UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ÃREA DE CONENTRAÇÃO: GEOGRAFIA E GESTÃO DO TERRITÓRIO ATUAÇÃO RECENTE DO ESTADO BRASILEIRO EM PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES SOB A PERSPECTIVA DO ORDENAMENTO TERRITORIAL SÃLVIO BARBOSA DA SILVA JÚNIOR UBERLÂNDIA MARÇO DE 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ÃREA DE CONENTRAÇÃO: GEOGRAFIA E GESTÃO DO TERRITÓRIO ATUAÇÃO RECENTE DO ESTADO BRASILEIRO EM PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES SOB A PERSPECTIVA DO ORDENAMENTO TERRITORIAL Tese de doutorado apresentada ao PPGEO/UFU como requisito parcial para obtenção do tÃtulo de Doutor em Geografia. Ãrea de Concentração: Geografia e Gestão do Território Orientador: Prof. Dr. William Rodrigues Ferreira UBERLÂNDIA MARÇO DE 2013 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil. S586a20 13 Silva Júnior, SÃlvio Barbosa da, 1982- Atuação recente do estado brasileiro em planejamento de transportes sob a perspectiva do ordenamento territorial/ SÃlvio Barbosa da Silva Júnior.-- 2013. 270f. : il. Orientador: William Rodrigues Ferreira. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós- Graduação em Geografia. Inclui bibliografia. 1. Geografia - Teses. 2. Transportes - Planejamento - Teses. 3. Transporte urbano - Teses. 4. Expansão territorial - Planejamento. I. Ferreira, William Rodrigues. II.Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Geografia. III. TÃtulo. CDU: 910.1 AGRADECIMENTOS Ao fazer agradecimentos públicos, corre-se sempre o risco de, por esquecimento, deixar alguém ou alguma instituição de fora e cometer, assim, alguma injustiça. Mesmo com tal risco, é indispensável agradecer à queles que contribuÃram para a realização do trabalho materializado nesta tese. Portanto, agradeço: Aos meus superiores e colegas de trabalho na Agência Nacional de Transportes Terrestres e no Ministério dos Transportes pelo apoio quando precisei me ausentar temporariamente por conta dos estudos, bem como pelos conhecimentos e experiências que pude ter durante o desenvolvimento de minhas atividades profissionais. Ao Professor Nuno Marques da Costa, da Universidade de Lisboa, que, no papel de co-orientador, facilitou não somente os contatos junto à s instituições portuguesas, mas também auxiliou a tornar mais agradável a permanência em Lisboa. Ao professor Nuno, acrescento sua simpática famÃlia e, ainda, LuÃs Chainho, Augusto Serrano e os amigos Hélio e Carol, sem os quais a estadia em Lisboa não teria a mesma leveza. À amiga LÃlian Vilela pela amizade, pelo suporte que sempre me deu e pelas “barras†que seguramos juntos. À Professora Beatriz Ribeiro Soares pelo apoio sempre prestado. Ao Professor Carlos Alberto Faria, pelas contribuições na banca de qualificação. Aos amigos Lucas Martins, Alexandre Bueno, Karine Oliveira, Cassiano Amorim, Miki Corrêa, Tatiane Carvalho e ThaÃs Margareth que, muito mais do que me acolherem quando precisei estar em Uberlândia, se tornaram uma famÃlia para mim naqueles momentos. Aos amigos Cintia Godoi, Lucas Martins, Hélio Carlos, Karine Oliveira e Antouan Monteiro pelas leituras e palpites. Aos amigos Valter Coutinho, Alexandre Schmidt e Dmitry Mazurov pela cessão de fotografias que usei no texto. Aos amigos e familiares que por vezes tiveram que lidar com minha ausência ou meu mau humor em momentos de maior dedicação à tese. À CAPES pela bolsa de estágio no exterior que, por cinco meses, financiou meus estudos em Portugal. Por fim, a todos aqueles que me inspiraram e auxiliaram no desenvolvimento desse trabalho. Passam pássaros e aviões E no chão os caminhões Passa o tempo, as estações Passam andorinhas e verões... Passe em casa Tô te esperando! Tô te esperando! (Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Margareth Menezes, Marisa Monte; 2002) RESUMO O mote para esta tese é a constatação de que o território serve de indicador da qualidade da gestão que sobre ele é empreendida. Partindo dos conceitos de território, o ordenamento territorial e o planejamento de transportes, vistos sob a ótica da ação do estatal, e entendendo as redes de transportes como elemento fundamental na organização do território, buscou-se reconstituir a importância dos transportes na formação sócio-espacial brasileira. Com base em elementos e caracterÃsticas do território brasileiro neste inÃcio do século XXI, bem como dados das redes de transportes, das polÃticas de Estado e das instituições responsáveis por sua gestão, objetivou-se descrever e compreender a atuação recente do Estado brasileiro em planejamento de transportes sob a ótica do ordenamento do território. Como ponto de comparação, foram estudadas as polÃticas europeias de transportes, bem como sua atuação recente, particularmente o caso português, permitindo traçar pontos de convergência e divergência em relação ao caso brasileiro. Palavras-chave: ordenamento do território, planejamento de transportes, Estado, União Europeia, Brasil. ABSTRACT The territory serves as an indicator of the quality in which the State manages land use. Based on the concepts of planning, spatial planning and transportation planning, seen from the perspective of the State action, and understanding the transport networks as a key element in the organization of the territory, we described the importance of transport in the Brazilian historical and spatial constitution. Considering elements and characteristics of the Brazilian territory at the beginning of the 21th century, as well as transport networks data, public policies and State institutions responsible for its management, we aimed at describing and understanding the recent performance of the Brazilian State in transport planning from the perspective of spatial planning. As a point of comparison, we studied European transport policies, as well as its recent performance, particularly the Portuguese case, enabling us to trace points of convergence and divergence in relation to the Brazilian case. Keywords: spatial planning, transportation planning, State, European Union, Brazil. LISTA DE FIGURAS 1: Território e Planejamento 26 2: Organização metodológica da tese 33 1.1: Modelo de decisão baseado puramente na viabilidade econômica – um cÃrculo vicioso 51 2.1: Vilas fundadas no território brasileiro no Século XVI 72 2.2: Padrão aureolar de ocupação 73 2.3: Padrão dendrÃtico de ocupação 73 2.4: Plano Rabelo, 1838 77 2.5: Plano Moraes, 1869 78 2.6: Plano Ramos de Queiróz,1874-82 79 2.7: Plano Rebouças, 1874 80 2.8: Plano Bulhões, 1881 82 2.9: Plano Bicalho, 1890 83 2.10: Plano Geral de Viação, 1886 84 2.11: Plano da Comissão, 1886 85 2.12: Plano Rodoviário Nacional, 1944 88 2.13: O Quadrilátero de Huertas 90 3.1: Mapa do eixo BrasÃlia – Santos 98 3.2: fotografia de trecho urbano da BR-040 em ValparaÃso, GO 99 3.3: Fotografia de trecho urbano da BR-050 em Cristalina, GO 100 3.4: Fotografia de trecho da BR 050 entre Catalão e Cristalina – veÃculos de carga 101 3.5: Fotografia de trecho urbano da BR-050 em Catalão, GO 102 3.6: Fotografia das obras de duplicação da BR-050 em Araguari, MG 103 3.7: Mapa do Rodoanel de São Paulo. Mapa sem escala 106 3.8: Distribuição de funções entre instituições de planejamento de transportes no Brasil 114 3.9: Mapa de densidade demográfica das microrregiões (2008 – sem escala) 115 3.10: Mapa – Consumo médio (bens de consumo) per capita, 2003 116 3.11: Mapa – Densidade Econômica – 1000 reais de PIB por área do municÃpio 2006 117 3.12: Repartição modal de transportes no Brasil, 2007 119 3.13: Participação no consumo de combustÃveis fósseis por modo 120 3.14: Mapa de Rodovias no SNV 2012 122 3.15: Foto de placa confusa em Blumenau, SC 123 3.16: Foto: Placa pichada em ValparaÃso, GO 123 3.17: Foto: Sinalização em BrasÃlia 124 3.18: Foto: Canteiro central sem roçagem na BR-050 em Uberaba 124 3.19: Foto: Sinalização de pavimento antiga e nova causando confusão 125 3.20: Mapa: SNV Rodovias Duplicadas, 2012 126 3.21: Emissões de CO2 (milhões de toneladas equivalentes de CO2 equivalente) no transporte rodoviário, 2010 130 3.22: Densidade de malha ferroviária no Brasil e outros paÃses, 2011 133 3.23: Participação dos produtos transportados por ferrovia, 2012 134 3.24: Ferrovias Brasileiras – Concessionárias 135 3.25: Mapa Hidroviário e principais portos, 2012 139 3.26: Fila de caminhões aguardando para descarregar em Paranaguá. 141 3.27: Mapa dos aeroportos que mais transportaram em 2011 143 3.28: CaracterÃsticas das rodovias constantes do PNV 146 3.29: Matriz de transportes de cargas em 2005 e 2025 151 3.30: Vetores logÃsticos do PNLT. MT, 2012 154 3.31: Etapas de simulação: Caracterização atual, projeções futuras e avaliação de alternativas 155 3.32: Repartição modal ao longo dos anos com obras previstas no PNLT 157 3.33: Investimentos do PIL em rodovias, Brasil, 2012 159 3.34: Investimentos do PIL em ferrovias. Brasil, 2012 160 3.35: Investimentos do PIL em Aeroportos – Brasil, 2012 161 3.36: Fotografia da BR-050 – travessia urbana antes das intervenções 165 3.37: Fotografia da BR-050 – travessia urbana antes das intervenções 165 3.38: Fotografia da BR-050 – travessia urbana antes das intervenções 166 3.39: Fotografia da BR-050 – travessia urbana de Uberlândia 168 3.40: Mapa de Rodovias em Uberlândia, contorno e travessia urbana 169 3.41: Fotografia do Contorno Norte de Uberlândia 170 3.42: Sinalização do Contorno Norte de Uberlândia 171 3.43: Sinalização indicando acesso ao contorno de Uberlândia para veÃculos de cargas 172 3.44: Acesso no extremo norte do Contorno viário. Notem-se as conversões necessárias para que o fluxo do eixo principal (BrasÃlia – São Paulo) permaneça no eixo 173 3.45: Trevo de conexão entre o contorno norte e a BR-365 leste. Fluxo principal (São Paulo – BrasÃlia) deixando o ‘caminho natural’ para seguir no eixo 174 3.46: Acesso sul ao contorno e os “malabarismos†para se permanecer no eixo 174 3.47: Exemplo de viaduto com faixas direcionais, no cruzamento entre as rodovias Anhanguera e Bandeirantes, nas proximidades de Cordeirópolis, SP 175 3.48: Cruzamento entre o Rodoanel Mário Covas e a Rodovia Régis Bittencourt na Grande São Paulo – exemplo de solução sofisticada em cruzamento 176 3.49: REBIO União, limites e BR-101 180 3.50: BR-364 em Mato Grosso – trecho original, em laranja, e trecho pavimentado, em roxo. 189 3.51: Redutores de velocidade na BR-040 na divisa entre DF e GO, vista para a área urbana de ValparaÃso, GO 192 3.52: Contorno de Maringá e sua RM 194 3.53: Sistemas rodoviários e suas funções 195 4.1: União Europeia: paÃses membros e seus nomes nas lÃnguas nacionais, 2011 203 4.2: Estação de trens de São Pancrácio, em Londres 208 4.3: Aspecto do Aeroporto de Barajas, em Madrid 208 4.4: Estação Lisboa Oriente – Trens metropolitanos, suburbanos, terminal e ônibus e trens de longo curso 209 4.5: Rodovia de acesso à cidade de Barcelona – acesso controlado 209 4.6: Travessia urbana em Vila Nova da Gaia 210 4.7: Redes Transeuropeias – Canais, hidrovias e portos 214 4.8: Redes Transeuropeias – Ferrovias de Carga. 215 4.9: Redes Transeuropeias – Ferrovias de Passageiros 216 4.10: Redes Transeuropeias – Rede rodoviária estrutural 217 4.11: Placa indicando Integração trem-avião em estação de trem em Bruxelas, 2011 223 4.12: Rede urbana e acessibilidade em Portugal Continental 227 4.13: Estrutura para o planejamento de transportes em Portugal 230 4.14: Rede de Autoestradas Portuguesas. Sem escala 232 4.15: Modernização ferroviária financiada com recursos da União Europeia, Porto 233 4.16: Rede ferroviária portuguesa e velocidades limites de velocidade, 2013 234 4.17: custos e entradas na operação da CP em 2010 237 4.18: oferta de lugares e procura por passageiros na CP em 2010 238 4.19: Ponte Vasco da Gama 241 4.20: Padrão de sinalização e acesso à CRIL 242 4.21: Proteção contra ruÃdos nos trechos urbanos de autoestrada em Lisboa 243 LISTA DE QUADROS 3.1: Consumo médio de combustÃvel por modo de transporte 119 3.2: Extensão da malha rodoviária por condição e jurisdição 121 3.3: Idade da frota por tipo de veÃculo, 2010 131 3.4: Movimento de veÃculos nas rodovias que passam por Uberlândia, 2002 163 4.1: Cronologia da União Europeia – principais acontecimentos 202 4.2: Movimentação nos aeroportos de Portugal em 2011 235 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADA – Ãrea Diretamente Afetada ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres ARTESP – Agência Reguladora dos Serviços de Transporte do Estado de São Paulo BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social CONIT – Conselho Nacional de Integração de PolÃticas de Transportes CP – Comboios de Portugal CRIL – Circular Regional Interna de Lisboa DF – Distrito Federal DGOTDU – Direcção Geral de Ordenamento do Territorial e Desenvolvimento Urbano DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT EFNOB – Estrada de Ferro Noroeste do Brasil EP – Estradas de Portugal EPIA – Estrada-Parque Indústria e Abastecimento EPL – Empresa de Planejamento e LogÃstica ETAV - Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade GEIPOT – Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes GO – Goiás GPERI – Grupo de Planejamento Estratégico e Relações internacionais IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica ICMBio – Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade INFRAERO – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária MG – Minas Gerais MMA – Ministério do Meio Ambiente MPOG – Ministério do Orçamento, Planejamento e Gestão MT – Ministério dos Transportes N – Região Norte do Brasil NE – Região Nordeste do Brasil PAC – Programa de Aceleração do Crescimento PET – Plano Estratégico de Transportes PIL – Plano de Investimentos em LogÃstica PNV – Plano Nacional de Viação PORTOBRÃS – Empresa de Portos do Brasil S.A PPA – Plano Plurianual PR – Paraná PSTM – Plano Setorial de Mitigação e Adaptação à Mudança Climática – Transportes e Mobilidade Urbana REBIO União – Reserva Biológica União RINTER – Rede de Integração Nacional RJ – Rio de Janeiro SAC – Secretaria Especial de Aviação Civil da Presidência da República SC – Santa Catarina SCUT – Sem custos aos utilizadores SEP – Secretaria de Portos da Presidência da República SP – São Paulo TAV – Trem de Alta Velocidade TGV – Train a Grande Vitesse TVA – Tennessee Valey Authority UE – União Europeia VALEC – Valec Engenharia e Construções SUMÃRIO INTRODUÇÃO 21 A problemática 21 Objetivos 27 Estrutura do texto 28 Metodologia 30 CAPÃTULO 1 - A GEOGRAFIA, O TERRITÓRIO, O ESTADO E OS TRANSPORTES: uma revisão bibliográfica 38 1.1 Geografia, GeopolÃtica, Estado e Território 38 1.2 Geografia e transportes 43 1.3 Sobre planejamento de transportes sob a ótica estatal 46 1.4 Transportes como elemento geopolÃtico de ação estatal 53 1.5 A questão das escalas 61 CAPÃTULO 2 – TERRITÓRIO E TRANSPORTES NA FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL BRASILEIRA 68 CAPÃTULO 3 – ATUAÇÃO RECENTE DO ESTADO BRASILEIRO 96 3.1 Prólogo – de BrasÃlia a Santos 96 3.2 As instituições de planejamento e gestão de transportes no Brasil 110 3.3 As redes e serviços de transportes em nÃvel federal no Brasil atual 113 3.3.1 Transporte rodoviário 121 3.3.2 Transporte Ferroviário 132 3.3.3 Transporte Aquaviário 138 3.3.4 Transporte Aéreo 141 3.4 As estruturas de planejamento em nÃvel federal 144 3.4.1 O Plano Nacional de Viação – PNV 145 3.4.2 O Sistema Nacional de Viação – SNV 147 3.4.3 O Plano Nacional de LogÃstica e Transportes – PNLT 149 3.4.4 O Plano de Investimentos em LogÃstica – PIL 157 3.5 Atuação especÃfica em dois casos 162 3.5.1 O contorno e a travessia urbana de Uberlândia 162 3.5.2 REBIO União x Ministério dos Transportes 177 3.6 Considerações gerais – um quadro-resumo dos principais problemas em transportes e território na atualidade 179 3.6.1 Aspectos de legislação e planejamento 181 3.6.2 Aspectos de articulação interinstitucional – em nÃvel federal 185 3.6.3 Aspectos de articulação interinstitucional – entre nÃveis federal e estadual 190 3.6.4 Aspectos de articulação interinstitucional – envolvendo federação e municÃpios 191 3.6.5 Atuação dos órgãos – a falta de redes prioritárias/ estruturais 195 CAPÃTULO 4 – APONTAMENTOS SOBRE A ATUAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA 198 4.1 O estágio de doutorado 198 4.2 A União Europeia e seu funcionamento 200 4.3 Os transportes na União Europeia e a PolÃtica Europeia de Transportes 206 4.4 O caso português 222 4.4.1 O PNPOT – Programa Nacional da PolÃtica de Ordenamento do Território 224 4.4.2 Planejamento de transportes em Portugal 228 4.4.3 O PET – Plano Estratégico de Transportes 236 4.5 Outras Questões – Considerações Gerais 240 4.6 Atuação do Estado Brasileiro e da União Europeia: uma SÃntese 245 CONSIDERAÇÕES FINAIS 251 REFERÊNCIAS 257 21 INTRODUÇÃO A problemática O notório e já falecido geógrafo brasileiro Milton Santos concedeu, em 1998, uma entrevista à revista Caros Amigos (2001 [1998], p. 125), na qual proferiu uma contundente afirmação: “Então, o território revela também a incapacidade de governo, quer dizer, a não-governabilidade do paÃs, porque o Brasil é um paÃs não-governadoâ€. Essa frase remete à necessidade de se compreender dois conceitos, o de território e o de Estado, bem como as relações entre ambos; ou melhor, as relações entre o território e a gestão pública sobre ele empreendida. Além disso, destaca-se a percepção do Estado em relação à capacidade de o território fornecer informações que possibilitem visualizar a forma como a gestão estatal é exercida. Pensar o território significa pensar um espaço delimitado no qual se dá o exercÃcio de poder. Mas não apenas isso: deve-se levar em conta o conjunto de fatores que influenciam suas caracterÃsticas e que moldam suas feições. Dentre tais fatores – talvez aqui seja melhor tratá-los como agentes –, a figura do Estado está entre aquelas mais destacadas, notadamente por possuir o domÃnio legal sobre este território e ser, em última instância, aquela que assume a responsabilidade de sua gestão. Retornando à questão abordada na entrevista mencionada, Milton Santos aprofunda esta questão afirmando que, ao longo do século XX, o território teria sido relegado pelo Estado a uma mera função de servir à s grandes 22 corporações, tendo sido perdida a noção de uma gestão territorial mais ampla, no sentido de atender à multiplicidade de interesses de diversos agentes. O território sai de cena como ente principal da polÃtica do Estado brasileiro, tendo como foco o atendimento de interesses especÃficos e ações pontuais, marcando uma gestão baseada em polÃticas desagregadas entre si. E qual seria o efeito de polÃticas desagregadas, sem um foco territorial? É o que o território revela: ocupação desordenada, esgotamento das redes infraestruturais, desenvolvimento econômico concentrado, impactos ambientais desproporcionais aos benefÃcios que as obras conseguem trazer, conflitos entre instituições do Estado. Como membro de uma autarquia do Estado Brasileiro, e tendo tomado contato mais próximo com as instâncias responsáveis pelo planejamento e execução de ações em transporte no Brasil, tenho a hipótese de que vários dos problemas que se verificam no setor de transportes, e que são tidos como problemas de transportes, sejam, na realidade, problemas de ordem territorial. Questões como as dificuldades na obtenção de licenças ambientais; problemas relacionados à invasão e à ocupação de faixas de domÃnio de rodovias e ferrovias; problemas relacionados a travessias urbanas; subutilização de trechos ferroviários; ou, ainda, simplesmente, eixos de ligação entre grandes centros urbanos totalmente desprovidos de caracterÃsticas compatÃveis com seu tráfego e sua importância, são exemplos de questões de transporte que encontram relação direta com aspectos territoriais. Este descolamento das atividades do Estado em relação à s questões territoriais a que Milton Santos se refere, e que se tem verificado na prática atual, parece se ligar a uma visão de que o Estado deva focar-se em questões ditas fundamentais, como a regulação mÃnima das atividades econômicas, a educação básica e a saúde, enquanto o mercado, ainda segundo essa visão, se encarregaria de prover o restante dos serviços à sociedade. No entanto, esta visão tem sido superada nas análises de estudiosos e práticos à medida que não se constataram os benefÃcios apregoados associados à diminuição da atividade do Estado. 23 Um exemplo recente é o Estudo da dimensão territorial para o planejamento, publicado em 2008, em sua versão final, tendo como foco a proposição de diretrizes e bases para a inclusão do território como o foco do planejamento estatal. Porém, o estudo foi além deste escopo inicial, culminando com a proposição de um cenário territorial futuro (horizonte 2027), que tem por ambição servir de base para polÃticas públicas em escala nacional, neste perÃodo. Este estudo, que demonstra forte apelo territorial, parece indicar, se não ainda uma tendência, uma vontade de alguns setores de se resgatar a tradição pretérita de geógrafos, geopolÃticos e planejadores em se pensar o desenvolvimento atual e futuro de uma nação com base no território, intervenções e suas consequências. Apesar de este trabalho ser atual, ele resgata bases antigas relativas a planejamento, tanto ao retomar o território como foco, mas também ao destacar o papel do sistema logÃstico como um dos sistemas estruturantes do território. Resgatemos alguns casos brasileiros, a exemplo da colonização do Norte Paranaense, que se deu, primordialmente, ao redor da linha ferroviária que cruzou a região; ou, ainda, da construção de BrasÃlia que, apoiada na construção de rodovias que integraram a nova capital aos extremos do paÃs, estimulou a ocupação do Cerrado brasileiro. Se, por um lado, a função do Estado tem como base tradicional a gestão do território, aqui compreendida como a ação com vistas à reprodução social de um povo e à manutenção de sua qualidade de vida, por outro a prática atual tem se revelado desterritorializada, focada em ações pontuais. No caso do setor de transportes, busca-se resolver os problemas do setor como meros problemas de transportes, sem considerar, de modo aprofundado, os aspectos territoriais envolvidos. Um exemplo é buscar como solução para a saturação de uma rodovia a sua ampliação de capacidade ou a construção de uma paralela ao invés de pensar possibilidades de rearranjos territoriais que possam prescindir ou postergar ampliação desta rodovia. 24 Em contrapartida, observam-se setores do Estado brasileiro que voltam seu foco para as questões territoriais. Porém, ainda não são palpáveis as ações, sendo difÃcil a mensuração de seu grau de influência nas demais instâncias, notadamente nos órgãos relacionados ao setor de transportes. Este é o primeiro mote do trabalho que ora apresentamos: buscar a compreensão das visões sobre a relação entre os transportes e o território. Inicialmente, buscamos essa perspectiva com base em referências na literatura, procurando, dentre as produções mais destacadas em Geografia, aquelas que possam lançar um lume sobre esta questão. Em seguida, tal procedimento foi seguido pela busca de uma literatura mais especializada e referente à gestão territorial e de transportes – inclusive estudando boas práticas neste setor, ao redor do mundo, notadamente na União Europeia. Esta primeira etapa deve servir de base para a análise principal que se pretende neste trabalho, que foi, e tem sido, responder à seguinte questão: como os órgãos responsáveis pela gestão dos sistemas de transporte no Brasil trabalham a questão territorial? Mas como uma tese de doutorado em Geografia pode contribuir com esta questão? E qual a relação da Geografia com este tema? Conforme nos mostra a História do Pensamento Geográfico, a gênese da Geografia está na GeopolÃtica. Nas palavras de Lacoste (1988, p. 23), A geografia é, de inÃcio, um saber estratégico estreitamente ligado a um conjunto de práticas polÃticas e militares e são tais práticas que exigem o conjunto articulado de informações extremamente variadas, heteróclitas à primeira vista, das quais não se pode compreender a razão de ser e a importância, não se enquadra no bem fundamentado das abordagens do Saber pelo Saber. Apesar do domÃnio da Geografia universitária e do “sepultamento†da GeopolÃtica pela academia por um bom tempo, é inegável que os conhecimentos do território aplicados à s ações polÃticas e militares, 25 notadamente as ações dos Estados Nacionais, estejam na gênese deste ramo de conhecimento denominado Geografia. A emblemática obra de Lacoste – A Geografia: isto serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra – traduz a função primordial que teve a Geografia. Porém, não entendamos a Geografia como conhecimentos que servem tão somente para as atividades bélicas. Estas são apenas uma parte das aplicações possÃveis destes conhecimentos. Expandindo um pouco, poderia ser dito que a Geografia é a ciência que estuda os aspectos territoriais com vistas à ação. Notadamente a ação estatal. Explicitado o objeto primordial de investigação do geógrafo – o território – cabe eleger uma definição que adotaremos doravante. Território, aqui, será entendido como o espaço delimitado de ação de um Estado Nacional. É o espaço no qual, por princÃpios legais, o Estado Nacional exerce sua soberania. Estes conceitos serão aprofundados mais adiante. Se considerarmos este território como o espaço de ação do Estado, há de se supor que este mesmo território será tanto o objeto sobre o qual a polÃtica estatal agirá, quanto a fonte principal de informações que deverão subsidiar a ação (Figura 1). Se os GeopolÃticos tradicionais ligavam o território ao poder, a gestão territorial que tem se desenvolvido na União Europeia, por exemplo, parece manter a premissa de que o território é o ponto focal da ação do Estado. Os geopolÃticos, tendo a noção de território como poder já chamavam atenção para a importância das redes de transportes e comunicação, como elementos integradores e estruturadores dos espaços. Na atualidade, mantendo o paralelo com a União Europeia, verificam-se uma série de sistemas de indicadores que monitoram o desenvolvimento territorial, bem como programas que estabelecem uma rede de transportes prioritária, com vistas a alcançar um nÃvel determinado de desenvolvimento nas regiões onde se investe. Ou seja, a visão antiga, repaginada, permanece nas regiões mais avançadas do globo, em termos de gestão. 26 Figura 1: Território e Planejamento. Org.: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2012. Por outro lado, no Brasil, as polÃticas parecem desarticuladas e não encontram, no território, o ponto que poderia articulá-las e torná-las mais eficientes. Isto se demonstra, por exemplo, nos investimentos que não seguem uma racionalidade territorial, na falta de foco dos órgãos de transporte e na articulação interinstitucional insuficiente entre os órgãos e esferas de decisão. Exemplos referentes à falta de racionalidade territorial que podem ser citados são o contorno viário executado em Uberlândia (MG), incapaz de atrair o tráfego, que segue circulando na área urbana, e o contorno de Maringá (PR), ainda em execução, que ignora as áreas conurbadas de municÃpios vizinhos. A questão de falta de foco se ilustra com a atuação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que deveria se focar nos temas relevantes em nÃvel nacional e, no entanto, ainda gerencia o transporte urbano no entorno de BrasÃlia. Os sistemas estaduais e federal de transporte de passageiros de longo curso por ônibus não possuem qualquer integração e ilustram, por fim, a falta de articulação entre as instâncias de decisão. 27 O cúmulo desta situação se verifica no fato de as grandes polÃticas nacionais de transporte – aqui citamos o exemplo recente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal, que foca na eliminação de gargalos em áreas saturadas ou em vias de saturação, mas não numa organização territorial que permitam gerar novos pólos de desenvolvimento. E, tão grave quanto, não se tem a noção precisa dos impactos dos sistemas de transportes na atual organização territorial brasileira. A questão que se impõe e que se pretende esclarecer no decorrer deste trabalho é sobre como os órgãos responsáveis pela gestão do transporte – em nÃvel nacional (Brasil) - trabalham a questão do território. É necessário, ainda, contextualizar esta questão com outra: como o Estado Brasileiro, como um todo, trabalha a questão do território. Objetivos Tais questões, apoiadas na hipótese – convertida em tese – de que os problemas de transportes são na prática problemas de ordenação territorial, delineiam os objetivos fundamentais do desenvolvimento deste trabalho: ï‚§ Discutir, em termos teóricos, o papel dos transportes como elemento estruturador do espaço; ï‚§ Construir, em termos históricos, um panorama da formação sócio- espacial brasileira sob a ótica dos transportes e seu papel no ordenamento territorial; ï‚§ Analisar como as polÃticas territoriais brasileiras consideram a questão do transporte; ï‚§ Analisar a atuação recente dos órgãos gestores de transporte em escala nacional – no Brasil – consideram as variáveis territoriais; 28 ï‚§ Conhecer as boas práticas de planejamento de transportes, considerando as variáveis territoriais ao redor do mundo, notadamente na União Europeia. Estrutura do texto A tese está estruturada em Introdução, cinco capÃtulos, Considerações Finais e Referências. A Introdução contempla as considerações iniciais nas quais apresentamos a motivação, explicitamos a problemática e os objetivos fundamentais da pesquisa. Ainda nesta seção, são contemplados os pressupostos básicos bem como os “caminhos†teóricos e práticos que nos levam a responder à s perguntas de pesquisa (subseção Metodologia). Naturalmente, em ciências humanas, a metodologia revela-se como algo não estático e que se adapta conforme surgem novas contribuições, novos dados, novas informações. O CapÃtulo 1, A Geografia, o Território, o Estado e os Transportes: uma revisão bibliográfica, traz as discussões teóricas referentes aos conceitos fundamentais que utilizamos no trabalho transportes, território e ordenamento territorial. Tratamos de como as origens da Geografia se ligam à ação estatal e, portanto, ao conceito de território. Abordamos a geopolÃtica como uma forma legÃtima de Geografia, baseada nos conhecimentos geográficos como fundamento para ação estatal. Analisamos a questão do planejamento de transportes – como pensado e como executado atualmente – e de como depende de informações de cunho territorial e como influencia a estruturação do espaço, aspecto fundamental na confirmação da hipótese de que muitos dos problemas de transportes são, de fato, problemas de território. 29 No CapÃtulo 2, Transporte e território na formação sócio-espacial brasileira, buscamos reconstituir, com base nas análises de Huertas (2009), Moraes (2011) e do GEIPOT (2001), bem como outros autores, como a estruturação do espaço nacional brasileiro esteve diretamente ligada à s redes de transportes de cada tempo, e também a forma com que o Estado e os agentes privados se apoiaram em decisões de cunho territorial no empreendimento da colonização do território brasileiro. Dividido em duas seções, o CapÃtulo 3, Atuação recente do Estado brasileiro, traça um panorama institucional atual da gestão de transportes em escala nacional, em um primeiro momento, possibilitando que os estudos de caso, na segunda seção, ilustrem as principais questões na interface planejamento de transportes/ordenamento territorial que julgamos, com base em nossas análises, confirmarem a hipótese e os problemas levantados inicialmente, e outros. Este capÃtulo configura o cerne do trabalho, no qual as questões teóricas e os estudos de caso nos proporcionam uma visão clara da atuação recente do Estado brasileiro. O CapÃtulo 4, Apontamentos sobre a atuação da União Europeia, deriva da experiência de estágio na Universidade de Lisboa e busca trazer à tona a atuação recente deste aglomerado de estados nacionais que tem obtido razoável sucesso em relação a polÃticas de ordenamento territorial, tendo como um dos elementos centrais as polÃticas de transportes. O objetivo deste capÃtulo contempla a execução de uma análise paralela, permitindo comparação com o caso brasileiro. Por fim, têm-se as Considerações Finais do trabalho, contemplando as principais conclusões e recomendações derivadas da análise empreendida. 30 Metodologia Santos (2009 [1996], p. 37), ao tratar da forma como a sociedade interage com o espaço, cita a forma como os geógrafos interpretam, fazendo, porém, uma ressalva: Quando geógrafos escrevem que a sociedade opera no espaço geográfico por meio dos sistemas de comunicação e transportes, eles estão certos, mas a relação, que se deve buscar, entre o espaço e o fenômeno técnico, é abrangente de todas as manifestações da técnica, incluÃdas as técnicas da própria ação. A essência do que o autor afirma está em entender que o foco não pode estar localizado apenas em entender como as técnicas – aqui as redes de transporte e comunicação – atuam alterando (e sendo alteradas) pelas caracterÃsticas espaciais, territoriais (este conjunto ele denomina ações), mas que também se lance o lume sobre as injunções que levam à opção por tais ações, ao processo decisório e seus fatores de influência, ou, nos termos do autor, as técnicas da própria ação. Se, para o desenvolvimento deste trabalho, importa a forma como as redes de transporte interagem com o substrato territorial, importa-nos do mesmo modo as questões institucionais e polÃticas por trás da ação dos atores que decidem pela implantação ou não das redes, das polÃticas, enfim, das ações. Ou seja, são fatores indissociáveis para a compreensão do tema ao qual nos propusemos: Nossa proposta atual de definição da geografia considera que a essa disciplina cabe estudar o conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ação que formam o espaço. Não se trata de sistemas de objeto, nem de sistemas de ações tomados separadamente (SANTOS, 2009 [1996], p. 62). 31 Os conceitos-base que norteiam este trabalho são o território, o ordenamento territorial e o planejamento de transportes, vistos sob a ótica da gestão. Isto é, numa visão de resgate dos estudos que considerem a ação do Estado como elemento fundamental na organização do território. Aqui, remetemos ao conceito de GeopolÃtica, que, nesta abordagem, se traduz na gestão estatal orientada sobre o território, tendo nos sistemas de transporte um elemento estruturador. Uma opção metodológica que ora se faz é a de superar a separação usual entre trabalhos de cunho acadêmico da realidade de ordem técnica, muitas vezes tendo o setor acadêmico ensimesmado, ignorado ou negligenciado os procedimentos e formas de trabalho vigentes tanto no setor público quanto no setor privado que utilizam – em maior ou menor grau – os conhecimentos da Geografia. Esta pretensão deriva de minha experiência profissional, atuando justamente em uma área que desenvolve estudos diversos relacionados aos transportes e sua regulação – a Superintendência de Estudos e Pesquisas da Agência Nacional de Transportes Terrestres. A experiência profissional acaba se tornando indissociável dos conhecimentos geográficos adquiridos, possibilitando um intercâmbio entre o cabedal teórico/técnico da Geografia e as atividades de pesquisa relacionadas aos transportes. Fez-se, ainda, a opção por trabalhar a escala nacional – levando-se em consideração o território nacional brasileiro, espaço de ação do Estado brasileiro. Poucos têm sido os trabalhos de Geografia – inclusive referentes aos transportes – que ousam trabalhar nesta escala. Afinal, é “a sociedade nacional, através dos mecanismos de poder, que distribui, no paÃs, os conteúdos técnicos e funcionais, deixando os lugares envelhecer ou tornando possÃvel sua modernização†(SANTOS, 2009[1996], p. 272). E, ainda, Na história moderna a repartição do espaço terrestre se entrelaça com o processo de afirmação das denominações 32 estatais, o que fornece – antes de tudo – uma escala básica para a investigação geográfica: os espaços de soberania dos estados, expressos como reinos, como impérios e como paÃses (MORAES, 2011, p. 8). O desenvolvimento do trabalho se desdobra em seis etapas distintas e complementares, conforme esquematizado a seguir e na Figura 2: ï‚§ Etapa 1 – Construção do estado da arte – CapÃtulo 1; ï‚§ Etapa 2 – Construção de histórico – CapÃtulo 2; ï‚§ Etapa 3 – Panorama institucional – CapÃtulo 3; ï‚§ Etapa 4 – Estudos de caso – CapÃtulo 3; ï‚§ Etapa 5 – Estudos na União Europeia – CapÃtulo 4; ï‚§ Etapa 6 – SÃntese – CapÃtulo 4. A Etapa 1 da pesquisa inicia-se com o aprofundamento da análise de literatura pertinente aos temas território e transportes, e seus respectivos desdobramentos em planejamento de transportes e ordenamento territorial. Notadamente bibliografias que abordem a questão da integração entre aspectos do território e aspectos dos transportes. Partindo-se desta noção de um planejamento territorial intimamente ligado à s redes de transporte, inicialmente consideramos as reflexões de autores que abordaram a questão de modo semelhante. Desde os antigos geopolÃticos, geógrafos e planejadores. Estas fontes bibliográficas visaram compreender e sistematizar a forma como estes pensadores entendiam a relação entre os conceitos e como buscavam transformar este entendimento em proposta de ação pública. 33 Figura 2: Organização metodológica da tese. Org.: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2012. A Geografia dos Transportes das escolas americana e europeia constitui importante subsidio, tendo em vista que abordam a questão dos transportes de forma mais ampla, além de possuÃrem um conjunto de ferramentas mais ligado à ação, quando comparados com a Geografia brasileira. Obviamente, autores brasileiros também servem de referência, tanto para efeito de comparação com abordagens estrangeiras quanto para efeito de estudos de casos de polÃticas implementadas em território nacional. 34 Esta abordagem inicial permite obter um retrato do estado da arte atual da literatura em termos de gestão territorial e sua ligação com o planejamento de transportes, consolidado no CapÃtulo 1. Na Etapa 2, ainda com base em análise de literatura, buscou-se interpretar a formação socioespacial brasileira sob a ótica da relação entre transportes e território. Afinal, entender a dinâmica atual do território e sua gestão só são possÃveis em sua plenitude se nos debruçamos a entender os processos espaciais e históricos pretéritos que engendraram a configuração atual. Para Santos (2009 [1994], p. 141), [...] a atual repartição territorial do trabalho repousa sobre as divisões territoriais do trabalho anteriores. E a divisão social do trabalho não pode ser explicada sem a explicação da divisão territorial do trabalho, que depende, ela própria, das formas geográficas herdadas. Conforme literatura explicitada nos capÃtulos seguintes, aqui se tomou como ponto de partida o inÃcio da ocupação portuguesa no continente americano; ou seja, entende-se o território brasileiro como herdeiro do território colonial português na América. O foco desta análise tem por objetivo apreender o papel das redes de transportes na estruturação do território bem como a ação estatal relacionada. Os resultados estão explicitados no CapÃtulo 2. A Etapa 3 trata da construção de um panorama institucional do planejamento de transportes em escala nacional no Brasil. Basicamente, consistirá numa análise da legislação pertinente e dos planos relacionados aos órgãos de planejamento de transportes elencados: Ministério dos Transportes (MT), Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Secretaria Portos (SEP), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), Secretaria de Aviação Civil (SAC), e Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Sua construção é baseada nas práticas de planejamento territorial em nÃvel nacional, publicadas e/ou implantadas recentemente. Esta análise permitirá 35 observar como estas polÃticas – quando existentes – tratam a questão dos transportes, além de contextualizar a análise seguinte. Foram analisados o Plano Nacional de LogÃstica e Transportes (PNLT), o Plano Nacional de Mudanças Climáticas e o Sistema Nacional de Viação, dentre outros, que foram considerados relevantes nesta pesquisa. Além dos planos, deverão ser considerados manuais e instruções normativas. O foco nos aspectos legais se justifica, dentre outros aspectos, porque A ação é subordinada a normas, escritas ou não, formais ou informais e a realização do propósito reclama sempre um gasto de energia. A noção de atuação liga-se diretamente à ideia de práxis e as práticas são atos regularizados, rotinas ou quase rotinas que participam da produção de uma ordem (SANTOS, 2009 [1996], p. 78-79). A ação, no nosso caso, é a atuação das instituições citadas, e derivadas normas, leis, manuais e, ainda, das normas e padrões não escritos. A Etapa 4 consiste em executar a análise que é o foco do trabalho, que se debruçará, em maior nÃvel de detalhe, sobre a atuação dos órgãos responsáveis pela gestão dos transportes em nÃvel nacional, já citadas. Este maior nÃvel de detalhe será obtido por meio de estudos de caso que permitam vislumbrar, no território (nas múltiplas escalas), as consequências de um planejamento de transportes descolado do ordenamento territorial. Se, por um lado, a escala de análise privilegiada é a escala nacional, “as decisões nacionais interferem sobre os nÃveis inferiores da sociedade territorial por intermédio da configuração geográfica, vista como um conjunto. Mas somente em cada lugar ganha real significado†(SANTOS, 2009 [1996], p. 272). Foram escolhidos para estudo dois casos: ï‚§ O contorno viário de Uberlândia; ï‚§ O projeto de duplicação da BR-101 no trecho que intercepta a Reserva Biológica da União, no Estado do Rio de Janeiro. 