i UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ÃREA DE CONCENTRAÇÃO: GEOGRAFIA E GESTÃO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGIAS SEPARATISTISTAS E ORDENAMENTO TERRITORIAL: a criação de Palmas na consolidação do estado do Tocantins JOSÉ MANOEL MIRANDA DE OLIVEIRA UBERLÂNDIA/MG 2012 ii JOSÉ MANOEL MIRANDA DE OLIVEIRA ESTRATÉGIAS SEPARATISTISTAS E ORDENAMENTO TERRITORIAL: a criação de Palmas na consolidação do estado do Tocantins Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial à obtenção do tÃtulo de Doutor em Geografia. Ãrea de Concentração: Geografia e Gestão do Território. Orientador: Prof. Dr. William Rodrigues Ferreira. Uberlândia/MG INSTITUTO DE GEOGRAFIA 2012 iii iv v RESUMO Nesta pesquisa foram analisadas as intervenções desenvolvidas para a consolidação territorial e polÃtica do Estado do Tocantins por meio da criação e da construção de Palmas. O primeiro objetivo da tese definiu as deduções realizadas a partir das estratégias do processo de redivisão territorial de Goiás para a criação do Estado do Tocantins. O segundo objetivo analisou as estratégias direcionadas para a criação e construção de Palmas. O terceiro objetivo examinou como as polÃticas de ocupação de Palmas foram estrategicamente utilizadas pelo primeiro governo para consolidar politicamente o grupo liderado por Siqueira Campos. Nesse aspecto, as iniciativas mais significativas e direcionadas à separação do norte de Goiás foram iniciadas com a polÃtica de urbanização dos espaços vazios da região Norte do paÃs, instituÃda por Getúlio Vargas, ainda nos anos 1930, com a instituição do programa Marcha para o Oeste. No contexto desta pesquisa, analisamos a criação de Goiânia e BrasÃlia, como referências para o entendimento das polÃticas de consolidação e ocupação da região norte por meio da expansão urbana. A construção dessas cidades e a ampliação da mobilidade e acesso entre o Estado de Goiás e a região norte, foram analisadas como objetos polÃticos utilizados pelos grupos separatistas do norte de Goiás, até a criação do Estado do Tocantins, em 1988. Os procedimentos utilizados para estruturar os aparelhos de Estado pelo primeiro governador do Estado do Tocantins foram analisados como um dos procedimentos para justificar a construção de uma cidade para ser a sede administrativa do Estado. Na sequência, abordamos as intervenções utilizadas pelo governo para adaptar o planejamento urbano e as empresas públicas do Estado à s transformações polÃtico-econômicas em curso, e o reflexo direto e indireto no ordenamento territorial da capital. Com essas intervenções, o governo deixou mais claro os objetivos da criação e construção de Palmas diante da polÃtica de configuração da identidade urbana da cidade. Assim, o objetivo deste tralho é provar por meio de estratégias hipotético-dedutivas que as intervenções efetivadas para a conquista da autonomia territorial do norte de Goiás, a criação, a construção e a ocupação dos espaços de Palmas foram desenvolvidas como objeto de consolidação polÃtica do Estado do Tocantins. Palavras-chave: Intervenção; Divisão Territorial; Urbanização; Cidade. vi ABSTRACT This research analyzes the interventions developed for the territorial and political consolidation of the Tocantins State (Brazil) through the creation and construction of Palmas. The first aim of the thesis set out the deductions made for the process of Goiás territorial redivision to the creation of the Tocantins State. The second objective examined the strategies realized to creation and construction of Palmas. The third objective examined how the Palmas policies of occupation were strategically used by the first government to consolidate the political group led by Siqueira Campos. The most significant initiatives to the separation of northern Goiás began with the urbanization policy of the empty spaces in the region north of the country, established by President Getúlio Vargas in the 1930s with the implementation of the program March to the West. Thus, we analyze the creation of Goiania and Brasilia as references for understanding the consolidation and occupation political of the northern region by urban growth. The construction