muito o atendimento ruim.258 
 
O senhor Eduardo mencionou duas coisas como necessárias no distrito onde vive: 
mais segurança e mais atendimento à saúde. “Só!” Noutros termos, o diálogo sugere que ele 
percebe Tapuirama como lugar bom de viver, pois teria poucos problemas a resolver. O 
problema da falta de segurança ele associa ao consumo de drogas e o faz com uma percepção 
de que isso afeta toda a sociedade: “A segurança até é... e tá meio mundial, né?! Eu num vô 
falá que aqui tá mais ruim do que os outro. Porque é muita droga [...]”.259 A observação do 
entrevistado mostra o quanto ele não se percebe isoladamente do mundo; antes, sinaliza a 
existência — no lugar onde vive — de um problema amplo e disseminado na sociedade, não 
só a brasileira, mas também a de outros países: a violência associada ao consumo de drogas. 
Essas falas minam as imagens construídas — e aqui discutidas — dos distritos como recantos 
do passado; os moradores apresentam os lugares onde vivem como um espaço em que 
vivenciam e compartilham experiências comuns às de outros espaços do município, do país e 
do mundo.  
Quanto ao problema do atendimento à saúde, ele faz um relato que aponta fragilidades 
do sistema público de saúde. Por exemplo, que esse problema não é específico da unidade de 
saúde do distrito, pois esta tende a oferecer procedimentos básicos e encaminhar 
                                                        
258 SANTOS, Eduardo Ferreira dos. Tapuirama, Uberlândia, MG, 21 de abril de 2012. Arquivo de mp3 (28 
minutos). Entrevista concedida a mim em sua casa.  
259 SANTOS, 2012.  
  
 
163
especialidades e casos de complexidade média e alta a unidades de atendimento integrado 
(UAI) ou ao Hospital de Clínicas de Uberlândia. Por consequência, impõem-se as filas de 
espera para realizar exames, cirurgias e consultas; isto é, impõe-se um sistema público de 
saúde organizado no município de Uberlândia que aplica nos distritos a mesma lógica de 
atendimento municipal, por sua vez vinculado a um sistema nacional.  
As filas nos distritos talvez sejam um pouco menores do que as da cidade de 
Uberlândia; mas ainda são filas de espera para combater o que não pode esperar: a doença. O 
senhor Eduardo relata um fato, ocorrido com ele por volta de 2010, que ilustra essa assertiva. 
Ele disse que sentiu uma dor forte em um dos olhos, a ponto de fazê-lo gritar no posto de 
saúde de Tapuirama: 
 
Cheguei gritano, cheguei [...] — que eu sô escandaloso com essas coisa. 
Cheguei assim, cheguei já gritei e tal, aí, já vem, já vem e tal, e demorô mais 
uns vinte minuto. Eu falei: “Ó, se ocês num vim, eu tô saíno. [...] passano 
mal. Aí veio o médico, falô: “Não, eu vou te mandá pra Medicina, vou fazê o 
pedido”. Fez o pedido, pra mim passá pelo médico, né?! Peguei a 
ambulância, me levaro. A sorte é que eu cheguei na medicina, eu sabia que 
meu genro já tava lá. [...] tava lá no pronto-socorro. Aí eu fiquei, ele foi lá, 
pra, pra fazê [arrumar] pra nóis entrá, né!? Aí ele veio, falô: “Sogro, só pode 
atendê o senhor amanhã às dez hora. Uai, pois se eu vim correno porque eu 
tô perdeno as vista e num to agüentando mais, vô deixá pra amanhã dez 
hora?”. Aí eu desci pro [hospital] Santa Genoveva. Aí, pagô, eles me 
atendeu, né!? Agora, cê vê, é... é uma coisa que eu acho que tá muito ruim, 
muito ruim, um atendimento muito ruim.260 
 
Esse relato deixa entrever a configuração do sistema de saúde pública no 
município de Uberlândia, no qual o caso do senhor Eduardo foi encaminhado ao que ele 
chama de “Medicina”, isto é, o Hospital de Clínicas da UFU. No entanto, o atendimento 
teria sido insatisfatório; isto é, não houve atendimento — seria marcado para o dia 
seguinte; a solução foi procurar um hospital da rede particular. Solução inviável 
financeiramente à maioria das pessoas; boa parte da população que depende da saúde 
pública — senão toda ela — não tem condição de arcar com os custos, por isso se sujeita 
ao atendimento da rede pública. A experiência do senhor Eduardo o faz chegar à 
conclusão que fecha esse trecho de nossa conversa: o atendimento de saúde no distrito é 
ruim; e ele tenta me mostrar o porquê dessa interpretação com base em suas experiências 
de atendimento, e não pelo que ouviu dizer sobre o assunto. Constrói um argumento 
fundado em fatos vividos por ele para chegar à conclusão de que o atendimento à saúde é 
insuficiente para o lugar onde ele vive. 
                                                        
260 SANTOS, 2012. 
  
 
164
Usar o advérbio enfático “Só” para problemas complexos como o atendimento à saúde 
— parece-me — foi a maneira de ele, no nosso diálogo, reforçar o modo como interpreta o 
viver em Tapuirama. Isso porque a primeira questão que lhe fiz foi se esse distrito havia 
mudado. Disse ele: 
 
Mudô em tudo assim. O aspecto da vida de, aumento de população, aumentô 
muita gente deferente, estranha, que num tinha no tempo d’eu menino. Se 
aparecia uma pessoa estranha aqui por ano, era novidade, aí o povo ficava 
tudo perto pra vê. [...] Hoje, todo dia a gente vê um deferente. E o tipo de 
vida também, miorô muito. Tapuirama, em sessenta e dois [1962], não, 
sessenta e cinco, setenta, por aí, eu acho que tava acabano, tava pobre 
demais, nossa sinhora! Num tinha nada. Depoisi, é, apareceu umas coisas 
mais novas: soja, plantio de eucalipto... Aí mudô o tipo de vida. Tinha gente 
que era pobrezinho demais, num tinha nem o que comê. E melhorô. 
Com essa mudança, o senhor acha que melhorou a vida? 
Muito, muito, ichi! Quase cem por cento. E era tudo muito difícil, né!? Tudo 
era... num tinha ônibus pra Uberlândia, num tinha açougue, num tinha 
farmácia — farmácia até tinha —, e tudo era [...] era difícil. Num tinha 
serviço. [...] No tempo que eu mexia com roça, parece que eu era azarado, 
perdia muito. Hoje num perde lavoura, antigamente se eu plantasse duas 
roça, uma ou outra morria com o sol. Hoje o povo fala aquelas coisa ih! Que 
o home cabô com a natureza. Ficô, ichi! Ficô foi muito milhor! Hoje, hoje, 
hoje fala que é curpa do home que distragô a natureza. Não, isso é obra de 
Deus. Porque, se não fosse assim, tinha fome. Qué dizê que hoje eles tão 
plantano, milho aqui é plantado uma vez só, e dava mal, perdia igual eu tô te 
falano, chuva quando vinha, chuvia novembro, dezembro, chovia demais! 
Depois, ficava no janeiro sem chuva, perdia. Ó, hoje, vamo dizê, eu lembro 
do papai, os menino limpava a terra do feijão, plantava quando colhia o 
milho. Ai, ia plantano, quando era janeiro, quando era fevereiro, o papai 
falava: “Pode pará de plantá que num dá”. Ali, a primeira vez queimava, 
plantava feijão, mas depois daquele dia já dava muito pouco, porque aí já 
vinha o frio, vinha, o tempo mudava, né!? Agora, com essa mudança de 
hoje, que eles fala que foi o home que atrapaiô, é, quarqué tempo que planta 
dá, né!? Se aguá, né!? O home ta zelano, aí nós tamo cheio de safrinha aí ó, 
tá melhor do que da época; na minha época num dava. Portanto, eu acho que 
isso num é... obra de Deus pra podê atendê a população, né!? A fome do 
povo.261 
 