36 Os estudos de caso foram escolhidos com base na facilidade de acesso aos dados, bem como por serem representativos da diversidade dos temas que se pretende abordar: a questão dos contornos viários; a articulação interinstitucional; a questão da escala; a questão federativa; o caráter municipalista da Constituição Federal de 1988; os confrontos entre órgãos de planejamento e órgãos ambientais; a regulação do setor ferroviário; padrões de legibilidade espacial, dentre outros aspectos, cujas reflexões teóricas se encontram descritas no CapÃtulo 3. As Etapas 3 e 4 servem de base para a redação do CapÃtulo 3 da tese. Vale destacar que, para a consecução destas etapas, contou-se com o valioso apoio da equipe da Revista ANTT, da qual faço parte como membro de seu Núcleo Editorial, o que facilitou o contato com alguns dos entrevistados pretendidos. Duas entrevistas publicadas nas edições da Revista ANTT de novembro de 2010 e maio de 2011, bem como duas reportagens das mesmas edições, aproveitaram material do desenvolvimento desta tese. A Etapa 5, materializada no CapÃtulo 4 da tese, consiste na construção de um panorama e de breves estudos de caso, baseados em experiências tanto de planejamento territorial em termos mais amplos quanto da ação de órgãos de transportes no âmbito da União Europeia. A análise, neste caso, foca ações que possam ser considerados “boas práticas†e que sirvam para balizar a análise do caso brasileiro e que possam servir de modelos para solução de problemas que possam ser apontados. A escolha da União Europeia se justifica por uma questão territorial e de gestão: eles demonstram possuir tradição no que se refere ao ordenamento territorial, inclusive no que tange ao planejamento de transportes (Redes Transeuropeias). Territorialmente, é uma aglomeração de estados nacionais de pequeno e médio porte, com grande diversidade cultural e de caracterÃsticas socioeconômicas, obviamente numa escala maior do que a verificada no Brasil. No entanto, apesar de tais discrepâncias, têm obtido sucesso em suas polÃticas, notadamente no referente à boa articulação interinstitucional. 37 Esta etapa foi viabilizada por meio de Estágio de Doutorado no Exterior, realizado no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Previamente, selecionamos e visitamos órgãos do Estado português relacionados ao ordenamento do território e ao planejamento de transportes, visando conhecer sua atuação e sua relação com os órgãos da União Europeia. Além das visitas técnicas, foram realizadas idas a campo possibilitando vivenciar e fazer registro fotográfico de infraestruturas. A Etapa 6 consiste em um esforço de sÃntese, contida no final do CapÃtulo 4, considerando as análises realizadas, consistindo na produção daquilo que entendemos que será a principal contribuição desta pesquisa. Os produtos pretendidos, ao fim da tese são: ï‚§ Análise do estado da arte do estudo de Geografia dos Transportes e de gestão territorial; ï‚§ Análise da visão e da ação recente do Estado Brasileiro em relação ao ordenamento territorial; ï‚§ Análise das polÃticas e da ação das instituições brasileiras de planejamento de transportes em relação à interface território – transportes; ï‚§ Compêndio de boas práticas em transportes no Brasil e na União Europeia; ï‚§ Análise teórica do conjunto. 38 CAPÃTULO 1 A GEOGRAFIA, O TERRITÓRIO, O ESTADO E OS TRANSPORTES: uma revisão bibliográfica 1.1 Geografia, GeopolÃtica, Estado e Território José William Vesentini, no prefácio da segunda edição brasileira de A Geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, de Yves Lacoste (1988, p. 7), diz: O fundamental, a seu ver, é que, malgrado as aparências mistificadoras, os conhecimentos geográficos sempre foram, e continuam sendo um saber estratégico, um instrumento de poder intimamente ligado a práticas estatais e militares. A geopolÃtica, desta forma, não é uma caricatura da geografia; ela seria na realidade o âmago da geografia, a sua verdade mais profunda e recôndita. Neste excerto, o autor trata exatamente de um dos principais mal estares da Geografia no século XX, que aborda, justamente, a execração da Geografia PolÃtica (e da GeopolÃtica) dos estudos geográficos. Execração que tem relação direta com a apropriação de teorias geopolÃticas pela polÃtica hitleriana. Consequentemente, naquele século, os conceitos de GeopolÃtica e Geografia PolÃtica passaram a estar intimamente associados ao nazi-fascismo. Ainda que, desde os primórdios, a Geografia trate do território como tema e, ainda, o Estado como agente transformador do território, o “esquecimento†do 39 tema GeopolÃtica durante parte do século XX se desdobrou, em certa medida, no esquecimento da função do Estado: Na realidade o Estado e os desdobramentos do seu aparato institucional e o papel destes no ordenamento territorial e social foram obscurecidos na geografia pela perspectiva reducionista do determinismo estrutural comandado pelas relações capitalistas de produção (CASTRO, 2010, p. 108). A despeito da associação da GeopolÃtica com o nazismo, bem como do relativo abandono do estudo das ações estatais, o tema ressurgiu. Ainda que visto naqueles tempos como uma pseudogeografia, o fato que Vesentini destaca é de que é justamente o oposto: a Geografia PolÃtica e a GeopolÃtica estão no cerne da origem da Geografia como ramo do conhecimento. Nas palavras de Lacoste (1988, p. 23), A geografia é, de inÃcio, um saber estratégico estreitamente ligado a um conjunto de práticas polÃticas e militares e são tais práticas que exigem o conjunto articulado de informações extremamente variadas [...] Este saber estratégico, cuja base é o conhecimento do território, deriva do fato de o território prover a possibilidade de extração – por meio de sua “leitura†– de um conjunto grande de informações, permitindo balizar a atuação, seja de Estados nacionais (e suas subdivisões), de empresas, e outros grupamentos humanos. Nas palavras de Santos (2001, p. 21), “A minha impressão é a que o território revela as contradições mais fortementeâ€. Ainda considerando a análise de Lacoste (1988, p. 22), a função original da Geografia enquanto ciência é a de fornecer o conjunto de informações acerca dos territórios nacionais. E são com base nestas informações que se empreendem as ações: 40 [...] se a topografia só evolui muito lentamente, a implantação das instalações industriais e o traçado das vias de circulação, as formas de hábitat se modificam a um ritmo muito mais rápido e é preciso levar em consideração essas transformações para estabelecer as táticas e as estratégias. Corrobora para este pensamento Bertha Becker (1995, p. 226-227), ao relatar o histórico da relação entre Estado, Geografia e GeopolÃtica: A geografia é institucionalizada como disciplina e obra de Friedrich Ratzel, teorizando geograficamente o Estado (1897), constitui uma fonte crucial para a análise das relações entre o estado e o poder, e para a própria criação da geopolÃtica como disciplina pelo sueco Rudolf Kjéllen. Em relação à GeopolÃtica brasileira, esta se firmou principalmente nas forças armadas e, secundariamente, em órgãos de planejamento nacional e de Geografia nacional, tendo subsÃdios em autores clássicos da Geografia e da GeopolÃtica como Ratzel, Kjéllen, McKinder, dentre outros. Os geopolÃticos brasileiros foram unÃssonos ao tratar da questão territorial como fundamental para subsidiar a unidade e o desenvolvimento nacional, a exemplo do que evoca Elyseo de Carvalho (1921), citado por Miyamoto (1995): A sorte das nações está inevitavelmente ligada á fatalidade geográfica e é por isso que não concebemos uma polÃtica brasileira alheia a seu mapa, e, por conseguinte, esquecida de sua preponderante função nacionalista. [...] A geografia é hoje o fundamento da polÃtica e a lei do progresso. Ou seja, para a GeopolÃtica brasileira, é inconcebÃvel pensar o desenvolvimento nacional de modo desligado do seu território. Este não é um traço somente desta GeopolÃtica, mas se liga intimamente aos processos que culminaram na formação dos Estados Nacionais Modernos que são, conforme análise de Moraes (2011, p. 8), intimamente ligados ao conceito de território: 41 Na história moderna a repartição do espaço terrestre se entrelaça com o processo de afirmação das denominações estatais, o que fornece – antes de tudo – uma escala básica para a investigação geográfica: os espaços de soberania dos estados, expressos como reinos, como impérios e como paÃses. O território moderno é estatal, assim como o estado moderno é territorial, sendo construções históricas que se complementam. A respeito dos conceitos de “geopolÃtica†e “geografia polÃticaâ€, Costa (1997) aborda a conhecida dicotomia de ambos, sendo a primeira tida como prática, ligada aos meios militares, e a segunda como mais isenta, acadêmica. Na prática, ambas são formas de conhecimento sobre uma mesma temática e que têm subsÃdios das mesmas fontes teóricas; ambas analisam e/ou embasam as ações dos estados sobre os territórios. Isto tem fundamento na própria origem da Geografia, tida por Lacoste (1988), como a ciência que “serve, em primeiro lugar, para fazer a guerraâ€; ou seja, que os conhecimentos do território serviram, antes de qualquer coisa, para subsidiar a atividade bélica e expansionista dos estados nacionais. Porém, há de se assinalar, a GeopolÃtica – aqui se optou por adotar GeopolÃtica e Geografia PolÃtica como sendo sinônimos – não trata apenas de assuntos bélicos, mas, essencialmente da polÃtica territorial de um Estado Nacional, sejam questões externas – as relações internacionais –, sejam questões internas – gestão territorial. Esta última que é exatamente o foco deste trabalho. Ainda sobre território, poder e Estado, Lacoste (2009, p. 10) destaca: Poder y território son dos términos fundamentales em GeopolÃtica. Desde um punto de vista jurÃdico, en todas las sociedades, ambos están estrechamente relacionados entre sÃ, pues todo poder polÃtico oficial (ya se trate del de um estado, del de uma tribo, o de um municipio) pose e su próprio territorio, es decir, uma extensión claramente delimitada sobre La cual ejerce su autoridade u – em principio – su soberanÃa, 42 donde normalmente es responsable Del orden publico y cuya defensa pretende assegurar [...]1. Becker (1995, p. 296), define gestão territorial como [...] a prática estratégica cientÃfico-tecnológica do poder que dirige, no espaço e no tempo, a coerência de múltiplas decisões e ações para atingir uma finalidade e que expressa, igualmente, a nova racionalidade e a tentativa de controlar a desordem. Ao entender um Estado Nacional como produto de uma coletividade, com caracterÃsticas inerentes a um povo, num Estado de Direito, espera-se que a geopolÃtica e, consequentemente a gestão territorial, empreendida por este Estado deve se pautar pelo bem estar coletivo e o interesse dos grupos que visem reproduzir este povo e seu bem-estar. Passemos, então, ao conceito fundamental com o qual trabalha a Geografia: o território. Egler (1995, p. 214) assim o aborda esta questão: O conceito de território é distinto de uma visão puramente espacial, como fazem os membros da “regional science†de fundamento neoclássico. O conceito de território pressupõe a existência das relações de poder, sejam elas definidas pelas relações jurÃdicas, polÃticas ou econômicas. Ou seja, o território, para a Geografia, não trata apenas de limites, mas também das caracterÃsticas permanentes e mutáveis do espaço delimitado por este território. E, conforme o conhecimento de tais caracterÃsticas seja a base 1 Poder e território são dois termos fundamentais em GeopolÃtica. Do ponto de vista jurÃdico, em todas as sociedades, ambos estão estreitamente relacionados entre si, pois todo poder polÃtico oficial (seja de um Estado, de uma tribo ou de um municÃpio) possui seu próprio território, ou seja, uma extensão claramente delimitada sobre a qual se exerce sua autoridade ou – a princÃpio – sua soberania, onde normalmente é responsável pela ordem pública e cuja defesa pretende assegurar [...] (Tradução livre do autor). 43 da intervenção estatal, é fácil compreender a importância deste conceito para a GeopolÃtica e para a Geografia como um todo. Souza (1995, p. 81) completa que, “a bem da verdade, o território pode ser entendido também à escala nacional e em associação com o Estado como grande gestor [...]â€. Ou seja, o território é entendido e estudado como substrato da ação de um Estado em especÃfico. E, no caso deste trabalho, adotaremos os limites do Estado Brasileiro como referência. 1.2 Geografia e transportes Se a Geografia sendo a ciência da guerra foi a verdade única por muito tempo, os conhecimentos territoriais hoje possuem um potencial enorme de serem internalizados por outras esferas da administração estatal – bem como de outros setores da sociedade civil – e podem servir de subsÃdio para intervenções no território que visem gerar mais qualidade de vida à população e menos impactos ambientais, por exemplo. E isto inclui os subsÃdios para o planejamento de transportes e, no sentido oposto, o potencial que os transportes têm como elementos estruturadores do espaço. Entendemos, aqui, como transporte o conjunto de redes fÃsicas, métodos de operação para os fluxos de mercadoria e pessoas no território: ferrovias, rodovias, hidrovias, aerovias, portos, aeroportos, terminais. O conceito de transporte associa-se, ainda, à sua necessidade, que é baseada, notadamente, nas diferenças na distribuição espacial dos recursos; na especialização produtiva de algumas localidades/regiões; nas possibilidades de economia de escala; objetivos polÃticos e militares; relações culturais, sociais, residenciais. Segue o entendimento de Pons; Reynés (2004, p. 34): 44 [...] cuando se habla de “transporte†se alude a los desplazamientos de elementos materiales, mediante um sistema móvil soportado por uma infraestructura y, lo más importante, siguiendo um trayecto o ruta, esto es, de forma orientada desde um origen hacia um destino2. Diversos geopolÃticos e geógrafos relacionam o conceito de território à função de transporte. O transporte é entendido como um dos elementos transformadores do espaço. A este respeito, destaca Miyamoto (1995): Everardo Backheuser, obviamente tratando da polÃtica nacional em termos territoriais, retrata, dentre outros, as grandes distancias como um problema à integração nacional, mas ressalva que, no entanto, era um “problema secundário, uma vez que os meios de transporte facilmente neutraliza (sic) essa desvantagemâ€. Ainda estudiosos da Geografia como Milton Santos e Roberto Lobato Corrêa destacam o papel das redes de transporte na estruturação do espaço brasileiro, notadamente na formação de sua rede urbana. A primazia das cidades litorâneas, que se desenvolveram antes devido a sua localização próxima ao mar, a principal via de comunicação com o restante do mundo. Apenas com o desenvolvimento de atividades econômicas e vias terrestres de suporte que centros interioranos começaram a se desenvolver. No mesmo sentido, o Banco Mundial (2010, p. 23; p. 37-38) entende que, de forma clara, o investimento em transportes promove, ainda que de forma não mensurável claramente, impactos de ordem territorial na medida em que engendra redução de distâncias e, consequentemente, ganhos de produtividade, redução de custos: 2 [...] quando se fala de “transporteâ€, se faz alusão aos deslocamentos de elementos materiais, mediantes um sistema móvel suportado por uma infraestrutura e, o mais importante, seguindo um trajeto ou rota, isto é, de forma orientada desde uma origem até um destino. (Tradução livre do autor). 45 O Banco Mundial, em um estudo de 2010, afirma que “O setor de transportes é vital para o desenvolvimento econômico e socialâ€. [...] os investimentos em infraestrutura de transporte provocam impactos nas economias regionais tanto no curto quanto no longo prazo, mas a dimensão dos ganhos de produtividade, a intensidade e sustentabilidade de crescimento da produção, e os avanços e melhorias da competitividade são de difÃcil mensuração. Tal fato muitas vezes reduz a capacidade de identificação e extrapolação de benefÃcios potenciais induzidos pela existência de uma infraestrutura de transportes de qualidade que contemple integração modal, redução de custos operacionais aos diferentes sistemas, menores tempos de viagem, acessibilidade à s regiões produtivas, entre outros. Apesar de ser um consenso de que existe uma relação clara entre transportes e território, e que pareça óbvio que as redes de transportes sejam um indicador claro da organização territorial das atividades econômicas, na mesma linha do excerto do Banco Mundial Pons; Reynés ( 2004, p. 307), destacam que esta relação não é simples e clara: [...] los planificadores concluyen que, em efecto, las infraestructuras de transporte influyen em el desarrollo de um territorio o de um Estado, aunque siempre em función de diversos factores locales o estatales – de tipo medioambiental, historico, tecnológico, polÃtico, económico o demográfico –, como también de las complejas polÃticas internacionales)3. Um exemplo mais próximo que pode ser citado é o da Ferrovia Mogiana, que adentrou o Triângulo Mineiro entre o fim do século XIX e o inÃcio do Século XX. Apesar de cruzar diversas cidades, gerando “vantagens de transporte†e adensamento, foi em Uberlândia que os efeitos foram mais intensos. A elite local (fator polÃtico) tomou a iniciativa de construir estrada pedagiada para 3 [...] os planejadores concluem que, de fato, as infraestruturas de transportes influem no desenvolvimento de um território ou de um Estado, ainda que sempre em função de diversos fatores locais ou estatais – de tipo ambiental, histórico, tecnológico, polÃtico, econômico ou demográfico –, como também das complexas polÃticas internacionais (Tradução livre do autor). 46 Goiás e, desta forma, passou a canalizar fluxos não atendidos pela ferrovia e a polarizar esta região. Em outras palavras, a nova infraestrutura, por si só, não seria capaz de gerar “desenvolvimento†e maiores alterações de ordem econômica e territorial não fosse a participação de uma elite local empreendedora, confirmando a tese de que transportes, por si só, não são suficientes para induzir o desenvolvimento, mas que são decisões que devem estar apoiados em um conjunto maior de ações. 1.3 Sobre planejamento de transportes sob a ótica estatal Passemos do campo teórico para a visão estatal do planejamento de transportes. A Geografia dos Transportes é uma área que se pauta pela multidisciplinaridade. Necessita de conhecimentos de campos diversos, conforme assinalam Pons; Reynés (2004, p. 21): Grande es la diversidad de temas que estructuran actualmente el cuerpo teórico y metodológico de la GeografÃa del transporte, y ello se corresponde com uno de sus atributos más importantes, la multidisciplinariedad. Esto es, la utilización de conceptos, métodos y técnicas, a veces próprios de otras disciplinas como la economÃa, las matemáticas, la demografÃa o la planificación. Todos ellos aparecen em los diversos manuales de GeografÃa del Transporte al uso4. 4 Grande é a diversidade de temas que estruturam atualmente o corpo teórico e metodológico da Geografia do Transporte, e isto corresponde a um de seus atributos mais importantes, a multidisciplinaridade. Isto é, a utilização de conceitos, métodos e técnicas, por vezes próprios de outras disciplinas como a economia, a matemática, a demografia ou o planejamento. Todos eles aparecem nos diversos manuais de Geografia do Transporte em uso. (Tradução livre do autor). 47 No entanto, a utilização dos conhecimentos de outras áreas não deve significar que se deve utilizar seus métodos sem nenhuma reflexão. A Geografia deveria produzir uma reflexão diferenciada acerca dos fenômenos de transporte ao invés de meramente retrabalhar os modelos de pensamento trazidos de outros campos de conhecimento. No Brasil, particularmente, a Geografia pouco se debruça sobre o tema transporte, ao contrário de geógrafos de outros paÃses, a exemplo daqueles dos paÃses anglo-saxões. Para a Geografia brasileira, o transporte é visto primordialmente sob o ponto de vista dos seus impactos socioambientais. Pons; Reynés (2004) tratam sobre a produção espanhola neste ramo do conhecimento e, assim como no Brasil, possui uma produção escassa, notadamente aquelas voltadas aos métodos de Geografia dos Transportes de forma sistematizada com a consequente apropriação de obras e conceitos de outras áreas. Knowles; Shaw; Docherty; Iain (2008, p. 4-5), geógrafos do Reino Unido e dos Estados Unidos da América que se dedicam aos estudos dos transportes, destacam que There are two aspects of the nexus between transport and geography that have traditionally attracted study. One is geography of transports systems themselves. These occupy a large amount of space, their form, layout and extent being determined by a range of factors such topography (mountains, rivers, etc.), economic conditions, technological capability, sociopolitical situations and spatial distribution of places they link together. […] the impact of transport is the second traditional area of study for transport geographers. A core interest of many geographers is explaining the location of phenomena over time and across space, and transport is one of the most powerful factors affecting and explaining the distribution of social and economic activity5. 5 Há dois aspectos da relação entre transporte e geografia que tradicionalmente atrai estudo. Uma é a geografia dos próprios sistemas transportes. Estes ocupam uma grande quantidade de espaço, a sua forma, distribuição e extensão sendo determinado por uma série de fatores como a topografia (montanhas, rios etc.), condições econômicas, capacidade tecnológica, as 48 Aqui se percebe como a Geografia anglo-saxônica demonstra ser mais abrangente nos estudos de transportes e que a Geografia brasileira, que parece focar muito mais em estudar seus impactos do que na estruturação dos sistemas em si. Destaca-se, também, a visão de que Transportes e o uso do solo – que se pode considerar um atributo do território – mantêm uma relação biunÃvoca, ou seja, de codependência: um gera impactos sobre o outro e colhe os impactos derivados do outro. Uma impressão que tem se firmado, como alternativa à visão mais comum hodiernamente, é a de que o discurso geral da sociedade tem tido um viés um tanto economicista. Ou seja, a economia parece ter deixado de ser um meio para atingir determinados objetivos de uma sociedade, passando a ser a finalidade do conjunto de sociedades. Analisando a questão do desenvolvimento econômico, Sequinel (2000) considera que a atividade e o crescimento econômicos não devem ser entendidos como uma finalidade em si, mas como um meio para conseguir uma melhor qualidade de vida para toda a sociedade. Ainda sobre essa questão, Milton Santos (2000 p. 14; 15) assim entendia: Por exemplo, em dado momento falava-se das finanças e se imaginava – isso há poucos anos – que as finanças não eram a economia real. Será que não o são? Hoje, o que se diz é que tudo depende das finanças. Se estas forem mal, nada mais é possÃvel. Nem falar, portanto, em bem-estar social, cidadania, solidariedade... Será que é mesmo assim? Será o dinheiro a única razão admissÃvel? Há duas coisas. Uma é que o raciocÃnio a partir do financeiro, que está nos comandando, à s vezes nos induz a esquecer a sociedade. situações sociopolÃticas e distribuição espacial dos lugares que interligam. [...] O impacto dos transportes é a segunda área tradicional de estudo para os geógrafos de transporte. Um interesse destacado de muitos geógrafos está em explicar a localização dos fenômenos no tempo e no espaço, e o transporte é um dos fatores mais importantes que afetam e explicam a distribuição das atividades econômicas e sociais. (Tradução livre do autor). 49 Esta impressão demonstra sinergia com os modelos atuais adotados no Brasil como padrão para decisão de investimentos em transportes que, em linhas gerais, projeta/prevê uma tendência atual para o futuro, avaliando e ponderando os custos e benefÃcios de realizar ou não um investimento. Dois problemas se vislumbram neste modelo: o primeiro é que se trata de uma análise limitada, pois a maioria dos fatores que poderiam influenciar uma decisão de investimento não é monetizável e, por conseguinte, não são passÃveis de entrarem na análise econômico-financeira comumente adotada. O segundo fator é que, em geral, se projeta as demandas passadas para o futuro. Deste modo, projeta-se o futuro como uma continuidade das tendências do passado, tornando difÃcil a análise de projetos que tenham potencial de ou que representem rupturas com as tendências vigentes. Serpa (2011) analisa a visão atualmente predominante, tecendo crÃticas à equiparação das decisões macroeconômicas (lógica estratégica, abrangente) à s microeconômicas (lógica individual, de investimentos pessoais e de empresas). Na visão microeconômica, o investidor considera um cenário que não pode mudar para tomar suas decisões; já pela ótica macroeconômica, o Estado é o grande agente transformador. Ou seja, não deveria se equiparar o formato de decisão de um Estado Nacional, capaz de construir e alterar cenários, à s decisões de uma famÃlia ou de uma empresa. A este respeito o autor reflete: Tais premissas são então convenientemente encapsuladas pela matematização axiomática de Fisher, permitindo a reificação da falácia de que a soma de decisões individuais é igual a uma decisão estratégica coletiva, cujo paroxismo é subordinar decisões de planejamento estratégico do estado a um modelo de decisão individual, com três implicações na formatação das polÃticas econômicas. [...] Primeiro, a estagnação do poder transformador do estado. Como as decisões macroeconômicas recebem um tratamento microeconômico, elas se tornam auto-referenciais e, portanto, um fim em si mesmas. Ou seja, se o estado passa a ser um investidor individual, um trem de velocidade só faz sentido se 50 gerar lucro para o estado. São, portanto, decisões auto- referenciais, sem importância transformadora nos demais fatores da economia e, sobretudo, da sociedade (SERPA, 2011, p. 4). E, ainda: Neste sentido, projetos que visam alterar a perspectiva presente precisam ser pautados pelo que se pretende alcançar no futuro, não podendo ser extensão decisória do ciclo econômico anterior (SERPA, 2011, p. 10). Teria o Estado brasileiro perdido a capacidade de gestar um futuro nacional por meio de um ordenamento territorial e que considere os transportes como ponto relevante? A avaliação de investimentos, como feita nos moldes atuais, parece demonstrar que o setor de transportes – para não dizer o setor público como um todo – vê-se em um cÃrculo vicioso no qual o investimento só se torna viável onde já existe movimentação expressiva. Desse modo, se há movimento, há investimento, o que estimula mais movimento – o que pode culminar na saturação. Para os locais ermos, não detentores de tal movimentação, o cÃrculo vicioso é o da estagnação, pois sem movimento, não existe – perante a lógica vigente – condições para investimento, perpetuando a condição de local afastado. Modernamente, além da variável econômica, alguns itens foram acrescidos à avaliação de investimentos. A mais destacada é a questão ambiental. Julgo que o avanço da consideração destes fatores na decisão de investimento se dê prioritariamente pela crescente pressão internacional – manifestada nos compromissos internacionais firmados – do que em uma preocupação real com a manutenção de um ambiente mais equilibrado. Somente a partir da década de 1970 é que foram incorporadas outras variáveis ambientais nos projetos, com o inÃcio da utilização de recursos computacionais para decisão entre traçados. Porém, ainda que se incluam cada vez mais as 51 variáveis ambientais nos processos de decisão entre traçados de rodovias, as variáveis econômicas (taxa interna de retorno) e de fluidez do tráfego têm maior peso (LISBOA, 2002) – veja-se a Figura 1.1. Figura 1.1: Modelo de decisão baseado puramente na viabilidade econômica – um cÃrculo vicioso. Org.: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2012. Naturalmente, os aspectos ambientais são relevantes; porém, os atritos verificados entre os órgãos de planejamento de transportes e aqueles responsáveis pela gestão ambiental parecem demonstrar que a interação entre eles não é balizada pelos mesmos interesses. Parece não haver um ponto de encontro, um objetivo comum que direcione a atuação das duas partes. Se, por um lado, existe a visão economicista do setor transporte, por outro há a ideia da preservação pela preservação, sem uma reflexão mais aprofundada sobre a necessidade e um orquestramento entre os diversos setores no sentido de um desenvolvimento nacional mais equilibrado. Santos (2000, p. 18; 20) discorre em dois momentos sobre o tema, em um dos quais confere à “natureza†seu valor no processo histórico e, no seguinte, de como visualiza a “preservação pela preservaçãoâ€: 52 Na realidade, a natureza, hoje, é um valor, ela não é natural no processo histórico. Ela pode ser natureza na sua existência isolada, mas, no processo histórico, ela é social. Mas a preservação não pode ganhar um aspecto religioso, e desse modo prescindir de discussão. O fato é que os agravos à natureza são, sobretudo, originários do modelo de civilização que adotamos. [...] Não podemos nos esquecer de que certa pregação ecologista-naturalista acaba por encobrir o processo de produção da globalização perversa. Por isso, os propagandistas-pregadores são largamente financiados pelos que lucram com essa globalização. Decisões de investimento em transportes, baseadas apenas no retorno de investimento ou considerando minimamente as determinações legais relativas à proteção ambiental, estão fadadas a perpetuar a situação vigente, possibilitando muito pouco em termos de invocação. As soluções passam, naturalmente, pelo orquestramento das polÃticas públicas em torno de um objetivo comum, subvertendo as lógicas economicista e preservacionista puras. Afinal, Sob o aspecto cultural, é preciso repensar a hierarquia decisória que domina o pensamento econômico brasileiro. Tal hierarquia situa a viabilidade econômico-financeira em primeiro plano, a perspectiva social em segundo e coloca as implicações societais das decisões de estado em terceiro plano (SERPA, 2011, p. 18-19). 1.4 Transportes como elemento geopolÃtico de ação estatal Antes de tratar dos aspectos de uma gestão integrada entre território e transportes, cabe destacar o estudo que serviu de fundamento e motivação 53 para este projeto: o Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento, do Governo Federal do Brasil. Após um longo perÃodo sem nenhuma polÃtica relevante do Estado no sentido da gestão territorial, notadamente se levando em consideração a rede urbana e os transportes, emerge um novo esboço que pode representar uma mudança nesta realidade. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (2006a), associado a outros órgãos, propõe a inclusão da dimensão territorial nos objetivos e ações da sociedade e do governo. O estudo, que teve por objetivo primeiro subsidiar a incorporação da questão territorial já no Plano Plurianual 2008-2011, visa também um horizonte mais amplo, pensando o paÃs para os próximos 20 anos. Este programa, denominado “Brasil Policêntricoâ€, realiza, atualmente, um diagnóstico que pretende subsidiar a definição do Brasil do futuro, levando-se em consideração os sistemas de logÃstica, os sistemas de ciência (técnica), o padrão de oferta de bens e serviços e, por fim, a rede de cidades. Este “Brasil do futuro†que se pretende deve levar em conta, segundo Mendes (2008), sete grandes objetivos: ï‚§ superação das desigualdades sociais e regionais; ï‚§ fortalecimento da unidade social e territorial; ï‚§ promoção das potencialidades de desenvolvimento; ï‚§ valorização da inovação e diversidade cultural da população; ï‚§ promoção do uso racional dos recursos naturais; ï‚§ apoio à integração sul-americana; e ï‚§ apoio à inserção autônoma competitiva no mundo globalizado. Naturalmente contando, para isso, com o suporte das infraestruturas de transportes, sem as quais isso tudo seria impossÃvel. 54 O estudo “Brasil Policêntricoâ€, visando os objetivos supracitados, baseia-se na rede urbana, que deve ser descentralizada, elegendo-se novos pólos para representar papéis metropolitanos e intermediários, nas áreas afastadas da costa. Porém, isto só é possÃvel dando-se a devida atenção ao sistema logÃstico, que serviria de apoio à nova rede urbana. A construção de um Brasil Policêntrico abrange a proposta de uma nova configuração do território, que remete à s escolhas dos núcleos urbanos capazes de atrair forças sociais na direção de uma maior interiorização e equalização do desenvolvimento nacional. Esses núcleos assumem maior responsabilidade na condução das estratégias territoriais (MENDES, 2008). Resumidamente, este plano resgata uma visão de planejamento integrada, na qual o ente que serve como ponto focal das polÃticas é o território. Porém, ao se tratar de um resgate, há de se supor de que é algo que já ocorreu e que não tem ocorrido mais. Conforme já discutido, o território é o foco clássico da polÃtica do Estado: fornece as informações que subsidiam as ações e, ao mesmo tempo, é o foco das ações. A polÃtica estatal manifesta os interesses do Estado no território, com vistas a direcionar investimentos, e isto se verifica tanto em regimes democráticos quanto ditatoriais, com ideologias de esquerda e direita. Egler (1995) relembra o caso da Tennessee Valey Authority – TVA, após a crise de 1929, cujo objetivo era articular a atuação das agências governamentais para um objetivo comum. E o ponto de encontro de tais polÃticas era o território. Voltando ao caso brasileiro, em outros momentos o Estado buscou unir esforços, ligando o conhecimento do território, um desejo de se mudar a ordem territorial e utilizando a rede urbana e a rede de transportes como elementos de transformação. Tomemos, por exemplo, a colonização do Norte Paranaense, que teve como eixo central uma ferrovia e núcleos urbanos planejados ao seu redor; ou da ocupação de Rondônia, baseada no eixo da BR-364; ou, ainda, a 55 intensificação da ocupação do Cerrado brasileiro, que teve como ponto de partida a construção de BrasÃlia e de suas rodovias de acesso. Sobre a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, entre São Paulo e o Mato Grosso do Sul, no século XX (HUERTAS, 2009, p. 51), em sua análise, demonstra as claras intenções territoriais do empreendimento e afirma: [...] a EFNOB, uma “flecha lançada para o oesteâ€, nasceu essencialmente como uma estrada de penetração para organizar a defesa de fronteiras remotas, promover o povoamento e a colonização de terras quase desertas e dirigir- se a um ponto no rio Paraguai adequado a encaminhar para o Brasil o comércio do sudeste boliviano e norte paraguaio. Discursos de meados do século XX ilustram como estava impregnada no imaginário da época a necessidade de descentralizar o paÃs, promover a ocupação do solo, notadamente por meio dos transportes e da rede urbana (excertos de COUTO, 2001, p. 47; 182): O vosso planalto é o miradouro do Brasil. Torna imperioso localizar no centro geográfico do paÃs forças capazes de irradiar e garantir a nossa expansão futura. [discurso de Getúlio Vargas em visita a Goiânia, em 7 de agosto de 1940, na ocasião do lançamento da “Cruzada rumo ao Oesteâ€]. Deste Planalto central, BrasÃlia estende hoje aos quatro ventos as estradas da definitiva integração nacional: Belém, Fortaleza, Porto Alegre e, dentro em breve, o Acre. E por onde passam as rodovias, vão nascendo os povoados, vão ressuscitando as cidades mortas, vai circulando, vigorosa, a seiva do crescimento nacional. [Juscelino Kubitscheck, na inauguração de BrasÃlia, lembrando o papel de integração nacional da construção de BrasÃlia e das rodovias que lhe davam acesso]. Além destes casos brasileiros, podemos salientar casos de outros paÃses, nos quais decisões de transporte guardaram profunda dependência com os 56 objetivos de organização territorial. Serpa (2011, p. 5-6) destaca casos espanhol, francês, alemão, estadunidense e japonês: O projeto ferroviário alemão inicia-se no século XIX, como pivô tecnológico da geoestratégia de unificação alemã, estritamente submetida ao controle do governo alemão [...]. Quase na mesma época, o projeto que embasa o sistema ferroviário americano emerge como uma referência importante do conflito de secessão, defendido pelo norte industrial como um projeto industrial de estado, fundamental para a integração do território americano e, não por acaso, combatido pelo Sul agrÃcola e secessionista como uma fonte de “gastos inúteis do governoâ€. No século XX, a Europa adota o trem de velocidade como ferramenta de integração territorial, alterando a relação espaço- tempo entre Alemanha, França e o Benelux. É emblemático o fato de que o projeto ferroviário de velocidade espanhol dos anos 90 marca em termos práticos a entrada da Espanha na Comunidade Européia, quase todo ele financiado com fundos públicos desta Comunidade, acoplados a uma abrangente e minuciosa polÃtica industrial ferroviária, integrando as bases industriais da França, Alemanha e Espanha. Quanto ao Japão, o projeto ferroviário nacional emerge como única alternativa de ferramenta geopolÃtica para o seu complexo ordenamento territorial, contemplando a já consolidada tradição japonesa de integração entre polÃticas industriais e geopolÃtica de estado. Em nenhum destes casos estes projetos apresentavam viabilidade econômico-financeira intrÃnseca e, em todos eles, o papel do estado como investidor direto se fez presente no planejamento e definição dos objetivos geoestratégicos e industriais, sendo sempre direcionados, de acordo com as possibilidades e caracterÃsticas de cada paÃs, à s polÃticas industriais nacionais. Como sÃntese, constata-se que um projeto ferroviário nacional não visualiza transportar pessoas de um lugar pré-existente a outro, mas sim de um lugar a existir para outro lugar a existir em função do ordenamento territorial a ser gerado dentro de uma perspectiva geopolÃtica nacional. (p. 5-6) Ainda sobre o caso norte-americano, Huertas (2011, p. 315) afirma que: 57 [...] ao longo da segunda metade do século XIX, demonstrou um eficaz e prévio planejamento estatal do território, embora a ‘marcha para o oeste’ tivesse sido espontânea por parte dos pioneiros. A infraestrutura foi bancada pelo Estado e a expansão ocorreu em nÃvel exponencial, com reinversão constante de capital por causa das oportunidades visÃveis criadas, sobretudo para os setores de transporte, petroquÃmico e siderúrgico. Um parêntese sobre a atuação dos Estados Unidos e que merece comparação com o caso brasileiro é a disponibilidade de extensas áreas de solos férteis e planos – propÃcios à agricultura mecanizada com polÃticas de colonização e distribuição de terras a migrantes (LACOSTE, 2009). Huertas (2011, p. 352) ainda afirma que, “na China, a infraestrutura é encarada como a essência do desenvolvimento, cujos investimentos são programados para incentivar as cadeias produtivas internas do paÃsâ€. Fica patente, tanto na literatura geopolÃtica quanto na ação dos Estados Modernos, a forte correlação entre transporte e desenvolvimento territorial, tanto nos discursos, quanto nas interpretações da história do desenvolvimento nacional. Brasileiro et al.(2001, p. 1) destaca que “[...] pontes devem ser colocadas entre a história dos transportes e a história polÃtica, econômica e social mais abrangente, sobretudo no que concerne ao desenvolvimento espacial da sociedadeâ€. E isto é ainda mais forte hodiernamente e No es de estrañarmos, pues que em las sociedades modernas, inmersas em um proceso de expansión de las empresas multinacionales, de globalización del mercado, de división internacional del trabajo y en las que se generalizan los desplazamientos por el ocio, el transporte 58 resulte ser uno de sus elementos clave (PONS; REYNÉS, 2004, p.34)6. Conforme, ainda, o Banco Mundial (2010, p. 39), No âmbito dos paÃses ou regiões, portanto, decisões a respeito de investimentos em infraestrutura de transportes estão estreitamente associadas à questão de desenvolvimento nacional ou regional. Para tanto, é importante que existam mecanismos que possibilitem aos governos e tomadores de decisão estabelecer prioridades entre alternativas de ação. No entanto, o Estado Brasileiro parece, nas últimas décadas, ignorar a noção de território como fonte de informação, como ponto integrador de polÃticas e como foco da ação estatal. Este foco passa para o atendimento de problemas especÃficos, por meio de ações pontuais e polÃticas desagregadas. Egler (1995, p. 224) atribui à [...] redução do ritmo de crescimento das economias nacionais [...] levaram a uma perda de capacidade extrativa do Estado [...]. Como conseqüência, [...] houve um crescimento desproporcional dos encargos sociais a um limite que inviabiliza qualquer polÃtica territorial de distribuição de renda com base nos instrumentos fiscais clássicos [...]. Embora os estudiosos pareçam já ter internalizado esta questão, ainda que de forma incompleta, o setor público – volto a destacar que aqui se trata do setor 6 Não é de se estranhar, pois, que nas sociedades modernas, imersas em um processo de expansão das empresas multinacionais, de globalização do mercado, de divisão internacional do trabalho e nas quais se generaliza os deslocamentos por ócio/ lazer, o transporte se manifeste como um de seus elementos-chave. (Tradução livre do autor). 