of these cities and the expansion of mobility and access between the Goiás State and the northern region were analyzed as political objects used by separatist groups in the north of Goiás, to the creation of the Tocantins State, in 1988. The procedures used to structure the sculling of State by the governor of the Tocantins State were analyzed as one of the procedures to justify the construction of a city to be the administrative headquarters of the State. Following, we discuss interventions used by the government to adapt the urban planning and public enterprises to the state political and economic changes underway, and indirect and direct reflection of the territorial capital. With these interventions, the government has made clearer the goals of creating and building Palmas policy setting forth the identity of the town. Keywords: Intervetion; Territorial Division; Urbanization; City. vii DIDICATÓRIA Em nome dos meus irmãos: Dalva Francisca de Oliveira, Emival Miranda de Oliveira, Maria de Fátima Miranda Martins, Sandoval Miranda de Oliveira e Valdomira Miranda Tamboni, dedico esta tese à memória do nosso pai Lázaro Furtado de Oliveira e à memória da nossa mãe Maria Miranda de Oliveira, pelas lutas travadas para nos criar e educar, convictos que o conhecimento escolar seria a forma mais segura de superação das dificuldades materiais, simbólicas, culturais e polÃticas. viii AGRADECIMENTOS Inicio os agradecimentos pela minha famÃlia, nominando a minha esposa, Divina Maria, nossos filhos Michelle, Giselli e Heráclito, e os nossos netos VinÃcius e Artur, todos indistintamente foram os pilares da minha insistência em querer ampliar os meus conhecimentos e a minha condição de pessoa perante a educação e a todos os meios sociais. Ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia agradeço a competência e a habilidade em tratar dos problemas acadêmicos ao Professor Doutor Samuel do Carmo Lima, como Coordenador do programa e como orientador seguro das estruturas internas e externas ao Instituto de Geografia da UFU na fase de institucionalização e implantação do Dinter em Geografia. Aos professores com os quais realizei disciplinas, a minha sincera gratidão pela força e pela tolerância que tiveram comigo nos embates diários na construção do conhecimento epistemológico da Geografia e dos conteúdos correlatos à s ciências geográficas, com ênfase na Geografia Urbana voltados para o entendimento e aplicação de diferentes métodos para compreender, discutir e aplicar, de forma abstrata e empÃrica, categorias como território, espaço e tempo. Assim, debito a minha iniciação aos conhecimentos da Geografia Urbana aos professores das disciplinas Estrutura Comercial das Cidades: Processos e Formas, Tópicos Especiais em Geografia: Culturas Populares e Memória Social, Formação Territorial e Pensamento Geográfico no Brasil, Cidades e Redes, Paisagens dos Cerrados: Potencialidades e Fragilidades, destacando, nesse universo, os professores doutores Vitor, Beatriz, Rita, Carlos Brandão, SÃlvio, Maria Encarnação Sposito e Sérgio Alonso. Ao Professor Doutor William Rodrigues Ferreira, a minha gratidão por ter me aceitado como seu orientando, mesmo sabendo que eu não era da sua área de pesquisa e nem da área de Geografia, por isso o seu desprendimento e a competência nas orientações da tese foram significativas e indispensáveis para a minha assimilação e organização dos conhecimentos anteriores e dos que aprendi no programa. Em nome do Professor Doutor Jean Carlos, Coordenador local do Doutorando Interinstitucional em Geografia, agradeço a todos os envolvidos diretos e indiretos na montagem, institucionalização e gestão do Programa na Universidade Federal do Tocantins, da reitoria, pró-reitoria de pesquisa; aos diversos colaboradores da UFT, complementando com a participação efetiva dos colegas e amigos João Manoel, Antônio Miranda, MaurÃcio, Bazolli, Airton, Aires, Marivaldo, Rejane e Carlos pela tolerância e pelos momentos de socialização e construção dos conhecimentos em Geografia. ix Aos colaboradores da pesquisa, os entrevistados, os que criticaram e indicaram alterações no formato da pesquisa durante as apresentações em seminários, conversas