Nesse seu relato, o senhor Eduardo interpreta o passado à luz de sua experiência de 
vida e da situação do presente vivenciado por ele em Tapuirama. Avalia o processo de 
transformação da sociedade segundo elementos que ele domina, elementos que compõem sua 
experiência como homem do campo. Sua fala afirma que nas décadas de 60 e 70 Tapuirama 
vivia uma situação de empobrecimento — expressa até no déficit populacional, como mostra 
o capítulo 2. Mas ele avalia que a chegada de culturas como soja e eucalipto trouxe a 
possibilidade de melhorar as condições de vida da população do distrito; e reforça essa 
                                                        
261 SANTOS, 2012. 
  
 
165
opinião num trecho não citado da nossa conversa onde disse que essas culturas trouxeram 
oportunidade de trabalho às famílias (pais, mães e filhos), a ponto de mudar seus padrões de 
consumo. Ele salienta que as pessoas dali começaram a comprar rádio e depois televisão, 
além de melhorar as construções da casa. Pelas informações que ele expõe em seu relato, sua 
avaliação apresenta um lugar onde as condições de vida melhoraram nas últimas décadas. A 
chegada de tecnologias no campo permitiu aos produtores colheitas bem-sucedidas que 
possibilitaram alimentar a população. Ele não se refere aos custos da tecnologia de irrigação 
— citada por ele —, inacessível a todos os produtores. Para os pequenos, por exemplo, muitas 
vezes é impossível investir e manter um equipamento tal.  
No entanto, dada a maneira de expor esses elementos em seu relato, penso que ele 
esteja se referindo ao campo que gera oportunidades de trabalho: as lavouras do agronegócio; 
isto é, a ação de investidores que gera os empregos, os quais — ele avalia — permitiram 
melhorar as condições de vida em Tapuirama. Em razão dessa transformação — que teria 
tornado mais dignas as condições de vida dos residentes desse distrito e de seus arredores —, 
ele vê poucos problemas, sintetizados no atendimento à saúde e na segurança. 
As questões relativas à saúde nos distritos permanecem sem solução; do contrário, não 
permearia as reivindicações fundamentais dos moradores. Mas mudaram e continuam a mudar 
com o passar dos anos. Antes se reivindicavam postos de saúde, dos quais foi inaugurado um 
em Martinésia, no ano de1983, como se lê neste trecho da notícia que reportou a inauguração: 
 
[...] Durval Garcia, em seu pronunciamento enfocou que “este posto é uma 
conquista do povo de Martinésia, e por isto, é o povo que está de parabéns, é 
o povo que se alegra quando inaugura uma obra que é sua, que lhe pertence 
porque a administração a fez, a construiu, a ergueu e a inaugura com o 
intuito único e singular de cumprir a proposta estabelecida na campanha 
eleitoral”. E a alegria da comunidade de Martinésia pela inauguração do 
posto de saúde se fez sentir pela carta de agradecimento lida na ocasião pela 
moradora Valquíria Borges Justino, em nome de toda comunidade local. No 
trecho final a carta dos moradores dizia: “Este posto de saúde é um sonho de 
muitos anos, que agora se inaugura graças a administração dinâmica de Zaire 
Rezende. Deus lhe pague. O representante do Conselho Comunitário de 
Desenvolvimento Rural do Distrito de Martinésia, presente à solenidade de 
entrega, Waldevino Ferreira Borges, destacou a instalação do posto de saúde 
como uma conquista valiosa para o distrito e que vem atender uma 
reivindicação de toda comunidade, onde anteriormente a assistência médica 
era inexistente.262 
 
                                                        
262 DISTRITO de Martinésia ganhou sábado um Posto de Saúde. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 28 
de junho de 1983, ano XLVI, n. 13.663, “Capa”, p. 1. 
  
 
166
A reportagem noticia a inauguração como um grande feito da administração 
municipal de Zaire Rezende para a população do distrito seguindo a lógica da Democracia 
Participativa (vide cap. 1). À parte a retórica sobre a realização de um governo para a 
população que o elegeu, seja qual for seu partido, a divulgação incide no significado da 
obra para os moradores de Martinésia. Prova disso está na carta lida pela moradora e na 
fala do representante do conselho comunitário, que procuram explicitar o significado do 
posto de saúde. Como naquele momento a rodovia de acesso ao distrito não era 
pavimentada, o transporte era precário; logo, a inauguração do posto abrandou a 
necessidade de a população se deslocar até a cidade para receber atendimento médico. Daí 
o valor do posto de saúde.  
Se os postos amenizaram a necessidade de deslocamento em busca de atendimento 
medico, não aplacaram a reivindicação pró-saúde dos moradores; e não só dos de 
Martinésia, mas também entre aqueles de outros distritos, inclusive do distrito-sede. A 
população reivindica mais médicos, mais horários de atendimento, mais qualidade no 
atendimento, mais medicamentos etc. Assim, a instalação dos postos de saúde supriu só 
parte da demanda de quem luta por atendimento de saúde qualificado e eficiente. Isso 
porque, enquanto alguns problemas desaparecem com tais iniciativas, outros surgem e 
outros mais se aprofundam. 
Embora a saúde e a segurança tenham se projetado entre as demandas da população 
distrital, a educação permeou a fala de alguns entrevistados; e na reunião da associação de 
moradores de Tapuirama em janeiro de 2009 esse ponto apareceu.263 Na reunião, 
reivindicava-se a reforma da área externa da escola do distrito. Outras fontes da pesquisa 
subjacente a esta tese — jornais, atas e falas dos moradores — mostram que a reivindicação 
incluía não só melhorias do espaço físico das escolas distritais, mas também problemas de 
transporte de alunos que moram no meio rural e vão estudar nas sedes distritais; nesse caso, 
reclamava-se da qualidade das estradas. Nas entrevistas, a educação se sobressai como 
                                                        
263 No distrito de Cruzeiro dos Peixotos, a Escola Municipal José Marra da Fonseca oferece educação infantil e 
ensino fundamental; alunos do ensino médio têm de ir estudar ou em Martinésia — aonde vão mediante 
transporte da prefeitura e onde funciona um anexo de uma escola de Uberlândia —, ou no distrito-sede. Em 
Martinésia, a Escola Municipal Antonino Martins da Silva oferece educação infantil e ensino fundamental, com 
alunos de 4 anos de idade ao 9º ano (como anexo da escola, funciona a creche para crianças de 4 meses a 3 
anos); e o ensino médio noturno no anexo da Escola Estadual Prof. José Ignácio de Sousa. A Escola Municipal 
Sebastião Rangel, em Tapuirama, atende alunos do ensino fundamental do 1º ano ao 9º ano (em Tapuirama há 
uma creche ligada à associação de moradores). A escola no período noturno, também, funciona no anexo da 
escola José Ignácio de Sousa. Em Miraporanga, a Escola Municipal Domingas Camin recebe alunos do 1º ano ao 
9º ano e não tem ensino médio. Em todos os distritos, a prefeitura disponibiliza transporte para os estudantes e os 
professores que residem em Uberlândia e se deslocam para lecionar nos distritos. 
  