59 público brasileiro – ainda parece pouco ligado a esta visão. Exceções que merecem destaque são algumas intervenções e plano, notadamente na escala urbana, metropolitana e microrregional que consideram estes aspectos. Na escala nacional, apenas o “Brasil Policêntrico†merece destaque na atualidade, restando no passado as visões mais integradas de planejamento. E há de se ter expectativa em relação a este resgate: Mesmo tendo modificado seu sentido de atuação, o fim do Estado reivindicado pelos movimentos de esquerda ou o Estado MÃnimo propagado pelas teorias liberalizantes ainda parece distante. Se, por um lado, a globalização e suas flexibilidades parecem enfraquecer o Estado, por outro ele se reforça, como demonstram os estudos atuais para a União Européia, onde o Estado assumiu importante papel de regulação, articulação e integração de regiões menos favorecidas (CARGNIN, 2007, p. 2-3). Este autor destaca a atual retomada da dimensão territorial no planejamento estatal brasileiro, sento utilizado como instrumento intersetorial e de governança interinstitucional, tendo como objetivo primeiro a integração de territórios à margem do desenvolvimento. Cargnin cita os estudos da dimensão territorial para o planejamento que têm sido elaborados no Rio Grande do Sul, Bahia, Santa Catarina, Pernambuco, Minas Gerais, Pará, além do trabalho já citado em nÃvel nacional. Os trabalhos desenvolvidos no âmbito da União Europeia parecem incentivar as ações em outros paÃses. Lá se mantêm um conjunto de estatÃsticas que permite avaliar o impacto territorial das intervenções e são comuns polÃticas de implantação de infraestrutura de transportes como elemento de dinamização de áreas deprimidas: [...] embora os centros de decisão permaneçam fortemente centralizados nas cidades mundiais, as atividades produtivas podem ser desconcentradas desde que hajam conexões fáceis entre as unidades produtivas e os centros de gestão e exista a 60 disponibilidade de trabalho qualificado com base técnica à s operações industriais. (EGLER, 1995, p. 225). Sobre os planos comumente implantados na União Europeia, Pons; Reynés (2004) destacam dois tipos. O primeiro refere-se aos planos territoriais gerais que orientam os planos setoriais, incluindo os de transportes. Estes são os mais comumente utilizados. No entanto, ultimamente tem surgido uma nova forma, na qual os planos setoriais se articulam em torno dos objetivos comuns. No caso dos paÃses em desenvolvimento, como é o caso verificado no Brasil, o investimento em transporte tem se dado, preferencialmente, na resolução de gargalos nos principais corredores de exportação. Um exemplo recente é o Programa de Aceleração do Crescimento, gerido pelo Governo Brasileiro, que tem como meta gerenciar obras prioritárias em infraestrutura de transportes, urbanismo e eletricidade, mas com foco nos gargalos já existentes. O que se mostra necessário é que se supere a visão de solução de gargalos e se parta para intervenções que demonstrem uma intencionalidade em relação à organização territorial do espaço brasileiro. Em Pons; Reynés (2004) encontra-se a discussão sobre a necessidade de o planejamento de transportes estar associado a polÃticas integradas de desenvolvimento territorial. Isto superaria os casos de estrutura superdimensionada, na qual os custos são elevados, ampliando os problemas ligados ao endividamento, superando os possÃveis ganhos do desenvolvimento; e os casos de estrutura subdimensionada, nos quais os gargalos ampliariam os custos de transporte, proporcionando menor eficiência, menor circulação, convertendo-se em empecilhos ao desenvolvimento. 61 1.5 A questão das escalas Quando se trata de planejamento e de transportes, não se pode deixar de abordar a escala. A atuação do Estado e suas entidades vinculadas se dá segundo escalas variadas. No Brasil, por exemplo, há as jurisdições federal, estadual e municipal. Para a atuação dos diversos órgãos há, ainda, diversas regionalizações nem sempre coincidentes com os limites oficiais. Fala-se em escala, ainda, ao planejar ou estudar uma infraestrutura de relevância/impacto nacional, mas que tem parte de decisões importantes realizadas em nÃvel local, por exemplo. Lacoste (1988) destaca a necessidade de proposição de escala adequada para cada nÃvel de estudo, tanto na produção de conhecimento quanto para a ação em si – questão das ordens de grandeza – do planetário ao local. Para cada ação, para cada objetivo é necessário observar a escala mais adequada. O autor faz um paralelo entre os nÃveis de ação das forças armadas – estratégico, tático e operacional – com a questão da escala. Cada nÃvel de ação corresponde a uma escala espacial. Lacoste (2009) sugere seis nÃveis de grandeza (escalas): ï‚§ Primeira grandeza: dezenas de milhares de quilômetros, vastas zonas do globo (1:25 milhões, aproximadamente); ï‚§ Segunda grandeza: conjuntos de milhares de quilômetros, grandes nações, continentes, Andes; ï‚§ Terceira grandeza: centenas de quilômetros: nações médias, subdivisões das nações grandes, Alpes, Grandes bacias hidrográficas; 62 ï‚§ Quarta grandeza: dezenas de quilômetros, aglomerações urbanas, algumas regiões europeias; ï‚§ Quinta grandeza: quilômetros, cidades, pequenas formas de relevo (1:50.000); ï‚§ Sexta grandeza: centenas de metros, bairros, povoados, ilhotas (1:5.000). No entanto, é preciso destacar que cada vez mais são necessárias as abordagens multiescalares, tendo em vista que “é também muito difÃcil passar de um plano de operação visto em nÃvel nacional a sua execução no terreno, isto é, a nÃvel local [...]†(LACOSTE, 1988, p. 90). Um exemplo que ilustra a questão é o adensamento urbano nas margens de um grande eixo rodoviário nacional, no qual o tráfego local e o de longo curso convivem, causando problemas tanto no tráfego local quanto no tráfego de longo curso. Obviamente, se trata de um problema de ordem local que, no entanto, possui repercussão no tempo de viagem e na capacidade de uma via de importância nacional. Lacoste (2009, p. 13) propõe para estudos que necessitam abordagens multiescalares a adoção do diatopo que se refere [...] al tipo de representación formada por la superposición esquemática de diferentes planos que “muestram†em la parte superior de la página lo que se podrÃa ver o imaginar desde um satélite de observación terrestre, para llegar a uma visión a relativamente baja altitud, em la parte inferior de la página, passando por niveles de observación intermédios. Este nuevo término de “diatopo†se há creado a partir Del vocablo grego topos, que significa “lugarâ€. El prefijo dia – que no significa sólo “separación - distinciónâ€, sino también “a través†– designa la distinción de los diferentes niveles de análisis espacial, representados por los diferentes planos, y su articulación7. 7 [...] ao tipo de representação formada pela superposição esquemática de diferentes planos que “mostram†na parte superior da página o que se poderia ver ou imaginar a partir de um satélite de observação terrestre, para chegar a uma visão a relativamente baixa altitude, na parte inferior da página, passando por nÃveis de observação intermediários. Este novo termo de “diatopo†foi criado a partir do vocábulo grego topos, que significa “lugarâ€. O prefixo dia – que 63 Trata-se de uma superação da visão tradicional em Geografia, de fazer análises centradas em uma única escala. Tal visão tradicional, tanto da Geografia – quando a tratamos em termos acadêmicos – quanto da visão da ação estatal, leva em consideração os recortes espaciais institucionalizados: os limites nacionais, as grandes regiões, os estados, as microrregiões e mesorregiões, os municÃpios. No entanto, exceto pela soberania que cada unidade dessas (parte dessas categorias, na verdade) apresenta, os fenômenos não respeitam tais limites. Obviamente, há estudos que superam tais limites, como, por exemplo, os estudos de rede urbana, de zonas de influência de cidades e até mesmo estudos de transportes. Embora haja dificuldades de entendimento de fenômenos que suplantam estes limites, ainda há quem os investigue. A grande dificuldade, porém, parece ser compreender os fenômenos que interferem nessas múltiplas escalas. Castro (2010, p. 54) assim entende a questão: A perspectiva das escalas dos fenômenos permite então organizar o campo da geografia polÃtica, ampliando seu escopo pela incorporação das escalas local, urbana e regional, além da internacional. [...] Neste sentido, a geografia polÃtica não pode prescindir de nenhuma destas escalas, porque elas ainda definem recortes de pertinência da medida das ações institucionais que produzem escalas dos fenômenos polÃticos. Mesmo se estes fenômenos se reproduzem em mais de uma escala, consideração de cada uma e a articulação entre elas é necessária. A autora segue sua análise tratando da forma como a crescente mundialização da economia traz à tona o problema da escala: não significa somente “separação – distinçãoâ€, mas também “por meio de†– designa a distinção dos diferentes nÃveis de análise espacial, representados pelos diferentes planos e sua articulação. (Tradução livre do autor). 64 Tomando a escala dos fenômenos polÃticos como problema, ao contrário da geografia polÃtica clássica, surgida dos marcos da escala territorial dos Estados nacionais e nas disputas entre eles, nas últimas décadas do século XX a disciplina precisou responder ao desafio dos fenômenos em escalas múltiplas. [...] a complexidade do processo de globalização reside justamente na articulação entre as múltiplas escalas de ocorrência dos fenômenos polÃticos, nem sempre sincrônicos, e o modo com que cada um reflete em escalas territoriais diferenciadas (CASTRO, 2010, p. 80-81; 83). Se na academia a compreensão de fenômenos transescalares não é fácil, em termos de Estado, também não existe grande facilidade. Um item relevante a se considerar é o modelo de organização do Estado Nacional: se um estado federal, como os Estados Unidos ou o Brasil, ou um estado unitário, como a França ou o Chile. Ressalto, entretanto, que pode haver diferentes graus de centralização ou descentralização – podemos definir, ainda, como graus de unitarismo ou federalismo, nos termos de Castro – que variam de caso para caso, de acordo com o momento histórico vivido. No caso brasileiro, o federalismo encontra-se definido pela nossa última Constituição Federal, com poder partilhado entre União, Estados e MunicÃpios: Porém, ao contrário do que acontece na federação americana, onde as atribuições federais são limitadas basicamente à segurança, à defesa, moeda e relações internacionais, no Brasil os limites da legislação sobre as atribuições federais são extremamente abrangentes, e as atribuições das escalas estadual e municipal são estabelecidas como exceção ao que não é responsabilidade da união (CASTRO, 2010, p. 133). O caso sui generis da Constituição Federal Brasileira de 1988 de conceder ao municÃpio o status de ente federado vem ao encontro do seu viés localista, fazendo com que o municÃpio adquira importância geopolÃtica, o que guarda 65 profunda relação com a visão de que um controle centralizado seria um ranço do perÃodo autoritário imediatamente anterior à Constituinte. Um ponto de destaque é que, apesar da descentralização do poder, não houve uma descentralização dos recursos financeiros. Embora o poder de decisão esteja mais pulverizado, o poder de investir segue concentrado. Enquanto o municÃpio ganha poder sem ter recursos materiais para tal, a União permanece com capacidade de investimento enquanto, paulatinamente, perde o foco em planejar. Problemas que suplantam limites de unidades federadas – estados e municÃpios – ou aqueles que exigem articulação entre tais unidades e entre nÃveis da federação parecem, à exceção de poucos casos, difÃcil solução, pois as instituições brasileiras parecem conseguir se articular adequadamente: Uma primeira articulação desejável relaciona os nÃveis de governo: União, estados e municÃpios. As ações concorrentes em muitas matérias, preconizada por princÃpios constitucionais, devem buscar a complementaridade, orientando-se por fins comuns. A essa se soma a articulação entre os poderes e os setores governamentais em cada nÃvel, visando ultrapassar a situação paradoxal vigente na qual o Estado é, ao mesmo tempo, o guardião da qualidade ambiental e o agente produtor dos maiores impactos negativos sobre o meio ambiente (MORAES, 2011, p. 151). A articulação interinstitucional, interfederativa (entre entes federados de mesmo nÃvel) e multifederativa (entre entes federados de nÃveis variados), que poderia ser um meio para soluções que interessam à coletividade, parece ter sido substituÃda por uma “guerra dos lugaresâ€, fazendo com que cada unidade autônoma ou aglomerado de unidades autônomas “briguem†por investimentos, por meio de influência na busca por investimento público em infraestrutura, por meio de incentivos fiscais, o que faz com que a discussão federativa se resuma à discussão de questões fiscais. Porém, conforme avalia Santos (2000, p. 24), 66 [...] a discussão e sobre o conteúdo do território, algo que é dinâmico e inclui toda a vida socioeconômica (não apenas o dado fiscal) e deveria ser a base da produção de uma outra polÃtica. O problema é que o modelo atual não funciona em sua base, que é o território. A questão dos estados e municÃpios é, apenas, um sintoma. Ou, ainda, como afirma Moraes (2001, p. 152), A mais difÃcil articulação é aquela que envolve a relação do Estado com a sociedade civil. Para funcionar adequadamente esse relacionamento exige um determinado grau de democratização do aparelho estatal e uma cultura democrática também enraizada nas práticas sociais (MORAES, 2011, p. 152). Porém, “em paÃses como o Brasil, a comunidade participa muito pouco e de forma muito restrita dos processos de decisão pública†(SILVA JÚNIOR, 2006, p. 19). Como um contraponto ao caso brasileiro, podemos apresentar o caso europeu. Embora não se trate de um Estado-Nação, e sim de um aglomerado de Estados Nacionais com objetivos comuns, parece trazer lições relevantes ao Brasil. O Brasil se configura como uma nação diversa culturalmente – economicamente e espacialmente diversa. Da mesma forma, é a União Europeia que apresenta elevada diversidade econômica e de graus de desenvolvimento. Umas das diretrizes fundamentais desta união entre os paÃses – construÃda ao longo de algumas décadas – é a busca por equilÃbrio territorial da distribuição do crescimento econômico. Na União Europeia, tem-se a visão de que as grandes decisões passam pelo ordenamento territorial e de que os fatores de decisão e os impactos da implantação de grandes obras superam os limites oficiais das unidades administrativas. Vale destacar o documento da Comissão Europeia (1999, p. 7; 8-9): 67 [...] os projetos realizados a nÃvel regional, nacional ou comunitário em determinado Estado-membro podem ter repercussão consideráveis na estrutura territorial e urbana de outros Estados-membros. Futuramente, os problemas do desenvolvimento territorial no seio da UE não poderão ser resolvidos sem a cooperação dos diferentes nÃveis polÃticos e administrativos. Cabe examinar, porém, se a interação entre as instituições europeias e aquelas de seus Estados-membros se dá de modo adequado ou fica apenas no plano da intenção polÃtica. Isto será devidamente investigado e abordado no CapÃtulo 4. 68 CAPÃTULO 2 TERRITÓRIO E TRANSPORTES NA FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL BRASILEIRA Antônio Carlos Robert de Moraes (2011), da Universidade de São Paulo, define a importância da Geografia Histórica no fato de, com base de elementos captados no passado, produzir explicações das territorialidades – e, por que não territórios – contemporâneos. Se entendermos os eixos de transporte, e seu planejamento, como elementos territoriais, poderÃamos expandir a assertiva para o setor: elementos do passado podem produzir explicações relativas à infraestrutura de transporte e sua gestão atuais. O GEIPOT (2001, p. 5), em um livro que relata a história do planejamento de transportes no Brasil, afirma que “[...] entender a história dos transportes é conhecer as mudanças nas geografias deste sistema, e suas dimensões econômicas e polÃticasâ€. Um ponto inicial que pode ser tomado para elucidar o que pretendemos aqui – utilizar elementos históricos da formação sócio-espacial brasileira no que se refere aos transportes, ao território e seu papel – é considerar o território brasileiro hodierno como a continuidade do território do Império Português na América do Sul. Esta visão inicial é endossada por Castro (2010), para quem o imaginário de unidade nacional – herança do colonialismo português – se traduz no mito fundador da nação Brasileira; e por Moraes (2011), que fala claramente que a história do Brasil é, basicamente, uma continuação da história da América Portuguesa e do seu expansionismo colonial. Em matéria de território, o 69 território do Brasil é continuação do território colonial português, incluindo as pretensões expansionistas sobre os sertões ou fundos territoriais. Aqui, o conceito de sertão advém das denominações portuguesas para as terras distantes da costa, em geral desabitadas ou pouco habitadas ou, ainda, pouco “civilizadasâ€. O conceito de sertão na Geografia e no imaginário brasileiros, para Moraes (2011), equivale aos conceitos argentino de deserto e americano de fronteira. Para compreender melhor estes conceitos, voltemos ao conceito de território, ligado ao domÃnio oficial, à soberania; dele subtraÃmos o território usado, que seria aquela porção do território devidamente integrada ao todo socioeconômico e, por fim, o fundo territorial, entendido como as porções não integradas ou pouco utilizadas do território. Este último seria o sertão. Mais tarde voltaremos a tratar dele. Tendo por base que o Brasil atual nada mais é do que a continuidade do Império Português em território americano, iniciaremos nossa análise a partir do momento em que estes chegam nesse território. Esta ocupação inicia-se com a chegada dos primeiros portugueses que se depararam com a aparente falta de atrativos à colonização – à quele tempo a busca por metais preciosos e o comércio de especiarias. A atividade comercial na colônia nascente se baseava fundamentalmente, no inÃcio do século XVI, em expedições ocasionais de escambo com indÃgenas, tendo como base o transporte do pau-brasil. Por mais que não fossem atividades com rentabilidade que justificassem cruzar os oceanos e manter uma guarda constante do novo território, o ideário dos fundos territoriais era tido como passÃveis de exploração e conhecimento futuros. Neste sentido é que se intensificam as expedições de caças aos navios franceses que rondavam a costa brasileira – particularmente nas décadas de 1520 e 1530. Isto parece ter servido de estÃmulo à criação do sistema de Capitanias Hereditárias, na qual o empreendimento colonial se deu por meio da concessão de terras para donatários que deveriam ocupar a terra economicamente, cuidar de sua proteção e recolher impostos à coroa portuguesa (MORAES, 2011). 70 Esta opção pelo sistema de Capitanias Hereditárias se deu pelas dificuldades do erário português, mas que, ainda assim, garantiu o inÃcio de uma economia colonial, que serviu de instrumento polÃtico de ocupação e domÃnio do território. Moraes (2011) afirma que metade dos 12 donatários sequer chegou a pisar no Brasil, mas que, ainda assim, representou o inÃcio de uma esparsa ocupação. Baseados na cultura canavieira, a ocupação se deu em áreas próximas ao litoral, dado a proximidade do mar, o que representa, intrinsicamente, possibilidade de transportes de mercadorias. Neste contexto, os primeiros núcleos de povoamento que se destacaram foram as sedes das Capitanias, todas litorâneas. Aliás, este foi o padrão tÃpico das colônias portuguesas em todo o mundo, ocupando, primordialmente, áreas litorâneas com poucas incursões ao interior: Na verdade, o padrão de assentamento lusitano em todas as partes do mundo colonial pautou-se por uma ocupação pontual e litorânea, formando um império filiforme e talassocrático como qualificou um comentarista (MORAES, 2011, p. 65). Os primeiros caminhos que demandavam o interior da colônia apareceram na segunda metade do Século XVI, vislumbrando a busca por riquezas minerais e aprisionamento de Ãndios para trabalhar na monocultura canavieira nascente. Tais incursões foram mais comuns nas partes mais meridionais do território, onde colonos portugueses se apropriaram dos caminhos indÃgenas preexistentes. Termina o século XVI, conforme Moraes (2011), com uma ocupação dispersa ao longo de poucas vilas litorâneas e suas hinterlândias, concentrados, grosso modo, em torno de três grandes áreas: Pernambuco e adjacências, Salvador e o Recôncavo Baiano, e a região de São Vicente, São Paulo e Rio de Janeiro. A maior parte da ocupação era concentrada nas vilas e seus arredores, totalizando algo entre 25 e 30 mil habitantes. Cabe destacar que a única vila localizada no interior era São Paulo de Piratininga. 71 Em fins do século XVI, encontravam-se fundadas as seguintes vilas: São Vicente (1532); EspÃrito Santo e Porto Seguro (1535), Santa Cruz Cabrália, São Jorge dos Ilhéus e Igarassu (1536); Olinda (1537); Santos (1545); Salvador (1549); Vitória (1551); São Paulo (1554); Itanhaém (1561); Rio de Janeiro (1565); Iguape (1577); Filipeia (1585); Cananeia (1587); São Cristóvão (1590) e Natal (1599), conforme demonstra a Figura 2.1. Em relação ao padrão de ocupação do território e sua intrÃnseca relação com o setor transportes, Moraes (2011) demonstra que a expansão inicial em torno das vilas se deu segundo um padrão areolar, em mancha de óleo; em um momento seguinte, organizou-se sob a forma de rede de drenagem, ao redor de vias pré-existentes (caminhos indÃgenas) ou rios navegáveis que “drenavam†os fluxos para a “vila cabeça†da rede que, em geral, coincidia com as sedes de capitania e com o porto, justificadamente por razões de facilidades com o comércio com outras vilas, com a metrópole e outras localidades. O Século XVII representa o perÃodo de consolidação da ocupação lusitana, com a expulsão de invasores – franceses e holandeses, principalmente, além da contenção de rebeliões. Neste século, intensificam-se as penetrações rumo ao interior: do litoral nordestino saÃam as boiadas em direção aos sertões, tendo por rumo principal o curso do Rio São Francisco; de São Paulo e São Vicente saÃam expedições de captura de indÃgenas não “domesticados†e em busca de pedras preciosas (Figura 2.2 e 2.3). 72 Figura 2.1: Vilas fundadas no território brasileiro no Século XVI. 73 Figura 2.2: Padrão aureolar de ocupação. Org.: S.B. Silva Jr., 2012. Figura 2.3: Padrão dendrÃtico de ocupação Org.: S.B. Silva Jr., 2012. Tais incursões foram fundamentais para a consolidação da ocupação lusitana a partir do Século XVIII (HUERTAS, 2011). Por meio delas, expandiu-se o tamanho do território ocupado por luso-brasileiros – nessa altura, já havia considerável mestiçagem entre eles e os Ãndios, além dos escravos de origem africana –, superando em muito os limites definidos pelo Tratado de Tordesilhas. Tais incursões acabaram por expandir os limites da colônia, ratificados por meios dos Tratados de Madrid e Santo Ildefonso. Além disso, foi por meio das “andanças†bandeirantes que se descobriu a presença de ouro na porção central da colônia (atualmente territórios de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso), com maior concentração na porção central de Minas Gerais. A nova economia da colônia, baseada na mineração, engendrou, pela primeira vez, uma rede urbana articulada em torno da extração, beneficiamento e fiscalização da atividade aurÃfera. Foi a primeira ocasião em que os núcleos dispersos pela colônia se articularam de modo mais intenso, de modo a prover suprimentos para a região mineradora: No final de 1750, quando Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, entrava nos seus vinte anos, Minas Gerais era o centro do Brasil. Mais ainda, Minas Gerais estava inventando o 74 Brasil e os brasileiros, um paÃs e um povo que até então não tinham conhecimento de sua própria existência. Vinte anos mais tarde, duas gerações já haviam tido consciência da nova realidade geográfica e cultural. AtraÃdos pelo Ãmã do ouro, os criadores dos confins gaúchos, os paulistas, os fluminenses, os baianos, os pernambucanos, os sertanejos do São Francisco, os curraleiros do Maranhão afluÃam para Minas. Toda essa gente de fala portuguesa até então dispersa pela América do Sul mal tinha notÃcia uma da outra e, sobretudo, nunca se tinha visto junto (ALENCASTRO, apud COUTO, 2001, p. 36). Neste perÃodo, a gestão territorial incluÃa o provimento de caminhos para acessar a área mineradora, com controle da ocupação e de pontos de acesso, visando, claramente, uma fiscalização mais intensiva da atividade mineradora. O perÃodo coincide com a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, mais próxima do core econômico colonial. Apesar de toda essa articulação em torno da mineração com nÃtidas consequências territoriais, o relativamente esgotamento rápido da mineração gerou uma diminuição dos fluxos comerciais e, como consequência mais direta, uma diáspora das regiões mineradoras para os sertões antes vazios do centro- sul brasileiro tendo por base a criação de gado bovino (LOURENÇO, 2002). No inÃcio do Século XIX, com a mineração já decadente e o inÃcio da ‘diáspora mineira’, o território colonial brasileiro, então parte do Império Português, se configurava, segundo Moraes (2011, p. 77-78) como: [...] um verdadeiro “arquipélago geográficoâ€, composto de variadas unidades espaciais de colonização: regiões de plantations em expansão e estagnadas, redes urbanas e cidades criadas pela mineração aurÃfera (já decadentes na época), vastas áreas de criação e trânsito da pecuária extensiva, núcleos de colonização relacionados a exploração de mercadorias especÃficos (geralmente algum produto natural local ou coletado numa vasta hinterlândia), enclaves coloniais nas zonas de fundos territoriais e fronteiras (como missões e fortes), amplas áreas de soberana formal não incorporadas pelo processo colonizador ainda em curso. Enfim o território brasileiro era constituÃdo, no inÃcio do século XIX, por um verdadeiro “mosaico†de assentamentos coloniais. 75 Tais unidades geográficas se inter-relacionavam por vias terrestres e marÃtimas, porém algumas eram dotadas de um alto grau de autonomia (dirigindo suas demandas e seus produtos diretamente para a metrópole), outras poderiam mesmo ser definidas como semi-isoladas (tal dificuldade e o tempo para acessá-las). Cabe também ressaltar a existência de fluxos que escapavam aos circuitos internos da colônia e dos sob controle da metrópole (como os do contrabando e os que articulavam as trocas diretas com a Ãfrica). Enfim, não é difÃcil fundamentar a ideia de que o território brasileiro, no limiar do Oitocentos, abrigava várias economias regionais (e alguns enclaves coloniais) entremeadas ou rodeadas por amplos espaços constituÃdos por áreas de trânsito e por fundos territoriais pouco explorados pelos agentes da colonização. Este cenário de relativo isolamento começou a mudar, ainda que lentamente, com a chegada da Corte Imperial ao Brasil, em 1808. O Rio de Janeiro passou a ser a sede do Império Colonial Português. O Brasil, agora, conquista o status de Reino Unido a Portugal e Algarve, Os portos foram abertos à s nações amigas e o Rio de Janeiro passou a canalizar os fluxos que antes demandavam de Lisboa. Tal fato quebra, em parte, o isolamento, e inicia-se a articulação de uma rede de transportes terrestres que passavam a demandar do Rio de Janeiro. Com a Independência, a continuidade da Casa de Bragança serviu de argumento para um projeto expansionista brasileiro. Ou seja: o território e as pretensões imperiais de Portugal permaneceram no Império Brasileiro, herdeiro de seu território na América do Sul. Este expansionismo passou a ser o elemento de nexo entre as elites regionais desarticuladas nos interesses e no espaço (MORAES, 2011). No âmbito da gestão de transportes, a visão expansionista se manifestou na criação da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em 1860. Foi a época em que se construÃram as primeiras estradas de rodagem, como a União e Indústria (1861), entre Juiz de Fora e Petrópolis; a Filadélfia – Santa Clara, em Minas Gerais (1857); a Dona Francisca, entre Joinville e São Bento, em Santa Catarina (1867); e a Estrada da Graciosa, entre Antonina e Curitiba (1885) – (DNIT, s.d.); DNIT (s.d.) e GEIPOT (2001) destacam que os projetos foram apresentados ao Imperador 76 Pedro II por várias autoridades e expoentes da engenharia brasileira, propondo planos gerais de transportes, sendo a maioria multimodal, considerando navegação e ferrovias. Vale destacar que nenhum chegou a ser implantado. O primeiro foi o Plano Rebelo (1838), que propunha três grandes estradas reais que, partindo do Rio de Janeiro, demandassem os extremos do paÃs, fomentando a integração regional. O Plano Moraes (1869) era essencialmente fluvial, propondo interligações entre bacias por meio de canais e algumas poucas ligações ferroviárias. O Plano Ramos de Queiróz (1874-82), de natureza ferroviária e fluvial, propunha algumas interligações e tinha como base o aproveitamento do São Francisco e Paraná como artérias no sentido norte-sul e da construção de uma artéria ferroviária atravessando o paÃs no sentido leste-oeste, à latitude da cidade de Goiás e de Cuiabá (vejam-se as Figuras 2.4 a 2.6). Houve ainda o Plano Rebouças (1874), que propunha uma série de “transversais†no sentido leste-oeste, visando integração com os vizinhos sul- americanos, bem como outras ligações no sentido norte-sul. Os planos Bicalho (1881) e Bulhões (1882), também com ênfase em ferrovias e navegação fluvial, propunham o primeiro modo como complementar ao segundo, permitindo integração entre os diversos “arquipélagos†do paÃs. O último plano apresentado no final do perÃodo imperial foi o Plano Geral de Viação (1886), elaborado pelo Ministro Rodrigo Augusto da Silva, que propunha algumas linhas ferroviárias integrado com vias navegáveis; no entanto, mais modestos que os anteriores (Figura 2.7). 77 Figura 2.4: Plano Rabelo, 1838. 78 Figura 2.5: Plano Moraes, 1869. 79 Figura 2.6: Plano Ramos de Queiróz,1874-82. 80 Figura 2.7: Plano Rebouças, 1874. 81 A partir da Proclamação da República, foi elaborado o Plano da Comissão (1890), ousado para a época, mas que estabelecia competências de cada esfera da administração – governo federal e estaduais, prevendo integração modal entre ferrovias e vias navegáveis. O detalhe deste plano que chama atenção é a questão das fronteiras, cujo acesso e operações militares seriam facilitados pela rede proposta (DNIT, s.d.). Nesta altura, reestruturada a administração pública nacional, a gestão de transportes passou a ser realizada pelo Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, que, em 1906, passaria a se chamar Ministério da Viação e Obras Públicas (Figuras 2.8 a 2.11). O Século XIX foi, ainda, o século em que o café avança do Vale do ParaÃba para o Oeste Paulista. Ferrovias cortam a provÃncia – depois Estado – paulista e chegam à s unidades vizinhas. Ocorre um surto modernizador e urbanizador no sudeste brasileiro, com indução da ocupação pelo novo modo de transportes implantado, a ferrovia: Contudo, novamente o foco dessa ação direcionou-se para o território: construir o paÃs era modernizar o seu espaço, o que significaria equipá-lo com as próteses territoriais e os sistemas de engenharia estabelecidos pela contemporaneidade técnica: ferrovias, iluminação elétrica, água encanada, estruturas metálicas, máquinas, motores, etc. (MORAES, 2011, p.88). O Ãmpeto modernizador, presente no ideário nacional, segue, ainda pela primeira metade do Século XX, com forte intervencionismo estatal. No âmbito do Ministério de Viação e Obras públicas foram, segundo o Ministério dos Transportes, implantados e planejados uma rede ferroviária de aproximadamente 29 mil quilômetros de ferrovias. Valor este que permanece inalterado até os dias atuais. 82 Figura 2.8:Plano Bulhões, 1881. 83 Figura 2.9: Plano Bicalho, 1890. 84 Figura 2.10: Plano Geral de Viação, 1886. 85 Figura 2.11: Plano da Comissão, 1886. 86 Huertas (2009), analisando a ocupação e a articulação dos espaços do Centro- Oeste e da Amazônia com o restante do paÃs, aborda a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB) que foi construÃda na primeira metade do Século XX com objetivo de articular os sertões do Mato Grosso com os centros da economia canavieira em São Paulo, lançando ilhas de povoamento no vazio demográfico que ali vigia, bem como fornecer rotas para o comércio com a BolÃvia e o Paraguai: [...] a EFNOB, uma “flecha lançada para o oesteâ€, nasceu essencialmente como uma estrada de penetração para organizar a defesa de fronteiras remotas, promover o povoamento e a colonização de terras quase desertas e dirigir- se a um ponto no rio Paraguai adequado a encaminhar para o Brasil o comércio do sudeste boliviano e norte paraguaio (HUERTAS, 2009, p. 51). A Era Vargas, compreendida entre 1930 e 1945, consolidou, conforme Moraes (2011), a posição do Estado como condutor do desenvolvimento nacional, com forte associação entre as ideologias geográficas e as polÃticas territoriais da época. Foi em seu governo que se criou o Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica, tido como entidade fornecedora de dados para o fomento das polÃticas de fundo territorial. Vargas inaugurou o chamado “nacional desenvolvimentismoâ€, focado na modernização, cuja matriz era a indústria de base: O Estado varguista investia na modernização do aparelho estatal para dotá-lo de meios de operação de ações de planejamento, com forte ênfase de atuação sobre o ordenamento e a instalação de equipamentos sobre o território (MORAES, 2011, p. 125). Um dos aspectos mais destacados do seu governo foi a Marcha para o Oeste, que consistiu em um conjunto de ações articuladas que contemplavam um 87 plano viário ambicioso, a criação de territórios federais nas fronteiras a oeste do paÃs, cujo objetivo final era povoar e ocupar os fundos territoriais vazios (Figura 2.12): Em todos os quadrantes do território o paÃs se urbanizava e avançam velozes frentes de ocupação em variadas direções (muitas já com um caráter urbano e associadas a modernas infraestruturas de transportes) (MORAES, 2011, p. 124). O Plano Rodoviário Nacional, de 1944, era composto de 27 eixos rodoviários, e contemplava um modelo de financiamento cuja fonte era um imposto sobre os combustÃveis, que alimentavam o Fundo Rodoviário Nacional (Ministério dos Transportes). No mesmo perÃodo foi organizado o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Foi a consolidação de um perÃodo em que se inicia a estagnação do modo ferroviário em benefÃcio do modo rodoviário. A gestão estatal de base territorial, gestada no inÃcio da República, consolida- se no nacional desenvolvimentismo iniciado na Era Vargas, perpassa pelos governos seguintes. Em um primeiro momento, ainda no fim do século XIX, ergue-se a cidade de Belo Horizonte no centro de Minas Gerais; nos anos 1930, Londrina no nascente Norte Paranaense e Goiânia; já no fim dos anos 1950, inicia-se a construção de BrasÃlia, no governo de Juscelino Kubitschek. Todos estes casos têm em comum o fato de se erigir cidades planejadas apoiadas em redes de transportes, tendo por objetivo a povoação e consolidação de zonas especÃficas: [O Governo JK] implanta a Belém-BrasÃlia e a BrasÃlia-Acre e grandes porções do território nacional se interligam a São Paulo e ao Rio de Janeiro, ampliando o mercado nacional. A transferência da capital federal pra BrasÃlia também eleva o raio macroeconômico do paÃs, embora a abertura de novas frentes não tenha resolvido as desigualdades regionais e garantido acesso a terra para boa parte da população brasileira (HUERTAS, 2009, p. 20). 88 Figura 2.12: Plano Rodoviário Nacional, 1944. 89 O Governo JK representou, de modo mais intenso, a quebra do padrão vigente desde então, isto é, uma ocupação intensiva no litoral em contraposição a um interior pouco ocupado. O fomento da ocupação do interior, baseado na abertura de estradas, na mudança da capital para o Planalto Central e o apoio à indústria automobilÃstica marcaram o perÃodo e possibilitaram o inÃcio da articulação de um mercado interno. Apesar do viés rodoviarista, ferrovias regionais foram consolidadas na Rede Ferroviária Federal – RFFSA. Huertas (2009) desenvolve uma teoria segundo a qual a partir da segunda metade do Século XX, tendo por base as rodovias BrasÃlia-Acre e Belém- BrasÃlia, bem como as hidrovias dos rios Amazonas e Madeira, foi formado um quadrilátero, cujos vértices são Belém, Manaus, Porto Velho e Goiânia/BrasÃlia, com base no qual se vem estruturando, desde o fim da década de 1950, a ocupação do território e a circulação entre o Norte, o Centro-Oeste e o Centro- Sul brasileiro (Figura 2.13). Esta segunda metade do século XX representou justamente essa maior integração da Amazônia e Centro-Oeste ao cotidiano nacional. Tal integração derivou diretamente da presença de, nas palavras de Huertas (2009), objetos técnicos e sistemas de engenharia – aqui entendemos, basicamente, como as novas redes de transportes. Isto se materializou em uma articulação mais intensa entre os entes da federação brasileira, desde a fachada atlântica aos sertões centrais e amazônicos, fato derivado das novas possibilidades de circulação e da ampliação do mercado interno que propiciaram o avanço da fronteira agrÃcola pelos sertões vazios. Foi quando se rompeu, de modo definitivo, o processo que os estudiosos e geopolÃticos chamavam de “estrutura em arquipélagoâ€, com pouca interação entre as regiões, passando a uma estrutura de interação mais intensas entre as regiões. 90 Figura 2.13: O Quadrilátero de Huertas. 91 O Governo militar que vigeu de meados da década de 1960 até meados da década de 1980 reforçou o viés territorial em suas polÃticas. Baseados em conceitos geopolÃticos tradicionais, na ideologia de segurança nacional, propunham, em seu discurso, a construção de uma visão de futuro baseada no desenvolvimento econômico e na superação de desigualdades regionais: Uma modernização conservadora (na plenitude do termo) foi realizada no Brasil dos anos setenta, tendo o planejamento territorial integrado como instrumento, a doutrina de segurança nacional como fundamento, e o endividamento externo como meio de realização (MORAES, 2011, p. 128). Conforme Castro (2010, p. 121), A ampliação da base infraestrutural possibilitou a integração nacional, incorporando os espaços da Amazônia e do Centro- Oeste através da densificação da malha rodoviária, da difusão das redes de telecomunicações, da ampliação da matriz energética e sua extensão para regiões até então marginalizadas na distribuição de energia elétrica. [...] O território brasileiro tornou-se mais receptivo e competitivo, tanto para o capital como para a população, o que proporcionou a interiorização da expansão urbana e das atividades econômicas a ela associadas, além da expansão da fronteira agrÃcola [...]