isoladas e especÃficas, meus agradecimentos a todos. Aos colegas de outras turmas do Programa de Pós-graduação em Geografia do IG, agradeço a todos com os quais tive a oportunidade de realizar estudos ou participar de eventos dentro e fora da UFU. Agradeço aos pesquisadores e técnicos Antônio Filho da Silva Machado, Marcelo Lopes Justino e José Filadelfo da Silva, da Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas pelo acesso ao acervo de documentos e fotos da história de Palmas. Finalizando, agradeço ao Professor Doutor Ibsen Trindade pela competência que teve nas duas intervenções realizadas para colocar stents em minhas coronárias para garantir uma sobrevida, sem prazo determinado de vencimento, corroborado pela vontade do Grande Arquiteto do Universo, que é o nosso Deus. x SUMÃRIO INTRODUÇÃO 01 Os caminhos para se chegar aos espaços pretendidos 04 As transformações espaciais e a construção de um tempo novo 21 A estruturação de um espaço de poder 26 CAPÃTULO 01 – A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA POLÃTICA DO NORTE DE GOIÃS, ANTES E DEPOIS DE PALMAS 29 1.1 Cenários históricos e polÃticos da divisão do Estado de Goiás 29 1.2 De projeto em projeto, de veto em veto até a criação do Estado do Tocantins 37 1.3 A (re)configuração do mapa polÃtico-econômico pós 1980 43 1.4 Da construção de Goiânia e BrasÃlia à criação de Palmas 51 1.5 As estratégias para a criação de Palmas 61 CAPÃTULO 02 – PALMAS COMO OBJETO DE DESENVOLVIMENTO E CONSOLIDAÇÃO TERRITORIAL DO TOCANTINS: limites e possibilidades 80 2.1 A configuração de um território de poder 80 2.2 A consolidação dos espaços de Palmas 107 2.3 A evolução da produção de vazios e da especulação imobiliária 112 xi CAPÃTULO 03 – AS INTERVENÇÕES E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE URBANA DE PALMAS 126 3.1 Os confrontos entre gestão e ordenamento territorial 126 3.2 O processo de construção da identidade polÃtico-cultural de Palmas 133 3.3 Confronto entre Culturas: a construção e a ocupação dos espaços fÃsicos e simbólicos da Praça dos Girassóis 140 3.4 Da consolidação à descentralização de Palmas 156 3.5 Infraestrutura e mobilidade urbana: direito de ir e vir... 167 CAPÃTULO 04 – OS REFLEXOS DAS INTERVENÇÕES INTERNAS E EXTERNAS AO TOCANTINS NO DESENVOLVIMENTO URBANO DE PALMAS 192 4.1 Relação capital - trabalho e expansão urbana 192 4.2 As cidades banhadas pelo Lago e as interferências no ordenamento territorial de Palmas 200 4.3 A expansão urbana de Porto Nacional 208 4.4 A realidade urbana e o desenvolvimento social e econômico de Palmas 217 4.5 Os reflexos da expansão urbana da região sudeste do Pará na consolidação urbana de Palmas. 222 4.6 Narrativas sobre a divisão territorial, construção dos espaços de poder e da expansão urbana do Tocantins. 230 CONSIDERAÇÕES FINAIS 270 xii REFERÊNCIAS 278 FONTES 290 ENDEREÇOS ELETRÔNICOS 292 ENTREVISTAS 294 ANEXOS ANEXO 1 ANEXOS DA PESQUISA xiii MAPAS 01 – Mapa das Principais cidades das margens direita e esquerda do rio Tocantins. 02 – Mapa da evolução urbana de Palmas 03 – Mapa das cidades de maior influencia de Palmas/TO. 04 – Mapa das rodovias existentes para acesso e mobilidade de Palmas. 05 – Mapa das cidades impactadas pelo lago de Lajeado. 06 – Mapa dos estados limÃtrofes ao Estado do Tocantins e as propostas de divisão territorial e de criação de novas unidades federativas . 05 114 131 189 203 228 xiv LISTA DE FIGURAS E FOTOS 01 – Ato simbólico da escolha do espaço no qual seria construÃda a capital do Estado do Tocantins, pelo Governador José Wilson Siqueira Campos (1989). 76 02 – A Primeira Missa celebrada no local da construção da Praça dos Girassóis - marco zero de Palmas. 78 03 – Governador Siqueira Campos dirigindo trator que iniciou as obras de Palmas, no dia 20 de maio de 1989. 82 04 – Na primeira foto aparece o Governador Siqueira Campos falando aos migrantes em um palanque improvisado nos espaços em construção da cidade. Na segunda, aparece o Governador e a Primeira Dama Aureny cercados pela população em direção ao estacionamento dos automóveis. 83 05 – A cidade em construção em 1989. 85 06 – Avenida JK saÃda para a cidade de ParaÃso, em 1991. 