 
167
valor.264 Exemplo disso está na fala do senhor José Luis quando ele afirma que “cinquenta, 
sessenta” reais por dia sem desconto são “um bom salário [...] Pra pobre que num tem 
estudo”.265 Essa relação entre salário, ganho e estudo formal permite perceber o valor que a 
educação tem para esse morador: o estudo é a possibilidade de ascensão social.266 A equação 
não é tão simples no sistema capitalista, pois os anos de estudo não significam 
obrigatoriamente a ascensão almejada. 
Ainda assim, muitos moradores dos distritos e das cidades veem a educação como 
única possibilidade de melhorar as condições de vida, em especial para seus filhos. Dona 
Sandra, moradora de Martinésia, expressa essa noção: 
 
                                                        
264 Thompson, no texto “Educação e experiência”, faz considerações úteis para entender a relação entre educação 
e ascensão social: “As necessidades de uma sociedade industrial adiantada, juntamente com as pressões 
pertinazes do movimento político trabalhista, têm ampliado muito as oportunidades educacionais do povo. [...] a 
educação passou a ser vista, em grande escala, e por muita gente da própria classe trabalhadora como um 
instrumento de mobilidade social seletiva. Além do mais, seja qual for o método de seleção, todo o sistema 
trabalha de modo a confundir certos tipos de capacidade (ou facilidade) intelectual com realização humana. A 
aprovação social do sucesso educacional é assinalada por uma centena de modos: o sucesso traz recompensa 
financeira, um estilo de vida profissional, prestígio social. Ela se apóia numa apologia completa da 
modernização, necessidade tecnológica, igualdade de oportunidades. Não é preciso trabalhar muito tempo dentro 
de uma universidade para se descobrir que até mesmo os membros mais humanos dos corpos docente e discente 
acham difícil não equiparar o progresso educacional a uma avaliação do mérito humano. E muitos dos que estão 
fora das universidades, dos que não conseguem galgar os degraus da oportunidade, têm gravada sobre si 
mesmos, de maneiras opostas, uma sensação não de diferença, mas de fracasso humano. [...] A cultura letrada 
não está isolada em relação à cultura do povo à maneira antiga de diferença de classes, mas, não obstante, está 
isolada dentro de suas próprias paredes de auto-estima intelectual e de orgulho espiritual”. THOMPSON, E. P. 
Educação e experiência. In: _______. Os românticos. A Inglaterra na era revolucionária. Rio de Janeiro: 
Civilização Brasileira, 2002, p. 42; 43–5. Thompson aprofunda sua crítica a esse modo de perceber a educação: 
“O perigo é [...] as universidades — apresentando-se como um sindicato de todos os ‘peritos’ do conhecimento 
— expropriem as pessoas de sua identidade intelectual [...]. As conquistas das últimas décadas (pois não 
duvidamos de que foram conquistas) tenderão apenas a ir em direção a uma cultura igualitária comum se o 
intercâmbio dialético entre educação e experiência for mantido e ampliado. [...] A democracia acontecerá por si 
mesma — e se acontecer — em toda a nossa sociedade e em toda a nossa cultura e, para que isso aconteça, as 
universidades precisam do contato de diferentes mundos de experiência, no qual idéias são trazidas para a prova 
da vida” — p. 43–5. 
265 BIASI, José Luis. Cruzeiro dos Peixotos, Uberlândia, MG, 30 de agosto de 2012. Arquivo de mp3 (43 
minutos). Entrevista concedida a mim.  
266 O professor Pablo Gentili, também, faz considerações importantes sobre a educação no sistema capitalista, em 
especial sobre a perversidade desse sistema ao culpar as pessoas pelo fracasso delas, pois desconsidera a 
desigualdade de acessos, de oportunidades. Ele apresenta suas ideias básicas sobre essa questão num texto 
publicado na internet em 2010, onde que “O indivíduo é considerado um proprietário que luta para 
conquistar/comprar propriedades, mercadorias, sendo a educação uma delas. O modelo de homem neoliberal é o 
cidadão privatizado, o consumidor. Como o neoliberalismo privatiza tudo, logo, o fracasso e o êxito social 
também são privatizados. Os pobres são culpados pela pobreza, os desempregados pelo desemprego, se a 
maioria não triunfou na vida é porque não soube reconhecer as oportunidades e não houve mérito e esforço 
individual”. GENTILI, Pablo. Neoliberalismo e educação. In: SINDICATO DOS SERVIDORES DO 
MAGISTÉRIO MUNICIPAL DE CURITIBA. Leia artigo do professor Pablo Gentili sobre Neoliberalismo e 
Educação, 1º de setembro de 2010, “Notícias”. Disponível em: 
<http://www.sismmac.org.br/noticias.asp?id=956&id_cat=1>. Acessado em: 1º maio 2014. As ideias completas 
do autor sobre o assunto estão no texto: GENTILI, Pablo. Neoliberalismo e educação: manual do usuário. In: 
GENTILI, Pablo; SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Escola S. A.: quem ganha e quem perde no mercado 
educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1999, p. 9–49. 
  
 
168
[...] a gente tinha uma vida simples. Papai mexia com lavoura, às vezes 
perdia, às vezes não. É, e... Então, eu lembro assim: que eu ajudava ele; 
naquela época tinha carpideira, então eu puxava cavalo porque eu era a filha 
mais velha. Então eu trabalhava, eu fui uma criança que trabalhei, trabalhava 
e estudava. Mas trabalhava feliz! Num, e num ia [...] até porque precisava! E 
vendia verdura fresquinha, na época o distrito parece que tinha mais gente, 
não sei. E, enfim, eu sempre colaborei, porque a vida era exigente e 
precisava. Mas assim, tenho muitas memórias do papai, papai sempre falava 
pra estudar muito pra, pra vencê pelo estudo, ele sempre teve vontade de 
estudar e ele não, não pôde estudar porque, é meu avô achava que não era 
bom e ele também era filho mais velho e sempre tava ajudano meu avô na 
fazenda. Enfim, ele também não estudou, e aí eu, eu sempre vim pra escola, 
com essa lição de que estudá era bom, estudá levava pra frente.267 
 
A entrevistada conta um pouco de sua infância nas relações intrafamiliares, que então 
se orientavam pelo trabalho de todos; os filhos ajudavam a desdobrar o processo de trabalho 
na roça. Mas ela constrói sua narrativa de modo a chegar à ideia de que a vida sacrificada na 
roça pode ser melhor; e o caminho para isso seria estudar: o estudo permitiria uma vida menos 
sacrificada, mais confortável e mais promissora. Assim, na visão de muitos moradores do 
distrito, a educação é vista como um passo-chave para mudar as condições de vida e mudar o 
lugar onde residem.  
Dona Luiza e eu conversávamos sobre a presença, em Cruzeiro dos Peixotos, de 
moradores aposentados que se mudam para o distrito estimulados pela propalada imagem de 
tranquilidade; então, ela fez esta consideração: 
 
Luiza — A maioria tem, porque a gente fala assim que o jovem, o jovem não 
fica aqui. É raro cê vê um jovem ficá aqui, ele vai estudá... 
Renata — Nem com toda essa facilidade? 
Luiza — Mas não fica. Eles, eles mudam. É... parece que, eu num sei, eu 
acho que o lugar não é pra jovem, é raro cê vê um jovem falá: “Ah, eu vou 
ficá aqui”. Eles vai estudá, formá, quando ele arrumá um serviço, ele, ele 
muda. Eu num sei por quê. Eu já foi o contrário, né?! É...268 
 
Dona Luiza é professora no distrito de Cruzeiro dos Peixotos e vivencia uma realidade 
que, pela maneira como fala, lhe incomoda: a mudança dos jovens que moram no distrito; isso 
deixa nela a impressão de que “o lugar não é pra jovem”, pois se mudam quando encontram 
emprego. Eu a questionei (“Nem com toda essa facilidade?”) porque ela se referiu à 
oportunidade de morar no distrito de Cruzeiro dos Peixotos e estudar ou trabalhar no distrito-
sede: 
                                                        
267 OLIVEIRA, Sandra (nome fictício). Martinésia, Uberlândia, MG, 27 de junho de 2012. Arquivo de mp3 (71 
minutos). Entrevista concedida a mim na escola do distrito. 
268 BARBOSA, Luiza (nome fictício). Cruzeiros dos Peixotos, Uberlândia, MG, 14 de setembro de 2012. 
Arquivo de mp3 (29 minutos). Entrevista concedida a mim. 
  