. Para Huertas (2009, p. 20), “o território, para o regime, passa ser visto como palco para ações geopolÃticas e econômicas planejadasâ€. Embora tenha logrado bons nÃveis de crescimento do mercado interno, e interiorizada a população, não obteve êxito no que se refere à redução de desigualdades sociais e regionais. Dentre as realizações do regime, destacam-se a construção da Ferrovia do Aço (entre o Quadrilátero FerrÃfero e o complexo portuário de Vitória), e a modernização dos corredores de exportação de Santos, Paranaguá, Rio 92 Grande e Vitória. O Ministério de Viação e Obras Públicas foi convertido em Ministério dos Transportes, foram criadas, ainda, a Empresa de Portos do Brasil S.A. – PORTOBRÃS e a Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes – GEIPOT, Ãcone do planejamento de transportes no perÃodo. O perÃodo foi testemunha, ainda, da abertura de novas artérias de penetração nos cerrados e na Amazônia, com vistas à colonização e ao povoamento (Ministério dos Transportes, 2010). O governo militar foi marcado por um perÃodo de alto crescimento econômico e forte controle estatal por uma década. No entanto, durante a crise do petróleo não se alterou o portfólio de investimentos, mantendo o cronograma de obras com elevado nÃvel de endividamento público. Para Moraes (2011), este foi um dos fatores de os militares terem deixado como herança a crise dos anos 1980, que ficou conhecida como a década perdida. Segundo o autor, a supressão deste modelo de vinculação tributária, também derivada de alterações nos cenários econômico e polÃtico mundiais, provocou nas décadas de 1980 e 1990 a involução dos investimentos em infraestrutura rodoviária. Adicionalmente ao que destaca o autor, que trata apenas do transporte rodoviário, a década de 1980 representou a desaceleração da expansão econômica e, na mesma medida, os impostos que custeavam a infraestrutura de transportes. Na mesma medida, inicia-se o processo de degradação das atividades de planejamento: as ações estatais passam a estar voltadas a sanar problemas imediatos, deixando para trás a tradição de planejar e de considerar as variáveis territoriais na avaliação de projetos. A Constituição de 1988 deu aos municÃpios o status de ente federado, ganhando, a partir de então, mais poder. Este viés localista retira poder da União o que se traduz também em maior necessidade de a União se articular com os demais entes federados para negociar as ações. Vale destacar que mais poder de decisão aos municÃpios não veio acompanhado da descentralização financeira e, por consequência, da qualidade técnica dos 93 quadros locais. Isto agravou a questão da articulação interinstitucional entre os nÃveis da federação. Para Moraes (2011, p. 129), O planejamento estratégico na escala nacional foi identificado na época como resquÃcio autoritário do regime anterior que deveria ser evitado numa ordem democrática em construção. Esta deveria, no discurso progressista de então, fortalecer o poder local e a autonomia dos municÃpios. Ainda segundo o autor, a diminuição do poder central do Estado brasileiro “abriu um fabuloso caminho para a afirmação do ideário do neoliberalismo no paÃs, notadamente ao elogio do Estado ‘mÃnimo’â€. Huertas (2009, p. 21) complementa que, nos anos 1990, “quando a logÃstica se torna informacional e as polÃticas neoliberais fazem com que o Estado deixe de ser preferencialmente o agente executor da fluidez territorialâ€. No perÃodo de 1990 a 1992, durante a gestão de Collor, o Ministério dos Transportes converteu-se em Ministério da Infraestrutura. Após sua saÃda, voltou-se à situação institucional anterior. Ainda na década de 1990, já sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, iniciou-se o processo de concessões federais de rodovias – notadamente trechos ao redor da cidade do Rio de Janeiro e sua ligação com São Paulo – e a Rede Ferroviária Federal foi repartida em lotes e concedida à iniciativa privada. Ainda sob o governo de Fernando Henrique, o setor de transportes sofreu algumas modificações. A Rede Rodoviária Federal seguiu seu processo de extinção, assim como se encerrou, em definitivo, as atividades do GEIPOT. Foi instituÃda a Lei nº 10.233, de 2001, que extinguiu o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) e criou, como substituto, o Departamento Nacional de Infraestruturas de Transportes (DNIT), responsável pela construção e operação da rede de transportes; a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pelas concessões rodoviárias, ferroviárias e permissão de linhas de transporte interestadual e internacional de passageiros; e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), 94 responsável pela regulação do transporte aquaviário. Tal lei criou também o Conselho Nacional de Integração de PolÃticas de Transportes (CONIT), implementado apenas em 2009, responsável pela formulação de polÃticas do setor. A gestão de transportes seguiu focada, até meados da década de 2000, na solução de problemas pontuais e no tratamento dos chamados “corredores de exportaçãoâ€, denotando o viés exportador da economia brasileira. O perÃodo foi marcado, ainda, pela continuidade da ausência de um planejamento integrado das ações dos diversos setores, negligenciando os aspectos territoriais. No perÃodo subsequente, com o aquecimento da economia e consequente reforço nos caixas da União, observou-se uma certa recomposição da capacidade de ação estatal e também o ensaio da retomada de uma visão estratégica do território, o que anima tentativas de planejamento de polÃticas integradas. (MORAES, 2011, p. 131). No setor de transportes, vislumbramos esta retomada por meio da adoção de planos como o Plano Nacional de LogÃstica e Transportes (PNLT); Plano Hidroviário Estratégico; e Plano Nacional de LogÃstica Portuária. O Programa de Aceleração do Crescimento, instituÃdo em 2007, tem por base, para as obras de transporte, o PNLT. As ações desta última década serão aprofundadas no CapÃtulo 5. Chegamos ao fim da primeira década do Século XXI com uma rede de transportes defasada. O Brasil conta com uma rede ferroviária que tem a mesma medida de um século antes – aproximadamente 29 mil quilômetros; uma rede rodoviária deficiente, tanto nas áreas mais adensadas, onde a capacidade de muitas vias já se encontra há muito tempo superada, e, em áreas menos densas, ainda com uma infraestrutura insuficiente para estimular seu desenvolvimento; um potencial de vias navegáveis pouco explorado; uma rede de portos congestionados na porção meridional do paÃs e, em contrapartida, portos com capacidade ociosa na porção setentrional; um 95 conjunto de aeroportos saturados que não conseguem fazer frente à crescente demanda; uma rede dutoviária pequena e concentrada no atendimento de poucos usuários. Apesar do ensaio de uma gestão mais integrada, a relação entre o planejamento de transportes e o ordenamento territorial e ambiental ainda é inadequada e não consegue produzir resultados satisfatórios. Analisemos esta atuação nas seções seguintes. 96 CAPÃTULO 3 ATUAÇÃO RECENTE DO ESTADO BRASILEIRO 3.1 Prólogo – de BrasÃlia a Santos Percorrer caminhos fÃsicos já foi um artifÃcio utilizado por outros geógrafos para ilustrar parte do caminho metodológico usado para guiar o desenvolvimento das ideias e argumentos utilizados na pesquisa. Lourenço (2002) usou esta forma em sua dissertação de Geografia Histórica para levantar diversos pontos de seu problema de pesquisa. Buscando seguir a mesma linha, mas em uma tese de Geografia dos Transportes, optamos por percorrer o trecho rodoviário BrasÃlia-Santos, visando levantar pontos relevantes a serem discutidos na tese. O Brasil é um paÃs de dimensões continentais. Esta é uma frase frequentemente repetida para exaltar a dimensão territorial e a variedade de ambientes naturais e antropizados, bem como as variedades socioculturais e econômicas desta vasta nação. Da mesma forma que sabemos que a população e os recursos não se encontram uniformemente distribuÃdos pelo espaço, há de se supor que a infraestrutura e os serviços de transportes também não o sejam. Propusemos uma viagem entre dois pontos do território, razoavelmente distantes entre si e, por meio da observação das caracterÃsticas fÃsicas da infraestrutura, do tráfego, das paisagens, seria possÃvel iniciar uma análise de 97 várias questões relacionadas a transporte e território. Utilizemos então este recurso. O trajeto escolhido parte da porção mais central do território brasileiro – BrasÃlia – até um extremo litorâneo, e nosso principal porto, o de Santos, distante pouco mais de 1000 quilômetros. A escolha desse trecho se deu pela facilidade de acesso e conhecimento do território pelo autor. Além disso, trata-se de um eixo de relevância nacional, por interligar o principal porto latino-americano (Santos) à maior cidade brasileira (São Paulo) e à Capital Federal (BrasÃlia), além de diversas outras cidades importantes (Figura 3.1). Ao deixar BrasÃlia, capital federal, notamos que a cidade se espalha ao redor das rodovias. São quase 600 km² de área urbanizada (MIRANDA; GOMES; GUIMARÃES, 2005) para uma população de cerca de 2,5 milhões de habitantes (IBGE, 2010). As rodovias de passagem cortam essa área urbanizada, mesclando tráfego local com tráfego de longo curso. É muito difÃcil distinguir o que é a rodovia de longo curso do que é a via rápida local. Aquele que deseja apenas passar por BrasÃlia acaba por sofrer com os congestionamentos urbanos da hora de pico; e, por outro lado, a área urbanizada sofre os impactos derivados da passagem do tráfego de longo curso cortando a cidade. A Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Via EPIA/ BR-450), por exemplo, margeia a zona do Plano Piloto de BrasÃlia e liga as rodovias BR-040/050 (ligação com o Sul/Sudeste do Brasil), a BR-060 (Ligação com Goiânia e Centro-Oeste) e a BR-020 (ligação com o Norte/Nordeste). No entanto, é também utilizada como via local – assim como as rodovias mencionadas – ligando as zonas urbanizadas adjacentes à zona mais central da cidade. 98 Figura 3.1: Mapa do eixo BrasÃlia – Santos. 99 Um viajante que parte da zona central de BrasÃlia na hora de pico enfrentará um grande congestionamento para deixar a cidade pela via EPIA e, a seguir, pela BR-040/ 050, pois é a principal ligação do núcleo central da cidade com as zonas residenciais periféricas de Gama e Santa Maria (ainda no Distrito Federal) e com alguns dos municÃpios goianos limÃtrofes que compõem o chamado Entorno de BrasÃlia (ValparaÃso de Goiás, Novo Gama, Cidade Ocidental e Luziânia). Neste trecho, o tráfego é elevado e caminhões, ônibus urbanos, ônibus de longo curso, veÃculos de passeio locais e de longo curso disputam espaço. A rodovia tem pista dupla, ora com três, ora com duas faixas por sentido e cruza as referidas zonas urbanas. Neste trecho, a rodovia mais parece com uma avenida de atividades, com diversas interseções e retornos em nÃvel, margeada de um comércio variado. O tráfego de longo curso, mais uma vez, é sujeito a interferências urbanas, assim como a população local convive com o tráfego pesado. Figura 3.2: fotografia de trecho urbano da BR-040 em ValparaÃso, GO. Autor: Silvio Barbosa da Silva Junior, 2012. 100 Cabe um parêntese: a BR-450, embora seja uma rodovia federal, é delegada ao Governo do Distrito Federal, que, por meio do seu Departamento de Estradas de Rodagem, faz a gestão desta via. Já a BR 040/050, em todo o trecho de Goiás e Distrito Federal, é gerida pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT. Após deixar Luziânia, o volume de tráfego diminui e a pista torna-se simples. O volume de tráfego é composto de considerável parcela de veÃculos pesados de carga. Lentos, muitas vezes, já que a idade da frota é bastante elevada - 11,4 anos para a média geral, chegando a 23,9 anos em algumas categorias (ANTT, 2012). Cerca de 130 quilômetros após a origem, nos aproximamos de Cristalina. Nesta cidade está o entroncamento das rodovias BR 050 e 040 que até agora seguiam em trecho coincidente. Figura 3.3: Fotografia de trecho urbano da BR-050 em Cristalina, GO. Autor: Silvio Barbosa da Silva Junior, 2012. 101 A BR-040 segue para Sudeste, demandando Belo Horizonte, Juiz de Fora e Rio de Janeiro, enquanto a BR-050 segue para o Sul, na direção de Uberlândia, Ribeirão Preto, Limeira, Campinas, São Paulo e Santos. A área urbana de Cristalina, apesar de pequena, está disposta dos dois lados da pista, gerando a necessidade de travessia de veÃculos e pedestres, sempre com cruzamentos em nÃvel. Os redutores de velocidade, o alto volume de tráfego e tais cruzamentos tornam lenta a travessia desta cidade. Por quase 200 quilômetros, até Catalão (GO), o volume de tráfego diminui ainda mais – embora não o suficiente para deixar a via com um padrão adequado ao volume – e a paisagem monótona de lavouras de soja, outros grãos e algumas áreas de vegetação nativa preservada é quebrada apenas por três pequenas povoações. Chama a atenção a ausência de variedade e opções de postos de abastecimento e de serviços para o viajante que se aventura por este trecho. Figura 3.4: Fotografia de trecho da BR 050 entre Catalão e Cristalina – veÃculos de carga. Autor: Silvio Barbosa da Silva Junior, 2012. 102 Em Catalão, novamente os problemas tÃpicos das travessias urbanas: lentidão, interseções em nÃvel, redutores de velocidade e mistura com o tráfego local. A cidade é um pólo agroindustrial e, dali em diante, o tráfego volta a aumentar, principalmente com caminhões carregados de soja, frigorificados, veÃculos e autopeças. Os quase 40 quilômetros que separam Catalão dos limites de Goiás com Minas Gerais são ainda em pista simples, em uma zona de relevo razoavelmente dissecado, com grande presença de curvas, já que o traçado, datado da década de 1960/70, acompanha em muito este relevo. Figura 3.5: Fotografia de trecho urbano da BR-050 em Catalão, GO. Autor: Silvio Barbosa da Silva Junior, 2012. Após cruzar o rio ParanaÃba, entrando em Minas Gerais, nos deparamos com um canteiro de obras: a duplicação da BR-050 entre este ponto e a cidade de Uberlândia. Daqui até Uberlândia são aproximadamente 70 quilômetros de estrada, com um relevo moderadamente dissecado, cheio de curvas, com 103 elevado volume de tráfego de caminhões. A meio caminho, a cidade de Araguari, cruzada pela rodovia agora em obras que prometem amenizar os impactos da convivência entre cidade e rodovia. Figura 3.6: Fotografia das obras de duplicação da BR-050 em Araguari, MG. Autor: Silvio Barbosa da Silva Junior, 2012. De Araguari até Uberlândia, o tráfego de automóveis se avoluma, notadamente nas horas de pico, tendo em vista o notável movimento pendular entre ambas as áreas urbanas. Estas cidades encontram-se em topos de chapada a cerca de 900 metros de altitude, mas seccionados pelo profundo vale do Rio Araguari em uma região de relevo bastante dissecado. Ao aproximar de Uberlândia, geram confusão as opções apresentadas pela sinalização: o caminho tradicional e mais óbvio ao motorista é seguir em frente, enquanto a sinalização manda seguir outro, que requer sair da pista principal e pegar um acesso secundário. 104 Quem opta por seguir reto, logo adentra a zona urbana de Uberlândia e a rodovia, em boas condições, permite acesso à cidade bem como a outras rodovias. Recém-duplicada na área urbana, oferece condições de velocidade (80 km/h de velocidade máxima regulamentada) distintas das travessias urbanas cruzadas anteriormente (Entorno de BrasÃlia, Cristalina e Catalão), mas ainda recebem expressivo volume de tráfego urbano. Pouco mais de 10 quilômetros depois, deixa-se a área urbana de Uberlândia em direção ao Sul. Por outro lado, quem opta por pegar o acesso secundário, tem acesso a uma rodovia de excelente padrão construtivo, o Contorno Norte, também recentemente construÃdo, mas que tem a mesma função da travessia urbana: melhorar as condições de tráfego por quem passa por Uberlândia. A via permite velocidade de até 100 quilômetros por hora, mas chama atenção o diminuto volume de tráfego. Após alguns quilômetros, a rodovia de excelentes condições desaparece e em uma interseção que não permite grande velocidade há de se acessar outra, o Contorno Leste, resultado da duplicação de trecho da BR-365. Mais alguns quilômetros e há de se fazer outra conversão para se acessar novamente a BR-050 e seguir rumo ao Sul. Vinte quilômetros e três conversões para o Contorno Norte/Leste contra 10 quilômetros e uma conversão para a travessia urbana podem explicar a preferência dos motoristas pela travessia urbana em relação ao Contorno. Exploraremos este caso mais adiante. Prossigamos com a viagem. A viagem segue em pista dupla por mais 100 quilômetros, cortando chapadões cobertos de soja, milho e cana-de-açúcar, e áreas de vale, chega-se a Uberaba. Vale lembrar que o trecho entre Uberlândia e a divisa de Minas Gerais com São Paulo levou cerca de uma década para ser finalizado e ainda há obras remanescentes por executar. A travessia de Uberaba é breve, toda feita em interseções em desnÃvel, com pouca interferência do tráfego local. A partir de Uberaba, inicia-se uma descida até o vale do Rio Grande, na divisa com o Estado de São Paulo com boas condições de tráfego, apesar do elevado volume. Até este ponto, a rodovia é administrada, ainda, pelo DNIT. 105 Cruzando-se a ponte Governador Mário Covas, vislumbra-se um padrão diferente de rodovia: o canteiro é mais largo, a faixa de domÃnio bem capinada, as placas de sinalização maiores, visÃveis e bem mantidas. Só então é possÃvel comparar com todos os trechos anteriores, onde a faixa de domÃnio raramente recebe serviços de capina que, por muitas vezes, encobrem a parca sinalização. Até Ribeirão Preto cruza-se quase uma dezena de pequenas e médias cidades, sem qualquer interferência de tráfego. As interseções são todas em desnÃvel e não se encontram áreas de travessia de pedestres em nÃvel: todas são realizadas por cima ou por baixo da rodovia. Em Ribeirão Preto, a travessia já recebe alguma interferência do tráfego local e o nÃvel de velocidade diminui um pouco. As interseções com outras rodovias possuem, em grande parte, alças direcionais, permitindo mudanças sem grande diminuição de velocidade, ao contrário daquelas encontradas nos trechos percorridos em Minas Gerais e Goiás. No Estado de São Paulo, entre a Ponte Governador Mário Covas e a cidade de São Paulo, a rodovia BR-050 é coincidente com a SP-330, aqui denominada Via Anhanguera, de responsabilidade do Estado de São Paulo. A via é concedida à iniciativa privada, e operada por diversas concessionárias em seus vários trechos, cuja fiscalização cabe à Agência Reguladora dos Serviços de Transporte do Estado de São Paulo – ARTESP. Atravessa-se, após Ribeirão Preto, uma mirÃade de cidades pequenas e médias até alcançar Limeira. Nas proximidades de Limeira começa o trecho da Rodovia dos Bandeirantes, datada da década de 1970 e prolongada ao redor do ano 2000, construÃda pelo governo do estado de São Paulo como alternativa ao trecho já saturado da Via Anhanguera. Enquanto a Via Anhanguera atravessa áreas urbanizadas dos aglomerados urbanos de Limeira e JundiaÃ, bem como das Regiões Metropolitanas de Campinas e de São Paulo, sofrendo com a influência do tráfego local, a Rodovia dos Bandeirantes contorna as três primeiras, minorando o efeito do 106 tráfego local. A Rodovia dos Bandeirantes – com padrão de autoestrada de acesso controlado – atende prioritariamente o tráfego de longo curso, enquanto a Via Anhanguera, neste trecho, atende ao tráfego pendular regional. Aproximando-se da Cidade de São Paulo, maior zona urbana da América do Sul e uma das maiores do mundo, principal centro econômico do Brasil, principal origem e destino das viagens geradas em todo o paÃs, e, portanto, principal entroncamento rodoviário nacional, o volume de tráfego se multiplica. Há a opção de o viajante cruzar a área urbana pelas saturadas Marginal Tietê e Marginal Pinheiros (vias expressas urbanas) ou de pegar o Rodoanel Trecho Oeste e, seguir pelo recém inaugurado Trecho Sul. Figura 3.7: Mapa do Rodoanel de São Paulo. Mapa sem escala. Fonte: DERSA, 2012. 107 Embora com um padrão construtivo bem razoável, as Marginais atendem majoritariamente ao tráfego urbano e metropolitano; porém, até a construção do Rodoanel, era a única opção para a travessia da Região Metropolitana de São Paulo. Para alguns destinos segue sendo a única opção. Para estes viajantes, ainda é necessário perder horas cruzando a grande metrópole enquanto o Rodoanel não é concluÃdo. Para nosso par origem-destino, é possÃvel usar o Rodoanel e é esta a opção escolhida. Com três ou quatro faixas por sentido, alças direcionais, velocidade regulamentada de 120 quilômetros por hora, o Rodoanel Mário Covas foi pensado para retirar o tráfego de passagem da área urbana e dar mais velocidade para o tráfego que não tem como origem ou destino a Grande São Paulo. Pensado para ser construÃdo em quatro trechos, já teve os dois trechos prioritários (Oeste e Sul) construÃdos, um em obras (Leste) e um em fase de licitação (Norte). Seguindo a viagem, há duas opções para se alcançar a Baixada Santista: a Via Anchieta (aqui coincidente com a BR-050) e a Rodovia dos Imigrantes. A Via Anchieta é mais antiga e é a primeira ligação pavimentada entre o planalto onde se localiza a capital paulista e a baixada santista (pista dupla, com duas faixas por sentido) e ainda, apesar de segregada, atravessa áreas densamente povoadas. A Rodovia dos Imigrantes é uma rodovia mais recente, moderna, construÃda com vários túneis e pontes, vencendo o planalto sem grandes movimentações de terra e gerando o menor impacto possÃvel. Ambas são concedidas à iniciativa privada e geridas pela ARTESP. Chega-se, por fim, a Santos, onde o acesso ao Porto ainda mistura o tráfego local com o tráfego de caminhões que vêm de todo o Centro-Sul brasileiro. Esta jornada de BrasÃlia a Santos nos dá elementos para algumas questões que pretendemos trabalhar neste capÃtulo, porém nos restringiremos à quilo que consideramos problemas relacionados ao transporte de longo curso, ignorando as questões relativas ao transporte local e aos problemas urbanos. 108 Por que existe tamanha diversidade de padrões construtivos, de manutenção e de sinalização em um mesmo eixo? Note-se que não estamos falando de rodovias com funções diferentes, mas de um eixo de importância nacional. Como os responsáveis pela gestão das rodovias e os municÃpios se articulam para dirimir os conflitos patentes entre o tráfego local e o tráfego de passagem? Existe alguma polÃtica que fomente o controle da expansão urbana, proporcionando que se evite a urbanização ao redor dos eixos de transporte de longo curso? Por que há tantos caminhões nas rodovias? Não há transporte ferroviário que atenda ao transporte de cargas? E por que esses caminhões são tão velhos? Não existe alguma polÃtica que estimule a renovação dessa frota que, notoriamente reduz a velocidade média, aumenta custos de transporte e, ainda, polui muito mais? Como lidar com o enorme volume de caminhões que adentram a área urbana de Santos para acessar ao Porto? No caso do transporte de passageiros, por que ir de carro? Não existe uma opção de trens ou aviões que façam as ligações neste trecho, ao menos entre as cidades grandes e médias? Este capÃtulo pretende explorar algumas destas questões. Primeiro, apresentando um breve diagnóstico da situação dos transportes de longo curso no Brasil e o panorama institucional, contemplando a descrição das instituições, sua atuação recente, bem como a estrutura de planejamento para consecução da polÃtica nacional para o setor. Considerou-se, para este trabalho, a atuação dos órgãos de nÃvel federal, quais sejam: Ministério dos Transportes (MT), Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), VALEC Engenharia e Construções; Secretaria de Portos (SEP), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), Secretaria de Aviação Civil (SAC), e Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC); INFRAERO- Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária. 109 Quanto à estrutura de planejamento, avaliou-se, em particular, o Plano Nacional de LogÃstica e Transportes (PNLT) e o Sistema Nacional de Viação (SNV), dentre outros relevantes. Realizaram-se, ainda, entrevistas com representantes de alguns destas instituições. Algumas entrevistas foram presenciais, outras realizadas por escrito e foram oportunamente publicadas na Revista ANTT. Foram entrevistados: ï‚§ Técnico de estradas do DNIT – Regional Uberlândia (abril de 2011); ï‚§ Paulo Sérgio Oliveira Passos – Ministro dos Transportes (Revista ANTT, novembro de 2010); ï‚§ Marcelo Perrupato – Secretário Nacional de PolÃtica de Transportes (Revista ANTT, maio de 2011); ï‚§ LuÃs Henrique Baldez – Presidente da NTU (Revista ANTT, novembro de 2011). Além de uma análise mais geral da atuação do Estado Brasileiro em transportes e ordenamento do território, foram propostos dois breves estudos de caso que permitam, de modo mais palpável, vislumbrar os impactos de tal atuação sobre o território. Escolhemos dois casos: ï‚§ A construção do Contorno Norte de Uberlândia; ï‚§ O conflito entre a ANTT e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) sobre a duplicação da BR-101 e seus impactos sobre a Reserva Biológica União, no Estado do Rio de Janeiro. 110 3.2 As instituições de planejamento e gestão de transportes no Brasil Conforme, para esta tese, interesse apenas o transporte de longo curso, ou seja, o transporte não local/não urbano, elimina-se a análise das decisões a cargo de municÃpios, restando duas esferas da federação brasileira: a União e os Estados. Tendo em vista que o foco da tese é sobre o nÃvel federal, focaremos na atuação da União brasileira em relação ao planejamento de transportes. A origem do Ministério dos Transportes remonta ao século XIX, nos tempos do Império, quando foi criada a Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que, após diversas denominações e mudanças de atribuições, chegou ao nome atual. Porém, o Ministério dos Transportes, apesar de ser responsável pela maior parte do planejamento de transportes em nÃvel federal, não é a única entidade com esta finalidade. Há a Secretaria Especial de Portos, desmembrada do Ministério dos Transportes, e a recém- criada Secretaria de Aviação Civil, cujo objeto de regulação estava anteriormente sob tutela do Ministério da Defesa. Essas duas Secretarias possuem status de ministério. O Ministério dos Transportes tem por atribuição formular e aplicar a polÃtica de transportes ferroviários, aquaviários e rodoviários. Quanto ao transporte aéreo, a legislação (Decreto nº 7.717, de 4 de abril de 2012) especifica que o Ministério dos Transportes tão somente participa de sua coordenação, tendo em vista a existência da Secretaria de Aviação Civil. O mesmo se aplica ao sistema portuário, sob responsabilidade da Secretaria de Portos. A Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República foi criada pela Medida Provisória 527, de 18 de março de 2011, convertida na Lei 12.462, de 4 de agosto 2011. Suas atribuições contemplam o planejamento e a coordenação do setor de aviação civil, mantendo sintonia como Ministério da Defesa – de onde a atribuição vinha sendo executada anteriormente – no que for 111 necessário. Cabe destacar, até aquele momento, o caso sui generis em que a aviação civil seguiu, por tanto tempo, sob tutela da pasta da Defesa. A Secretaria de Portos da Presidência da República foi criada também por meio de uma Medida Provisória (nº 369, de 07 de maio de 2007) posteriormente convertida na Lei nº 11.518. Desmembrada do Ministério dos Transportes, tem por missão o planejamento e a coordenação do setor portuário. Vinculadas ao Ministério dos Transportes, encontram-se três instituições: a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes e a Valec Engenharia e Construções. As três primeiras são autarquias criadas no bojo da reestruturação do setor de transportes em 2001, em substituição ao antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER; a Valec é uma empresa pública constituÃda com a finalidade de fazer a construção da Ferrovia Norte-Sul e, atualmente, leva a cabo a construção de trechos desta mesma ferrovia e outras. A ANTT tem por missão a regulação do transporte terrestre federal, compreendendo os contratos de concessão das ferrovias, das rodovias federais, as permissões para transporte interestadual e internacional de passageiros, bem como a emissão de normas para o transporte rodoviário de cargas, além do multimodal. À ANTAQ cabe a regulação da exploração do transporte aquaviário, dos portos e terminais de pequeno porte, da navegação interior, de cabotagem e de longo curso. Curiosamente, a ANTAQ é vinculada ao Ministério dos Transportes, e não à Secretaria de Portos, cuja missão é fazer a regulação dos Portos grandes, ou seja, aqueles que não estão sob tutela da ANTAQ. O DNIT é um órgão de execução, cabendo a ele a gestão das infraestruturas federais do Sistema Nacional de Viação que não estejam delegadas, sejam elas terrestres ou aquaviárias. Cabe ainda ao DNIT a emissão de normas, 112 padrões e especificações técnicas para todo tipo de obra de transportes. O principal foco de atuação do DNIT são as rodovias federais não delegadas. Recentemente, em agosto de 2012, por meio da Medida Provisória nº 576, convertida na Lei nº 12.743, de 19 de dezembro de 2012, fora criada, vinculada ao Ministério dos Transportes, a Empresa de Planejamento e LogÃstica, em substituição à Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (ETAV), constituÃda no mesmo ano. Sua função original seria a de coordenar, junto à iniciativa privada, a implantação do primeiro trecho do Trem de Alta Velocidade, entre Rio de Janeiro e Campinas, absorvendo tecnologia estrangeira para novos projetos. Com a reestruturação – ainda recente para se tecer comentários mais profundos – a EPL passa, além dos projetos de trens de alta velocidade, a centralizar o setor de estudos e planejamento para todo o setor de transportes no Brasil. A EPL exerce ainda o papel de secretaria executiva do Conselho Nacional de Integração de PolÃticas de Transporte (CONIT), previsto para ser a entidade de coordenação das polÃticas de transportes desde 2001, mas até então nunca implantado. Outra inovação é que, para as concessões rodoviárias e ferroviárias, a EPL passa a atuar como o empreendedor perante o órgão ambiental, sendo responsável pela obtenção das devidas licenças e superando os problemas, notadamente atrasos, advindos da responsabilização dos concessionários pela obtenção das licenças ambientais. Vinculadas à Secretaria de Aviação Civil, estão a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e a INFRAERO – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroprotuária. A ANAC tem por objetivo regular o setor da aviação civil por meio da manutenção da concessão dos serviços de transporte aéreo, da infraestrutura aeroportuária e aeronáutica, regulando a atuação das empresas de transporte aéreo e de exploração de aeroportos, inclusive aqueles administrados pela INFRAERO. A INFRAERO, por sua vez, é uma empresa pública que mantém alguns dos principais aeroportos do paÃs, sendo responsável por parcela significativa da demanda. 113 Observa-se, na descrição das instituições, a estrutura constando de órgãos de polÃtica e planejamento do setor – aqui ministérios e secretarias com este status e a EPL –, agências reguladoras, que gerenciam os contratos de prestação de serviços públicos por empresas privadas, e órgãos de execução direta, podendo ser eles empresas públicas ou autarquias. Nos Estados, replica-se uma estrutura semelhante, em que as secretarias estaduais de transportes, obras ou congêneres situam-se no topo da cadeia, promovendo a polÃtica e o planejamento, enquanto agências reguladoras regulam contratos com a iniciativa privada e, no nÃvel de execução, departamentos de estradas, aeroportos, obras ou infraestrutura se responsabilizam pela execução direta dos serviços/infraestruturas (Figura 3.8). 3.3 As redes e serviços de transportes em nÃvel federal no Brasil atual A estrutura territorial brasileira demonstra claramente a falta de cuidado com sua gestão. A distribuição da população, das infraestruturas de transporte, da riqueza nacionalmente produzida e, principalmente, da qualidade de vida não se dão de forma equilibrada no território. O Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento (MPOG, 2008), bem como estudos do IBGE (2003 e 2012), mostra esta realidade com seu diagnóstico, conforme se vê nos mapas que se vêm a seguir. Tal padrão de ocupação e configuração do território guarda relação com a história da ocupação do espaço nacional, conforme pudemos analisar no capÃtulo anterior, que tratou do papel das redes de transporte na formação socioespacial do território brasileiro. 114 Figura 3.8: Distribuição de funções entre instituições de planejamento de transportes no Brasil. Org.: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2013. 115 Figura 3.9: Mapa de densidade demográfica das microrregiões (2008 – sem escala). Fonte: MPOG, 2008. 116 Figura 3.10: Mapa – Consumo médio (bens de consumo) per capita, 2003. Fonte: IBGE, 2010. 117 Figura 3.11: Mapa – Densidade Econômica – 1000 reais de PIB por área do municÃpio 2006. Fonte: IBGE, 2012. 118 A população, apesar da existência de alguns pólos de desconcentração no interior, segue concentrada nas porções mais próximas da costa; a produção de riqueza é maior ao redor dos grandes centros e cidades médias, notadamente no Centro-Sul do paÃs, salvo algumas zonas de produção agrÃcola e mineral modernizadas; por fim, os Ãndices de qualidade de vida são melhores nas porções centro-meridionais do território. As redes de transporte, por sua vez, estão concentradas nas áreas de maior densidade demográfica e de produção de riquezas – ainda que o aspecto das redes, mesmo nessas zonas, não sejam de grande qualidade – sendo percebidos muito poucos esforços no sentido de melhorar a distribuição espacial desta infraestrutura para outras zonas, permitindo maior equilÃbrio territorial. Além de mal distribuÃda, a infraestrutura de transportes mostra-se ineficiente para atender à necessidade de deslocamento de bens, impactando no preço dos produtos e diminuindo, assim, o poder de compra das pessoas. No que se refere ao transporte de passageiros, há também uma rede de serviços pouco eficientes e não integrados que, associados a uma distribuição espontânea e não planejada da população, do comércio e dos serviços mais elementares, dificultando o acesso da população a bens e serviços, impactando negativamente na qualidade de vida. Em outro nÃvel, o transporte é ineficiente em termos de consumo energético e mais ainda como provedor de uma estruturação desejável do território (Quadro 3.1). Segundo o PNLT (MT, 2007), a distribuição modal dos transportes no Brasil, no que se refere ao transporte de cargas, pesa muito em favor do modo rodoviário, sabidamente menos eficiente que os modos aquaviário, ferroviário e dutoviário, em termos de consumo energético (Figura 3.12). 119 Quadro 3.1: Consumo médio de combustÃvel por modo de transporte. Modalidade Consumo de combustÃvel (litro/ ton.km)* Rodoviário 101,2 Ferroviário 23,3 Navegação Interior 20 Cabotagem 13,8 Ferroviário (minério de ferro) 7,9 Cabotagem (petróleo e gás) 5 *Consumo de litros de diesel para transportar 1 tonelada por 1 quilômetro. Fonte: ANTT, 2011. Figura 3.12: Repartição modal de transportes no Brasil, 2007. Fonte: MINISTÉRIO dos Transportes; Ministério da defesa, 2007. 120 E, ainda que seja responsável por cerca de 30% da produção de transportes de cargas, a ferrovia responde por apenas 5% do consumo de combustÃvel. Os caminhões, que transportam 61% da produção, consomem 95%. Figura 3.13: Participação no consumo de combustÃveis fósseis por modo. Fonte: ANTT, 2012. Chama a atenção, por fim, a falta de dados mais confiáveis que traduzam a realidade dos transportes no Brasil, tendo em vista que, pelo menos desde o inÃcio dos anos 2000, houve o completo desmonte das estruturas nacionais de informação e planejamento de transportes, tema do qual trataremos mais adiante. 121 3.3.1Transporte rodoviário A Rede rodoviária brasileira possui, segundo o Anuário EstatÃstico dos Transportes Terrestres, editado pela ANTT em 2009, uma rede de 1.735.612 quilômetros de rodovias, das quais apenas cerca de 220 mil quilômetros são pavimentadas. Grosso modo, a imensa maioria dos trechos não pavimentados se refere a estradas municipais, servindo, em geral, ao transporte local da safra agrÃcola. As redes estaduais e federal possuem a maior parte de seus trajetos pavimentados (Quadro 3.2 e Figura 3.14). Porém, o fato de a rede principal ter um alto Ãndice de pavimentação não significa uma garantia de que haverá uma compatibilidade de suas caracterÃsticas fÃsicas e operacionais com o volume de tráfego de veÃculos existente em sua totalidade. Na verdade, há inúmeros problemas de geometria, sinalização, manutenção e capacidade, comprometendo a qualidade da infraestrutura e a compatibilidade com a importância estratégica de alguns desses eixos. As fotografias a seguir refletem a falta de uma polÃtica de manutenção viária adequada, que se reflete na qualidade do pavimento, da limpeza da faixa de domÃnio e da manutenção de um padrão adequado de sinalização. Quadro 3.2 – extensão da malha rodoviária por condição e jurisdição. Federais Estaduais Estaduais Coincidentes Municipais Total Pavimentadas 61.920 17.197 112.182 27.342 218.641 Não Pavimentadas 13.775 6.224 111.474 1.236.128 1.367.601 Fonte: ANTT, 2009. 122 Figura 3.14: Mapa de Rodovias no SNV, 2012. 123 Figura 3.15: Foto de placa confusa em Blumenau, SC. Autor: SCHMIDT, A. D., 2012. Figura 3.16: Foto: Placa pichada em ValparaÃso, GO. Autor: Silvio Barbosa da Silva Junior, 2012. 124 Figura 3.17: Foto: Sinalização em BrasÃlia. Autor: Silvio Barbosa da Silva Junior, 2012. Figura 3.18: Foto: Canteiro central sem roçagem na BR-050 em Uberaba. Autor: Silvio Barbosa da Silva Junior, 2012. 125 Figura 3.19: Foto: Sinalização de pavimento antiga e nova causando confusão. Autor: Silvio Barbosa da Silva Junior, 2012. Referente à compatibilidade do padrão das vias com sua importância estratégica em nÃvel nacional, podemos ver a parca distribuição de estradas duplicadas, concentradas majoritariamente no Estado de São Paulo – grande parte dela sob responsabilidade desse Estado, diretamente ou sob delegação – e em ligações entre a Grande São Paulo com outros pontos relevantes do paÃs: São Paulo-Rio de Janeiro; São Paulo-Belo Horizonte; São Paulo-Goiânia- BrasÃlia; São Paulo-Porto Alegre; Litoral Nordestino, além de algumas poucas ligações regionais e travessias urbanas (Figura 3.20). 126 Figura 3.20: Mapa: SNV Rodovias Duplicadas, 2012. 127 O Brasil, por conta também de uma falta de hierarquia no sistema rodoviário nacional, possui vários eixos importantes, tanto em nÃvel econômico quanto em nÃvel estratégico, descoberto por uma rede com caracterÃsticas compatÃveis com tal importância. Mesmo as rodovias duplicadas apresentam uma diversidade de padrões de qualidade que acabam por denunciar esta ausência de diretrizes mais claras. A tÃtulo de exemplo: são poucas as rodovias duplicadas – que possuem acesso controlado, podendo ser caracterizadas como autoestradas – ligando os centros mais destacados da rede urbana brasileira. A exemplo do eixo BrasÃlia-Santos, que exploramos no prólogo do CapÃtulo, em que é possÃvel se deparar com rodovias de excelente qualidade, como a Rodovia dos Imigrantes ou a Rodovia dos Bandeirantes; com rodovias com alguns problemas de interação com o meio urbano, como a Via Anhanguera; com trechos de qualidade regular, como o trecho mineiro da BR-050; trechos com problemas geométricos, como o trecho goiano da mesma rodovia. O mesmo eixo nos inunda de exemplos de um problema grave: o tratamento das travessias urbanas, que são trechos de rodovias que atravessam áreas urbanizadas. Obviamente, o tipo de impacto causado por uma rodovia de acesso local ou microrregional não é o mesmo daquele causado por grandes eixos estruturantes. Porém, não havendo uma diretriz nacional que hierarquize as rodovias, não existem também padrões diferentes para o tratamento de travessias urbanas: age-se reativamente frente ao aumento do volume de tráfego ou a número de acidentes, optando-se por adaptar a travessia ou construir contornos. Trinta (2001) destaca alguns impactos relacionados a travessias urbanas: ï‚§ Os impactos sobre a mobilidade referem-se à redução da velocidade de percurso na via, muitas vezes sem a devida sinalização e padrões técnicos adequados. ï‚§ Impactos sobre a acessibilidade, devido à localização de acessos, retornos, entradas e saÃdas; 128 ï‚§ Impactos sobre o meio ambiente (principalmente sobre o ambiente urbano): poluição sonora, atmosférica, vibração, visual, segregação urbana. Estudando, em particular, a percepção dos pedestres, Silva Júnior (2006, p. 85) conclui que: Dos impactos associados ao efeito barreira, os mais destacados, segundo a pesquisa, foram a “insegurança†(risco de sofrer acidentes), com um peso de 39% e a “dificuldade de cruzamento da pistaâ€, com peso de 23%; seguidos pelas variáveis “DesestÃmulo ao uso das passarelasâ€, com 16%; “alteração no número de viagens†com 12% e “alteração na qualidade ambiental†com peso de 10%. Relacionados a cada uma dessas variáveis, destacaram-se alguns atributos: A “Insegurança (risco de sofrer acidentes)†está fortemente identificada com a velocidade e o volume de veÃculos da estrada; A “Dificuldade no cruzamento†se relaciona com os atributos: Ausência de passarela no local; sentido de mão de direção e número de faixas a serem atravessadas; O “DesestÃmulo ao uso de passarelas†se identifica com o aumento da distância percorrida e com o medo de ser assaltado; A “Alteração no número de viagens realizadas†se identifica com a supressão de viagens desacompanhas e a pé, a realização de viagens vinculadas e com a supressão de atividades realizadas do outro lado; A “Alteração na qualidade ambiental†se identifica com o ruÃdo e a fumaça causada pelos veÃculos que trafegam a estrada. Porém, os impactos vão além daqueles visÃveis à margem das rodovias, elas afetam os movimentos entre ambos os lados da pista, bem como alteram padrões de desenho urbano, ou seja, um impacto de natureza territorial, conforme destaca Mouette (1998, p. 65; grifos nossos), classifica os impactos das travessias urbanas – cujo principal efeito ela denomina efeito barreira – em três nÃveis: Os impactos primários são conseqüências diretas do sistema de transportes e referem-se a alterações na acessibilidade e mobilidade. São efeitos mais imediatos e facilmente perceptÃveis. São fortemente percebidas na ADA [área 129 diretamente afetada]. Os impactos secundários compreendem as alterações da acessibilidade e na mobilidade da população e consequentes alterações nos padrões de viagens e no comportamento dos indivÃduos afetados. Sua amplitude vai além da área diretamente afetada, atingindo a área de influencia direta. O último nÃvel, o terciário, atinge a área de influencia indireta e refere-se à s alterações na estrutura urbana. Outro problema inerente à s rodovias brasileiras é o transporte de cargas. Conforme já abordado, o transporte rodoviário de cargas representa, segundo o Ministério dos Transportes (2007), cerca de 61% do total da movimentação nacional de cargas. Isto significa que alguns trechos, notadamente aqueles que servem a portos, zonas densamente industrializadas e zonas de produção agrÃcola elevada, possuam elevada participação de veÃculos de carga frente ao total de veÃculos passantes nas vias. Aqui é identificado outro problema relacionado à produção de informação: desde 2001, não há contagem volumétrica e classificatória do tráfego em nÃvel federal, o que representa um apagão de informação necessária ao planejamento de transportes, havendo apenas contagens para projetos especÃficos. A idade média da frota – associada ao estado de conservação dos veÃculos de carga – é outro grande inconveniente, pois representa uma menor velocidade média, um maior consumo energético, maiores volumes de emissão e maiores riscos de acidentes. Os caminhões pesados foram responsáveis por 87% das emissões de gases de efeito estufa do setor de transporte rodoviário de cargas no ano de 2010 (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES; MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2012). 