86 07 – Visão panorâmica do inÃcio da construção de Palmas. 87 08 – Rodoviária de Palmas, na Arse 42, em 1992, atual 401 Sul Avenida NS 1. 88 09 – Vista da atual da Rodoviária de Palmas. 90 10 – Cartaz de propaganda da venda de lotes na capital de Goiás - 1934. 91 11 – Maquete da Praça dos Girassóis. 95 12 – Primeiro encontro entre o governador Siqueira Campos (segundo da esquerda para à direita) e os vereadores de Taquaruçu, em 1990, ao serem informados que a partir deste encontro passariam a ser vereadores de Palmas. 100 xv 13 – Temporada do verão de 1991, da Praia da Graciosa. 119 14– Praia da Graciosa natural na Orla esquerda do rio Tocantins, 1993. 120 15 – Praia da Graciosa construÃda na Orla Direita do Lago de Lajeado. 2008. 121 16 – Casa Sede da Fazenda Triângulo, depois Casa Sussuapara - 1989. 135 17 – Sede da prefeitura da cidade de Palmas capital do estado do Tocantins - 2005. 138 18 – Vista do Palacinho e da plantação de girassóis, 1990. 19 – Vista do Palacinho e dos hábitos de transporte na região, 1989. 142 142 20 – Cruzeiro da Praça dos Girassóis -2004. 146 21 – Memorial 18 do Forte. 148 22 – Palácio Araguaia, sede do governo estadual - 2004. 149 23 – Monumento Luis Carlos Prestes - 2008. 153 24 – Brasão do Estado do Tocantins. 155 25 – Diagnóstico do Plano Diretor de Palmas como SubsÃdio ao Projeto Engenharia Territorial (2010). 171 26 – Avenida LO 11 (Leste Oeste) 404 Sul 173 27 – Sinalização para deficientes visuais. 174 28 – NS 4, em frente ao Posto PetrolÃder da Quadra 704 Sul. 176 xvi 29 – Vista de parte da Região Central da cidade – trecho da Avenida LO Onze (Leste Oeste). 178 30 – Foto Panorâmica do cruzamento entre a Avenida LO Onze (Leste Oeste) e a Avenida Teotônio Segurado. (23/08/2008). 180 31 – Trecho central da Avenida Teotônio Segurado. (23/08/2008). 181 32 – Plano Diretor de Palmas - 1990. 184 33 – Avenida JK saÃda para a cidade de ParaÃso do Tocantins na rotatória da entrada do Campus da UFT. 185 34 – Vista parcial do Pórtico da Avenida Palmas Brasil, no sentido Leste-Oeste. 186 35 – Ponte da Avenida NS (Norte Sul) 15. 187 xvii LISTA DE QUADROS QUADRO 01 – Edital divulgado pelo Projeto Orla disponibilizando imóveis no Plano Diretor de Palmas – TO. 92 QUADRO 02 – Edital divulgado pelo Projeto Orla disponibilizando imóveis no Plano Diretor de Palmas – TO. 94 QUADRO 03 – Ãreas inundadas pelo reservatório da UHE Luis Eduardo Magalhães – nÃvel máximo maximorum estático. 201 xviii LISTA DE GRÃFICOS GRÃFICO 01 – Evolução da População de Palmas. 129 xix ÃNDICE DE SIGLAS ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. ARENA – Alinaça Renovadora Nacional ARNE – Ãrea Residencial Nordeste ARNO - Ãrea Residência Norte ARSO - Ãrea Residencial Sudoeste ARSE – Ãrea Residencial Sul ATI - Associação Tocantinense de Imprensa BR - Distribuidora da Petrobrás CENOG - Casa do Estudante do Norte Goiano CODETINS - Companhia de Desenvolvimento do Estado do Tocantins CONORTE – Comissão de Estudos dos Problemas do Norte Goiano CREA – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura CRECI-TO – Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado do Tocantins DEM – Partido Democrata DINTER – Doutorado Interinstitucional ECO 92 - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento EMSA - Empresa Sul Americana de Montagens S/A FAPTO - Fundação de Apoio CientÃfico e Tecnológico do Tocantins FPE - Fundo de Participação dos Estados FPM - Fundo de Participação dos MunicÃpios IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços IG – Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia INVESTCO - Consórcio formado pelo Grupo REDE, EDP, CEB e CMS Energy. IPTU - Imposto Predial Territorial Urbano IPVA – Imposto sobre a Propriedade de VeÃculos Automotores JK – Juscelino Kubistchek xx MAB - Movimentos dos Atingidos por Barragens MNLM - Movimento Nacional de Luta pela Moradia OAB – Ordem dos Advogados do Brasil OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte PDC – Partido Democrata Cristão PETROBRÃS - Petróleo do Brasil S/A PIB - Produto Interno Bruto PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro SECOV - Sindicato de Habitação STF – Supremo Tribunal Federal TEM - Ministério do Trabalho e Emprego