 
169
Por que aqui, hoje não, hoje tem o transporte que leva pra, pro ensino médio, 
tem ensino médio em Martinésia, tem o anexo do José Inácio, é, tem os 
transporte que leva pras faculdades hoje e trás [...], vai e volta, tem a van, 
que leva. Tem o ônibus que vai de manhã, o ônibus... transporte normal, leva 
os menino que estuda lá, vai e volta. Então hoje, num mora aqui quem num 
qué morá, tem um monte de gente que mora aqui e trabalha lá, vai e volta. 
 
A narrativa de dona Luiza expressa certo desconforto com o que observa no espaço 
onde vive, pois parece não entender os motivos que fazem os jovens não ter o desejo de 
permanecer no distrito, mesmo com todas as condições que colaborariam para sua 
permanência. As poucas oportunidades de lazer são um dos elementos que aparecem como 
motivos da saída dos distritos, sobretudo de jovens. A professora Suzana faz algumas 
considerações sobre esse lazer restrito nos distritos e o papel que a escola acaba 
desempenhando nesse espaço: 
 
Renata — E o que as pessoas fazem aqui no fim de semana como lazer? 
Suzana — Bom, aqui também é uma grande preocupação que eu tenho, 
porque aqui não existe lazer. Não existe uma praça ou um clube ou um é... 
uma associação nenhuma que esses, esses adolescentes possam tá 
frequentando. Então, onde que eles passam? [...] Às vezes se envolvem com 
bebida alcoólica, drogas, é... sinuca... Sabe? Aqui não tem... Tirando as 
partidinha de futebol que acontece, lá de vez em quando eles não têm uma 
fonte específica de lazer aqui dentro da comunidade. Às vezes faz os pagode 
nas fazendas, né?! Só isso. [...] aqui as coisas são mais difíceis, né?! Então, 
por exemplo, o quê que acontece? A escola acaba se tornando polo! Os 
nossos meninos aqui se não for problema de transporte que, às vezes a van 
quebra, alguma coisa assim, eles não faltam à aula... Porque pra eles é... é 
prazer, é diversão estar na escola, entendeu? 
É o momento que eles! 
É. Entendeu? É o lugar que eles têm pra ir, pra se encontrar... É a escola.269 
 
A professora Suzana trabalha em Miraporanga há quase vinte anos. Logo, tem uma 
vivência singular nesse lugar que a faz perceber os problemas cotidianos dos moradores como 
a falta de lazer, que os leva ao consumo de bebida alcoólica e ao jogo. Nesse caso, para 
muitos a escola se torna um momento não só de estudo, mas também de contato, de encontro 
com os amigos; embora às vezes enfrentem problemas com o transporte, que — diz ela — 
dificulta a ida para escola.270 
                                                        
269 ALVES, Suzana Miraporanga, Uberlândia, MG, 25 de fevereiro de 2012. Arquivo de mp3 (46 minutos). 
Entrevista concedida a mim na Escola Municipal Domingas Camin. 
270 Entrevistei Suzana em fevereiro de 2012 e em março de 2013 foi veiculada a notícia: ESTRADAS fazem 
alunos perder aula. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 24 de março de 2013, ano 74, n. 22.627, “Cidade e 
região”, p. A7. A reportagem tratava das dificuldades de trafegar pelas estradas que ligam as propriedades rurais 
ao distrito em dias de chuva. 
  
 
170
Como se pode deduzir, mais que a ausência de lazer, as opções de lazer que restam 
parecem não interessar às novas gerações; a exemplo do futebol, que talvez se vincule a 
práticas de lazer mais pertinentes a moradores mais antigos, isto é, ajusta-se ao efeito das 
transformações sociais que afetam a sociedade em geral, inclusive as modalidades de lazer. 
Portanto, na realidade dos moradores distritais de Uberlândia, o efeito das mudanças é situar 
os moradores num campo conflituoso, porque viver nesses lugares significa compartilhar 
experiências de lutas que minam em parte a sustentação da visão romantizada deles como 
espaços bucólicos, idílicos, tranquilos (pacíficos); como expressão de um passado a ser 
preservado em sua materialidade monumental. Os problemas ali são problemas do tempo 
presente, mesmo que alguns tenham raízes em demandas antigas; problemas de um tempo 
transformado por relações capitalistas; um tempo de classes sociais distintas e grupos sociais 
diferenciados que disputam socialmente direitos, garantias e modos de viver e trabalhar. 
  
 
171
Considerações finais 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
os momentos finais de escrita desta tese, deparei com o livro Martinésia também 
tem história, de Luzia Alves Borges, moradora do distrito de Martinésia que 
entrevistei durante a pesquisa aqui descrita. Como ela nasceu no distrito e aí 
sempre viveu, pôde acompanhar as mudanças no lugar, o que lhe deu condições para relatar o 
que presenciou ou ouviu de seus conterrâneos, como diz ela: “[...] a partir de conversas com 
pessoas mais vividas [...] foi possível relatar o desenvolvimento histórico, cultural e social de 
Martinópolis/Martinésia”.271 Como obra memorialista, o livro procura registrar, descritiva e 
cronologicamente, uma história cujos lugares e personagens, em sua avaliação, construíram a 
trajetória do distrito. Obras como essa — que procuram registrar uma história de onde vivem 
seus autores com base no que ouviram contar e no que observaram — vão ser referência ou 
fontes para estudos (acadêmicos) futuros sobre os lugares que tais livros retratam. São 
registros documentais derivados da seleção e hierarquização do que seu autor considera 
importante e precisam ser analisados como tais.  
A publicação do livro mobiliza questões fundamentais para esta tese. Mesmo o meu 
anteprojeto de pesquisa elaborado como requisito à seleção de alunos para o curso de 
doutorado mostra meu incômodo com a idealização e romantização dos distritos. Do início ao 
fim do curso de doutorado em História percebo a força dessa construção discursiva e latente 
                                                        