130 Figura 3.21: Emissões de CO2 (milhões de toneladas equivalentes de CO2 equivalente) no transporte rodoviário, 2010. Fonte: Plano Setorial de Mitigação e Adaptação em Transportes e Mobilidade Urbana. Ministério dos Transportes; Ministério das Cidades, 2012. Ressalte-se, ainda, a ausência de uma polÃtica consistente para renovação de frota, ainda que haja relativo consenso polÃtico quanto a isso ser um problema – em 2012, a Confederação Nacional dos Transportes, entidade de classe que congrega os transportadores, realizou um evento para discutir a necessidade de renovação da frota brasileira de caminhões, bem como apresentar alternativas para a situação. Um estudo de Rocha et al. (2011) indica que a linha de financiamento existente no BNDES, o chamado PROCAMINHONEIRO, até então a única polÃtica pública voltada para o setor, mostra-se ineficiente para estimular a renovação de frota, tendo em vista que os ganhos auferidos pelos caminhoneiros autônomos, possuidores da frota mais velha, são insuficientes para cobrir as parcelas nos prazos disponÃveis. 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 1990 1995 2000 2005 2010 10 6 tonela das Caminhõespesados Caminhõesmédios Caminhõesleves 2,4Mt (4%) 6,0Mt (9%) 54,6Mt (87%) 2010 131 Quadro 3.3: Idade da frota por tipo de veÃculo, 2010. Tipo de veÃculo Autônomo Empresa Cooperativa Total CAMINHÃO LEVE (3,5T A 7,99T) 19,0 8,0 11,4 12,8 CAMINHÃO SIMPLES (8T A 29T) 22,6 9,9 16,3 16,3 CAMINHÃO TRATOR 17,1 7,0 14,5 12,8 CAMINHÃO TRATOR ESPECIAL 14,8 5,6 13,6 11,3 CAMINHONETE / FURGÃO (1,5T A 3,49T) 9,4 5,6 6,6 7,2 REBOQUE 18,2 12,5 16,1 15,6 SEMI-REBOQUE 13,9 7,8 11,1 10,9 SEMI-REBOQUE COM 5ª RODA / BITREM 8,1 4,8 2,7 5,2 SEMI-REBOQUE ESPECIAL 12,8 6,0 6,6 8,5 UTILITÃRIO LEVE (0,5T A 1,49T) 12,9 5,9 8,1 8,9 VEÃCULO OPERACIONAL DE APOIO 23,9 15,4 8,3 15,9 Total 15,7 8,1 10,5 11,4 Fonte: ANTT, 2012. Org.: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2012. No que toca ao transporte de passageiros no Brasil, os deslocamentos são também essencialmente rodoviários. As atribuições são divididas entre os Estados e a União. Aos Estados cabem regular as linhas de ônibus que circulam dentro de seu território, enquanto à União, por intermédio da ANTT, cabe regular as linhas que transpõem os limites das unidades federadas e as linhas internacionais. 132 Um problema inerente a este modelo é que as rotas, que poderiam ser complementares, acabam por não sê-lo, ocorrendo problemas, inclusive, de sobreposição. Alguns trechos, apesar da proibição formal de as empresas interestaduais transportar passageiros em sessões dentro de um mesmo Estado, acabam por fazê-lo em zonas próximas à s divisas. Um exemplo é a rota Uberlândia-Ribeirão Preto. Em tese, a empresa não poderia transportar passageiros entre Uberlândia e Uberaba, onde a linha faz seção. Mas, havendo uma parada naquela cidade e outra no povoado paulista de Coronel Quito, no limite entre os Estados de Minas Gerais e São Paulo, passageiros embarcam em Uberlândia como se fossem para tal povoado, e desembarcam em Uberaba. Ainda que pagando por uma distância maior que a percorrida, sai-se no lucro, pois as tarifas quilométricas interestaduais são mais baratas que aquelas praticadas dentro de Minas Gerais. Ouro exemplo são as linhas de ônibus que partem de Curitiba para Florianópolis, Itajaà ou Blumenau. Ainda que sejam linhas interestaduais, embarcam e desembarcam passageiros nas paradas intermediárias, fazendo seções dentro do Estado de Santa Catarina, contrariando o disposto em lei. Tratam-se de exemplos nos quais a lei mostra-se inadequada por não vislumbrar a complementaridade dos sistemas e na qual as empresas burlam a lei no sentido de oferecer um serviço com maior abrangência territorial e integração. 3.3.2 Transporte Ferroviário A Rede ferroviária brasileira possui hoje aproximadamente 28.692 quilômetros (ANTT, 2012). A maior parte das linhas possui um traçado sentido interior- litoral, resquÃcio do padrão antigo de ocupação e modelo econômico exportador 133 de commodities. Comparando-se com outros paÃses de porte similar, o Brasil possui hoje uma rede pequena e ineficiente, o que fica mais evidente quando se compara a densidade da malha com outros paÃses. Figura 3.22: Densidade de malha ferroviáriano Brasil e outros paÃses, 2011. Fonte: CNT, 2011. Atualmente, o transporte ferroviário responde por cerca de 30% do volume de cargas transportadas. Porém, deste volume, uma parcela expressiva – perto de 90% – refere-se a poucos produtos e em trechos restritos: minério, siderúrgicos e soja, petróleo e derivados. Grande parte da rede é literalmente não utilizada. Chama mais uma vez a atenção o fato de os entes públicos não disporem de informação sistematizada de maneira fácil, sendo mais comum encontrar a informação junto aos entes privados regulados. Para além da concentração em poucos produtos, boa parte dos trechos ferroviários está subutilizada ou mesmo abandonada, conforme nos fala Baldez (2011), em entrevista concedida: O total da malha transferida ao setor privado ainda é subaproveitada – cerca de apenas 1/3 dos 28.000 km concessionados é plenamente utilizado, estando 2/3 abandonados ou completamente ociosos. 134 Figura 3.23: Participação dos produtos transportados por ferrovia, 2012. Fonte: ANTT, 2012. A rede atual é quase totalmente concedida à iniciativa privada em malhas onde o operador privado possui a exclusividade da oferta do serviço de transporte. Há mecanismos de tráfego mútuo e de direito de passagem, mediante pagamento, nos quais trens de outras concessionárias podem atravessar para atingir determinado ponto. Devido à s dificuldades relativas ao direito de passagem, à s diferenças de bitola, à s caracterÃsticas operacionais e ainda ao monopólio da operação das malhas, a ferrovia brasileira é pouco atrativa para a carga geral. Sendo a manutenção da via permanente e a operação dos serviços de transportes mantidos pela mesma empresa, ela optará por cargas que permitam auferir maiores rendimentos; nem sempre pelo valor agregado da carga, mas pela possibilidade de contratos de longo prazo com grandes volumes, tÃpicos de commodities como soja, minérios e petróleo. Acrescente-se aà o fato de que, no caso do minério, as empresas mineradoras pertencem aos mesmos grupos que os controladores das ferrovias. 135 Figura 3.24: Ferrovias Brasileiras – Concessionárias. 136 Baldez (2011, p. 77-78), nosso entrevistado segue: Em termos de qualidade das operações, observa-se ainda pouca conectividade entre as malhas (apenas 7% da produção é realizada sob a forma de direito de passagem e tráfego mútuo), são verificados constantes atrasos na entrega das cargas, pouco (ou nenhum) investimento foi realizado para a eliminação de gargalos urbanos e passagens de nÃvel e os acessos ferroviários têm graves carências. Além do mais, em virtude das concessionárias manterem uma postura monopolista nas malhas, as tarifas ferroviárias são caras e não permitem que os ganhos de escala e de eficiência experimentados neste perÃodo possam ser repassados, pelo menos em parte, para as tarifas pagas pelos usuários, o que beneficiaria a sociedade como um todo ao comprar produtos a preços menores. No que toca à s caracterÃsticas fÃsicas, a ferrovia brasileira passa por problemas semelhantes à s rodovias. O abandono do investimento em construção e manutenção por décadas condenou a ferrovia brasileira deste começo de século à obsolescência: são problemas de geometria, passagens de nÃvel, travessias, travessias urbanas, manutenção e gestão de faixa de domÃnio. Este conjunto restringe a velocidade média operacional da ferrovia brasileira a meros 25 km/h (CNT, 2011)! Nas principais zonas conurbadas há problemas de conflito entre o fluxo dos trens de carga com os trens urbanos e suburbanos de passageiros, a exemplo do que ocorre na Grande São Paulo, onde há muito tempo se pensa em construir um Ferroanel, nos mesmos moldes dos contornos em outras zonas urbanizadas. Desde meados da década passada houve a retomada da construção de novos trechos, destacando-se um primeiro trecho da Ferronorte, a continuidade da Ferrovia Norte-Sul, que vinha se arrastando desde os anos 1980 e, mais recentemente, a construção da Ferrovia Oeste-Leste, da Transnordestina e da Ferrovia de Integração Centro-Oeste, totalizando aproximadamente quatro mil 137 quilômetros em obras do total de cerca de 10 mil quilômetros planejados (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 2012). Estes novos trechos contemplam principalmente o acesso a áreas de alta produção agrÃcola e mineral e o acesso aos novos portos. Porém, nenhum desses novos projetos contempla um projeto de organização territorial ao seu redor, nos moldes do que foi a colonização do Oeste americano ou, mesmo no Brasil, do Norte Paranaense, cuja base foi a venda de lotes urbanos e pequenas propriedades rurais ao longo do eixo ferroviário. A novidade para estes novos trechos está na previsão do modelo open acces, no qual a operação dos serviços e a manutenção da infraestrutura ficariam a cargo de entidades diferentes, provendo a possibilidade de entrada de transportadores independentes e, assim, maior oferta de serviço, maior concorrência e maior atratividade para a carga geral. Para os trechos já concedidos, estuda-se negociar com as atuais concessionárias e prorrogar o prazo das concessões, mediante facilitação do direito de passagem. Para além do transporte suburbano, há hoje apenas dois serviços de transporte ferroviário de passageiros em todo o paÃs: um entre Parauapebas e São LuÃs, e outro entre Belo Horizonte e Vitória. A grande novidade do setor seria a retomada do transporte de passageiros de longo curso nessas novas linhas. Além delas, encontra-se em fase de estudos a construção de uma linha de alta velocidade ligando as zonas metropolitanas do Rio de Janeiro, Vale do ParaÃba, São Paulo e Campinas: a região mais adensada do paÃs. Além dela, o planejamento nacional prevê mais três linhas partindo do hub principal da rede, Campinas, em direção a Belo Horizonte, Curitiba e Uberlândia. Caso executadas, serão os primeiros eixos estruturantes de uma rede que deverá conter outros eixos principais, secundários e ligações regionais, diminuindo a pressão sobre os sistemas rodoviário e aéreo. 138 3.3.3 Transporte Aquaviário Em termos de transporte aquaviário – ou hidroviário – o Brasil aproveita muito pouco do potencial que possui: milhares de quilômetros de rios e lagos navegáveis, além de seu vasto litoral, nas proximidades do qual se concentram o grosso de sua população e da produção de bens. Atualmente, a hidrovia responde por cerca de 4% do transporte de cargas no paÃs (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 2007); transporta-se na ordem de 1,4 milhões de toneladas nas vias navegáveis interiores; o transporte de cabotagem responde por 133 milhões de toneladas e o transporte marÃtimo de longo curso 515 milhões de toneladas (ANTAQ, 2011). Nota-se uma grande predominância do transporte marÃtimo de longo curso relacionado diretamente ao comércio exterior. Porém, em relação à cabotagem e ao transporte nas vias navegáveis interiores, explora-se muito pouco as possibilidades: a cabotagem poderia ligar as zonas produtoras e consumidoras do litoral e algumas ações poderiam fomentar um melhor uso das vias navegáveis interiores. No interior, algumas vias navegáveis apresentam corredeiras, trechos assoreados e quedas d’água, notadamente em trechos de planalto. A construção de barragens para aproveitamento do potencial hidrelétrico, que poderia ter um efeito positivo para a navegação, por meio da superação de quedas d’água e corredeiras, acaba por impor-se como barreiras, tendo em vista que as barragens são construÃdas, quase sempre, sem eclusas que permitam sua transposição. Outro ponto é a inexistência de canais interligando bacias, permitindo que as vias navegáveis sejam mais atraentes à s movimentações que demandem as zonas mais ocupadas do território. 139 Figura 3.25: Mapa Hidroviário e principais portos, 2012. 140 Os portos brasileiros possuem, em geral, instalações precárias e incapazes de atender à demanda por movimentação de mercadorias. Isso explica, embora apenas parcialmente, a pequena participação do transporte aquaviário na matriz nacional de transportes, além de impossibilitar os portos brasileiros de fazer frente aos grandes portos internacionais. A movimentação de cargas se concentra nos portos da porção mais meridional do paÃs, como Santos, Paranaguá, Itajaà e Rio de Janeiro, por exemplo. Boa parte deles está sobrecarregada e, paradoxalmente, não são os produtos de alto valor agregado que promovem este congestionamento, mas commodities, como a soja, lotam de caminhões os portos de Paranaguá e Santos no perÃodo da safra. Enquanto isto, portos equidistantes na porção setentrional do paÃs permanecem com capacidade ociosa, devido à simples falta de acesso adequado à s principais zonas produtoras, na porção central do Brasil. O acesso aos portos é bastante problemático, pois entre os mais antigos, a localização é cercada de áreas urbanas consolidadas e não existe clareza sobre as faixas de domÃnio das ferrovias e rodovias que ali desembocam. Em muitos casos, o acesso de trens e caminhões, além de conflitarem entre si, conflita com o meio urbano. O transporte de passageiros por via aquaviária é, em geral, pequeno, sendo expressivo apenas na região amazônica que, desprovida de outros meios de locomoção, tem no transporte fluvial seu principal meio de deslocamento para pessoas e mercadorias. Porém, as embarcações e estações de embarque não apresentam bons padrões de qualidade e não recebem fiscalização adequada, o que pode ser observado pelo elevado número de acidente (BASTOS, 2006). 141 Figura 3.26: Fila de caminhões aguardando para descarregar em Paranaguá. Fonte: Caminhões e Carretas, 2012. 3.3.4 Transporte Aéreo Apesar da pequena participação no volume de cargas transportadas, restrito basicamente ao movimento de cargas de maior valor agregado devido ao custo, o transporte aéreo é bastante significativo na movimentação de passageiros. Considerando a qualidade das rodovias brasileiras, a pouca confiabilidade dos serviços rodoviários e, ainda, a quase inexistência de serviços ferroviários de passageiros, é esperado que alguma alternativa surja para atender à s necessidades de deslocamento. 142 Em 2010, foram transportados 77 milhões de passageiros nos aeroportos brasileiros (ANAC, 2011), concentrados, principalmente em 58 aeroportos que transportam mais de 100 mil passageiros anualmente cada. Em se tratando do transporte aéreo de um modo de transporte “reativoâ€, ou seja, que surge para atender uma demanda pré-existente e não para fomentar, os aeroportos mais movimentados tenderão a se localizar nos centros urbanos mais populosos e ricos do paÃs. Em um primeiro pelotão, encontram-se os principais hubs nacionais: Guarulhos, Congonhas (São Paulo), BrasÃlia e Galeão (Rio de Janeiro), todos transportando mais de 10 milhões de passageiros anualmente. Em um segundo nÃvel, os demais aeroportos de importância nacional: Confins (Belo Horizonte), Santos Dumont (Rio de Janeiro), Viracopos (Campinas), Salvador, Porto Alegre, Recife e Fortaleza, transportando entre 5 e 10 milhões de passageiros anualmente. Aeroportos de importância regional destacada formam o terceiro grupo, que transporta entre 1,5 milhão e 3,2 milhões: Manaus, Belém, Vitória, Florianópolis, Goiânia, Natal, Cuiabá, São LuÃs, Maceió, Campo Grande e Foz do Iguaçu. O quarto estrato é composto por aeroportos de importância regional transportando entre meio milhão e 1,5 milhão, que incluem pouco mais de uma dúzia de aeroportos, como Uberlândia, Londrina e Ribeirão Preto. Os que transportam entre 100 mil e 500 mil, cerca de 20, possuem alcance regional pouco mais restrito; os demais possuem abrangência basicamente local. Apesar de não figurarem entre os aeroportos com mais de 100 mil passageiros, chama a atenção um volume expressivo movimentado nos pequenos aeroportos amazônicos. Assim como a peculiaridade do transporte hidroviário naquela região, a importância do transporte aéreo liga-se à ausência de uma rede densa de rodovias e ferrovias. O avião e o barco são os veÃculos que movem os amazônidas. 143 Figura 3.27: Mapa dos aeroportos que mais transportaram em 2011. 144 Nos últimos anos, tendo havido um crescimento expressivo da renda média do brasileiro, houve uma explosão na demanda por transporte aéreo, chegando a cerca de 10% ao ano entre 2003 e 2008 (BNDES, 2010). No entanto, a capacidade de resposta do Estado Brasileiro não tem conseguido acompanhar o crescimento da demanda, sendo notória a superlotação dos aeroportos, não apenas nas horas de pico e datas especiais, mas, agora, também em dias úteis. Problemas com a ocupação urbana indevida no entorno dos aeródromos dificultam obras de expansão. Este conjunto de problemas, aliado a outros relacionados ao controle de tráfego aéreo, instalaram o que a imprensa denominou caos aéreo. 3.4 As estruturas de planejamento em nÃvel federal Na seção 3.2, apresentamos as instituições responsáveis pela gestão da infraestrutura e dos serviços de transportes em nÃvel federal e, na seção seguinte, uma breve apresentação da configuração atual das redes de transporte no Brasil. Nesta seção, analisaremos as peças de planejamento que servem de base para que as instituições atuem na definição das redes e serviços, suas concepções e formas de atuação, principalmente no que tange à interação dessas redes com o ordenamento do território. 145 3.4.1 O Plano Nacional de Viação – PNV Até 2011, toda a organização dos sistemas de transportes de interesse nacional no Brasil era gerida pelo Plano Nacional de Viação. InstituÃdo pela lei n. 5.917, de 1973, ele se constituÃa em uma revisão do Plano Nacional de Viação anterior, de 1964, tendo em vista o rápido crescimento econômico que o paÃs vivia à quela altura e que não poderia ser suportado por esta versão. O PNV 1973 é essencialmente multimodal e continha a infraestrutura considerada essencial para a consecução dos objetivos nacionais, isso já deixado claro em seu texto: Art. 2º O objetivo essencial do Plano Nacional de Viação é permitir o estabelecimento da infra-estrutura de um sistema viário integrado, assim como as bases para planos globais de transporte que atendam, pelo menor custo, à s necessidades do PaÃs, sob o múltiplo aspecto econômico-social-polÃtico-militar. E levava em consideração, ainda, a articulação com outros planos, por meio da devida articulação interinstitucional: Art. 3º O Plano Nacional de Viação será implementado no contexto dos Planos Nacionais de Desenvolvimento e dos Orçamentos Plurianuais de Investimento, instituÃdos pelo Ato Complementar nº 43, de 29 de janeiro de 1969, modificado pelo Ato Complementar nº 76, de 21 de outubro 1969, e Lei Complementar nº 9, de 11 de dezembro de 1970 obedecidos, especialmente os princÃpios e normas fundamentais seguintes, aplicáveis a todo o Sistema Nacional de Viação, e inclusive à navegação marÃtima, hidroviária e aérea [...]. Dentre estes princÃpios, destacavam-se: a necessidade de estudos; a economicidade das escolhas; a multimodalidade; garantia da implantação de infraestruturas que, ainda que antieconômicos, fossem tidas como de 146 segurança nacional; necessidade de articulação dos planos estaduais e municipais com o plano federal. O plano trazia o conjunto de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroporto considerados essenciais para o desenvolvimento nacional. Para as rodovias, que totalizavam 111.944 km, o PNV considerava apenas as essenciais, e eram assim consideradas aquelas que satisfizessem ao menos uma das caracterÃsticas seguintes: Figura 3.28: CaracterÃsticas das rodovias constantes do PNV. Fonte: BRASIL, 1973. 147 Isto devido ao fato de ser um sistema capilar e de grande extensão, sendo necessária a divisão de responsabilidades com Estados e municÃpios. Para as ferrovias, as normas eram menos exigentes e todas elas estavam abarcadas pelo PNV, devendo apenas “a) ligar a Capital Federal a Capitais Estaduais ou a pontos importantes do litoral ou de fronteira terrestre; b) ligar entre si pólos econômicos, núcleos importantes, ferrovias e terminais de transporte.†(BRASIL, 1973). Para as ferrovias eram previstos 33.806 km. Além dos eixos de transportes terrestres, foram previstos 39.904 km de vias navegáveis, servidas por 101 portos e, ainda, 412 aeródromos. Adicionalmente, a lei tratava dos sistemas urbanos e metropolitanos, de responsabilidade dos Estados e MunicÃpios. Apesar de serem previstas revisões quinquenais do PNV, esta sistemática não foi adotada, sendo incluÃdos ou alterados trechos viários conforme a conveniência ou necessidade. O PNV serviu de guia para as ações em transporte desde 1973 até 2011, quando foi substituÃdo pelo Sistema Nacional de Viação (SNV) , instituÃdo pela Lei nº 12.379, de 6 de janeiro de 2011. 3.4.2 O Sistema Nacional de Viação – SNV O Sistema Nacional de Viação brasileiro, que substituiu o PNV, é composto pelos subsistemas rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroviário federais. Apesar da substituição, ele absorve as infraestruturas anteriormente previstas pelo SNV. Os objetivos do SNV incluem: I - assegurar a unidade nacional e a integração regional; II - garantir a malha viária estratégica necessária à segurança do território nacional; 148 III - promover a integração fÃsica com os sistemas viários dos paÃses limÃtrofes; IV - atender aos grandes fluxos de mercadorias em regime de eficiência, por meio de corredores estratégicos de exportação e abastecimento; V - prover meios e facilidades para o transporte de passageiros e cargas, em âmbito interestadual e internacional (BRASIL, 2011). Observa-se que, ao menos textualmente, a lei do SNV tem em seu bojo objetivos de natureza territorial, trazendo conceitos como “unidade nacionalâ€, “integração regionalâ€, “segurança do território nacional†e não apenas objetivos de fornecer meios para realização do deslocamento de pessoas e mercadorias no território. Destaca-se, dentre as rodovias, a Rede de Integração Nacional (RINTER) , que consiste no conjunto daquelas rodovias que possuam ao menos um dos seguintes requisitos: I - promover a integração regional, interestadual e internacional; II - ligar capitais de Estados entre si ou ao Distrito Federal; III - atender a fluxos de transporte de grande relevância econômica; e IV - prover ligações indispensáveis à segurança nacional (BRASIL, 2012). Para as demais infraestruturas, não se traz nenhuma grande diferenciação em relação ao que já era feito no PNV. Particularmente em relação à s rodovias, tanto o SNV quanto o PNV não fazem qualquer distinção entre padrões mÃnimos para sua geometria. Embora no SNV tenha destacado dentro do subsistema rodoviário uma rede (RINTER), não se atribui a esta rede caracterÃsticas geométricas que lhe permitam ser, de fato, essa rede estruturadora do território nacional. Os subsistemas do SNV são compostos por rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos geridos por entes federais, estaduais, municipais, podendo ser operados diretamente por órgãos ou empresas públicas ou, ainda, 149 mediante concessão por ente privado. Os anexos da referida Lei trazem os seguintes dados: 121.022,3 km de rodovias (dos quais 54.322,40 compõem a RINTER), 45.469 km de ferrovias, 56.594km de vias navegáveis, 48 portos marÃtimos, 216 portos fluviais e lacustres, 26 eclusas e 126 aeródromos. O veto presidencial aos anexos, que continham o detalhamento da infraestrutura que comporiam os subsistemas e a RINTER, baseado na ausência de algumas infraestruturas tidas como essenciais pela Presidência da República, fez com que houvesse a simples absorção do que já estava preconizado no PNV, ou seja, o SNV é mera sucessão do PNV sem, portanto, trazer nenhum avanço significativo para o planejamento de transportes em nÃvel federal. 3.4.3 O Plano Nacional de LogÃstica e Transportes – PNLT O PNLT foi desenvolvido ao longo do ano de 2006, tendo sido produto de uma parceria entre o Ministério dos Transportes e o Ministério da Defesa. Àquela altura, a Secretaria de Portos era ainda parte do Ministério dos Transportes e não existia a Secretaria de Aviação Civil, cujas funções atuais eram conduzidas pelo extinto Departamento de Aviação Civil, vinculado ao Ministério da Defesa. Ou seja, o PNLT é produto da ação dos dois órgãos máximos de decisão em transportes naquela época. O Plano foi lançado ao público em 2007, tendo por objetivo primeiro retomar a tradição de planejamento de transportes de longo prazo, que há muito não vinha sendo praticado, por meio da construção de bases georreferenciadas de dados necessários ao planejamento do setor: 150 A elaboração do PNLT pretende, assim, representar o marco inicial da retomada, em caráter permanente, das atividades destinadas a orientar o planejamento das ações públicas e privadas no setor dos transportes, com embasamento cientÃfico. O funcionamento desse sistema permitirá a atualização e divulgação periódica de estratégias e diretrizes que possam orientar as intervenções dos agentes públicos e privados envolvidos com o setor dos transportes. De imediato, o PNLT servirá de embasamento para as formulações do Plano Plurianual PPA 2008-2011, das primeiras indicações de investimentos para o PPA 2012-2015 e dos ensaios de organização dos PPAs seguintes até 2023, quando se atinge o horizonte dos estudos socioeconômicos elaborados para este Plano. Importa ressaltar ainda que o recente Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, lançado pelo Governo Federal em 22 de janeiro de 2007, está integrado ao PNLT no que diz respeito ao seu horizonte 2008-2011 (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 2007). O segundo objetivo trata da incorporação da análise de custos da cadeia logÃstica de produtos. Na avaliação de Arantes (2012), a apropriação do conceito de logÃstica pelo PNLT não é clara, parecendo pender a análise para aquela ligada à logÃstica empresarial, ou seja, aquela de interesse puramente do ente privado, ao invés de tratar da logÃstica estatal, ou seja, aquela que [...] se insere enquanto visão polÃtica e, sobretudo, base de planejamento que orienta o administrador legal (e legÃtimo) no ordenamento de seus recortes territoriais (municÃpios, unidades federativas e união). Sendo assim, a macrologÃstica programa as bases territoriais, regionais e espaciais dos fluxos de materiais entre os sistemas produtivos. Em contrapartida, ela não só se inscreve no sentido da eliminação das barreiras aos fluxos, mas também pode ser orientada para uma polÃtica de ordenamento territorial (ARANTES, 2012, p. 4). Isto por levar em conta que a redução de custos logÃsticos de determinadas zonas deprimidas pode, por exemplo, servir de catalisador para o desenvolvimento de ações que propiciem a produção e maior intercâmbio de produtos desta com outras zonas, fomentando seu desenvolvimento. Neste ponto, o PNLT peca por não levar em conta de modo mais aprofundado o tema. 151 O terceiro objetivo trata da mudança modal, em busca de uma matriz de transportes de cargas mais eficiente sob o ponto de vista do custo. A meta é que, no horizonte 2025, o transporte rodoviário perca importância, caindo de quase 60% das movimentações para 33%, com o respectivo ganho de importância de modos mais eficientes como o hidroviário e o ferroviário. Figura 3.29:Matriz de transportes de cargas em 2005 e 2025. Fonte: MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 2007. Como efeito marginal do terceiro objetivo, temos o quarto, que é a preservação ambiental. Com a adoção de modos mais eficientes e menos consumidores de energia, têm-se um ganho de eficiência energética, refletindo em um menor consumo de combustÃveis fósseis, a principal fonte de energia para o transporte no Brasil. Para além da eficiência energética, buscou-se parceria com estudo então em desenvolvimento pelo MPOG (Estudo da dimensão territorial para o planejamento), visando levar em conta questões de restrição de uso do solo e áreas de preservação. Quanto ao aspecto da eficiência energética, Marcelo Perrupato, Secretário Nacional de PolÃtica de Transportes, afirmou em entrevista: 152 [...] Em uma análise preliminar, as perspectivas apontam para que a carga transportada em 2025 seja o dobro daquela transportada em 2010. Se contemplarmos as mudanças previstas na matriz logÃstica brasileira do PNLT, mesmo dobrando a carga transportada, ou seja, um incremento na produção de transportes de 850,9 para 1.510,4 bilhões tku (tonelada kilômetro [sic] útil) teremos como benefÃcios resultantes da mudança da Matriz de Transportes para 2025: 38% de aumento da eficiência energética; 41% de redução de consumo de combustÃvel; 32% de redução de emissão de CO2 (dióxido de carbono ou gás carbônico); e 39% de redução de emissão de NOx (óxido nitroso). O quinto e último objetivo constituiu aquele com maior ligação com a questão territorial, que incluÃa o enquadramento de projetos estruturantes, enquadrados em quatro categorias: ï‚§ Aumento de eficiência produtiva em áreas consolidadas: a maioria dos projetos aqui enquadrados liga-se à superação de gargalos que impedem esse aumento de eficiência em zonas de elevada densidade populacional e econômica, incluindo ampliações de capacidade rodoviária, contornos urbanos e passagens de nÃvel ferroviários; ï‚§ Indução ao desenvolvimento de áreas de expansão de fronteira agrÃcola e mineral: os projetos aqui enquadrados pretendem atender à crescente demanda por transportes nas zonas de expansão agrÃcola, majoritariamente no Centro-Oeste brasileiro e zonas de produção mineral, por meio de construção e pavimentação de rodovias e implantação de ferrovias; ï‚§ Redução de desigualdades regionais em áreas deprimidas: são projetos em regiões com indicadores socioeconômicos abaixo da média nacional, que incluem melhoramentos em portos e vias, visando fornecer a base para que potenciais empreendimentos possam se instalar; 153 ï‚§ Integração regional sul-americana: projetos em zonas de fronteira e em corredores pré-definidos que propiciem melhor acesso e intercâmbio com os paÃses vizinhos. Esse conjunto de objetivos subsidiam as bases conceituais do PNLT, quais sejam: ï‚§ Caráter indicativo; ï‚§ Plano nacional e federativo, não meramente federal; ï‚§ Plano de Estado, não de governo; ï‚§ Plano multimodal, envolvendo a cadeia logÃstica e seus custos; ï‚§ Processo de planejamento permanente, participativo, integrado e interinstitucional; ï‚§ Plano fortemente apoiado em conceitos de territorialidade, segurança nacional, desenvolvimento sustentável, justiça social, preservação ambiental, evolução tecnológica e racionalização energética. A metodologia da elaboração do plano contempla uma regionalização em “vetores logÃsticos†que, conforme definição do documento, consiste em agrupamentos de microrregiões geográficas com base em impedâncias ambientais, similaridade socioeconômica, perspectivas de inter-relacionamento e, por fim, linhas isocustos para transporte até os principais portos concentradores do paÃs. O que aparenta é que essa espacialização não tem grande relevância na condução dos estudos, mas apenas para apresentar o portfólio de projetos segmentados por região. Foi construÃda, inicialmente, uma base georreferenciada contendo as informações das redes de transporte e das microrregiões (zonas de tráfego) que serviriam de base para as simulações. Em geral, foram adotadas as 154 microrregiões geográficas do IBGE como zonas de tráfego, à exceção de algumas no Norte do paÃs, onde se adotaram municÃpios ou aglomerações de municÃpios menores que microrregiões, devido à extensão territorial dos municÃpios naquela região. Figura 3.30: Vetores logÃsticos do PNLT. MT, 2012. Com base no zoneamento e na rede, foram feitas projeções da oferta atual de transportes – sobretudo com fundamento em modelos econométricos, quando se adotou o modelo de quatro etapas para as simulações atuais. Foram feitas projeções da demanda futura de transportes, com base em um rol de produtos 155 considerados essenciais, e daÃ, feitas as simulações do comportamento da rede de transportes com a demanda futura. Figura 3.31: Etapas de simulação: Caracterização atual, projeções futuras e avaliação de alternativas. Fonte: MT, 2007. Com base na matriz origem-destino futura desse rol de produtos, foram feitas simulações com alternativas para a rede futura. Vale destacar que as opções de rede futura foram construÃdas levando-se em conta as contribuições recebidas em reuniões públicas, realizadas em todo o paÃs no ano anterior (2006). Tais reuniões contaram com a participação de órgãos da administração pública dos Estados e com outros interessados da sociedade civil – por isso, o documento faz alusão a ser um plano “democrático†e “participativoâ€. Considerando o cenário macroeconômico do Brasil em 2023, o ano-horizonte do plano, as alternativas, o nÃvel de serviço alcançado, as questões ambientais ligadas ao traçado e os custos de implantação, se deliberou o portfólio de obras, que é a essência do plano. O Plano previu ainda revisões periódicas, visando adaptar o portfólio à s mudanças estruturais normais de se acontecerem e, eventualmente, não 156 previstas pelo plano. Sendo um processo, é de se esperar que o planejamento leve isto em conta. A revisão do PNLT teve inÃcio em 2010 e contou com reuniões públicas nos mesmos moldes do plano original. Havia a previsão de que fosse lançado a público em 2011, mas, até o momento, não o foi. Há de se levar em conta que as obras previstas pelo PNLT tem, em alguma medida, sido executadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento, do Governo Federal que, com algum sucesso, tem conseguido executar as obras no prazo previsto. Porém, os investimentos são muito aquém do necessário para consecução do PNLT como um todo. Em se tratando de um documento sem força de lei e com aplicação restrita ao Ministério dos Transportes, sua influência sobre a área portuária e de aviação civil é restrita. Outro ponto é o fato de o plano ser federativo, ou seja, inclui obras que deveriam ser conduzidas pelos Estados e aqui, novamente, percebe-se o peso de este plano não ter força de lei. Outro ponto é que os investimentos governamentais seguem concentrados em rodovias e, dificilmente, proporcionarão a mudança modal esperada. Simulações contidas na versão preliminar do PSTM – Plano Setorial de Mitigação e Adaptação à Mudança Climática – Transportes e Mobilidade Urbana – que tem como base a atualização do PNLT para 2011 (não disponÃvel ao público) mostra que a mudança modal prevista originalmente no PNLT de 2007 está longe de ser realidade, ainda que realizados todos os investimentos previstos no portfólio, conforme Figura 3.32. 157 Figura 3.32: Repartição modal ao longo dos anos com obras previstas no PNLT. Fonte: MT; MCidades, 2012. Considerando a pouca efetividade em cumprir seu principal objetivo, que seria a mudança modal, bem como seu modelo de construção que, ao que parece, simplesmente busca atender basicamente aos anseios do mercado. Ao contrário do pretenso viés territorial, o PNLT pouco altera a dinâmica territorial, mas apenas fornece elementos de superação de gargalos em zonas já adensadas e opções de transporte em zonas onde já florescem atividades de exploração mineral e o agronegócio. Ou seja: em nada reorganiza o território, mas apenas reforça os padrões vigentes hoje. 3.4.4 O Plano de Investimentos em LogÃstica – PIL Houve, em fins de 2012, o anúncio do Plano de Investimentos em LogÃsticas pelo Governo Federal. O plano não aparece consolidado em algum documento 158 público, mas em três apresentações disponÃveis nos sÃtios eletrônicos do Ministério dos Transportes, da EPL e das agências reguladoras vinculadas. Cada uma das tais apresentações contêm um portfólio de investimentos em rodovias e ferrovias, portos e aeroportos. Segundo a descrição no sÃtio eletrônico da EPL, O programa foi construÃdo com base em três metas: a disponibilização de uma ampla e moderna rede de infraestrutura; a obtenção de uma cadeia logÃstica eficiente e competitiva; e a modicidade tarifária. A meta é aumentar a integração entre rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos. Tendo por base a ampliação e a modernização da infraestrutura para promover melhoria na cadeia logÃstica e modicidade tarifária, o plano traz alguns pontos interessantes para cada modo de transporte. Para as rodovias, prevê-se a concessão de 7.500 km de vias, dos quais aproximadamente 5.000 que as obras de maior monta, notadamente as duplicações, sejam feitas nos primeiros cinco anos de concessão, representando cerca de 42 bilhões de reais em investimentos. 159 Figura 3.33:Investimentos do PIL em rodovias, Brasil, 2012. Em relação à s ferrovias, a meta inclui a ampliação da rede ferroviária, ampliações de capacidade e, principalmente, a mudança no modelo de exploração da ferrovia, separando a gestão da infraestrutura da operação dos serviços de transporte nos trechos novos. Para este modo são previstos 91 bilhões de reais em 10 mil quilômetros de ferrovias a serem construÃdas ou modernizadas. No que se refere à mudança do modelo de exploração, nos novos trechos, a empresa vencedora do trâmite licitatório constrói a ferrovia e mantém a ferrovia; a VALEC, que até então coordenava a construção de ferrovias, passa a comprar a capacidade de frete da empresa contratada para manutenção e construção, ofertando, em seguida, a capacidade no mercado, visando o atendimento a um público mais amplo do que aquele que é atendido hoje. 160 Figura 3.34: Investimentos do PIL em ferrovias. Brasil, 2012. No tomo referente aos aeroportos, estão previstos investimentos de R$ 7,3 bilhões em 270 aeroportos, além da concessão de mais dois grandes aeroportos – Confins, que atende a Região Metropolitana de Belo Horizonte, e Galeão, no Rio de Janeiro. Quanto aos 270 aeroportos que receberão investimentos, o objetivo principal é adequar a capacidade dos sÃtios aeroportuários e das infraestruturas de passageiros à s necessidades atuais e ao aumento da demanda derivado aos estÃmulos pretendidos à aviação regional, haja vista a forte dependência desse tipo de aviação nas zonas mais isoladas e, ainda, a ausência de ligações aéreas em pólos regionais importantes e centros turÃsticos relevantes em todo o território nacional. 161 Figura 3.35: Investimentos do PIL em Aeroportos – Brasil, 2012. Prevê-se a padronização de caracterÃsticas mÃnimas para os aeroportos regionais: pequenos, médios e médios-grandes, a serem administrados por meio de concessão administrativa – prevê-se a criação da Infraero Serviços, responsável por apoiar os atuais administradores dos aeroportos em sua gestão. Como estÃmulo à aviação regional, prevê-se a isenção das tarifas aeroportuárias em terminais que movimentem menos de um milhão de passageiros ao ano, bem como subsÃdios a linhas aéreas, conectando pequenas e médias cidades aos centros principais. Finalmente, em relação aos portos, os objetivos são acabar com as barreiras de entrada nos portos, estimular a participação do setor privado, modernizar a infraestrutura e a gestão portuária e, com isso, aumentar a movimentação de cargas por meio da redução de custos. O primeiro ponto do plano de ação é a reorganização institucional e resgate da capacidade de planejamento. O principal aspecto desse ponto é a unificação das autoridades fazendária, policial, sanitária, marÃtima e de saúde sob uma 162 única coordenação. O segundo ponto é o aperfeiçoamento do marco regulatório, visando ampliar o nÃvel de competição no setor e, o terceiro, o conjunto de investimentos por meio de concessões, arrendamentos e construção de acessos aos portos, totalizando 54 bilhões de reais aplicados em portos e 6,4 bilhões em acessos. O plano é recente e a ausência de um documento de caráter mais técnico e menos de publicidade prejudica sua análise. Pode-se dizer que é um plano ambicioso em volumes de investimento e quanto ao resgate de patamares minimamente decentes de infraestrutura nacional, mas dá poucos indÃcios de que é um plano de investimento pensado no longo prazo e na organização do território. 