UDR - União Democrática Ruralista UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UFT – Universidade Federal do Tocantins UFU – Universidade Federal de Uberlândia UHE - Usina Hidrelétrica LuÃs Eduardo Magalhães ULBRA – Universidade Luterana do Brasil UnB - Universidade de BrasÃlia ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social 1 INTRODUÇÃO Para entender o processo de criação e estruturação do Estado do Tocantins, primeiro procuramos nos aproximar das estratégias construÃdas na polÃtica de divisão territorial do Brasil que, direta ou indiretamente, aproximavam-se da história separatista do norte goiano. A segunda preocupação foi buscar as origens da formação das lideranças polÃticas das cidades situadas à s margens da BR 153 1 , observando, para isso, como o desenvolvimento dessas cidades alterou os interesses sobre a divisão de Goiás. De acordo com Aquino (1996), os reflexos da rodovia nas cidades da margem direita do rio Tocantins foram imediatos: de inÃcio, o transporte fluvial perdeu a sua importância e não pode concorrer com o transporte rodoviário; depois, não havia pontes sobre o rio para facilitar o acesso e a mobilidade da população. Nesse contexto, parte das funções exercida na região pelas cidades tradicionais, situadas à margem direita do rio, passou a ser executadas pelas cidades novas que emergiram entre a margem esquerda do rio Tocantins e a rodovia Belém BrasÃlia. Assim, uma das pistas para as explicações da origem do desenvolvimento nessas cidades está, em parte, na mentalidade polÃtico-empresarial trazida pelos migrantes, possibilitando a formação de novas lideranças polÃticas, alterando, por conseguinte, a práxis existente na região; entre essas novas lideranças estava Siqueira Campos 2 . Com a chegada de estranhos a essas cidades, ocorreram mudanças nos costumes locais e uma significativa transformação entre a realidade urbana e rural possibilitadas pelas pequenas alterações nos modos de produção que, aos poucos, foram introduzidas. A inserção 1 O municÃpio de Colinas do Tocantins localiza-se na 5ª Mesorregião Ocidental do Tocantins, sendo a cidade sede da Região Administrativa do Estado. Com a abertura da BR-14, Belém-BrasÃlia (hoje BR-153), houve grande afluência de pessoas, vindas de diversas partes do paÃs para o recém iniciado povoado de Nova Colina, à procura das boas e baratas terras da região, de espaço comercial e empregos. Em 02 de abril de 1962, a Lei Municipal nº 26, da mesma data do MunicÃpio de Tupiratins, Estado de Goiás, o povoado de Nova Colina foi elevado à categoria de Vila/Distrito, com o nome de Colinas de Goiás. Por força da Lei nº 4.707, de 23 de outubro de 1963, Colinas de Goiás foi elevada a municÃpio autônomo, com o mesmo topônimo. Informações disponÃveis no sÃtio: <http://colinas.to.gov.br/conteudo/historia/175>. Acesso em:08 maio 2011. 2 Como Colinas se tornou municÃpio, foi eleito vereador e o mais votado, no dia 03.10.1965. Eleito Presidente da Câmara Municipal, em 01.02.1966, ao tomar posse prometeu lutar pela criação do Estado do Tocantins (MARTINS, 2004, p. 55). 2 das experiências do migrante, em pouco tempo, fez ocorrer a expansão demográfica das cidades das margens da BR-153 e surgir novos municÃpios. Contudo, as relações de poder construÃdas pelo migrante materializaram o discurso contra a ausência do Estado nas cidades nortistas, auxiliando a construção da ideia do novo, facilitada pela presença do outro. Corroborada pela fragilização cultural e polÃtica da população local, o estranho, aos poucos, foi ocupando e procurando criar novos espaços de poder, sem que as comunidades percebessem os rumos que essas intervenções poderiam tomar. Conforme Martins (1993, p. 63), quanto à convivência com o estranho, [...] não se trata de introduzir nada na vida dessas populações, mas de tirar- lhes o que tem de vital para a sua sobrevivência, não só econômica: terras e territórios, meios e condições de existência material, social cultural e polÃtica. Na visão de crÃticos do assunto, a alteração demográfica e cultural promovida pelo estranho modificou a identidade cultural, polÃtica e econômica a partir do momento em que os migrantes implantaram a especulação