271 BORGES, Luzia Alves. Martinésia também tem história. Uberlândia: Aline, 2014, p. 9. 
N 
  
 
172
nos lugares pesquisados, no viver dos moradores e na maneira como se interpretam e se 
apresentam aos outros.  
A obra de Luzia Alves Borges enfoca a origem do distrito de Martinésia e aspectos 
como população, economia, hidrografia, transporte, saúde, educação, política e segurança, 
dentre outros. O item intitulado “Cultura” cobre assuntos como a capela de São João Batista, a 
festa de São João, o mutirão de fiandeiras e lavradores, a medicina caseira, a culinária, a festa 
e folia de reis, além da festa junina. O item “Diversão” abrange os temas matinê, circo, Judas, 
campeonato rural de futebol, cavalgada e campeonato de truco. O item “Social” contém as 
temáticas do casamento civil, do Clube de Mães e das pessoas de destaque no meio social e 
político do distrito; por fim, ela aborda a década de 80 e 90 e fecha o item com o poema 
“Inventário de um Judas num Sábado de Aleluia”. O poema tem a feição de um inventário e 
foi deixado — por alguém que não se identificou — no bolso do Judas que estava na porta da 
casa de dona Luzia, em 1945. Nesse “inventário”, o autor deixa seus “bens” a pessoas de 
Martinésia: um comerciante, o dentista, o escrivão, o barbeiro, o filho do fundador do distrito 
etc. 
Os temas abordados pela autora deixam aparente que se trata de uma obra 
memorialista que pretende registrar a história do lugar reunindo o maior número de aspectos 
possíveis. Um trecho da parte inicial — onde ela conta a história de fundação do distrito — 
oferece subsídios para refletir sobre algo que procurei abordar nesta tese: a interpretação que 
toma os distritos como lugares decadentes: 
 
A sede do distrito contava de seis ruas, três avenidas, cento e cinqüenta 
casarões, um cemitério, uma capela, uma escola, um cartório de paz sendo o 
primeiro escrivão o Sr Azarias Mendes dos Santos e o primeiro juiz de paz o 
Sr Pionono do Nascimento, uma farmácia do Sr. Leopoldo e mais tarde do Sr 
Aldorando José de Souza. Uma agência de correio de Uberaba, seu agente 
era Sr Zacarias de Paula Silveira; um laboratório fotográfico do retratista 
Francisco Mussolin, centro telefônico com a atendente Adelina Teobaldo, 
consultório dentário do dentista Valico de Freitas, lojas de tecidos e 
armarinhos, várias vendas de secos e molhados, açougue, serraria e a padaria 
do Seu Manuel que fazia um pãozinho delicioso. Todos os dias de manhã e a 
tarde os moradores do patrimônio recebiam em suas casas, o pão quentinho 
do Seu Manuel. Grandes mudanças ocorreram nestes últimos anos, em 1943 
Martinópolis mudou o nome para Martinésia. A causa da mudança do nome 
foi que no estado de São Paulo existe um município com o nome de 
Martinópolis. Do passado restaram o cemitério, a capela, a escola, o cartório 
e alguns casarões. Mas de contra partida, hoje temos Unidade de Saúde com 
atendimento médico e dentário para crianças e adultos, poço artesiano, rede 
de esgoto com tratamento, Clube de Mães, creche, quadra poliesportiva, ruas 
e avenidas asfaltadas e subdestacamento da Polícia Militar de Uberlândia.272 
                                                        
272 BORGES, 2014, p. 22–3. 
  
 
173
A autora elenca os elementos que faziam daquele um lugar importante, mas abre um 
dos parágrafos seguintes dizendo que “Do passado restaram...”. Em minha leitura do livro, ela 
constrói uma imagem de Martinésia como lugar desenvolvido, mas que muda com o passar do 
tempo; um lugar que perdeu muitas coisas nesse caminhar do tempo, mas que tem seu valor, 
sua história: digna de ser lembrada e registrada.  
A ideia de certa decadência aparece implícita na maneira como a autora constrói seu 
texto; mas ela se redime ao elencar coisas que surgiram ao longo do tempo no distrito, de 
modo a dissipar essa imagem de lugar decadente. Assim, ela elenca melhorias conquistadas e 
vai, ao longo do livro, tentando reforçar essa imagem de um lugar que tem muito a oferecer, 
apesar de ter perdido muitas das coisas que ela elencou. Essa valorização do lugar onde vive 
permite dizer que a autora — moradora do distrito desde que nasceu e onde talvez vá 
permanecer — expressa em sua obra uma relação de pertencimento e reconhecimento da 
trajetória de transformação por que passaram sua vida e a vida de todos que ali moraram e 
moram. Martinésia é o lugar que escolheram para viver; e o reconhecimento e a valorização 
expressam o sentimento de pertença que implica buscar e conquistar melhorias e direitos 
constantemente.  
A obra de dona Luiza Alves Borges se assemelha à de Neire Jorge Resende, 
comentada antes: ambas contam a história dos lugares onde vivem segundo suas experiências 
e a experiência dos outros: o que ouviram dizer; ambas focam nos distritos que são seus 
objetos de narração. Diferentemente, a obra de Jerônimo Arantes aqui trabalhada, os distritos 
aparecem em função do município da cidade de Uberlândia, vista pelo memorialista como 
lugar promissor, enquanto os distritos — embora formassem um todo com o distrito-sede — 
guardariam um ambiente diferente. Como suas obras são memorialistas, esses autores se 
desobrigam de escrever com rigor teórico-metodológico, de fazer uma reflexão conceitual e 
ler bibliografia afim ao assunto, por exemplo. O objetivo de uma obra memorialista é mais o 
de registrar pela escrita a vida de moradores do lugar; isto é, as “histórias” que seus autores 
consideram dignas de ser lembradas.  
O historiador constrói narrativas com base em vestígios do passado — suas fontes — 
aos quais atribui sentidos. Mas a seleção e interpretação do que investiga e analisa na 
construção do conhecimento histórico a que se propõe partem de sua problemática de 
pesquisa sobre dado tema. São os seus referenciais de análise que lhe permitem cruzar temas, 
hipóteses e fontes na interpretação do passado a partir do presente. Daí que o trabalho 
memorialista difere do trabalho historiográfico.  
  
 
174
Nesse sentido, procurei trabalhar a noção de que os distritos não são lugares 
decadentes, e sim espaços transformados e em constante transformação. Se em dados 
momentos a fala dos moradores distritais deixa entrever associações com o “não 
desenvolvimento” do lugar onde moram, o desenrolar de nossas conversas revelou elementos 
que caracterizam a transformação e a mudança: ora ganhando melhorias, ora perdendo 
conquistas antigas. Isso porque essa transformação ocorre numa sociedade capitalista que — 
diria David Harvey — modifica a sociedade em geral: “O capital é um processo, e não uma 
coisa. [...] Suas regras internalizadas de operação são concebidas de maneira a garantir que ele 
seja um modo dinâmico e revolucionário de organização social que transforma incansável e 
incessantemente a sociedade em que está inserido”.273 E nesse processo “incansável e 
incessante” de transformação social, os distritos do município de Uberlândia se modificaram 
ao longo dos anos.  
Nas décadas de 80 e 90 e no início do século XXI — período que minha pesquisa 
cobriu —, os moradores distritais vivenciaram uma transformação intensa nos modos de 
organizar a vida cotidiana, nas relações de trabalho e de convivência, nos aspectos 
infraestruturais das vilas, nas festas religiosas — numa palavra, em tudo que compõem o 
viver da população dos distritos. Seus moradores vivenciaram processos de transformação do 
campo, onde estavam — e estão — muitos dos postos de trabalho. Esse espaço foi modificado 
e continua a sê-lo cada vez mais pela lógica do agronegócio. Ao mesmo tempo, a população 
das vilas distritais é contada como urbana, assim como seus domicílios são considerados 
urbanos; logo, suas demandas refletem a condição de morador urbano que compartilha com o 
citadino — a população do distrito-sede — demandas e direitos sociais, antigos e recentes, 
como também já indicaram outros estudos. Com nuances e aspectos diferentes, os moradores 
dos quatro distritos uberlandenses transitam pelo campo e pela cidade; e isso leva à 
constatação de que trabalhar reflexivamente com esses moradores implica atentar à 
complexidade das relações travadas ali; ou seja, implica ir além de conceitos fechados de 
campo e cidade e de categorizações simplistas desses espaços, insuficientes que são para 
abarcar a enormidade de questões e aspectos da vida desses moradores, que se percebem 
como parte desse espaço que é o município, disputando e se percebendo como parte da cidade 
inclusive. 
Mesmo ante a complexidade implícita de lidar com os distritos, acredito que abordar 
essa temática é lidar com memórias e imagens construídas sobre esses lugares que os 
                                                        