3.5 Atuação especÃfica em dois casos 3.5.1 O contorno e a travessia urbana de Uberlândia Uberlândia está situada em um importante entroncamento rodoviário, estando ligada a municÃpios vizinhos e a zonas distantes por eixos que partem em sete diferentes direções (BR-365 leste e oeste; BR-050 norte e sul; BR-497; BR-455 e BR-452). Destes, o principal eixo é aquele composto pelo trecho sul da BR- 050 – em direção a São Paulo e ao Porto de Santos – e o trecho norte da BR- 050, em direção a BrasÃlia e Araguari, e o trecho oeste da BR-365, fazendo a ligação com Goiânia e com o Sudoeste Goiano. Haja vista a carência de dados mais atuais, tendo em vista a suspensão da contagem de tráfego nas rodovias ainda em 2001, os únicos dados disponÃveis sobre o movimento de veÃculos nestes trechos são aqueles apontados na Pesquisa Origem-Destino realizada pela Faculdade de Engenharia Civil da 163 Universidade Federal de Uberlândia, em 2002. Embora não haja dados do movimento nos trechos urbanos, há os dados de movimento na linha de contorno, ou seja, aqueles veÃculos que adentram ou saem da zona delimitada para a pesquisa, ou seja, a zona urbana de Uberlândia (Quadro 3.4). Quadro 3.4 – Movimento de veÃculos nas rodovias que passam por Uberlândia, 2002 Fonte: adaptado de FECIV/ UFU 2002. Chama atenção a elevada participação de caminhões, da ordem de 43% do volume de tráfego. Número bastante coerente com a vocação da cidade como centro distribuidor de mercadorias: Estes números referem-se somente aos veÃculos que passam pelas rodovias, seja chegando ou saindo de Uberlândia, seja apenas passando pela cidade com outros destinos, não considerando os tráfegos de natureza intra-urbana, sobre os quais não existem dados ou estimativas por parte dos órgãos competentes (SILVA JÚNIOR, 2003, p. 19). Embora este relevante entroncamento viário garanta vantagens logÃsticas e locacionais a Uberlândia e a suas empresas, o fato de os principais eixos viários se cruzarem na zona urbana gera uma série de problemas associados à presença de rodovias estruturais em meio urbano, conforme destacamos em seções anteriores. Silva Junior (2003) avaliou este problema em duas 164 ocasiões, uma, em 2003, caracterizando o espaço lindeiro, e outra em 2006, avaliando os impactos na percepção dos pedestres. Nos dois casos foi analisado um trecho urbano da BR-050 na cidade de Uberlândia. Na intenção de sanar algumas dúvidas, buscamos a Unidade Local do DNIT em Uberlândia e o atendimento foi feito por um técnico de estradas que, aqui, optamos por não apresentar o nome. Em relação ao movimento no trecho urbano, ele informou que, na BR-050, enquanto houve contagem automática de tráfego (até 2001), o volume diário de tráfego variava de 12 mil a 26 mil veÃculos por dia, conforme o ponto de medição. Volumes maiores, portanto, que os 7-9 mil que nos trechos extraurbanos o que leva a se concluir que há tráfego urbano se utilizando das rodovias para os deslocamentos intraurbanos, confirmando a afirmação de Villaça (2001, p. 82): O sistema interurbano de transporte, quando apresenta a possibilidade de oferecer transporte urbano de passageiros, atrai ocupação urbana nos pontos acessÃveis ou potencialmente acessÃveis, visto que altera o valor de uso da terra, gerando uma oferta de novas localizações que são ocupadas pelo excedente da população e atividades geradas a partir da cidade central em expansão. Até por volta de 2007, a quase totalidade dos trechos urbanos de rodovias em Uberlândia corria em pista simples, até mesmo aqueles que, em 2001, apresentavam volumes diários de cerca de 26 mil veÃculos por dia. Duas soluções diferentes se apresentavam como solução para o problema: a primeira proposta pelo governo federal por meio do DNIT previa, desde o fim da década de 1990, a duplicação dos trechos urbanos do eixo principal e separação total dos tráfegos urbanos e rodoviário; a segunda, da Prefeitura Municipal, previa a construção de contorno viário e municipalização dos trechos urbanos das rodovias. 165 Figura 3.36: Fotografia da BR-050 – travessia urbana antes das intervenções. Autor: Silvio Barbosa da Silva Junior, 2003. Figura 3.37: Fotografia da BR-050 – travessia urbana antes das intervenções. Autor: Silvio Barbosa Silva Junior, 2003. 166 Figura 3.38: Fotografia da BR-050 – travessia urbana antes das intervenções. Autor: Silvio Barbosa Silva Junior, 2003. A proposta do DNIT, ao prever a separação dos tráfegos urbano e rodoviário ao longo do trecho, incluÃa a construção de trincheiras e viadutos, reforçando a caracterÃstica de barreira visual com cortes e aterros. Outro problema é a expansão limitada da rodovia: a faixa de domÃnio estreita permitiria tão somente a adição de uma faixa o que, a médio/longo prazo, inviabilizaria uma nova expansão. Outro ponto relevante é que a construção de viadutos e trincheiras não garante a separação total dos tráfegos, tendo em vista que a disposição dos eixos favorece sua utilização como via urbana. Já a proposta da Prefeitura Municipal, prevista em seu Plano Diretor de 2006, herdada do Plano Diretor de 1994 e de ideias anteriores, previa um contorno ao norte da mancha urbana, parte aproveitando trechos já existentes, fazendo a ligação das BR-050 sul, norte, BR-365 leste com o trecho então existente do contorno a oeste da mancha urbana, concluindo a ligação com as BR-365 167 oeste e BR-497. Esta proposta tinha o empecilho de não estar previsto no Plano Nacional de Viação, vigente à quela altura; e, além disso, representaria um acréscimo de distância a ser percorrido para quem fizesse os principais deslocamentos (eixos São Paulo-BrasÃlia e São Paulo-Goiânia): Apesar de já existirem as diretrizes de construção dos trechos Norte (em projeto) e Sul (em execução) do Anel Viário de Uberlândia, existe também a proposta de duplicação das rodovias BR-050 e BR-365 na área urbana de Uberlândia. Percebe-se neste caso outra contradição: se já existe o projeto de contorno rodoviário para a cidade, inclusive com trecho já concluÃdo, por que duplicar o trecho pelo qual pretende-se justamente evitar o tráfego rodoviário? (SILVA JÚNIOR, 2003, p.56). Ainda em 2007, o cenário, além dos trechos urbanos em pista simples cruzando a zona urbana, ainda contemplava a recente duplicação da BR-050 entre Uberlândia e a divisa com o Estado de São Paulo, finalizada na primeira metade da década, o trecho oeste do anel viário, construÃdo pelo governo estadual de Minas Gerais na década de 1990, e o trecho sul do anel viário, deixado incompleto pelo mesmo governo estadual, e com obras abandonadas desde 1996. Havia ainda, aguardando licitação, os projetos de duplicação do restante do eixo principal: BR-365, em direção ao oeste, completando a ligação em pista dupla com Goiânia, e BR-050, ao norte, fazendo a ligação com Araguari e os limites de Minas Gerais com Goiás. Porém, quando já não havia qualquer expectativa de se deliberar um consenso e de se optar por uma solução, os dois projetos foram contemplados: tanto a duplicação da travessia urbana, prevista desde a década anterior, quanto a construção do contorno, que fora incluÃda no planejamento nacional na ocasião do PNLT. Ambas as obras foram viabilizadas com recursos do PAC, que passou a ser o programa de gerenciamento de obras federais após 2007. A duplicação da travessia urbana se inicia no ponto onde fora concluÃda a duplicação da BR-050 sul. Aqui vale um parêntese, pois esta duplicação deixou um viaduto em pista simples na área urbana de Uberlândia (Avenida 168 Segismundo Pereira) que, até hoje, causa diversos acidentes e exige uma redução drástica de velocidade. Segundo o entrevistado do DNIT, a equipe do escritório regional de BH, na ocasião da elaboração do projeto, julgou desnecessário, já que o contorno norte de Uberlândia, cedo ou tarde, seria concluÃdo. Do ponto inicial, a travessia percorre o trecho coincidente entre as BR-050, 365 e 452, contemplando um complexo de viadutos, trincheiras, passagens superiores e inferiores, com pistas separadas por barreiras New Jersey, seguindo, depois, pelo trecho oeste da BR-365. Foi parcialmente concluÃda em 2009, tendo algumas obras de arte remanescentes por serem ainda feitas. Outro trecho foi concluÃdo em 2012, no âmbito da duplicação do trecho norte da BR-050. Figura 3.39: Fotografia da BR-050 – travessia urbana de Uberlândia. Autor: Silvio Barbosa Silva Junior, 2003. 169 Figura 3.40: Mapa de Rodovias em Uberlândia, contorno e travessia urbana. 170 Já o contorno norte foi concluÃdo em 2010. Foi realizada a duplicação de um trecho da BR-365 leste e, a partir dali, foi construÃdo um trecho em pista dupla contornando ao norte a mancha urbana do municÃpio, através de terras desapropriadas pelo municÃpio como contrapartida para a obra. Figura 3.41: Fotografia do Contorno Norte de Uberlândia. Autor: COUTINHO, Valter; 2011. Acreditava-se que, com a abertura do contorno norte, finalmente o trecho urbano estaria livre do tráfego de passagem. Porém, o que ocorreu não foi isso. O tráfego pesado seguiu usando o trecho urbano e o contorno norte, em pista dupla de excelente padrão e permitindo velocidades superiores à travessia urbana (100 km/h do contorno contra 80 km/h do trecho urbano) ficou subutilizado. 171 Figura 3.42: Sinalização do Contorno Norte de Uberlândia. Autor: COUTINHO, Valter, 2011. Por que isso teria acontecido, contrariando as expectativas do DNIT e da prefeitura? Para os principais fluxos, houve aumento significativo de distância: para atravessar Uberlândia trafegando-se entre BrasÃlia e São Paulo, percorrem-se 18,5 km pelo contorno, contra 11,5 km na travessia urbana (medidos entre o trevo da João Naves e o trevo norte, saÃda para Araguari); cruzar Uberlândia no eixo São Paulo – Goiânia, percorrem-se 30 km no contorno contra 16,8 da travessia urbana (medidos entre o trevo da João Naves e a saÃda oeste). Outro fato que contribuiu foi a posição do distrito industrial da cidade, bem como a localização de empresas ao longo dos eixos: embora o tráfego de passagem fosse importante, boa parte dele tem como destino a própria cidade, mais especificamente as empresas localizadas à s margens da travessia urbana e no distrito industrial. Em 2002, dos veÃculos de carga, apenas 19,2 % do fluxo era de passagem (FECIV, 2002), ou seja, 80,8% tinham como origem ou destino a própria cidade. 172 Em 2003, muito antes da construção do contorno, já se previa: O trecho Norte, em projeto, que interligaria a BR-365/LESTE à BR-050/NORTE, seria a via que articularia os fluxos do eixo São Paulo – BrasÃlia. O trecho, em decorrência do aumento do percurso, pode ser subutilizado, caso não se ofereçam vantagens como a possibilidade de maiores velocidades e a construção dos devidos indutores de tráfego que direcionem o tráfego rodoviário para a nova via (SILVA JÚNIOR, 2003, p. 63). O DNIT tomou como atitude sinalizar os acessos ao novo contorno, vislumbrando que, com a sinalização, os veÃculos de carga seguissem pelo contorno, porém com pouco efeito. Figura 3.43: Sinalização indicando acesso ao contorno de Uberlândia para veÃculos de cargas. Autor: Silvio Barbosa Silva Junior, 2012. 173 Conforme avaliei em 2003, o traçado é inadequado e aumenta a distância percorrida muito acima do razoável e, por fim, não há uma legibilidade do caminho, que identifique o contorno como o caminho natural: todos os viadutos e acessos têm como caminho natural a travessia urbana e, deste modo, por mais que haja uma sinalização – aliás, precária – o fluxo tende a seguir o caminho mais natural. Ainda em relação à entrevista com o técnico do DNIT, o fato de o contorno ser subutilizado se deve a um único fator: “os caminhoneiros desobedecem à sinalização†e ignoram o fato de os acessos favorecerem a continuidade dos trajetos pela via urbana e não pelo contorno: “viaduto básico é aquilo mesmoâ€, ignorando a existência de obras de arte que induzem à mudança de direção. Figura 3.44: Acesso no extremo norte do Contorno viário. Notem-se as conversões necessárias para que o fluxo do eixo principal (BrasÃlia – São Paulo) permaneça no eixo. 174 Figura 3.45: trevo de conexão entre o contorno norte e a BR-365 leste. Fluxo principal (São Paulo – BrasÃlia) deixando o ‘caminho natural’ para seguir no eixo. Figura 3.46: Acesso sul ao contorno e os “malabarismos†para se permanecer no eixo. 175 Figura 3.47: Exemplo de viaduto com faixas direcionais, no cruzamento entre as rodovias Anhanguera e Bandeirantes, nas proximidades de Cordeirópolis, SP. Fonte: Imagem do Google Earth, 2005. A conclusão a que se chega é que a adoção de contornos viários como solução generalizada para os problemas advindos dos conflitos entre cidade e rodovia está longe de ser a melhor. A solução passa por uma articulação adequada entre gestão urbana e gestão da rodovia. A solução desse tipo de questão fica muito simplificada, resumindo-se a questões como “a cidade atrapalha a rodovia†ou “precisamos retirar a rodovia da cidade a qualquer custoâ€. Poder-se-ia adotar, neste caso, uma solução na qual a rodovia poderia seguir pelos caminhos pelos quais já passava, com um tratamento mais adequado ao meio urbano, ou um contorno menos distante da cidade, mas com restrições de ocupação do seu entorno, optando-se por uma geometria e acessos que não representassem conflito com o meio urbano. 176 Figura 3.48: Cruzamento entre o Rodoanel Mário Covas e a Rodovia Régis Bittencourt na Grande São Paulo – exemplo de solução sofisticada em cruzamento. Fonte: Imagem do Google Earth, 2012. O caso de Uberlândia mostra a total falta de uma inteligência territorial que vá além da simplificação em frases simples e que, de fato, compreenda os problemas de transportes, e dos seus conflitos com o meio urbano, como problemas territoriais e de gestão e cuja solução passa pela gestão territorial e pela adoção de parâmetros territoriais no desenho das infraestruturas. 177 3.5.2 REBIO União x Ministério dos Transportes Em 2010 o Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio) iniciou estudos no sentido de analisar a viabilidade de expansão da área da Reserva Biológica União (REBIO União), uma reserva biológica localizada no Estado do Rio de Janeiro, com vegetação predominante de Mata Atlântica criada, fundamentalmente, para proteger uma espécie ameaçada de extinção: o mico-leão-dourado. A REBIO União foi criada em 1998, por um Decreto sem número de 22 de abril daquele ano, a partir da Fazenda União, então de propriedade da Rede Ferroviária Federal e que continha, em parte de seu terreno, plantações de eucalipto que visavam, originalmente, fornecer carvão para as locomotivas e, mais adiante, madeira para a confecção de dormentes. No inÃcio de 2011, o ICMBio começou uma série de consultas junto a atores envolvidos, que incluÃam órgãos da administração pública federal que, porventura, pudessem ter interesse no caso, dentre eles a ANTT e o Ministério dos Transportes e logo se avaliou que haveria algum conflito. O texto do Decreto de 22 de abril de 1998 relata que estão excluÃdos da poligonal da REBIO a BR-101, a estrada de ferro, suas respectivas faixas de domÃnio, a subestação de energia, as linhas de alta tensão, os pátio ferroviário e o oleoduto que por ali passam, porém afirma em seu parágrafo segundo: As empresas e órgãos responsáveis pelas vias de circulação, edificações e instalações mencionadas no parágrafo anterior, suas concessionárias e prestadoras de serviço, deverão desenvolver suas atividades em estrita observância à legislação ambiental e à s normas especÃficas, a serem estabelecidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, não podendo expandir as suas atividades nos trechos que interferirem diretamente com a Reserva Biológica União. [grifo nosso]. 178 É curioso que, quando da elaboração do referido decreto, os responsáveis não tenham se atentado para a importância de se consultar o Ministério dos Transportes quanto à importância das vias ali localizadas e de sua futura necessidade de expansão. Se por um lado não havia, naquele momento (e não há hoje), uma agenda de ordenamento territorial destacando o papel das redes de transportes e a importância das unidades de conservação, deveria haver, minimamente, uma noção de que a BR-101 e o trecho ferroviário ali contido são de relevância nacional e que deveriam ter sido pensados naquele momento. Mais curioso ainda é que a proibição de ampliação só tenha sido notada quando os órgãos de transporte anteriormente referidos foram demandados pelo ICMBio. De 1998 até então, a ANTT conduziu um processo que delegou a gestão da BR-101 a um ente privado e, dentre as obrigações do concessionário, a duplicação da pista no trecho que intercepta a REBIO e, ainda, em um trecho onde se pretendia, à quela altura, a ampliação da REBIO. Note-se que a ANTT desconhecia o dispositivo legal do Decreto supracitado que impedia a ampliação da rodovia naquele trecho. Não impedia diretamente, mas impediria no caso de a ampliação da rodovia demandar áreas externas à faixa de domÃnio – o que era o caso. Paradoxalmente, os contratos de concessão preveem que se deve cumprir, estritamente, a legislação ambiental, chocando com a necessidade de ampliação da rodovia, nos termos estabelecidos pelo mesmo contrato. Analisado o caso, partiu-se para as negociações envolvendo a ANTT, o Ministério dos Transportes e o ICMBio. A decisão a que chegou foi a de permitir a duplicação da pista, mas com um projeto que não extrapolasse a faixa de domÃnio original da rodovia, ainda que os cortes e aterros necessários provocassem um impacto visual maior do que uma possÃvel invasão de trechos da REBIO. 179 Aqui se nota a falta que faz uma agenda territorial, maior que as polÃticas setoriais. Enquanto os planejadores de transporte veem a questão ambiental como algo que se restringe a atrapalhar o desenvolvimento, os ambientalistas entendem o transporte como algo para destruir, ignorando aspectos como o provimento de serviços e infraestruturas de transportes à população e estruturação territorial (Figura 3.49). 3.6 Considerações gerais – um quadro-resumo dos principais problemas em transportes e território na atualidade Analisando as caracterÃsticas básicas das redes e serviços de transportes no Brasil, das peças fundamentais de planejamento do setor, bem como alguns exemplos da atuação direta dos órgãos, torna-se possÃvel traçar um quadro- resumo das principais questões e problemas do setor, analisados, fundamentalmente, sob a ótica da relação entre transportes, território e seu ordenamento. Dedica-se esta parte do texto a uma categorização dos problemas, por vislumbrar que, apesar dos avanços recentes, a administração pública ainda tem grandes dificuldades em lidar com os problemas da sociedade: Na atualidade, a administração pública é composta por um conjunto de órgãos encarregados especificamente de tarefas de interesse geral que a iniciativa privada não pode ou não considera vantajoso realiza: no primeiro caso por impossibilidade de meios, como a defesa nacional, e no segundo pela falta de perspectiva de lucro (CASTRO, 2010, p. 126-127). 180 Figura 3.49: REBIO União, limites e BR-101. Fonte: ANTT, 2011. 181 Para melhor organizar essa questão, dividiu-se a explanação em cinco categorias: ï‚§ Aspectos de legislação e planejamento; ï‚§ Aspectos de articulação interinstitucional – em nÃvel federal; ï‚§ Aspectos de articulação interinstitucional – entre nÃveis federal e estadual; ï‚§ Aspectos de articulação interinstitucional – envolvendo federação e municÃpios; ï‚§ Atuação dos órgãos – sob o ponto de vista das redes prioritárias. 3.6.1 Aspectos de legislação e planejamento A análise prévia de literatura trouxe visões de alguns autores segundo as quais, desde o fim do século XX, o Estado brasileiro vinha sendo omisso e relegando a um segundo plano a questão do planejamento de médio e longo prazo, bem como a polÃtica territorial para um segundo plano. Moraes (2011, p. 21) chega a afirmar que “[...] Estado não deseja participar do processo de condenar o disciplinamento do territórioâ€. E, ainda: A crise econômica correspondeu a uma desconfiança crescente da sociedade frente Às possibilidades do planejamento estatal integrado no sentido de bem conduzir a economia nacional, imperando a partir dessa época uma visão cada vez mais setorial na formulação das polÃticas públicas, 182 num quadro governamental no qual a ótica geográfica tornava- se gradativamente mais secundária até o desaparecimento de qualquer preocupação central com aspectos de localização na formulação dos programas e ações da administração pública federal. É interessante assinalar que as agências de polÃtica ambiental brasileiras em sua maioria se estruturaram nesse perÃodo, na contramão da tendência geral da estrutura do Estado, o que explica certo isolamento institucional desse setor, muito associado a medidas restritivas em relação à s demais áreas de governo (MORAES, 2011, p. 128-129). Apesar de forte, a afirmação do autor reflete a ausência de planos e metas de planejamento de longo prazo e, ainda mais que considerassem a dimensão territorial (ambiental aqui inclusa), que de fato houve no perÃodo. Porém, a partir de meados da década de 2000, houve iniciativas no sentido de recuperar a capacidade estatal de planejamento, além da tentativa de incluir novamente os aspectos territoriais na tomada de decisão. Especificamente no setor dos transportes, a principal iniciativa foi o Plano Nacional de LogÃstica e Transportes (PNLT), que iniciou seus trabalhos em 2006 e foi levado a público em 2007. O plano traz, consigo, uma série de diretrizes de ordem territorial, cujos objetivos seriam atingidos por meio da execução de obras de superação de gargalos, indução de desenvolvimento, melhorias para fomentar desenvolvimento em áreas deprimidas e integração com a infraestrutura dos paÃses vizinhos. Porém, há um grande problema associado à ausência de uma agenda territorial para o paÃs. Como respaldar tais investimentos – e seus impactos territoriais esperados – sem uma diretriz territorial de desenvolvimento? O documento do PNLT faz menção à territorialidade e ao estudo então em desenvolvimento pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento, ao qual estaria associado. Porém, tal estudo, que incluÃa um plano territorial, o Brasil Policêntrico, apesar de ter gerado alguma empolgação no começo, parece ter sido engavetado e não gerou maiores decisões. A legislação básica que orienta a infraestrutura de transportes é o SNV, de 2011, mas que representa mera replicação do PNV, que data de 1973 e que, 183 apesar das atualizações constantes, não consegue abarcar a complexidade da realidade atual nem os instrumentos necessários para ordenar o setor de modo adequado. Já o PNLT, em face de sua fragilidade enquanto norma, pois não tem força de lei, encontra resistência dentro do próprio Ministério dos Transportes para ser executado. “PNLT é utopia!â€, frase comum de ser ouvida entre técnicos do Ministério. Relatar estes problemas não significa que não haja reconhecimento dos avanços, notadamente no aumento do investimento em recuperação e ampliação da infraestrutura e melhorias em termos de gestão de obras por meio do PAC. E, neste aspecto, há de se concordar com o Ministro Paulo Sérgio Passos, que, em entrevista (em 2010) afirmou: O grande avanço do setor já foi dado através da retomada do processo de planejamento no setor de transportes de modo permanente, participativo, integrado e interinstitucional, envolvendo toda a sociedade brasileira; houve um grande reforço de investimentos na infraestrutura de transportes através do PAC que totalizou quase R$ 80 bilhões no perÃodo 2007-2010, elevando o percentual de dispêndios de 0,2% para 0,5% do PIB e caminhando para atingirmos o patamar ideal de 1%. Como pontos passÃveis de melhorias podem ser citados os caminhos apontados pelo PNLT para a mudança na matriz de transportes, envolvendo a consolidação de uma nova malha ferroviária, a estruturação de corredores hidroviários e a intensificação dos esforços de racionalização energética em transportes. Um estudo do Banco Mundial (2010) aponta os seguintes entraves à implantação do PNLT: ï‚§ Elevados custos de investimento em infraestrutura; ï‚§ Necessidade de coordenação centralizada; ï‚§ Maior integração entre concessionárias; ï‚§ Falta de cultura de transporte de cabotagem; ï‚§ Necessidade de ampliação de malha hidroviária; 184 ï‚§ Pequeno volume de cargas no N e NE pra ferroviário e aquaviário. E propõe como ações para superação das barreiras: ï‚§ Elaboração de modelo de financiamento e captação de recurso pra infraestrutura; ï‚§ Ministério dos Transportes coordenando a implantação; ï‚§ Programa de conservação da infraestrutura; ï‚§ Fomento da cabotagem; ï‚§ Melhorias na monitoração do PAC e PNLT. Além disso, o setor dos transportes encontra-se dividido entre pelo menos três setores administrativos: Ministério dos Transportes, Secretaria de Portos e Secretaria de Aviação Civil. Nesse caso, o Ministério dos Transportes é o único responsável atual pelo PNLT, responsável por “forçar†os demais ministérios a adotar suas diretrizes. Isto se manifesta na edição de planos paralelos como o recente Plano Nacional de LogÃstica Portuária, pela Secretaria de Portos. Falta, por fim, uma articulação entre as legislações e as polÃticas de transporte, meio ambiente, urbana, dentre outras, por meio de uma diretriz territorial de desenvolvimento: o plano de transportes não se articula com o plano de unidades de conservação, planos energéticos, nem tampouco com as diretrizes para a rede urbana – estas, aliás, inexistentes. E por que falta essa articulação? Seriam interesses especÃficos? Segundo Seabra et al. (2000, p. 21), não: Isso já temos em pequenos paÃses com grande densidade econômica, técnica e social – como a Holanda, por exemplo – que precisam utilizar e valorizar de maneira bem precisa cada porção do seu território. No caso do Brasil, cuja ocupação 185 territorial capitalista é recente – há apenas 20 anos o paÃs é inteiramente ocupado -, existem ainda áreas onde a necessidade do zoneamento, digamos assim, não é tão forte. Ou seja, é necessário se pensar o território em suas diversas dimensões antes que a ausência dessa preocupação provoque problemas maiores e mais complexos de se resolver, inclusive na questão dos transportes. 3.6.2 Aspectos de articulação interinstitucional – em nÃvel federal Se em termos de normas e legislação não há entendimento entre os diversos setores do Estado, é fácil supor que isso tenha origem na inadequada articulação interinstitucional entre tais setores. Na falta de uma polÃtica transversal, que trace os pontos em comum entre as diversas polÃticas setoriais, alguns conflitos se externalizam, particularmente entre os setores de transportes e gestão ambiental. Tais conflitos se materializam desde as escolhas de traçados, locais de implantação de infraestruturas a processos de concessão e renovação de licenças ambientais. Um estudo conduzido pela área ambiental da ANTT, por meio de entrevistas com concessionários de infraestruturas, reguladores da própria ANTT e técnicos de órgãos de licenciamento ambiental, trazem algumas visões sobre a questão ambiental no setor dos transportes, particularmente sobre o licenciamento ambiental. Para os concessionários dos serviços, o processo de licenciamento apresenta as seguintes caracterÃsticas: i. Morosidade no processo Entre as principais dificuldades apontadas pelos representantes das concessionárias destaca-se a morosidade no processo de Licenciamento Ambiental. O tempo de análise do IBAMA é considerado longo para a emissão das Licenças 186 Ambientais. Por ocasião do planejamento das obras as concessionárias estimam um tempo para cada etapa, sendo que o cálculo é feito considerando os prazos dos Órgãos Ambientais. Esses prazos não têm sido cumpridos. ii. Necessidade de procedimentos diferenciados para obras diferenciadas O Órgão Licenciador não faz diferenciação entre as obras e os Licenciamentos. Não diferenciam, por exemplo, uma Licença Ambiental para a ampliação de um pátio dentro da faixa de domÃnio, em uma área antropizada, e uma Licença Ambiental para a realização de um trabalho em uma área totalmente preservada. Também desejam um olhar diferenciado para as obras emergenciais, de melhoria de integridade da ferrovia ou da rodovia, localizadas dentro da faixa de domÃnio, em áreas antropizadas, sugerindo um processo mais simplificado. iii. Falta de critérios formais para a análise e complexidade dos Estudos Ambientais Segundo relatos, os Técnicos dos Órgãos Ambientais não possuem parâmetros pré-estabelecidos para embasar as suas análises. Além disso, os Estudos ambientais solicitados são complexos, muitas vezes não condizentes com as necessidades do projeto. iv. Rotatividade do Corpo Técnico dos Órgãos Ambientais Quando as Equipes Técnicas que vistoriam as obras e analisam as solicitações encaminhadas são diferentes, o processo de comunicação não é tão eficiente, a burocracia é maior, havendo uma falta de organização na sequência dos projetos. A crÃtica, afirmam, não é em relação à s exigências do Licenciamento Ambiental, mas em relação à forma como o processo é conduzido. v. Falta de conhecimento do empreendimento Segundo os Entrevistados a falta de conhecimento por parte dos Técnicos dos Órgãos Ambientais que realizam a análise das solicitações, no que tange à estrutura fÃsica, à s atividades do negócio das concessionárias rodoviárias e ferroviárias foi o último item apontado como dificuldade. Na visão dos Entrevistados, é importante este Técnico conhecer o objeto do seu estudo, conhecer as atividades que são realizadas por aquela empresa. Observa-se uma falta de entendimento do que é a operação ferroviária, principalmente, e dos aspectos relacionados à operação ferroviária. Acreditam que esse conhecimento facilitaria o processo, tornando o processo de Licenciamento Ambiental mais ágil (CABUS, 2012). 187 Por parte dos técnicos dos órgãos de licenciamento ambiental, destacaram-se as seguintes questões: i. Má qualidade dos Estudos Ambientais e dos Projetos apresentados [...] Comentam que a precariedade dos Estudos Ambientais é oriunda da baixa qualificação das empresas que os realizam, na maioria das vezes, terceirizadas. De acordo com os relatos, os empreendedores valorizam o custo do serviço em detrimento da qualidade, o que acaba impactando na concessão das Licenças Ambientais. ii. Atendimento incompleto das especificações dos Termos de Referência Os Entrevistados destacam o fato das concessionárias não atenderem todas as especificações constantes no Termo de Referência, o que acaba resultando em um Estudo incompleto. iii. Corpo Técnico insuficiente A falta de pessoal no Quadro dos Órgãos Licenciadores é vista como outra dificuldade. A demanda por análises é elevada e o efetivo é baixo. Além disso, os processos têm grande volume de material a ser analisado e há uma grande rotatividade de Analistas, fazendo com que alguns processos sejam parcialmente avaliados por um Técnico e completados por outro, o que gera novamente um aumento do tempo de análise. iv. Ausência de procedimentos padrão no Processo de Licenciamento Ambiental Outra dificuldade apontada com ênfase pelos Entrevistados é a ausência de procedimentos padrão no Processo de Licenciamento Ambiental. Citam que não há um roteiro claramente definido a ser seguido, o que gera diferentes entendimentos para empreendimentos semelhantes. Tal situação confunde tanto Analistas quanto empreendedores e se reflete em Estudos incompletos além de Licenças concedidas e posteriormente questionadas por outros Órgãos. v. Sobreposição de atuação de diferentes Órgãos Citam, ainda, a sobreposição de atuação de diferentes Órgãos (Federais, Estaduais, Municipais) em relação ao Licenciamento Ambiental de determinados empreendimentos, inclusive os relacionados à s concessões rodoviárias e ferroviárias. Tal condição gera burocracia demasiada, complexidade do processo e prazo extenso até que todos os Órgãos envolvidos emitam os devidos Pareceres e Anuências. vi. Falta de planejamento por parte das Concessionárias Outro ponto exposto pelos Entrevistados é a falta de planejamento das concessionárias, principalmente as rodoviárias. Descrevem que as obras já são previstas desde o inÃcio da concessão e por este motivo, as concessionárias 188 poderiam realizar um planejamento para a execução das obras com antecedência, já prevendo e antecipando algumas etapas. Entretanto o que ocorre, na realidade, é a falta de planejamento e o “atropelo†das etapas do processo. Destacam que grande parte das solicitações acaba sendo realizada em regime de urgência, havendo pressão para a liberação da Licença Ambiental e retrabalho em função de Estudos deficientes (CABUS, 2012). As declarações e análise dos casos nos dão conta de que “na escala nacional, o aumento e a complexidade das demandas sociais confrontam-se cada vez mais com aparatos estatais que enfrentam grandes dificuldades para fazer frente a estas demandas†(CASTRO, 2010, p. 118). Ainda a respeito de licenciamento ambiental, as Licenças Prévia, de Implantação e de Operação são emitidas com base nos estudos preliminares e designam correções de rumo e programas ambientais a serem implementados, mas em nenhum momento se faz uma verificação do cumprimento das condicionantes ou mesmo de impactos não previstos após a concessão das licenças definitivas. Uma mudança positiva recentemente implantada é na transferência da responsabilidade de obtenção das licenças ambientais para o ente público, por meio da EPL. Assim, as concessionárias assumem as infraestruturas cientes das responsabilidades ambientais contidas nas licenças, evitando que qualquer aspecto ambiental sirva de subterfúgio para atrasar uma obra. Conflitos recentes impactaram na definição do traçado na pavimentação de trecho da BR-364, em Mato Grosso, devido à existência de áreas de conservação nas proximidades do traçado original 8 . O traçado definitivo, conforme se vê na figura a seguir, nos mostra como um processo decisório sem a desejável articulação interinstitucional pode ter resultados desastrosos, fazendo com o que o trecho possua uma extensão muito maior do que a 8 A justificativa oficial foi evitar a proximidade com Reservas IndÃgenas e abreviar o processo de licenciamento ambiental, aproveitando trechos de rodovias estaduais pré-existentes, passados do Estado de Mato Grosso para a União, diminuindo a área de intervenção. No entanto, fala-se em beneficiar determinados atores polÃticos pois com o novo traçado, apesar de totalmente ilógico se considerar a importância e a ligação pretendida pelo eixo, servia a terras pertencentes a um grupo empresarial ligado ao então governador do Estado de Mato Grosso, Blairo Maggi. 189 prevista anteriormente – aproximadamente 200 quilômetros – e que, por fim, não sirva ao proposto. Figura 3.50: BR-364 em Mato Grosso – trecho original, em laranja, e trecho pavimentado, em roxo. Mapa sem escala. Adaptado de: Guia Quatro Rodas, 2012. Outro caso recente foi o impasse entre, de um lado, o Ministério dos Transportes e a ANTT e, de outro, o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade, quando da proposta de ampliação da REBIO União, no Estado do Rio. No processo de consulta do ICMBIO com outros órgãos da administração federal se viu que a legislação que rege a administração da REBIO inviabilizaria a ampliação de capacidade da BR-101 no trecho que intercepta a unidade, em uma clara demonstração de que a legislação ambiental e os planos de transporte não estão suficientemente 190 articulados e, mais ainda, a ineficiência dos órgãos envolvidos na propositura de normativos que não consideram os demais setores afetados. Apesar dos conflitos notórios, as declarações públicas dão justamente a impressão contrária, a de que os setores se relacionam muito harmonicamente, conforme podemos ver nas declarações do Ministro dos Transportes e do Secretário Nacional de PolÃtica de Transportes, em anexo. 3.6.3 Aspectos de articulação interinstitucional – entre nÃveis federal e estadual Em relação aos Estados, o PNLT foi construÃdo levando-se em consideração as contribuições advindas dos órgãos estaduais, bem como das entidades da sociedade civil interessadas. O PNLT afirma, ainda, ser um plano federativo, e não apenas federal, havendo a necessidade de envolvimento dos demais entes federados para sua consecução. Em alguns projetos há a contrapartida ou mesmo uma participação maior do que a federal no provimento de recursos, como, por exemplo, o caso do Rodoanel Mário Covas, uma rodovia de contorno para a Região Metropolitana de São Paulo, cuja maior parte dos recursos provém do Governo do Estado de São Paulo. Há de se destacar, ainda, que os planos estaduais deveriam estar articulados com o plano nacional, assim como os planos de viação dos estados deveriam estar em sintonia com o Sistema Nacional de Viação. Há, ainda, uma carência na troca de conhecimento entre órgãos das duas esferas, a exemplo do planejamento federal que pouco ou nada absorve do planejamento praticado no Estado de São Paulo que, apesar de suas deficiências, apresenta uma qualidade de planejamento e execução bem 191 superior. Seu Plano Diretor de Desenvolvimento de Transportes (PDDT) é construÃdo com base em uma pesquisa origem-destino (SECRETARIA DE LOGÃSTICA E TRANSPORTES DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2010), ao contrário do PNLT, que partiu de bases macroeconômicas e econométricas para estimar demanda (ARANTES, 2012). O SNV estabelece dentro do subsistema rodoviário um conjunto de rodovias tidas como de importância nacional, a Rede de Integração Nacional (RINTER), prevendo que as vias não-RINTER possam ser delegadas aos Estados e municÃpios, quando for o caso. No entanto, o que se percebe é uma gama de rodovias de relevância meramente local ou regional sob tutela federal e, em contrapartida, trechos de extrema relevância nacional encontram-se sob tutela de governos estaduais. 3.6.4 Aspectos de articulação interinstitucional – envolvendo federação e municÃpios Os problemas de que tratamos aqui derivam não apenas da dificuldade de articulação entre os municÃpios, os menores entes federados, e a união, mas também da nÃtida incapacidade técnica da imensa maioria dos municÃpios em planejar o ordenamento do seu próprio território. Um conflito tipicamente encontrado é o das travessias urbanas, nas quais parte do comércio da pequena cidade depende em grande medida do fluxo da rodovia. A rodovia torna-se, muitas vezes, a avenida da cidade, havendo pressão local para que não seja construÃdo um contorno. Em outros casos, tipicamente em cidades maiores ou em rodovias muito movimentadas, quando o volume de acidentes e toda a sorte de impactos 192 ligados à rodovia incomodam a população lindeira e que se faz pressão para que se construa um contorno, eliminando aquela via. O que ocorre é que nem os órgãos nacionais, que gerem a rodovia, têm conhecimento acumulado sobre o comportamento de travessias urbanas nem normas adequadas para seu tratamento; nem os municÃpios dispõem de mecanismos adequados para gerir o uso do solo em seu território. Essa combinação promove o que se vê Brasil afora com as constantes invasões de faixa de domÃnio, diminuição da qualidade das rodovias – redutores de velocidade, travessias em nÃvel, e da qualidade de vida nas cidades que as margeiam. Figura 3.51: Redutores de velocidade na BR-040 na divisa entre DF e GO, vista para a área urbana de ValparaÃso, GO. Autor: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2012. 193 Nem sempre a solução de contornos é a mais adequada, como observamos no caso de Uberlândia, na qual uma opção de traçado inadequada fez com que o contorno seja subutilizado. Ainda sobre contornos, nota-se a dificuldade dos órgãos nacionais de trabalharem com conjuntos de municÃpios. Não só dos órgãos nacionais, como o DNIT, mas dos próprios municÃpios que não se articulam entre si. Um exemplo notório é o de Maringá que, em seu ordenamento territorial, previu uma área para construção de uma variante da BR-376 que cruzava seu centro urbano. Até aà uma decisão acertada, se não contássemos com o fato de Maringá ser conurbada com outros municÃpios e o traçado previsto para o contorno ignorar a existência das zonas urbanas vizinhas. Como resultado, o contorno, hoje em execução, retirará o tráfego pesado da área central de Maringá, mas deixará os outros municÃpios com o mesmo problema, à exceção daqueles que, assim como Maringá, se articularam com o poder central de forma isolada para resolver seu problema individual. Em outro caso, no extremo oposto, temos o recente investimento do DNIT, ora em execução, para tratamento de trechos urbanos em Cuiabá. O problema está em que a Grande Cuiabá já possui um contorno que serve ao tráfego de passagem. Para as ferrovias, o caso é semelhante; apesar de não servirem de eixo para deslocamentos urbanos, são afetadas suas qualidades operacionais com as invasões de faixa de domÃnio, redução de velocidade pelas passagens de nÃvel. Assim como portos e aeroportos, que têm suas áreas de expansão invadidas e áreas que deveriam ter uma restrição de ocupação mais efetiva por parte dos municÃpios e não se tem. 194 Figura 3.52: Contorno de Maringá e sua RM. 195 3.6.5 Atuação dos órgãos – a falta de redes prioritárias/ estruturais Havendo a falta de definição de uma rede prioritária/estrutural de transportes, falta, como consequência, a identificação, no conjunto de vias, de quais formariam tal rede prioritária. Em relação a rodovias, há o entendimento de que suas caracterÃsticas fÃsicas e operacionais promovam uma legibilidade de sua função. Rodovias arteriais devem privilegiar a mobilidade, por serem vias que servem a fluxos de longa distância; enquanto rodovias locais fazem apenas pequenas ligações e devem privilegiar a acessibilidade, rodovias coletoras, por sua vez, deverão apresentar caracterÃsticas que promovam o equilÃbrio entre as duas funções. Figura 3.53: Sistemas rodoviários e suas funções. Fonte: Lima (2009). 196 No entanto, uma análise na rede mostra que vias que servem a deslocamentos estruturantes e, portanto, deveriam ter um tratamento de uma rodovia arterial, possuindo acesso controlado, maior velocidade-diretriz e melhores condições geométricas acabam por não ter tais caracterÃsticas. Ou seja: o sistema não é legÃvel. Não há a legibilidade de que aquela é uma via arterial, estruturante do tráfego de importância nacional, não há uma rede clara de autoestradas. Em relação à s ferrovias, já não há definição de “troncos principaisâ€, como em outros tempos, nem tampouco a definição de eixos de transportes de passageiros – na acepção moderna, poderÃamos entender como eixos de ferrovias de alta velocidade – atendendo aos pólos mais destacados da rede urbana nacional. Em não havendo a definição de uma rede estruturadora de transportes e, ainda mais, não ligada a uma estratégia de ordenamento do território, vislumbra-se que, apesar dos esforços de retomada do planejamento, este é ainda muito baseado no espontaneÃsmo, com a participação mÃnima do Estado na organização dos espaços. Moraes (2011, p. 22) afirma: A grande desordem atual do Brasil é muito mais visÃvel a partir do território, o que está dando à geografia um papel importante na interpretação e, mais tarde, na tarefa de reconstrução do paÃs. Se levarmos em conta que, apesar do discurso de migração para modos menos agressivos ao ambiente e mais eficientes em termos energéticos e de custo, o transporte de cargas segue sendo essencialmente rodoviário e o de passageiros dividido entre rodoviário e aéreo: Os sistemas rodoviários e aeroviários são sempre reativos a uma ocupação não planejada do espaço geográfico. O desenvolvimento destes sistemas é claramente adaptado a uma demografia centrada em atividades econômicas de ciclos anteriores e funcionam exclusivamente como soluções de transporte adaptativas ao espontaneÃsmo demográfico desordenado que os precedeu. (SERPA, 2011, p. 12). 197 O Estado brasileiro segue não investindo em um sistema estruturador do território e opta por investir em modos reativos que simplesmente atendem à s projeções futuras de demanda, relegando uma gestão mais efetiva do território ainda a um plano secundário. 198 CAPÃTULO 4 APONTAMENTOS SOBRE A ATUAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA 4.1 O estágio de doutorado Iniciando a pesquisa, vislumbrou-se a necessidade de um contraponto que não fosse meramente, teórico para o caso brasileiro. Considerando a existência de um termo de cooperação institucional entre a Universidade Federal de Uberlândia e a Universidade de Lisboa, optou-se por fazer esta etapa de pesquisa por meio do estudo das experiências europeia e portuguesa. Em adição a isso, o entendimento de o Brasil ser uma continuação do Império Português na América do Sul subsidiou uma hipótese da similaridade administrativa entre Brasil e Portugal. Apesar de ser mais desenvolvido que o Brasil em termos socioeconômicos, a União Europeia é composta por um conjunto de Estados nacionais com nÃveis dÃspares de desenvolvimento e organização institucional. Consideramos esta disparidade socioeconômica nos compartimentos territoriais europeus como ponto favorável a uma comparação entre União Europeia e Brasil. Escolhido o caso europeu para servir de contraponto ao caso brasileiro, foi realizado, com apoio da CAPES, estágio na Universidade de Lisboa entre setembro de 2011 e janeiro de 2012, sob coorientação do Professor Doutor Nuno Manuel Sessarego Marques da Costa. O apoio do referido professor foi fundamental no sentido de auxiliar na busca de bibliografia pertinente, de legislação relativa ao tema – tanto em nÃvel europeu quanto em nÃvel português – e nos contatos para a realização de entrevistas. 199 Aqui, merece destaque a opção por fazer a análise em dois nÃveis: o primeiro, das diretrizes comunitárias, ou seja, a legislação e normas em nÃvel europeu; e o segundo, o nÃvel dos planos e ações do Estado Português. Nas bibliografias sugeridas, buscou-se, portanto, literatura que tratasse da evolução recente e do estado atual dos sistemas de planejamento de transportes em Portugal e Europa. Em paralelo, documentos públicos europeus e portugueses sobre a temática, merecendo destaque o Livro Branco dos Transportes (e suas atualizações), que traça as diretrizes gerais para o setor. Foram realizadas visitas técnicas/entrevistas aos seguintes órgãos do Estado Português: ï‚§ Comboios de Portugal - CP; ï‚§ Direcção Geral de Ordenamento do Territorial e Desenvolvimento Urbano – DGOTDU; ï‚§ Estradas de Portugal; ï‚§ Instituto de Mobilidade e Transportes Terrestres; ï‚§ Agência Portuguesa do Ambiente. No caso dos Comboios de Portugal foram levantadas informações históricas sobre as ferrovias portuguesas, notadamente sobre as mudanças institucionais derivadas de polÃticas europeias, visando à liberalização do mercado dos serviços ferroviários. Para a Sra. Ana Catita, da DGOTDU, foram realizadas questões referentes à interação desta instituição com os projetos de transportes com as diretrizes territoriais nacionais presentes no Programa Nacional da PolÃtica de Ordenamento do Território. Tratou-se de questões relacionadas à articulação interinstitucional da instituição com outras, dentre as quais aquelas que gerem as infraestruturas e serviços de transportes, as responsáveis pelo licenciamento ambiental, áreas de conservação e outras. 200 A visita a Estradas de Portugal – por meio de seu Gabinete de Ambiente – tratou da visão e atuação desta instituição em termos de gestão ambiental e território. Arguiu-se, ainda, sobre a interação desta instituição com aquelas de gestão territorial, ambiental e órgãos municipais. Abordaram-se, em particular, os casos da Circular Regional Interna de Lisboa e da Ponte Vasco da Gama. Nesta instituição, foi entrevistada a Sra. Ana Cristina Martins. No Instituto de Mobilidade e Transportes Terrestres obteve-se, por meio de conversa com o Sr. Sérgio Ribeiro, um panorama geral do setor transportes em Portugal e Europa, incluindo questões regulatórias. Por fim, na Agência Portuguesa do Ambiente, por meio da Sra. Cristina Russo, foi possÃvel conhecer em profundidade o processo de licenciamento ambiental em Portugal bem como questões de relação interinstitucional com outros setores. 4.2 A União Europeia e seu funcionamento A União Europeia é o conjunto de 27 Estados-nação que formam uma união polÃtica e econômica. A União funciona com base no Estado de Direito, emitindo regulamentos sobre tópicos de intervenção delegados e aprovados pelos Estados-membros. As origens da União Europeia estão associadas ao fim da Segunda Guerra Mundial. O Plano Marshall (1947), conforme Lacoste (2009), foi empreendido pelos Estados Unidos, baseado na ajuda financeira à reconstrução dos paÃses – vencidos e vencedores – visava, além da reconstrução, a ampliação da influência americana no continente para fomentar a paz na região. Tal objetivo de paz parece ter sido alcançado, inclusive tendo a União Europeia sido laureada com o Prêmio Nobel da Paz em 2012, pelo Comitê Nobel da Noruega. 201 Logo, em 1951, um grupo inicial de seis paÃses – Bélgica, PaÃses Baixos, Luxemburgo, França, Alemanha Ocidental e Itália fundaram a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Seis anos mais tarde, em 1957, o mesmo conjunto de paÃses assinou o Tratado de Roma, documento considerado como o marco de fundação da União Europeia. Ao longo das décadas subsequentes foram sendo definidas algumas polÃticas comuns e, à medida que se venciam barreiras polÃticas, foram sendo agregados, paulatinamente, novos Estados Membros. Merecem destaque, dentre outros fatores, a adoção do Sistema Monetário Europeu, em 1979, e a assinatura do Tratado de Maastricht, de 1992, que alterouo nome de Comunidade Econômica Europeia para União Europeia, transformando a essência de um mero grupo de cooperação econômica para uma união polÃtica mais ampla, com princÃpios de integração mais ousados. Em 2002, começou a circular a moeda única na maioria dos paÃses do bloco, o Euro (Quadro 4.1). Ao longo do processo de integração, houve a proposta de uma Constituição Europeia, que acabou rejeitado por dois paÃses, abortando o processo. Em 2007, foi firmado, finalmente, o Tratado de Lisboa, que, em substituição à proposta de constituição, esclareceu pontos obscuros, dando clareza à forma de funcionamento da União e de sua relação com os Estados-membros. Hoje a União Europeia funciona como união polÃtica, baseada em um mercado comum e com a supressão do controle fronteiriço entre seus membros – à exceção do Reino Unido. Possui 23 lÃnguas oficiais e, se considerada como um único paÃs, teria o terceiro maior contingente populacional, atrás de China e Ãndia, e o maior Produto Interno Bruto (PIB), superando os Estados Unidos (EUROSTAT, 2013). São aproximadamente 500 milhões de habitantes vivendo em 27 paÃses distribuÃdos em uma superfÃcie de, aproximadamente, 4,5 milhões de quilômetros quadrados. 202 Quadro 4.1: Cronologia da União Europeia – principais acontecimentos ANO FATO RELEVANTE 1947 Plano Marshall para restauração e integração do velho continente 1951 Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Monnet e Schuman) – Alemanha, França, Benelux e Itália 1954 Recusa da Comunidade Europeia de Defesa (gaulistas e comunistas na França) 1957 Tratado de Roma – Comunidade Econômica Europeia (mesmos: Alemanha, França, Itália e Benelux) 1960 Associação Europeia de Livre-Comércio – iniciativa do Reino Unido com Ãustria, Dinamarca, Noruega, Suécia, SuÃça, Portugal 1962 PolÃtica AgrÃcola Comum 1963 Charles De Gaule recusa entrada do Reino Unido na CEE 1966 Por pressão da França, decide-se que em questões essenciais, só o voto de unanimidade para confirmar a decisão 1973 Reino Unido, Irlanda e Dinamarca integram a CEE 1979 Sistema Monetário Europeu (menos RU) 1981 Adesão da Grécia 1985 Alemanha, Benelux e França criam o Espaço Schengen. Em 1995 os demais paÃses, exceto RU, aderem 1986 Portugal e Espanha aderem à CEE. Institucionalização da Cooperação PolÃtica Europeia 1987 Candidatura da Turquia 1992 Assinatura do Tratado de Maastricht – criação oficial da União Europeia; previsão da criação da moeda única 1995 Ãustria, Finlândia e Suécia aderem à UE 2002 Entra em circulação o Euro, exceto no RU, Suécia e Dinamarca 2004 Adesão de Chipre, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, Tcheca, Eslováquia e Eslovênia 2005 Rejeição do projeto de Constituição Europeia na Holanda e França – abortado o processo 2007 Ingresso de Bulgária e Romênia 2009 Candidatura da Islândia, Croácia 2007 2009 Tratado de Lisboa – substitui a tentativa de constituição 203 Figura 4.1: União Europeia: paÃses membros e seus nomes nas lÃnguas nacionais, 2011. Fonte: European Union, 2011. A União Europeia funciona com base na cessão pelos paÃses de uma parcela de sua soberania nacional sobre determinados assuntos à União visando, deste modo, a construção de polÃticas comuns, viabilizando a desejável integração. Funcionando como uma federação supranacional, houve a necessidade de o Tratado de Lisboa, firmado em 2007 e em vigor desde 2009, estabelecer quais são as competências especÃficas da União e dos Estados e aquelas em que são compartilhadas. 204 São competências exclusivas da União: ï‚§ A união aduaneira; ï‚§ O estabelecimento de regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno; ï‚§ A polÃtica monetária dos Estados-membros cuja moeda seja o Euro; ï‚§ A conservação dos recursos biológicos do mar no âmbito da PolÃtica Comum das Pescas; ï‚§ A polÃtica comercial. São competências compartilhadas entre União e Estados: ï‚§ O mercado interno; ï‚§ A polÃtica social para os aspectos definidos no presente Tratado; ï‚§ Economia, coesão social e territorial; ï‚§ A agricultura e pescas, com exceção da conservação dos recursos biológicos marinhos; ï‚§ Ambiente; ï‚§ A proteção dos consumidores; ï‚§ Transportes; ï‚§ Redes Transeuropeias; ï‚§ Energia; ï‚§ O espaço de liberdade, segurança e justiça; ï‚§ Normas comuns de segurança para a saúde pública, nos aspectos definidos no presente Tratado. 205 São competências dos Estados, podendo ser apoiadas pela União: ï‚§ A proteção e a melhoria da saúde humana; ï‚§ Indústria; ï‚§ Cultura; ï‚§ Turismo; ï‚§ Educação, juventude, desporto e formação profissional; ï‚§ A proteção civil (prevenção de desastres); ï‚§ A cooperação administrativa. A administração da União Europeia é semelhante à de um paÃs federal, como o Brasil ou os Estados Unidos, havendo uma divisão de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário. O órgão máximo da União Europeia é o Conselho Europeu, composto pelos chefes de Estado ou de Governo dos paÃses-membros e tem a responsabilidade de definir as orientações e prioridades polÃticas da União Europeia. O órgão executivo europeu é a Comissão Europeia. Composta por um presidente e 26 comissários, sendo um de cada paÃs-membro. É o organismo que representa a união Europeia internacionalmente. É responsável, ainda, por aplicar as decisões dos órgãos legislativos. Associadas à Comissão, encontram-se diversas Direções Gerais, divididas por área de atuação, e que são equivalentes aos ministérios nos paÃses. A função legislativa é composta por dois organismos: o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia. O Parlamento é composto por deputados – chamados Eurodeputados – eleitos pelo voto direto, proporcionalmente à população de cada Estado-membro; já o Conselho é formado por representantes dos governos dos Estados-membros, funcionando com câmaras temáticas, conforme o assunto a ser deliberado. As duas casas 206 funcionam em sistema de co-decisão e são responsáveis por aprovar o orçamento, ratificar acordos internacionais, dentre outros aspectos. Para a função judiciária, há o Tribunal de Justiça da União Europeia como órgão supremo, com a função de resolver conflitos entre a União e os Estados- membros, bem como dirimir dúvidas relativas à interpretação de normas comunitárias. Há, ainda, tribunais de instâncias inferiores para outras questões que sejam de competência da União. Nos moldes do que se pratica em outras nações, há, ainda, o Banco Central Europeu e o Tribunal de Contas da União Europeia, com as mesmas funções que seus equivalentes nacionais. 4.3 Os transportes na União Europeia e a PolÃtica Europeia de Transportes Os números dos sistemas de transportes na União Europeia surpreendem: em 2010 (EUROSTAT, 2012), a rede de rodovias pavimentadas chegava a 4,5 milhões de quilômetros, as ferrovias a 212.500 quilômetros e 41 mil quilômetros de vias interiores navegáveis. Ainda em 2010, mais de 700 milhões de passageiros passaram pelos aeroportos da União Europeia. Vale estabelecer uma comparação, o território da União com o do Brasil, duas vezes maior, e ainda que possua população 2,5 vezes menor que a europeia, possui tão somente 218,5 mil quilômetros de rodovias pavimentadas (4% do tamanho da rede europeia), perto de 30 mil quilômetros de ferrovias (equivalente a 14% da rede da União Europeia), 11,5 mil quilômetros de vias navegáveis (28% do total europeu) e, no ano de 2010 foram transportados 77 milhões de passageiros nos aeroportos brasileiros (cerca de 11% do transportado na UE). 207 O Brasil não fica para trás apenas nos quantitativos da rede de transportes, mas também na qualidade das infraestruturas e serviços, conforme se vê nas Figuras 4.2 a 4.6. A qualidade da sinalização, do pavimento, da manutenção das faixas de domÃnio, a oferta de sistemas ferroviários de passageiros – muitos deles de alta velocidade – e a grande oferta de destinos por meio do avião, dentre outros aspectos, demonstram o enorme gap entre os sistemas europeu e brasileiro. Apesar dessa diferença grande, com larga vantagem para os europeus, eles parecem não estar satisfeitos com os sistemas e serviços de transportes existentes: eles enxergam os problemas e propõem soluções. Preocupada com a quantidade de acidentes, a Comissão Europeia propôs, em 2003, um plano de ação para reduzir as mortes nas estradas pela metade até 2010. Naquela altura, os números indicavam que, por ano, morriam 40 mil pessoas e 1,7 milhão saÃam feridos dos acidentes, representando um custo de cerca de 2% do PIB do conjunto dos 15 paÃses que, naquele ano, compunham a União. Além de apontar o problema, identificavam como causas a velocidade, abuso de álcool, fadiga, falta de cinto de segurança, os carros com pouca proteção, a existência de pontos negros, a negligência do tempo de repouso e a visibilidade. E, obviamente, propunham ações de Estado no sentido de superar tais problemas. Banister (1998) chama a atenção para um efeito colateral da implantação de melhorias na infraestrutura, notadamente a rodoviária, materializada no espraiamento urbano (urbans prawl) derivado da diminuição dos tempos de deslocamento e a consequente migração de população e atividades urbanas para áreas rurais ao redor das rodovias. Ao longo de sua análise, destaca a importância de se se planejar o transporte tendo em vista a necessidade de se levar em conta aspectos econômicos, ambientais, dentre outros: 208 Figura 4.2: Estação de trens de São Pancrácio, em Londres. Autor: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2011. Figura 4.3: Aspecto do Aeroporto de Barajas, em Madrid. Autor: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2011. 209 Figura 4.4: Estação Lisboa Oriente – Trens metropolitanos, suburbanos, terminal e ônibus e trens de longo curso. Autor: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2011. Figura 4.5: Rodovia de acesso à cidade de Barcelona – acesso controlado. Autor: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2011. 210 Figura 4.6: Travessia urbana em Vila Nova da Gaia. Autor: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2012. it should also be remembered that transport is only one (albeit important) part of economy and so the environmental choices in the transport sector need to be balanced against other priorities (BANISTER, 1998, p. 8)9. Em 2000, o mesmo autor (BANISTER) elencou outros aspectos das redes de transporte na União Europeia: ï‚§ Crescimento da mobilidade individual em detrimento da coletiva – mais sustentável, vigente em outras épocas; ï‚§ Desafio de conciliar desenvolvimento econômico, planejamento de transportes e questões ambientais; 9 [...] deve-se lembrar também que o transporte é apenas uma parte (embora importante) da economia e assim as escolhas ambientais no sector dos transportes precisam de ser equilibrado com outras prioridades (Tradução Livre do Autor). 211 ï‚§ Oportunidade de a Europa, tendo em vista a tradição em transporte público, de reverter a tendência de individualização e de, no horizonte de 2020, ter uma mobilidade mais sustentável; ï‚§ Externalidades de transportes representam 7.8% do PIB europeu em 2000 (exceto congestionamento); ï‚§ Congestionamento nas áreas mais densas econômica e populacionalmente – regiões mais urbanizadas. No mesmo artigo, reforça a questão do espraiamento urbano por meio da suburbanização da população e do consequente aumento da mobilidade individual, enquanto a demanda de passageiros por meios coletivos se estabiliza. A mais recente polÃtica europeia de transportes começa a se estruturar a partir do Tratado de Maastricht, de 1992, o marco inicial da União Europeia não mais como mera união econômica, mas como união polÃtica de fato. Duarte (2001, p. 413) destaca os principais pontos: Em 1992, o Tratado de Maastricht (TÃtulo XII, Art.º 129b), reforçou as bases polÃticas, institucionais e orçamentais da PCT 10 e o conceito de REDE Transeuropeia (TEN). Este conceito, tomado como instrumento, destinou-se − no plano europeu − a estabelecer um esquema director das infra- estruturas de transportes, beneficiário de sustentáculo financeiro comunitário, traduzido em subsÃdios a outorgar e em empréstimos a conceder pelo BEI11. Esta PolÃtica Comum de Transportes tinha como princÃpios o fomento da competitividade, da coesão territorial e a proteção ambiental. Embora as bases institucionais e o conceito de Redes Transeuropeias tenham sido lançados à época do Tratado de Maastricht, já havia antes iniciativas no sentido de os Estados da então Comunidade Econômica Europeia articularem suas polÃticas 10 PolÃtica Comum de Transportes. 11 Banco Europeu de Investimentos. 212 de transportes. O próprio Tratado de Roma já previu a intenção de construir uma polÃtica comum, mas que nunca fora implantada pelos Estados ou pelos operadores privados. Ou, como em 1986, quando se deliberou a remoção de barreiras fÃsicas nas fronteiras, a redução das barreiras técnicas e a harmonização das barreiras fiscais. O Tratado de 1992 previa a inclusão de regras comuns para transporte internacional e segurança no transporte, e delimitava, como prioridades do Banco Europeu de Investimentos, aqueles a ser realizados em regiões com dificuldades, redução da dependência do petróleo, projetos de integração europeia, tecnologia avançada e inovação (BANISTER, 2000). Em 1994, (Conselho de Essen) fez-se o primeiro esboço das Redes Transeuropeias, que consistiam nas redes de transportes, comunicação e energia. Em relação à s redes de transportes, naquele momento eram compostas 34 projetos de redes de transporte, com horizonte 2010, sendo 11 deles ferroviários. Os projetos de transportes representavam, no biênio1996/7, cerca de 80% dos recursos, dos quais, aproximadamente 25% do total destinados a vias ferroviárias de alta velocidade: [...] nas zonas com grande intensidade de tráfego rodoviário de longa distância, as linhas de grande velocidade podem fomentar a transferência para o modo ferroviário e contribuir, deste modo, para aliviar o tráfego rodoviário e proteger o ambiente. De facto, o aumento do tráfego, especialmente rodoviário e aéreo, ameaça prejudicar a competitividade de algumas regiões centrais da UE devido aos riscos de congestionamento (COMISSÃO EUROPEIA, 1999, p. 15). O centro das Redes Transeuropeias se alinha à s demais polÃticas de transportes, favorecendo o fomento de ferrovias e navegação costeira (cabotagem) em substituição ao transporte rodoviário e aéreo. As Redes Transeuropeias de transportes tem por finalidade servir de suporte ao sistema policêntrico de cidades, favorecendo as ligações entre as periferias e o centro da União. 213 A concepção das Redes Transeuropeias parte do princÃpio de que É impossÃvel reduzir as assimetrias territoriais da UE sem melhorar radicalmente as infraestruturas e os serviços de transportes nas regiões onde a falta de acesso à s infraestruturas de transportes e comunicações dificulta o desenvolvimento económico (COMISSÃO EUROPEIA, 1999, p. 29). Para além da rede principal, vislumbra-se investir em redes secundárias, sob responsabilidade das nações constituintes e das regiões infranacionais, em regime de complementaridade das redes estruturantes. As redes secundárias devem permitir a coesão entre núcleos urbanos e sua hinterland, bem como possibilitar deslocamentos rápidos e eficientes em zonas pouco povoadas, visando possibilitar arranjos espaciais e polÃticos entre essas pequenas localidades, e paragarantir quorum populacional para ter determinados serviços. As autoridades mostram preocupação com a expansão das redes Transeuropeias e do conceito de rede urbana policêntrica para os paÃses que aderirem à União e, ainda, com o crescente peso do modo rodoviário, custando um grande impacto no meio ambiente e na eficácia dos deslocamentos: “O aumento das portagens rodoviárias ou internalização dos custos externos do transporte rodoviário, acompanhados de uma polÃtica de localização adequada são alguns dos exemplos possÃveis†(COMISSÃO EUROPEIA, 1999, p. 31). 214 Figura 4.7: Redes Transeuropeias – Canais, hidrovias e portos. Fonte: European Comission, 2011. 215 Figura 4.8: Redes Transeuropeias – Ferrovias de Carga. Fonte: European Comission, 2011. 216 Figura 4.9: Redes Transeuropeias – Ferrovias de Passageiros. Fonte: European Comission, 2011. 217 Figura 4.10: Redes Transeuropeias – Rede rodoviária estrutural. Fonte: European Comission, 2011. 218 Obviamente, o transporte rodoviário não deve desaparecer, mas ser utilizado de forma mais racional, principalmente nas regiões menos adensadas, onde é menos viável o transporte ferroviário. Já nas regiões mais adensadas, deve-se fomentar o transporte ferroviário de alta velocidade, visando substituir o transporte por avião em viagens de até 800 km. O primeiro documento estruturador de uma polÃtica integral de transportes foi o 1º Livro Branco dos Transportes, de 1996. Livro Branco é uma denominação da União Europeia para os documentos da Comissão Europeia (poder executivo europeu) que representam um plano de trabalho plurianual para determinado setor, sendo a gestão dos transportes uma atribuição compartilhada entre União e Estados Nacionais. São os objetivos precÃpuos do Livro Branco dos Transportes: ï‚§ Reestruturar o setor rodoviário, visando melhorar infraestruturas e reforçar a segurança; ï‚§ Revitalizar as ferrovias, por meio de uma concorrência regulada, da definição de padrões de nÃvel europeu a serem seguidos nos Estados e ampliando a velocidade média do transporte de cargas para 80 km/h; ï‚§ Controlar o crescimento do transporte aéreo (entre 1974 e 1998 o transporte aéreo cresceu, em média, 7,4% ao ano); ï‚§ Criação do “Céu Único Europeu†em substituição aos sistemas nacionais de controle do tráfego aéreo; ï‚§ Tarifação para desestimular o uso dos aeroportos em certos horários; ï‚§ Criação de taxas nos combustÃveis aeronáuticos para rotas servidas por trens de alta velocidade; ï‚§ Fomento da multimodalidade, por meio de ligações entre hidrovias interiores e ferrovias – autoestradas do mar, criação de eclusas, propiciando o descongestionamento dos grandes eixos; 219 ï‚§ Promoção de uma rede de trens de passageiros de alta velocidade; ï‚§ Superação de gargalos como as travessias alpinas, os Pirineus. ï‚§ Apoio financeiro de até 20% pra as Redes Transeuropeias; ï‚§ Promoção de polÃticas de tarifação mais eficaz; ï‚§ Pesquisa em tecnologias menos poluentes e mais eficazes; ï‚§ Direitos e deveres dos usuários; ï‚§ Inclusão de objetivos ambientais para médio e longo prazo. Para o setor ferroviário, desde o inÃcio da década de 1990, antes mesmo da adoção do Livro Branco, já estava sendo postas em marcha algumas mudanças, destacando-se a separação contábil entre a gestão da infraestrutura e a operação dos serviços de transporte de cargas, visando promover a abertura do mercado de transporte de cargas e de passageiros e superar a estagnação vivida pelo setor. Em 1970, transportava-se por ferrovia 241 bi ton.km12, o que representava 28 % das mercadorias que circulavam pelo território europeu; em 2001, transportou-se 283 bi ton.km, o que representava tão somente 8% mercadorias. Em 1998, ainda havia casos sem separação da gestão de infraestrutura da prestação do serviço; relatavam-se problemas de pontualidade e, para cargas, as ferrovias apresentavam velocidade média de 18 km/h, o que explica o baixo desempenho do modo ferroviário. Tais mudanças contábeis e jurÃdicas, baseadas na separação da operação da gestão de infraestrutura, têm como meta final abrir mercados nacionais e constituir um sistema ferroviário único em 2020, combatendo os esforços anti- concorrência. Em 2003, funcionavam em regime pleno de abertura os 50 mil quilômetros pertencentes à s Redes Transeuropeias e, em 2008, toda a rede já estava aberta para o tráfego de mercadorias. A abertura promoveu o interesse de empresas e consórcios – além das tradicionais no setor – oferecendo transporte, como a BASF/Rail4chen e a rede de lojas IKEA, por exemplo. 12 Tonelada vezes quilômetro. 220 Essa primeira versão do Livro Branco, conforme análise na revisão da polÃtica feita em 2001, atingiu os objetivos propostos, à exceção das metas relacionadas ao transporte ferroviário de cargas: a implantação da “cabotagem internacional†(caminhão não precisa retornar vazio de outro paÃs); a abertura dos mercados aéreos, o que proporcionou um crescimento do setor maior que o crescimento da economia; o oferecimento de serviços de transporte com menores preços; o aumento da mobilidade média do cidadão europeu (17 km em 1970 para 35 em 1998); e a implantação de rede de trens de alta velocidade. O perÃodo foi marcado pela modernização das redes de transporte, porém com pouca modernização institucional. Em 2001, 10% da rede rodoviária (7500 km) e 20% da rede ferroviária (18 mil km) eram consideradas zonas de congestionamento e 16 aeroportos apresentavam mais de 30% dos voos com atrasos superiores a 15 minutos (Comissão Europeia, 2001). Avalia-se que a saturação de muitas destas infraestruturas se liga à não implantação de obras previstas nas Redes Transeuropeias. Outra incongruência clara é que, embora a polÃtica europeia tenha dado prioridade ao modo ferroviário, os pleitos para financiamento para os Estados membros são essencialmente para rodovias. Nos paÃses do leste europeu, que naquele momento iniciavam o processo de integração à União Europeia, ainda há grande demanda ferroviária. Porém, com a abertura polÃtica, cresce mais o transporte rodoviário, o que ajuda a explicar a demanda por financiamentos rodoviários. Quanto aos trens de alta velocidade, principal item da polÃtica para transporte de passageiros, espera-se ligar, paulatinamente, todos os grandes centros europeus, substituindo-se as linhas convencionais e o transporte aéreo, este mais poluente. Algumas experiências se mostraram bem sucedidas, como a participação do modo aéreo entre Sevilha e Madrid (Espanha), que caiu de 40% para 13% após a implantação dos serviços de trens de alta velocidade; ou o trecho Paris- Bruxelas, onde a participação das viagens por automóvel caiu para 15%. Em 221 2001, uma nova linha de alta velocidade ligou Paris a Marselha (França), reduzindo o tempo de viagem para três horas: Com efeito, e contrariamente a uma ideia generalizada, para os passageiros, o interesse pela alta velocidade não se limita a viagens inferiores a três horas. Entre Paris e a costa mediterrânea, antes da entrada do serviço da nova linha de alta velocidade, a quota de mercado do comboio de alta velocidade ultrapassava os 25%. Quando o tempo de trajeto atual até Marselha ou até as estações da Côte d’Azur era largamente superior a quatro horas (COMISSÃO EUROPEIA, 2001, p. 58). Os projetos prioritários, notadamente aqueles descritos nas Redes Transeuropeias, tinham um custo estimado, em 2001, de 110 bilhões de Euros dos orçamentos nacionais, podendo ter apoio financeiro da União de até 10% dos custos. Porém, este esquema não consegue fomentar projetos transfronteiriços e, à quela altura, já estudavam a possibilidade de aumentar este financiamento para a casa dos 20%. Em relação aos projetos co-financiados pela União, os Estados nacionais priorizam investimentos dentro dos paÃses e não os comunitários, como o exemplo do governo francês, que priorizou o TGV13 Paris-Estrasburgo ao invés da travessia dos Alpes. Em resposta aos desafios, bons exemplos surgem. Tem-se pensado novas formas de financiamento, como as taxações sobre o transporte rodoviário. Na SuÃça, existe uma taxação de 20% os veÃculos pesados, 25% de imposto sobre óleos minerais e, ainda, um aumento de 1% como Imposto de Valor Agregado que, em conjunto com os fundos de pensão, tem financiado túneis e ferrovias. Na França, existe um fundo de transportes terrestres e vias navegáveis, de 1995, que taxa em 0,69 centavos de euro por quilômetro rodado em autoestradas, pago pelas concessionárias (taxe d’aménagement du territoire), que financia infraestruturas, sendo metade do valor obrigatoriamente usado em ferrovias. 13 Train à grande vitesse. 222 Há, ainda, exemplos de taxação progressiva para utilização da infraestrutura, referentes à poluição e impactos em geral (poluição, impactos em geral), baseados na ideia de quanto mais taxas, menos tráfego. Na SuÃça, cobram-se 36 euros e, na Alemanha, 13 euros para cada 100 km percorridos por veÃculos de carga. A taxação extra nas autoestradas encontra ainda um entrave jurÃdico, pois a tarifa não pode conter outros custos senão aqueles de construção e operação. A exceção são os veÃculos de carga que pagam pela poluição que emitem, a chamada “Eurovinhetaâ€, variando entre 750 e 1550 euros por ano. Em termos de serviços de passageiros, a tônica é harmonizar procedimentos – antes variáveis de paÃs para paÃs, e ampliar a oferta de informação para o usuário, fomentando, ainda, a integração entre redes e modos de transportes. Exemplos bem sucedidos são os bilhetes de trem que incluem trechos de taxi, na Holanda, ou ainda os bilhetes aero-ferroviários, com os quais se tem acesso, via trem, a algum aeroporto com boa oferta de voos e, dali, prosseguindo de avião. Este é o caso do acordo entre a Deutsche Bahn e a Lufthansa, na Alemanha, fazendo a ligação de Stutgard ao Aeroporto de Frankfurt, e o acordo entre a Airfrance e Thalys (operadora do TGV Paris – Bruxelas), que fornece bilhetes aero-ferroviários para se deslocar de Bruxelas a outros pontos por meio do Aeroporto Charles de Gaule, em Paris (Figura 4.11). 4.4 O caso português Portugal é o paÃs mais ocidental da União Europeia, possuindo, além do território continental, os arquipélagos dos Açores e da Madeira, no Atlântico. O território de pouco mais de 92 mil km² é habitado por cerca de 10,6 milhões de habitantes (EUROSTAT, 2013). A população se concentra majoritariamente na costa atlântica, metade ao redor das zonas metropolitanas de Lisboa e do Porto. 223 Figura 4.11: Placa indicando Integração trem-avião em estação de trem em Bruxelas, 2011. Autor: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2012. Portugal, em termos administrativos, é um paÃs unitário, sendo que as divisões infranacionais não possuem função polÃtico-administrativa, mas meramente históricas e culturais, à exceção das Ilhas dos Açores e da Madeira. O poder local está na mão dos conselhos, equivalente português dos municÃpios brasileiros, e, por sua vez, são divididos em freguesias, algo similar aos distritos no Brasil. Porém, diferente do caso brasileiro em que os distritos não possuem uma administração própria, as freguesias administram uma série de serviços públicos mais básicos para a população. O paÃs aderiu à União Europeia em 1986, sendo profundamente impactado pelas polÃticas de desenvolvimento engendradas no nÃvel comunitário. Aqui nos interessam aquelas ligadas aos transportes e ao ordenamento territorial. O Esquema de Desenvolvimento do Espaço Comunitário (EDEC) é um documento que traça as diretrizes do desenvolvimento territorial europeu, tendo por princÃpios reduzir as desigualdades regionais, reforçar a coesão 224 econômica, fomentar a conservação e gestão dos recursos naturais e do patrimônio cultural, além de promover uma competitividade mais equilibrada do território europeu. Tais objetivos são atingidos por meio do provimento de infraestruturas onde ela falta ou onde está sobrecarregada – aqui merecem destaque as Redes Transeuropeias –, por meio da gestão dos aspectos ambientais e por meio de polÃticas de pesquisa e desenvolvimento: A construção de novas infraestruturas, por mais indispensável que seja para todas as regiões, não será por si só suficiente para resolver os problemas mencionados. O desenvolvimento regional não pode ser assegurado pela simples presença de infraestruturas de transportes e de telecomunicações. É necessária a adopção de medidas complementares noutros domÃnios, tais como a polÃtica estrutural regional ou a promoçãoda educação e da formação, a fim de que os factores de localização regionais possam ser melhorados a longo prazo, principalmente no caso das regiões estruturalmente mais débeis (COMISSÃO EUROPEIA, 1999). Em Portugal, é notório o impacto de tais polÃticas, visivelmente na expansão e qualidade das infraestruturas de transporte interurbano vistas após a adesão à União Europeia. 4.4.1 O PNPOT – Programa Nacional da PolÃtica de Ordenamento do Território Em 2007, o Parlamento Português aprovou o Programa Nacional da PolÃtica de Ordenamento do Território (PNPOT), que consolida os instrumentos de gestão territorial naquele paÃs. Sendo um tema transversal e articulador de outras 225 polÃticas, foi construÃdo considerando as contribuições setoriais, bem como contempla os compromissos de cada setor, incluindo os transportes. O PNPOT possui quatro grandes objetivos, sintonizados com os princÃpios da União Europeia, incluindo as orientações do EDEC, o policentrismo urbano e as Redes Transeuropeias, quais sejam: ï‚§ Espaço sustentável e bem ordenado; ï‚§ Economia competitiva, integrada e aberta; ï‚§ Um território mais equitativo em termos de desenvolvimento e bem estar; ï‚§ Uma sociedade mais criativa e com sentido de cidadania. Por ser um plano nacional e levando-se em consideração o fato de que as polÃticas com impacto territorial não são levadas a cabo apenas pelo governo nacional, o PNPOT define as responsabilidades de nÃvel regional e municipal. Para o nÃvel regional, há o Plano Regional de Ordenamento do Território(PROT), que detalha as diretrizes nacionais ao nÃvel regional. A execução do PROT é fiscalizada pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, unidades descentralizadas do Governo Central responsáveis, ainda, pelos licenciamentos ambiental e territorial nas regiões, tendo em vista que não há governos regionais em Portugal. O PNPOT, tendo o território como ponto articulador das polÃticas públicas, traz, em seu seio, diversas temáticas, dentre as quais: ï‚§ Recursos Naturais e gestão de riscos; ï‚§ Desenvolvimento urbano e rural; ï‚§ Transporte, energia e mudança climática; ï‚§ Competitividade; ï‚§ Infraestrutura e serviços coletivos; 226 ï‚§ Cultura cÃvica e gestão territorial. O destaque que aqui nos interessa é as questões de Transporte e rede urbana: faz-se uma análise da rede urbana portuguesa no momento da concepção do plano e projeta-se a rede urbana futura, sugerindo-se, já, as aglomerações urbanas, cidades e vilas que receberão quais tipos de equipamento, pensando- se na acessibilidade da população a tais equipamentos. Isto é complementado pela sintonia do PNPOT com o Plano Nacional Rodoviário de Portugal, onde toda a estrutura de transportes intermunicipais, de interesse nacional, já se encontra definida. A responsabilidade pela implantação do PNPOT não é centralizada, mas compartilhada entre os diversos órgãos ligados aos setores abrangidos pelo plano. A entidade responsável pelo acompanhamento da implantação das ações previstas no PNPOT é a Direcção-Geral de Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Urbano – DGOTDU, vinculada à pasta do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que tem como funções propor-se: ï‚§ Ao apoio técnico à definição da polÃtica de ordenamento do território e de urbanismo e ao desenvolvimento do seu quadro legal e regulamentar; ï‚§ À monitorização e avaliação do funcionamento do sistema de gestão territorial e das práticas de gestão territorial; ï‚§ Ao exercÃcio das funções normativa e regulamentar e de orientação e apoio técnico à prática e aos agentes das transformações territoriais; ï‚§ À divulgação de boas práticas e à s acções de formação, informação e divulgação técnica dirigidas à capacitação dos agentes territoriais, públicos e privados, e aos cidadãos em geral; ï‚§ Ao acompanhamento das polÃticas territorial e urbana nos âmbitos comunitário, europeu e internacional, através da representação nacional nas organizações e entidades responsáveis pela formulação das bases técnicas dessas polÃticas e da promoção da respectiva aplicação no território nacional. 227 Figura 4.12: Rede urbana e acessibilidade em Portugal Continental. Fonte: PNPOT, 2007 Um problema relatado pela entrevistada Ana Catita, em 2011, é o de que os órgãos que devem levar a cabo as ações previstas não percebem o ordenamento do território como uma polÃtica transversal e que deve permear 228 todas as polÃticas, mas sim como uma polÃtica setorial, dificultando atingir alguns dos objetivos. Citou, ainda, que o setor de transportes é o mais problemático, pois, para o governo português, o Plano Nacional Rodoviário seria intocável, o que faz com que todo o restante do plano deva se articular em torno das redes de transportes. Catita atribui as dificuldades ao fato de a DGOTDU, responsável pela gestão territorial, encontrar-se no mesmo nÃvel dos demais órgãos, não tendo poder de impor e, além de tudo, o PNPOT é orientativo, não taxativo. Diferentemente de Portugal, prossegue, na França, que o ordenamento do território é vinculado ao Primeiro-Ministro, sendo, portanto, superior à s demais entidades e, em sua visão, funcionando melhor que o esquema português. 4.4.2 Planejamento de transportes em Portugal A ideia inicial de se fazer um estudo do planejamento de transportes em Portugal derivou da necessidade de uma comparação do Brasil com algo similar. No caso, a similaridade viria da União Europeia, por questões de porte territorial, populacional e diversidade socioeconômica. E, ainda, pela hipótese de similaridade administrativa entre Brasil e Portugal. Inicialmente, acreditava-se que a infraestrutura portuguesa, visivelmente melhor que a brasileira, derivasse, além de um modelo de planejamento em nÃvel europeu que funcionava bem, da boa gestão dos recursos pelos entes públicos portugueses. Porém, confirmou-se apenas o primeiro item: as boas diretrizes de ordenamento do território e das polÃticas de transportes geraram bons resultados; porém, não é possÃvel dizer o mesmo a respeito da qualidade da gestão pública em Portugal. Uma conclusão – antes mesmo de iniciar a descrição – é a de que a hipótese de similaridade administrativa entre Portugal e Brasil vai além do que se esperava inicialmente. 