273 HARVEY, David. Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 4. ed. São 
Paulo: Loyola, 1994, p. 307. 
  
 
175
apresentam como espaço bucólico e, às vezes, isento de conflitos — quando aparecem, muitas 
vezes são amenizados pela imagem mais forte de sossego e tranquilidade: muito presente no 
município e no estado de Minas Gerais. Assim, viver as mudanças na organização social e 
econômica dos distritos para inseri-los nas dinâmicas recentes das relações capitalistas — a 
ponto de transformá-los em oportunidades de investimentos em atividades até então alheias a 
seus moradores — reitera o que pensa Harvey: não existe uma reprodução mecânica do 
sistema; nem mesmo em suas crenças e valores. Assim, o espaço geográfico dos distritos são 
espaços históricos onde a dinâmica capitalista pode ser analisada. 
Os distritos carecem de mais pesquisas historiográficas sobre todos os aspectos que 
compõem o viver nesses lugares. As investigações desenvolvidas até aqui se concentram mais 
no campo da geografia. Refletir historicamente sobre os distritos permite discutir a fundo as 
transformações recentes do campo e da cidade, que por sua vez possibilitam problematizar as 
contradições do tempo presente: marcado pelos interesses de classes e pelos conflitos sociais e 
políticos latentes no século XXI. Com a vinda de pessoas de outras regiões para morar nos 
distritos, com o uso de suas áreas rurais por grandes corporações do agronegócio e com a 
indústria do turismo rural que tem tentado (re)criar uma imagem dos distritos como espaços 
consumíveis pelos moradores das cidades, a realidade vivenciada pelas populações distritais 
cria desafios a pesquisadores interessados nos processos históricos de transformação 
associáveis com mudanças recentes no panorama do trabalho e do emprego. 
  
  
 
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181
TIBÚRCIO, Carlos; BAVA, Silvio Caccia. “Quem está na frente é o povo” — entrevista com 
Milton Santos. Um outro urbano é possível. Cadernos LeMonde Diplomatique, edição 
especial, n. 2, p. 4–7, jan. 2001. 
VASCONCELOS, Regina Ilka Vieira. Narradores do sertão: história e cultura nas histórias 
de assombração de sertanejos cearenses. 320f. Tese (Doutorado em História) — Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo, 2004. 
WILLIAMS, Raymond. Cultura e sociedade: 1780–1950. 4 ed. Trad. Leônidas H. B. 
Hegenberg, Octanny S. da Mota e Anísio Teixeira. São Paulo: Nacional, 1969. 
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â–    OBRAS DE MEMORIALIS TAS  
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Uberlândia: ed. UFU, 2003. 
BORGES, Luzia Alves. Martinésia também tem história. Uberlândia: Aline, 2014. 
RESENDE, Neire Jorge. Colcha de retalhos. S. l., s. d. [2005]. 
 
■  RELA TOS ORAIS /TR ANSCRIÇÕES (A ID ADE E AS INFORMAÇÕES R EMONTAM AO 
MOMENTO DA ENTREVISTA)  
 
ALVES, Suzana (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 16 de fevereiro de 2012. 
Arquivo de mp3 (46 minutos). Entrevista concedida a mim na Escola Municipal Domingas. 
50 anos. É professora há mais de vinte anos no distrito de Miraporanga, mas não reside ali. 
 
BARBOSA, Luiza (nome fictício). Cruzeiros do Peixotos, Uberlândia, MG, dia 14 de 
setembro de 2012. Arquivo de mp3 (29 minutos). Entrevista concedida a mim na escola do 
distrito.  
Professora, 40 anos. Nasceu numa fazenda nos arredores de Cruzeiro dos Peixotos, 
morou alguns anos na cidade de Uberlândia e voltou para o distrito. 
 
BIASI, José Luis; BIASI Nadia Giareta. Cruzeiro dos Peixotos, Uberlândia, MG, 30 de agosto de 
2012. Arquivo de mp3 (43 minutos). Entrevista concedida a mim, em sua residência no distrito.  
Aposentado e com 58, nasceu uma fazenda do entorno de Cruzeiro dos Peixotos e desde 
os 8 anos de idade vive na sede do distrito. Tem uma propriedade rural nos distrito onde 
cria gado de corte. Nadia, 31, é professora da Universidade Federal de Uberlândia. Viveu 
alguns anos fora do distrito para concluir seus estudos. 
 
BORGES, Luzia Alves. Martinésia, Uberlândia, MG, 20 de abril de 2011. Arquivo de mp3 
(42 minutos). Entrevista concedida a mim em sua residência. 
63 anos, professora aposentada, sempre viveu no distrito de Martinésia. 
 
  
 
182
CUNHA, Terezinha Arantes da. Miraporanga, Uberlândia, MG, 18 de março de 2012. 
Arquivo de mp3 (39 Minutos). Entrevista concedida a mim em sua residência.  
80 anos e moradora do distrito de Miraporanga desde que se casou, é aposentada. 
 
FAGUNDES, Suzicarlei. Tapuirama, Uberlândia, MG, 21 abril de 2012. Arquivo de mp3 
(139 minutos). Essa entrevista concedida na casa do senhor Honório. 
41 anos. Nasceu numa fazenda nos arredores de Tapuirama e já vivia na sede do 
distrito cerca de três anos. À época da entrevista, era presidente da Associação de 
Moradores de Tapuirama.  
 
FERREIRA, Josefa (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 25 de fevereiro de 2012. 
Arquivo de mp3 (30 minutos). Entrevista concedida a mim na Escola Municipal Domingas Camin.  
Com 55 anos de idade, é professora e se mudou para uma fazenda no distrito de 
Miraporanga quando se casou. De lá saiu para que os filhos pudessem estudar. Seu 
marido vendeu a propriedade. 
 
FONSECA, Honório I. da. Tapuirama, Uberlândia, MG, 21 abril de 2012. Arquivo de mp3 
(139 minutos). Essa entrevista concedida na casa do senhor Honório. 
56 anos, vivia numa fazenda em Tapuirama, mas há um ano havia se mudado para a 
sede distrital.  
 
JUSTINO,  Duarte César. Martinésia, Uberlândia, MG, 20 de maio de 2011. Arquivo de mp3 
(31 minutos). Entrevista concedida a mim. 
58 anos, nasceu e viveu em propriedades do distrito de Martinésia; morava na mesma 
fazenda fazia 31 anos, onde trabalhava com pecuária leiteira. A propriedade é do sogro. 
 
LOPES, Jussara (nome fictício). Uberlândia, MG, 29 de maio de 2010. Fita de áudio (25 
minutos). Entrevista concedida a mim em sua residência no bairro Brasil.  
33 anos, professora, foi moradora do distrito de Tapuirama até os 18 anos; no 
momento da entrevista era moradora do bairro Brasil em Uberlândia. 
 