229 Segundo Sérgio Ribeiro, entrevistado no então Instituto de Mobilidade e Transportes Terrestres, em 2011, havia até a década de 1980 um gabinete de estudos e planejamento de transportes, que fora então extinto. Desde então, foram feitas tentativas de planejamento, porém isoladas, setoriais, modais e desarticuladas entre si. Com a reorganização de instituições do Estado Português, em 2005, foram criados Grupos de Planejamento Estratégico e Relações Internacionais (GPERI), diversos, alocados em cada ministério, que deveriam cumprir funções de planejamento e articular as polÃticas setoriais entre si e com o propósito de uniformizar com as questões internacionais. Porém, jamais funcionaram devido à falta de estrutura adequada. Foi extinto o Gabinete de Estudos Estratégicos e, atualmente, os gabinetes de planejamento atuam de forma isolada e sem articulação entre si. Cada empresa, cada instituto, cada órgão público atua de forma isolada e sem coordenação entre si. O entrevistado deu a entender que nunca houve uma estabilidade institucional, tendo ocorrido diversas fusões e separações entre empresas e institutos públicos. Atualmente, após as mudanças empreendidas em 2011, em decorrência da crise e sob a necessidade de cortar gastos e reorganizar o estado português, o setor de transportes funciona como descrito a seguir. O Ministério de Obras Públicas, Transportes e Comunicação passa a se vincular ao Ministério da Economia e Emprego, sob a forma de uma Secretaria. Subordinado a ela, encontram-se dois institutos públicos, exercendo a função de regulação: o Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), e o Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT), resultado da fusão dos seguintes órgãos: o Instituto Nacional de Infraestrutura Rodoviária (INIR), o Instituto de Mobilidade e Transportes Terrestres (IMTT), o Instituto Nacional de Transporte Ferroviário (INTF) –, e o Instituto de Portos e Transporte MarÃtimo (IPTM). Cabe destacar que, em Portugal, a regulação dos transportes urbanos também se dá no nÃvel do governo central. Porém, para este estudo apenas interessam os transportes estruturantes, relevantes em escala regional e nacional. 230 Portanto, aqui serão tratadas apenas as instituições relativas a este tipo de transporte. No nÃvel de execução, encontram-se empresas públicas que mantêm as infraestruturas e fornece os serviços diretamente, ou mediante subconcessão, à população: A Comboios de Portugal (CP), responsável por serviços de transporte de cargas e passageiros; a REFER, responsável pela manutenção das linhas férreas; a Estradas de Portugal (EP), responsável pela gestão, construção e operação das vias constantes do Plano Rodoviário Nacional, além das administradoras dos portos e aeroportos – merecem destaque a Aeroportos de Portugal (ANA), vinculada ao governo central, e a Aeroportos da Madeira (ANAM), vinculada à Região Autônoma da Ilha da Madeira. Figura 4.13: Estrutura para o planejamento de transportes em Portugal. A rede rodoviária portuguesa tem sua construção orientada pelo Plano Rodoviário Nacional, de 2000. A rede é hierarquizada em dois tipos de sistemas: a Rede Nacional Fundamental e a Rede Nacional Complementar. 231 A Rede Nacional Fundamental é composta pelos Itinerários principais, três trechos no sentido Norte-Sul e seis trechos no sentido Leste-Oeste, ligando os principais centros de população, portos e fronteiras. Possuem, obrigatoriamente, perfil de autoestrada, totalizando 2.500 km de rodovias. A Rede Nacional Complementar é composta pelos Itinerários Complementares, que ligam centros intermediários e grandes, podendo ter perfil de autoestrada ou outro tipo de rodovia de acesso controlado, sem divisão de pistas, e pelas Estradas Nacionais e Estradas Regionais, não necessariamente possuindo controle de acesso. Contempla o total de 7.500 km de vias. Porém, conforme destaca Sérgio Ribeiro em sua entrevista, o perÃodo pós- adesão à União Europeia foi marcado pela construção de mais trechos do que a capacidade financeira do Estado português permitia, sendo um dos fatores precursores do grande endividamento público vivenciado atualmente por aquela nação. Considerando a oferta de apoio europeu e crédito fácil e, ainda, vislumbrando-se o alargamento da União Europeia para o leste, com paÃses mais pobres e que requereriam mais investimentos, as decisões de construção de autoestradas foram feitas à s pressas, com o temor da escassez de crédito derivada do direcionamento dos créditos aos paÃses do leste (Figura 4.15). Para atrair investidores no cenário de juros baixos vivenciados ali, o Estado Português maquiou os dados de demanda, superestimando-as e, assim, atraindo investidores para os procedimentos licitatórios. Assim, as diferenças atuais verificadas entre o recurso proveniente dos pedágios e aqueles estimados para as licitações são integralmente custeadas pelo Estado Português. O sistema ferroviário de Portugal é composto por uma rede ferroviária operacional de 2.794 km, por onde circulam, em média, 1.776 trens por dia. Diferentemente do que ocorre no Brasil, as linhas portuguesas transportam tanto passageiros quanto cargas. As ferrovias portuguesas cobrem uma área em que vivem cerca de 85% da população nacional (REFER, 2011), além de abranger quatro dos principais portos portugueses e pontos de fronteira. 232 Figura 4.14: Rede de Autoestradas Portuguesas. Sem escala. Fonte: Portugal Convida, 2011. Os serviços de passageiros incluem Serviços de subúrbio, regionais, inter- regionais e internacionais, incluindo o Alfa Pendular, que chega a 200 km/h, circulando entre as principais cidades portuguesas localizadas próximas à costa, desde Faro, no sul, até Braga, no norte. Os serviços de passageiros da Comboios de Portugal (CP), a principal operadora, transportaram, em 2010, 3.718 milhões de passageiros (MINISTÉRIO DO EMPREGO E ECONOMIA, 2011). 233 Figura 4.15: Modernização ferroviária financiada com recursos da União Europeia, Porto. Autor: SÃlvio Barbosa da Silva Júnior, 2012. 234 Figura 4.16: Rede ferroviária portuguesa e velocidades limites de velocidade, 2013. Fonte: REFER, 2013. O transporte ferroviário em Portugal, juntamente com a Espanha, possui a peculiaridade de possuir uma bitola diversa daquela existente no resto dos 235 paÃses da União Europeia, a chamada bitola ibérica, o que dificulta a interoperabilidade preconizada na polÃtica europeia de transportes. Outro ponto relacionado à polÃtica europeia de transportes é a separação contabilÃstica apregoada desde os anos 1990. Portugal foi além da separação contabilÃstica e criou duas empresas públicas, sendo uma, a REFER, para gerir a infraestrutura ferroviária, e outra, a CP, para prestar os serviços de transportes de cargas e passageiros. Há ainda o projeto do Trem de Alta Velocidade contemplando três eixos: Lisboa-Porto, Porto-Vigo e Lisboa-Madrid. Este último tido como um eixo prioritário dentre as Redes Transeuropeias. Porém, mesmo após os estudos e vários adiamentos, o projeto fora cancelado pelo atual governo português, no contexto da atual crise econômica que a Europa vivencia nos últimos anos. Um dado conflitante com a falta de prioridade dada aos projetos ferroviários é a crescente demanda pelo transporte aéreo. Os aeroportos portugueses transportaram aproximadamente 29 milhões de passageiros no ano de 2011, sendo que mais da metade desse tráfego se concentra no Aeroporto Internacional da Portela, em Lisboa. Quadro 4.2: Movimentação nos aeroportos de Portugal em 2011. Aeroporto Movimentação em 2011 Lisboa 14.478.255 Porto 5.840.798 Faro 4.911.329 Funchal 1.830.476 Ponta Delgada 842.214 Terceira 417.574 Horta 180.048 Adaptado de INAC, 2012. Observa-se que o Estado Português privilegiou o transporte rodoviário – vide o conjunto de autoestradas que, segundo o próprio governo, tem uma das maiores redes do mundo, proporcionalmente ao território e à população; e o 236 transporte aéreo, com tráfego crescente e com as obras de melhoria que ampliaram a capacidade do Aeroporto de Lisboa, bem como acesso a ele por metrô. Este fato não ocorreu apenas em Portugal, mas também em outros paÃses da União Europeia. Privilegiou-se o transporte por automóvel e a construção de autoestradas em detrimento dos investimentos nas redes ferroviárias. 4.4.3 O PET – Plano Estratégico de Transportes No fim de 2011, enquanto ainda era realizado o Estágio de Doutorado na Universidade de Lisboa, foi publicado pelo Ministério da Economia e do Emprego, que acabara de encampar o Ministério de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, um Plano Estratégico de Transportes. Embora o nome sugira um plano integrador de polÃticas de transportes – sabidamente desarticuladas também em Portugal – trata-se de um plano com a pretensão de superar o estado de endividamento vivenciado pelas empresas públicas responsáveis pela prestação dos serviços. O diagnóstico apresentado no documento mostra a relação do elevado grau de endividamento das empresas públicas com a ineficiência em suas operações, na falta de coordenação entre as ações de tais empresas que, em alguns casos, concorriam entre si. O entrevistado Sérgio Ribeiro chegou a dizer que a dÃvida dessas empresas não era contabilizada como parte da dÃvida pública portuguesa e, a partir do momento em que a União Europeia passou a pressionar no sentido de maior transparência e coerência é que se percebeu o nÃvel de endividamento de todo o Estado Português. O primeiro ponto é a oferta de mais lugares do que passageiros. Não em um patamar que garantisse conforto, mas em patamares exacerbados. Tal 237 situação foi averiguada tanto em sistemas urbanos, como o Metrô de Lisboa, o Metrô do Porto e a Carris, quanto nas operadoras de transporte de longo curso, como a CP, conforme vemos nas figuras a seguir. Da superoferta derivaram-se os déficits econômicos; da ampliação da infraestrutura e dos serviços, vieram os déficits financeiros das atividades de investimento e, a partir daÃ, em se tratando de um serviço público essencial e a necessidade de sua manutenção, os encargos com juros dos empréstimos contraÃdos para manutenção e expansão dos serviços. Figura 4.17: custos e entradas na operação da CP em 2010. Fonte: Ministério da Economia e do Emprego, 2011. 238 Figura 4.18: oferta de lugares e procura por passageiros na CP em 2010. Fonte: Ministério da Economia e do Emprego, 2011. A estimativa do documento é a de que até 2015, se nenhuma medida fosse tomada, seria atingido o nÃvel de endividamento da ordem de 16,7 bilhões de Euros pelo conjunto de empresas públicas de transportes. Para além do endividamento, a superestimação de demandas para a concessão de rodovias gerou uma diferença entre as receitas auferidas pelas concessionárias e aquelas esperadas. Tal diferença é integralmente custeada pelo orçamento nacional. Há, ainda, as autoestradas construÃdas sem a cobrança de pedágio ou “Sem custos para os utilizadores†– SCUT. Como solução, o documento propõe três vetores de atuação prioritária: ï‚§ Cumprir com os compromissos financeiros assumidos por Portugal internacionalmente sem que isso represente o sufocamento do contribuinte português; ï‚§ Alavancar a competitividade; 239 ï‚§ Garantir a mobilidade e o acesso a bens e serviços para a população considerando as alternativas mais economicamente viáveis. A diretriz a que se chega é a da necessidade de reorganização do setor empresarial do Estado, ou seja, as empresas públicas prestadoras de serviços. As iniciativas incluem a fusão dos operadores de transporte urbano, particularmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto; a adequação do quadro de pessoal ao quantitativo necessário, reduzindo-se os cargos de direção; a racionalização das redes, eliminando-se redundâncias, extinguindo serviços deficitários e substituindo-os por outros economicamente viáveis; a geração de receitas extra-tarifárias e, por fim, a adequação das tarifas ao patamar dos demais paÃses europeus. Exemplos de serviços extremamente deficitários estão alguns ramais ferroviários que exigem muita manutenção, com pesados custos fixos, atendendo a poucos passageiros. O PET recomenda a extinção desses serviços, substituindo por ônibus onde for menos oneroso. Outras ações incluem a transferência de algumas infraestruturas menos relevantes em nÃvel nacional para a administração dos municÃpios; a concessão de algumas rodovias operadas diretamente pelo Estado e a suspensão seletiva de novos investimentos. Não serão executados aqueles empreendimentos que não demonstrem ser autossustentáveis ou que dependam de recursos extra- orçamentários. Dentre os projetos suspensos, merece destaque o Trem de Alta Velocidade, abortado após este documento. Um ponto interessante é a decisão de fomentar plataformas logÃsticas em sintonia com as Redes Transeuropeias: o PET propõe que tais plataformas se localizem ao redor dos portos, aeroportos, que conectam Portugal com o mundo, e ao redor dos eixos das Redes Transeuropeias. 240 4.5 Outras Questões – Considerações Gerais Para além dos planos, instituições e endividamento, há aprendizados a se tomar da experiência portuguesa e europeia. Ana Catita, da DGOTDU, tratou de um processo sem correspondente no Brasil: a reserva de áreas para faixas de domÃnio: quando se decide pela construção de uma infraestrutura linear ou pontual de energia ou transportes, se faz o chamado “condicionamento de áreaâ€. Após os estudos que indicam os melhores traçados ou localizações, se suspendem os licenciamentos (liberações/alvarás) para construções novas nas áreas atingidas. Isto minimiza os problemas com indenizações mais elevadas por conta de benfeitorias, no caso de desapropriações. A relação entre as instituições de planejamento e gestão de transportes com as instituições de gestão ambiental e licenciamento territorial é um caso a parte: todos os entrevistados destacaram haver um bom relacionamento entre os setores. Por um lado, o planejamento e a gestão dos transportes em Portugal parecem ter absorvido as melhores técnicas em respeito ao meio ambiente; por outro, o processo do licenciamento ambiental tem prazos definidos e que são cumpridos pelas instituições licenciadoras. Esses dois fatores favorecem a boa relação entre os setores, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde a relação é mais conflituosa. Dois exemplos de decisões que consideraram os aspectos ambientais merecem destaque: a construção da Ponte Vasco da Gama e a construção da Circular Regional Interna de Lisboa, a CRIL. A Ponte Vasco da Gama é parte do Itinerário Principal 1(IP-1), componente do sistema fundamental do Plano Rodoviário Nacional, que precisava superar, além do estuário do Rio Tejo, um sapal (manguezal) e salinas protegidas pela legislação ambiental (Parque Natural do Estuário do Tejo). Considerando que tanto a autoestrada quanto as áreas protegidas eram de fundamental 241 importância para a nação, deliberou-se a construção com viadutos de acesso que não interferissem com as áreas protegidas. A largura do estuário, no trecho, é de aproximadamente nove quilômetros. Porém, considerando a necessidade de preservação das áreas protegidas, a ponte foi inaugurada em 1998 com um trecho elevado de 12 quilômetros e, contabilizando os acessos, mais de 17 quilômetros. Figura 4.19: Ponte Vasco da Gama. Autor: Dmitry Mazurov, 2012. A Circular Regional Interna de Lisboa (CRIL) é uma autoestrada de 21 km que circunda a parte mais central da zona metropolitana de Lisboa, servindo tanto para deslocamentos de longa distância quanto para deslocamentos metropolitanos. Havia nela um trecho faltante concluÃdo em 2011, nove anos após o primeiro trecho. 242 Os relatos de Cristina Russo, da APA, e de Ana Cristina Martins, da EP, nos dão conta de como foi o processo. Já há muitos anos havia a previsão de sua conclusão, estando reservada uma faixa non aedificandi para tal finalidade. No entanto, tal faixa fora ocupada por moradias irregulares em alguns pontos. O processo de construção começou com a remoção dessas famÃlias e a transferência delas para locais apropriados, por meio de programas de habitação. Figura 4.20: Padrão de sinalização e acesso à CRIL. Autor: Dmitry Mazurov, 2012. As entrevistadas destacaram, ainda, que a “Declaração de Impacte Ambientalâ€, como eles denominam o documento de licenciamento ambiental, propôs a mudança da tecnologia construtiva de elevado para túnel/vala aberta, visando eliminar o efeito barreira (MOUETTE, 1998) sobre o meio urbano circundante. As áreas remanescentes foram transformadas em áreas de lazer. Ana Cristina 243 Martins, da EP, destacou também, apesar de haver dificuldades, a boa relação com os concelhos (municÃpios) durante o processo de licenciamento territorial. Figura 4.21: Proteção contra ruÃdos nos trechos urbanos de autoestrada em Lisboa. Autor: Dmitry Mazurov, 2012. O que há de se aprender da experiência portuguesa e europeia é ter o foco na qualidade de vida e uma diretriz territorial que guie as decisões. O foco na qualidade de vida é notável na qualidade dos serviços e infraestruturas: boas autoestradas, tratamento digno de travessias urbanas, serviços confiáveis e de transporte de longo curso, ambientes integrados com os transportes urbanos. A polÃtica europeia de transportes é consistente e sintonizada com diretrizes territoriais e ambientais, priorizando os modos menos poluentes como o ferroviário e aquaviário, sem ignorar a importância do rodoviário e aéreo. Porém, os Estados Nacionais priorizaram investimentos intranacionais e 244 rodoviários, reforçando, salvo exceções, as infraestruturas rodoviárias e o uso do automóvel. Não foi diferente em Portugal, onde, além da construção de uma grande rede de autoestradas, promoveram um acréscimo de oferta de transporte público – urbano e de longo curso – e da qualidade do serviço. Porém, a oferta era muito maior que a demanda, o que foi decisivo na geração de déficits, culminando no endividamento das empresas estatais. A ação no sentido de reverter o quadro e tomar decisões mais racionais só veio com o advento da crise, que evidenciou o processo de endividamento. Há de se destacar a inação do Estado Português durante anos de gestão ineficiente, tendo tomado atitudes mais concretas apenas após a deflagração de uma crise maior. Lá, na bonança financeira dos recursos abundantes da União Europeia, modernizaram sua infraestrutura, ainda que tenham priorizado o modo rodoviário e deixado de lado aspectos importantes, e melhoraram a qualidade de vida da população. Porém, a modernização institucional, muito lentamente, apenas tem caminhado após o perÃodo de crise. No Brasil, tanto instituições quanto a infraestrutura e os serviços deixam a desejar; porém, com o recente boom na qualidade de vida e na disponibilidade de recursos para investimentos, amplia-se a aplicação de recursos em infraestruturas sem, no entanto, que isso represente uma melhoria na atuação das instituições. Deste modo, observa-se a semelhança entre o modus operandi lá e cá, confirmando a hipótese da similaridade administrativa entre os Estados Português e Brasileiro. 245 4.6 Atuação do Estado Brasileiro e da União Europeia: uma SÃntese No CapÃtulo 3, descrevemos brevemente a configuração e o estado atual das redes e serviços de transportes estruturantes, em nÃvel federal, no Brasil e a principal avaliação é a de que, tal como está configurada hoje, ela indica não haver uma real preocupação com a função dos transportes como elementos estruturadores do território nacional. Mais que isso, os sistemas nacionais de transporte não conseguem atender adequadamente uma função mais básica, que é a de suprir as demandas por deslocamentos de bens e pessoas no território. Tais caracterÃsticas de rede refletem uma incapacidade/incompetência da administração pública, por meio dos órgãos responsáveis, em planejar, num primeiro momento e, em seguida, gerir tal rede. No que se refere a planejamento, é notória a ausência ou o uso inadequado de princÃpios norteadores, ou seja, objetivos maiores que se pretende atingir com determinada polÃtica. O viés que aqui adotamos é que, dentre tais princÃpios, haja conteúdo de ordenamento do território, tendo em vista que o território é uma das bases fundamentais de um Estado-Nação. Num segundo nÃvel, há o conjunto de dificuldades em se executar a polÃtica vigente, seja por falta de recursos orçamentários, pela incompetência dos responsáveis, por questões polÃtico-partidárias ou, ainda, pelos sabidos problemas de articulação interinstitucional, que também destacamos no CapÃtulo 3. Em termos de articulação interinstitucional, destacamos naquele CapÃtulo aquelas intersetoriais, considerando conflitos de instituições do mesmo nÃvel de decisão como os setores de transporte x ambiental, ou transporte x energia, mas também interfederativos, quando se abordam as dificuldades de relacionamento entre os entes federados – União, Estados e MunicÃpios, seja pela divisão inadequada de poderes, seja pela falta de capacidade de articulação. 246 Um terceiro elemento que pode ser incluÃdo na análise é a boa qualidade necessária a todo o processo, desde o nÃvel da definição de princÃpios, passando pelas polÃticas e planos mais especÃficos, chegando até as obras mais pontuais. Há de se ter como padrão de excelência que todas essas etapas/nÃveis possuam elevado grau de coerência entre si e sejam consoantes com as necessidades e princÃpios da sociedade a que servem. Em suma: as polÃticas públicas devem ser claras, eficientes e sintonizadas com os princÃpios; os planos especÃficos devem detalhar partes da polÃtica pública e conter informação o suficiente para ser levado a cabo; bem como as obras em si devem ser suficientemente discutidas, no sentido de serem feitas as melhores escolhas, e bem construÃdas, visando garantir sua qualidade objetiva. Embora a atuação em planejamento e gestão de transportes na União Europeia apresente problemas, é ponto pacÃfico observar que ali já se encontram em outro patamar de qualidade, muito mais elevado do que o brasileiro. O principal instrumento de polÃtica pública de transportes, o Livro Branco dos Transportes, encontra-se em grande sintonia com os princÃpios básicos da União Europeia, relacionando-se ao desenvolvimento socioeconômico e territorial por meio da redução das desigualdades sociais e regionais, da coesão territorial e do aumento da competitividade perante o cenário internacional. A União Europeia, apesar de, em linhas gerais, possuir maior nÃvel de desenvolvimento socioeconômico que o Brasil, possui grandes disparidades regionais entre os paÃses e dentro dos próprios paÃses, e a polÃtica de transportes tem o mérito de, seguindo os princÃpios básicos, ser um dos pilares da superação dessa condição. Nota-se o claro viés territorial dos princÃpios e, por conseguinte, do documento norteador das polÃticas públicas. A meta do planejamento e da gestão é, por meio dos princÃpios, atingir aos objetivos propostos e não meramente eliminar gargalos, como tem sido a ação brasileira. 247 Porém, é ilusório crer que um documento, por si só, por mais alinhado que esteja com princÃpios, e por mais que traga medidas que efetivamente tenham potencial de atingir aos objetivos preconizados, seja capaz de prover a melhor infraestrutura e os melhores serviços possÃveis. Outro ponto que pode induzir a uma conclusão equivocada é o fato de as infraestruturas e serviços europeus apresentarem um patamar de qualidade bastante superior aos brasileiros, dando a impressão de que tudo é perfeito e isento de problemas. Assim como no Brasil, na União Europeia há problemas de ordem polÃtico- partidária e problemas de articulação intersetorial, interfederativa e interinstitucional. É de se esperar que, em um grupo de quase 500 milhões de cidadãos, habitantes de 27 paÃses, falantes de, pelo menos, 23 lÃnguas oficiais, exista a possibilidade de grandes divergências em termos de posicionamento polÃtico e que refletem na definição de prioridades da União e das polÃticas públicas. A articulação intersetorial pode ser menos problemática, quando se tem em vista o alinhamento aos princÃpios já referidos; porém, há de se tomar especial atenção em relação à s interações entre as infraestruturas e áreas de protegidas – ambientais e de comunidades tradicionais, bem como com infraestruturas produtoras de energia – hidrelétricas, por exemplo – e com áreas urbanas. A questão da articulação interfederativa é particularmente sensÃvel, pese a que, além das diretrizes comunitárias, editadas pela União, existe ainda o nÃvel nacional, com sua legislação e suas normas (que por mais que estejam alinhadas com as da União, podem conter pontos divergentes), e os nÃveis infranacionais, variáveis de paÃs para paÃs. Quanto a isto, temos os exemplos analisados no CapÃtulo 4 que mostram que, apesar da preferência para projetos ferroviários pelas diretrizes do Livro Branco, grande parte dos pedidos de financiamento por parte dos paÃses se refere a autoestradas. Da mesma forma, é incongruente o crescimento elevado do transporte aéreo frente à estagnação do transporte ferroviário de passageiros. 248 Dificuldades de articulação entre paÃses se referem à s Redes Transeuropeias, particularmente em projetos de grande monta e que superem fronteiras nacionais, que não vinham sendo alvo de pedidos de financiamento por parte dos paÃses, que preferiam tocar obras que se situassem integralmente dentro de seus limites. Este fato gerou, nas revisões do Livro Branco, a se repensar os mecanismos de financiamento de modo a estimular que os projetos transnacionais fossem levados a cabo. Este é um ponto positivo do planejamento em nÃvel europeu: a autocrÃtica. As revisões do Livro Branco dos Transportes fazem a leitura dos erros e acertos da versão anterior, bem como propõem correções de rumos, algo que o planejamento, como feito no Brasil, não considera. A proposta que ora se faz é a de um modelo para um sistema de planejamento de transportes para o Brasil, com base nas caracterÃsticas observadas, melhorias requeridas, bem como na experiência europeia, considerando seus pontos fortes e fracos. O primeiro item necessário é a definição de quais os princÃpios norteadores para a polÃtica nacional de transportes. Na ausência de um plano nacional de ordenamento do território, o setor dos transportes, detentor de grande orçamento e prestÃgio – ainda que não seja o que melhor funcione – deveria se articular com os demais setores, particularmente ambiental, energia, planejamento, integração nacional, no sentido de se definir princÃpios e diretrizes comuns de desenvolvimento, principalmente no aspecto territorial desse desenvolvimento. Essas bases virão, primordialmente, da Constituição Federal e da participação popular, mas também de uma visão nacional, de um projeto nacional de longo prazo em que se definam metas a serem atingidas em determinado perÃodo. Sendo os transportes um elemento fundamental na organização do espaço, não há como pensar os transportes sem considerar o território e, também, não há como pensar território sem considerar os transportes. 249 De conhecimento de tais princÃpios, metas e diretrizes, devem ser conduzidos estudos para uma polÃtica consistente de transportes, com base territorial e forte articulação com as demais polÃticas setoriais. Não é preciso lembrar que o transporte é mais um elemento da cadeia e não funciona só. E, à medida que os princÃpios norteadores são os mesmos e que as polÃticas setoriais são construÃdas em conjunto, se minimizam as possibilidades de conflito. No modelo das Redes Transeuropeias, haveria de se definir uma rede estruturante, principal, em torno da qual haveria a concentração de população e atividades econômicas. Tal rede deve ser definida tendo caracterÃsticas mÃnimas, de modo a atingir os objetivos propostos. Em relação aos transportes, uma polÃtica de longo prazo deve considerar minimamente a necessidade da intermodalidade, da complementaridade dos modos, da qualidade da informação ao usuário/cidadão, os modelos de financiamento, a integração do território nacional, as caracterÃsticas da frota. Hoje, boa parte desses itens está de fora da atuação do Estado Brasileiro. Com base na experiência europeia, da dificuldade de articulação entre as nações para a consecução de projetos transnacionais, há de se fomentar um estreitamento das relações entre os órgãos federais e aqueles estaduais, com vistas a harmonizar os interesses. Se por um lado há a necessidade de se centralizar a informação, as diretrizes e a definição de padrões mÃnimos, por outro se deve descentralizar a execução dos planos e obras especÃficos, permitindo com que cada Estado desenvolva seus modelos de execução, possibilitando, inclusive, a inovação, por meio da variedade de experiências. Quando falamos em padrões mÃnimos, remetemos também à necessidade de definição de uma rede estruturante nacional, ou seja, uma rede, em torno da qual se desenvolverão os principais núcleos populacionais e atividades econômicas mais relevantes. Esta rede deve ter padrões mÃnimos, definidos nacionalmente. Deve haver padrões mÃnimos de geometria e sinalização também para as redes secundárias, visando uniformizar o tratamento e a qualidade da infraestrutura, bem como oferecer uma rede mais ‘legÃvel’ e inteligÃvel por parte dos cidadãos. 250 Por fim, há a necessidade de se melhorar a qualidade das obras e da operação dos sistemas. Primeiramente, adotando-se as melhores normas internacionais sobre o assunto; adotando-se padrões mÃnimos para as infraestruturas e serviços tidos como estruturantes e, fundamentalmente, melhorando qualidade da gestão das instituições responsáveis por conduzir e fiscalizar tais obras e operação. Ainda em relação à articulação interfederativa, enquanto não se pensa em uma redivisão administrativa e redistribuição de poderes, há de se fornecer o devido apoio aos municÃpios (Estados e União) para que sejam capazes de ordenar e controlar seu desenvolvimento urbano. O crescimento desordenado e/ou mal ordenado das áreas urbanas são um dos principais causadores de saturação/inutilização das infraestruturas estruturantes de transportes. Isto ocorre principalmente pela incapacidade de grande parte dos municÃpios em gerir seu território. Vale lembrar que a imensa maioria dos municÃpios tem poucos habitantes e, portanto, menor possibilidade de formar quadros competentes para a gestão municipal. Em suma, o planejamento e a gestão dos transportessão partem de algo maior, que tem como centro a gestão do território, orientado por princÃpios norteadores da sociedade, e que tem por finalidade última a garantia da qualidade de vida para os habitantes de dado território. Sendo assim, não faz sentido o planejamento de transportes por si só, mas sim aquele que leva em consideração os princÃpios maiores. 251 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final do desenvolvimento do programa de pesquisa que idealizamos para esta tese, consideramos que atingimos aos objetivos propostos no inÃcio. Discutimos, com base em conceitos fundamentais como território, transportes e ordenamento do território, levando-se em consideração as reflexões tanto de autores clássicos quanto de estudos mais recentes, o papel fundamental que as redes de transporte possuem sobre a estruturação do território nas mais variadas escalas. Buscamos reconstruir, com base na análise da literatura disponÃvel e, associando aos conceitos fundamentais considerados neste estudo, o papel das polÃticas e das redes de transporte na formação socioespacial brasileira, desde o “Descobrimento†em 1500 até o inÃcio do presente século. Embora o transporte, como discutimos, não seja uma atividade fim, mas uma atividade meio que serve de suporte para as demais atividades humanas, o tema sempre esteve em discussão e suas caracterÃsticas – das redes, dos serviços, das polÃticas – influenciaram profundamente a estruturação do espaço nacional, desde as primeiras vilas fundadas à beira-mar ou à margem de rios, permitindo os contatos comerciais com a metrópole portuguesa ou outros centros, à s discussões recentes para implantação de uma rede de trens de alta velocidade. Chegando ao cerne da principal questão proposta nesta tese, observa-se que não existe no Brasil uma polÃtica territorial consistente. Apesar de estudos em particular – como o “Estudo para a dimensão territorial para o planejamento†– possuÃrem uma visão mais abrangente, jamais conseguiu influenciar de modo substancioso as decisões do Estado brasileiro. Bem como polÃticas de “desenvolvimento regional†e outras polÃticas setoriais – ambiental, de transportes, dentre outras que, apesar de considerarem variáveis territoriais, 252 trabalham de modo desarticulado devido, dentre outros fatores, à ausência de uma visão territorial que as unifique. O que concluÃmos até aqui é que, apesar de não se poder falar em ausência de uma visão territorial nas polÃticas públicas do Estado Brasileiro, há uma ausência de uma visão territorial unificada que sirva de parâmetro para as polÃticas setoriais, com vistas ao ordenamento do território nacional. A polÃtica nacional de transportes encontra-se baseada em uma legislação que, apesar de mencionar itens como “segurança nacionalâ€, “integração regional, nacional e internacionalâ€, dentre outros, resume-se a um rol de vias e terminais que vem sendo incluÃdos nas diversas atualizações da legislação. Com base em tal legislação, o principal guia para a gestão dos transportes é o Plano Nacional de LogÃstica e Transportes. Este, embora possua como méritos a tentativa de resgate do planejamento de longo prazo e, ainda, a consideração de alguns aspectos territoriais como premissas, está longe de ser algo próximo do desejável: por um lado por ser descolado de uma lógica maior de ordenamento do território, por outro por ser apenas um plano indicativo, sem vinculação legal que obrigue sua execução integral. O discurso é de o PNLT ser um plano de Estado, sendo que este deveria ser viabilizado pelos entes da União. Até o momento, o que se tem, é de que algumas das obras constantes do PNLT estejam sendo realizadas via Programa de Aceleração do Crescimento, que nada mais é que um programa de gestão de obras. Embora tenha elevado o nÃvel de fiscalização e a velocidade de execução das obras sob sua tutela, o PAC está longe de viabilizar a totalidade das infraestruturas previstas no PNLT. Mais recentemente fora lançado o Programa de Investimentos em LogÃstica (PIL), que tem a pretensão de ampliar o investimento em infraestrutura de transportes por meio de parcerias do Estado com parceiros privados, com recurso da concessão e ampliação de capacidade de rodovias, construção de ferrovias, mudanças no modelo de operação ferroviária, concessões e melhoramentos em aeroportos e portos. Tal programa ainda é muito recente para que se teçam maiores comentários, mas, considerando que há um 253 problema de descolamento da polÃtica de transportes com uma estratégia territorial mais ampla, este programa poderá, tão somente, conseguir melhorar as infraestruturas, sem que isso signifique uma maior atenção ao ordenamento do território. A rede brasileira de transportes, apesar das intervenções e melhorias recentes, segue mostrando a inoperância do Estado brasileiro, nas últimas décadas, em ordenar o espaço nacional, desprezando o potencial das redes de transportes para tal. Isto é claramente visÃvel quando se nota a ausência de hierarquia do sistema viário nacional, denunciados, por exemplo, pela falta de uma rede estrutural de autoestradas e/ ou de trens de alta velocidade conectando os centros relevantes do território nacional, como existe em paÃses ditos desenvolvidos e, até mesmo, em outros mais pobres que o Brasil. Além da ausência de uma visão/polÃtica estratégica nacional que considere o território como substrato para o desenvolvimento, outro ponto fulcral é a questão da articulação interinstitucional: as instituições envolvidas nos processos de decisão que culminam na implantação de infraestruturas e serviços de transportes não se articulam adequadamente. Isso em diversos nÃveis: entre instituições do mesmo setor, entre instituições de setores distintos, entre nÃveis federativos. Há uma enorme tensão, conforme constatamos, entre os setores de transportes e de meio ambiente, reflexo tanto de uma falta de conhecimento de ambas as partes sobre a importância do trabalho da outra e, sobretudo, de uma polÃtica de ordenamento territorial que traga diretrizes claras para os demais setores. Naturalmente, a organização institucional tem peso nesse aspecto, tendo em vista que há três entidades com status de ministério gerindo o sistema nacional de transportes, ampliando o nÃvel de dificuldade para a articulação e, por consequência, uma melhor execução da polÃtica de transportes: O Ministério dos Transportes, a Secretaria de Portos e a Secretaria de Aviação Civil. 254 Ainda em relação à articulação interinstitucional, é particularmente grave a falta de um diálogo qualificado entre as decisões de nÃvel federal – sobre a rede estrutural de transportes – e aquelas tomadas nos municÃpios. Aqueles que decidem sobre transportes demonstram desconhecer a natureza dos impactos em nÃvel local e as soluções possÃveis. Os municÃpios, apesar de dotados de mais poder desde a Constituição Federal de 1988, não possuem – em sua ampla maioria – capacidade técnica nem administrativa para gerir tais questões nem tampouco negociar com os demais nÃveis. Caberia ao nÃvel mais elevado – e com mais condições técnicas e financeiras – a iniciativa de melhorar tal relação, por meio de uma visão transescalar, analisando os problemas não meramente pela ótica macro, mas considerando seus potenciais impactos nas escalas regional e local, atuando em parceria com Estados e municÃpios. Há de se esperar, por conta da natureza federativa do Estado Brasileiro e da consequente divisão de poderes, que haja conflitos entre a atuação da União e a dos Estados e MunicÃpios. Porém, há de se buscar sua superação no intuito de oferecer algo que deve ser interesse de toda a administração pública, que é o fornecimento de um território equilibrado, servido de infraestruturas adequadas e serviços de qualidade para a população que o habita. Ainda que seja um território com problemas a serem superados e com um contexto histórico bastante diverso do brasileiro, as ações da União Europeia nos fornecem um bom contraponto ao caso brasileiro. Em se tratando de uma união de Estados nacionais independentes, que renunciaram parte de sua soberania para um ente maior, encontra-se nesse aspecto uma possibilidade de harmonizar e eliminar alguns conflitos. A polÃtica de transportes da União Europeia é um bom exemplo de polÃtica comunitária supranacional que, apesar de todos os problemas relatados no capÃtulo 4, tem conseguido melhorar infraestruturas no nÃvel dos Estados- membros e, ainda, articular esforços transnacionais em projetos que o requeiram, como as Redes Trane Europeias. Possui forte viés territorial e ambiental, contendo metas por perÃodos, bem como revisões periódicas que contêm a autocrÃtica necessária a toda polÃtica. 255 As polÃticas nacionais devem, obrigatoriamente, estar alinhadas à polÃtica comunitária, o que busca a harmonização das ações e eliminação de redundâncias. No Brasil, ainda estamos longe desse nÃvel de organização no qual Estados e União ainda possuem muitos pontos divergentes. Em termos de organização institucional, acertos polÃticos nos nÃveis nacional e infranacional demonstram uma semelhança com o Brasil: no caso português, por exemplo, há redundâncias e confusões na atribuição de órgãos, o que deve se repetir em outras nações. Porém, a existência de metas a serem atingidas e cobradas em nÃvel comunitário parece fazer com que as instituições tenham que se articular de modo mais afinado em busca das metas estabelecidas. O território europeu mostra, apesar das dificuldades de gestão de recursos e de articulação institucional que avaliamos no CapÃtulo 4, que há uma sintonia muito maior entre o ordenamento do território e a distribuição da infraestrutura de transportes, ao contrário do que observamos no território brasileiro. Em suma, a legislação pertinente, a polÃtica nacional de transportes e a atuação recente dos órgãos responsáveis pelos transportes em escala nacional no Brasil mostram-se inadequados no sentido de prover ao paÃs um sistema estruturador para a movimentação de cargas e pessoas, tendo como razões principais: ï‚§ A ausência de uma ligação com uma estratégia superior de ordenamento do território; ï‚§ A falta de articulação entre as polÃticas setoriais – notadamente uma polÃtica de ordenamento do território que sirva de ponto para tal articulação; ï‚§ As dificuldades de articulação interinstitucional; ï‚§ As dificuldades de articulação interfederativa. A superação desta situação passa, a começar, pela construção e uma agenda nacional de desenvolvimento, tendo por base uma diretriz de ordenamento 256 territorial. Apenas com base em uma diretriz territorial, que sirva como ponto de articulação entre polÃticas setoriais, haverá a possibilidade de haver menos atritos e mais sinergia entre os planos/polÃticas territoriais. Passa, em seguida, pela revisão da legislação relativa aos transportes e sua organização, priorizando a divisão adequada das responsabilidades entre os nÃveis federativos, ficando a cargo da união a definição das diretrizes do sistema como um todo e, particularmente, a gestão dos sistemas estruturadores, ou seja, aquele conjunto de infraestruturas e serviços de interesse nacional. Deve considerar, ainda, uma reforma institucional que centralize a informação e o planejamento em um único ministério, diminuindo a possibilidade de “ruÃdos†e disputas de poder, bem como simplifique o quadro de instituições subordinadas a tal ministério, facilitando, acima de tudo, a vida do cidadão que saberá mais facilmente a quem recorrer em caso de problemas. Assim, consideramos que haverá uma melhor capacidade de gestão dos sistemas de transportes e de seus impactos sobre o território. Se voltarmos à premissa inicial do trabalho de que os problemas de transportes são, em grande medida, problemas de ordenamento do território, poderão ser investidos esforços de superar tais problemas atacando também o ordenamento do território e não meramente a infraestrutura que lhe dá suporte. 257 REFERÊNCIAS AEROPORTO Regional de Maringá – EstatÃsticas. DisponÃvel em: http://www.aeroportomaringa.com.br. Acesso em: 05 set. 2012. AMARAL, Marina; ALMEIDA, Sérgio Pinto de; RIBEIRO, Leo Gilson; FREIRE, Roberto; BOURDOUKAN, Georges; NORO, João; SOUZA, Sérgio de. Entrevista com o professor Milton Santos. 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