MACHADO, Elismar Nunes. Tapuirama, Uberlândia, MG, 21 de outubro de 2012. Arquivo de 
mp3 (32 minutos). Entrevista concedida a mim na residência do entrevistado Honório I. da 
Fonseca.  
27 anos. Ele mora numa fazenda do distrito, onde planta pimentas com sua família. 
Natural de Abadia dos Dourados (MG), já morou em Uberlândia e Caldas Novas (GP). 
 
NASCIMENTO, Rosana (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 25 de fevereiro de 
2012. Arquivo de mp3 (27 minutos). Entrevista concedida a mim na residência dela, com 
participação da nora em alguns momentos. 
Natural de Pernambuco, 68 anos de idade, pensionista, vive há cerca de 12 anos em 
Miraporanga; morava em São Paulo. 
 
NETO, João Dias. Martinésia, Uberlândia, MG, 31 de julho de 2005. Fita de áudio (52 
Minutos). 28 de outubro de 2005. Fita de áudio (37 minutos). Entrevistas concedidas a mim 
em sua propriedade rural. 
77 anos, proprietário rural no distrito de Martinésia, nasceu e sempre viveu no mesmo lugar. 
 
 
  
 
183
OLIVEIRA, Sandra (nome fictício). Martinésia, Uberlândia, MG, 27 de junho de 2012. 
Arquivo de mp3 (71 minutos). Entrevista concedida a mim na escola do distrito. 
49 anos, professora, viveu na propriedade rural de seus pais em Martinésia — 
adquirida quando ela tinha 4 anos de idade; quando tinha por volta dos 15 anos, foi 
morar na cidade de Uberlândia, onde cursou faculdade e se casou. Há poucos anos 
voltou a viver com sua família numa chácara em Martinésia. 
 
PACHECO, José Geraldo. Martinésia, Uberlândia, MG, 19 de junho de 2005. Arquivo de 
mp3 (31 minutos). Entrevista concedida a mim em sua propriedade rural. 
50 anos, é proprietário rural no distrito de Martinésia. Nasceu e ainda vive na mesma 
fazenda (com exceção de um período de três anos em que viveu na cidade de 
Uberlândia). Trabalhou durante alguns anos na prefeitura de Uberlândia. (Concedeu a 
mim nova entrevista em 2 de março de 2013). 
 
PEREIRA, Jerônima (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 18 de março de 2012. 
Arquivo de mp3 (19 minutos). Entrevista concedida a mim em sua casa. 
51 anos e natural de São Gotardo, aos 11 anos de idade veio para Uberlândia; há mais 
de quatro anos vive em Miraporanga. Era presidente da Associação de Moradores do 
Distrito de Miraporanga.  
 
PIMENTEL, Maria Juliana de Oliveira. Martinésia, Uberlândia, MG. 1º de outubro de 2006. 
Fita de áudio (19 minutos). Entrevista concedida a mim na propriedade rural onde mora com 
os pais.  
19 anos, havia morado um ano em Uberlândia, mas tinha voltado a viver na 
propriedade rural de seus pais, em Martinésia. Levantava às 5h, ia para Uberlândia, 
estudava Pedagogia, trabalhava das 12h às 18h, depois voltava pra casa. 
 
REZENDE, Elza Borges. Martinésia, Uberlândia, MG, 25 de setembro de 2005. Fita de áudio 
(49 minutos). Entrevista concedida a mim em sua residência na cidade de Uberlândia. 
53 anos, seu esposo comprou, em 1977, uma propriedade no distrito de Martinésia em 
sociedade com um irmão. Foi presidente do Conselho Comunitário de 
Desenvolvimento Rural do Distrito no início dos anos 2000. 
 
RIBEIRO, Rita; RIBEIRO, Luis (nomes fictícios). Miraporanga, Uberlândia, MG, 25 de 
fevereiro de 2012. Arquivo de mp3 (34 minutos). Entrevista concedida a mim na casa deles. 
49 anos e 53 anos, respectivamente. São naturais do Ceará e há 11 anos vivem em 
Miraporanga. Trabalham na usina de cana Vale do Tijuco. 
 
SANTANA, Sônia (nome fictício), Tapuirama, Uberlândia, MG, 26 de outubro de 2012. 
Arquivo de mp3 (24 minutos). Entrevista concedida a mim em sua residência.  
35 anos, artesã e dona de casa, viveu até os 15 anos em Tapuirama, se mudou para 
Uberlândia e, depois de 13 anos, voltou para o distrito. 
 
SANTIAGO, Francisco de Assis Felipe. Martinésia, Uberlândia, MG, 23 de junho de 2012. 
Arquivo de mp3 (65 Minutos). Entrevista concedida a mim, na Igreja São João Batista.  
52 anos, é natural de Divinópolis e sacerdote há 13 anos. Residia nos fundos da Igreja 
de Santo Antônio, em Cruzeiro dos Peixotos. Em 2014, a diocese o transferiu para 
Indianópolis (MG).  
 
  
 
184
SILVA, Ernestina Antônia da Silva. Martinésia, Uberlândia, MG, 14 de junho de 2011. 
Arquivo de mp3 (24 Minutos). Entrevista concedida a mim em sua residência.  
75 anos, nasceu numa fazenda e após se casar se mudou para a sede do distrito de 
Martinésia; é aposentada e benzedeira.  
 
SOUZA, José (nome fictício). Miraporanga, Uberlândia, MG, 25 de fevereiro de 2012. 
Arquivo de mp3 (48 minutos). Entrevista concedida a mim em sua residência.  
Aposentado, 74 anos, é natural da Paraíba e vive em Miraporanga desde 1964. 
 
â–   D O C U M E N T O S  O F I C I A I S  D O S  D I S T R I T O S  
MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. Conselho Comunitário de Desenvolvimento 
Rural. Reunião. Livro de atas 1. Manuscrito. 25 de maio de 1985. 
MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. Conselho Comunitário de Desenvolvimento 
Rural. Ata da reunião de fundação. Livro de atas 1. Manuscrito. 1986. 
MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. Conselho Comunitário de Desenvolvimento 
Rural. Reunião. Livro de atas 1. Manuscrito. 25 de junho de 1986. 
MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. Conselho Comunitário de Desenvolvimento 
Rural. Reunião. Livro de atas 1. Manuscrito. 15 de outubro de 1986. 
MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. Conselho Comunitário de Desenvolvimento 
Rural de Martinésia/CCDR. Livro de atas 1. Ata de reunião de 17 de fevereiro de 1989. 
Manuscrito. 
MARTINÉSIA — distrito de Uberlândia, MG. Conselho Comunitário de Desenvolvimento 
Rural de Martinésia/CCDR. Livro de atas 1. Ata de reunião de 9 de junho de 1989. 
Manuscrito. 
TAPUIRAMA — distrito de Uberlândia, MG. Associação dos Moradores do Distrito de 
Tapuirama/AMDT. Livro de atas 2. Ata de reunião de 8 de outubro de 1997. Manuscrito. 
TAPUIRAMA — distrito de Uberlândia, MG. Associação de Moradores do Distrito de 
Tapuirama. Livro de atas 2, Manuscrito. 12 de novembro de 2001. 
TAPUIRAMA — distrito de Uberlândia, MG. Associação dos Moradores do Distrito de 
Tapuirama/AMDT. Livro de atas 3. Ata de reunião de 12 de janeiro de 2009. Manuscrito. 
UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da segunda sessão da primeira reunião ordinária de 
1970. Livro de atas 76. Manuscrito. 200p. Arquivo Público de Uberlândia, 3 de março de 
1970, p. 124v–5. 
UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da sexta sessão da segunda reunião ordinária de 
1971. Livro de atas 76. Manuscrito. 200p. Arquivo Público de Uberlândia, 8 de março de 
1971, p. 165v. 
UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da décima quarta sessão da quarta reunião ordinária 
de 1972. Livro 80. Manuscrito. 200p. Arquivo Público de Uberlândia, 14 de junho de 1972. 
  
 
185
UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da décima quarta sessão da quarta reunião ordinária de 
1973. Livro 82. Manuscrito. 200p. Arquivo Público de Uberlândia, 7 de novembro de 1973. 
UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da décima sessão da segunda reunião ordinária de 
1983. Livro 119. Datiloscrito. 5p. Arquivo Público de Uberlândia, 28 de março de 1983. 
UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da quarta sessão da sétima reunião ordinária de 
1982. Livro 118. Datiloscrito. 4p. Arquivo Público de Uberlândia, 20 de setembro de 1982. 
UBERLÂNDIA. Câmara municipal. Ata da primeira sessão da sexta reunião ordinária de 
1983. Livro 119. Datiloscrito. 4p. Arquivo Público de Uberlândia, 16 de agosto de 1983. 
UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Ata da quarta sessão da primeira reunião ordinária de 
1984. Livro 120. Datiloscrito. 6p. Arquivo Público de Uberlândia, 20 de fevereiro de 1984. 
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UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Lei delegada 28, de 3/6/2009, que versa sobre as 
atribuições da Superintendência de Operações dos Distritos. Disponível em: 
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jun. 2009. 
UBERLÂNDIA. Câmara Municipal. Lei Orgânica Uberlândia. Disponível em: 
<http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=secretariasOrgaos&s=61&pg=13>. Acesso em: 
jun. 2009.  
UBERLÂNDIA. Prefeitura. Miraporanga. Breve histórico. Disponível em: 
<http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=Conteudo&id=492>. Acesso em: 9 set. 2009.  
UBERLÂNDIA. Prefeitura Superintendência ouve demandas de moradores dos distritos 
de Uberlândia. Disponível em: 
<http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=agenciaNoticias&id=3317>. Acesso em: 5 mar. 
2013. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
 
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■  F O N T E S  J O R N A L Í S T I C A S  
— Período consultado 
Correio de Uberlândia, 1970–2013 
Participação,  1984–7  
Primeira Hora,  1983–8 
 
— Edições citadas e outros 
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 24 de abril de 1970, ano XXXIV, n. 11.041. 
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 28 de junho de 1983, ano XLVI, n. 13.663. 
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 27 de agosto de 1970, ano XXXIV, n. 11.908.  
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 4 de novembro de 1970, ano XXXIV, n. 11.146  
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 15 de dezembro de 1970, ano XXXIV, n. 11.170. 
CORREIO. Uberlândia, MG, 8 de julho de 1989, ano 50, n. 15.162.  
CORREIO DO TRIÂNGULO. Uberlândia, MG, 19 de março de 1994, ano 55, n. 16.532. 
CORREIO DO TRIÂNGULO. Uberlândia, MG, 24 de abril de 1994, ano 55, n. 16.536. 
CORREIO DO TRIÂNGULO. Uberlândia, MG, 20 de junho de 1993, ano 53, n. 16.279. 
CORREIO DO TRIÂNGULO. Uberlândia, MG, 6 de novembro de 1994, ano 56, n. 16.703. 
CORREIO. Uberlândia, MG, 11 de outubro de 1997, ano 59, n. 17.612. 
CORREIO. Uberlândia, MG, 11 de novembro de 2000, ano 62, n. 18.568. 
CORREIO. Uberlândia, MG, 23 de janeiro de 2005, ano 66, n. 20.008. 
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 26 de novembro de 2006, ano 68, n. 20.680. 
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 13 de março de 2011, ano 73, n. 22.250. 
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 21 de fevereiro de 2011, ano 73, n. 22.230. 
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 7 de fevereiro de 2013, ano 75, n. 22.947. 
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 8 de março de 2013. 
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 24 de março de 2013, ano 74, n. 22.627.  
  
 
188
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 5 de julho de 2013. 
CORREIO DE UBERLÂNDIA. Uberlândia, MG, 29 de março de 2014, ano 76. 
COURY, J. B. Durval Garcia marca uma nova fase na vida dos distritos. Primeira Hora, 
Uberlândia, MG, 3 de maio de 1985, ano IV, n. 995. 
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Uberlândia, MG, 17 de abril de 2011, ano 73, n. 22.285. 
FERNANDES, Arthur. Prefeitura não recebeu inscrições. Correio de Uberlândia, 
Uberlândia, MG, 17 de abril de 2011, ano 73, n. 22.285.  
FERNANDES, Arthur; MENDES, Dolores. Distritos apresentam solução para o déficit. 
Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 11 de abril 2011, ano 73, n. 22.279. 
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folia-de-reis-seguem-formato-dos-anos-anteriores/>. Acesso em: 26 out. 2012. 
PEREIRA JÚNIOR, Nilton. Saúde pública. Correio de Uberlândia, Uberlândia, MG, 29 de 
maio de 2012, ano 74, n. 22.693.  
PRIMEIRA HORA. Uberlândia, MG, 1º de março de 1983, ano II, n. 419. 
PRIMEIRA HORA. Uberlândia, MG, 29 de março de 1983, ano II, n. 442.  
PRIMEIRA HORA. Uberlândia, MG, 30 de março de 1983, ano II, n. 443. 
PRIMEIRA HORA. Uberlândia, MG, 22 de abril de 1983, ano II, n. 461.  
PRIMEIRA HORA. Uberlândia, MG, 13 de abril de 1984, ano III, n. 730.  
PRIMEIRA HORA. Uberlândia, MG, 29 de setembro de 1987, ano VII, n. 1.581. 
PRIMEIRA HORA. Uberlândia, MG, 30 de março de 1983, ano II, n. 443.  
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PASTA 9. Coleção Jerônimo Arantes: documentos de instalação dos distritos e recortes de 
jornais. 
PASTA 12. Distritos: dados estatísticos dos distritos na década de 1980, históricos dos 
distritos, leis, escrituras, recortes de jornais. 
  
 
191
A N E X O  A  
Prefeitos eleitos em Uberlândia, MG — 2014274 
 
 
 
PODER EXECUTIVO MUNIC IPAL —  PREFEITO ELE ITO  
Prefeito Gestão 
José Fonseca da Silva 1948/1950 
Tubal Vilela da Silva 1951/1954 
Afrânio R. da Cunha 1955/1958 
Geraldo Mota Batista 1959/1962 
Raul P. de Rezende 1963/1966 
Renato de Freitas 1967/1970 
Virgílio Galassi 1971/1972 
Renato de Freitas 1973/1976 
Virgílio Galassi 1977/1982 
Zaire Rezende 1983/1988 
Virgílio Galassi 1989/1992 
Paulo Ferolla da Silva 1992/1996 
Virgílio Galassi 1997/2000 
Zaire Rezende 2001/2004 
Odelmo Leão Carneiro Sobrinho 2005/2008 
Odelmo Leão Carneiro Sobrinho 2009/2012 
Gilmar Machado 2013/2016 
 
 
 
                                                        
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<http://www.uberlandia.mg.gov.br/uploads/cms_b_arquivos/10531.pdf>. 
  
 
192 
A N E X O  B  
Dados do Censo 2010 para os distritos de Uberlândia, MG 
 
 
 
  
193
A N E X O  C  
Históricos oficiais dos distritos de Uberlândia, MG  
 
 
 
 
 
  
194
 
 
  
195
 
 
  
196