de terras na região. Com a construção da Transbrasiliana – que depois passou a ser conhecida como a rodovia Belém-BrasÃlia, hoje BR-153, as terras da região Norte, principalmente as mais próximas da rodovia, valorizaram-se e atraÃram migrantes de todas as regiões do paÃs. Com a valorização “para expulsar os que lá estavam, as estratégias de grilagens associavam-se a atos de violência explÃcita: casas e pertences eram incendiados, lavradores quaisquer eram ameaçados, quando não efetivamente capturados e mortos†(CARNEIRO; CIOCCARI, 2011, p. 235-236). Com a especulação das terras e a violência, os maiores perdedores foram os pequenos proprietários de terras, que venderam as suas propriedades a preços baixos em relação ao mercado para residirem nas cidades. Nesse sentido, nem as cidades e nem esses novos migrantes estavam preparados para essas transformações. Nas cidades, não havia uma economia que pudesse suportar e se beneficiar com essas mudanças; por outro lado, essa população não possuÃa estrutura para ocupar os novos espaços. Assim, a transformação demográfica das cidades acelerou os problemas sociais e econômicos da região diante da perda das terras dos pequenos proprietários. Em termos, essas práticas formaram os principais objetivos das mudanças na estrutura separatista da região Norte, a partir das ideias de divisão territorial de Goiás introduzida após a chegada de estranhos. 3 Por outro lado, a introdução de novas ideias produziu na população a possibilidade de construção de um território de inclusão social, mesmo diante das condições sociais, econômicas e polÃticas predominantes na região norte de Goiás. Estes fins levariam à criação de um Estado. Essa era a crença repassada pelos lÃderes do movimento, os quais afirmavam que, com a divisão e a ocupação, o território seria transformado para atender aos interesses do povo nortense por meio do desenvolvimento social e econômico. Para viabilizar essa perspectiva, o primeiro passo dado pelos grupos liderados por Siqueira Campos foi unificar os discursos da divisão em uma proposta pragmática, envolvendo a população e as lideranças de Goiás por meio da difusão de uma linguagem de autonomia e progresso, tomando como referência as ideias de Teotônio Segurado. Com esse discurso, em 1970, Siqueira Campos foi eleito Deputado Federal 3 pela bancada do governo militar, ideologicamente sustentada pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA); o jogo polÃtico era tão complicado que grupos se uniam no Congresso Nacional e nos quartéis para aplicar um golpe na própria estrutura de poder dos militares 4 . No congresso, procurou-se ampliar sua participação na estruturação do discurso de autonomia do Norte. Contudo, durante a fase mais crÃtica do perÃodo militar, ocorreu a dispersão dos principais lÃderes das lutas separatistas que contrapunham a ideologia dos militares; de outro lado, os que apoiavam o sistema de governo em curso dividiam-se em duas frações: os que se conformavam e os que apoiavam a estrutura autoritária de poder. A Figura 01 mostra as principais cidades das margens direita e esquerda do rio Tocantins, nessas cidades a partir dos anos 1980, além da mudança na semântica da divisão, houve a unificação das forças polÃticas das principais cidades: Gurupi, ParaÃso, Colinas e 3 Vereador, 1965-1967, Colinas de Goiás, GO, ARENA; Deputado Federal, 1971-1975, GO, ARENA. Dt. Posse: 01/02/1971; Deputado Federal, 1975-1979, GO, ARENA. Dt. Posse: 01/02/1975; Deputado Federal, 1979-1983, GO, ARENA. Dt. Posse: 15/03/1979; Deputado Federal, 1983-1987, GO, PDS. Dt. Posse: 01/02/1983; Deputado Federal (Constituinte), 1987-1988, GO, PDC. Dt. Posse: 01/02/1987; Governador, 1989-1991, TO, PDC. DisponÃvel em: http://www2.camara.gov.br/atividadelegislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao- cidada/parlamentaresconstituintes/constituicao20anos_bioconstituintes?pk=103270. Acesso em: 13 jun. 2012. 4 A luta em que se empenhavam pela liderança das Forças Armadas o presidente Geisel e o ministro do Exército, general de exército SÃlvio Frota, logo se refletiria no Congresso, onde se constituiu, em 1977, um aguerrido grupo de parlamentares simpáticos à candidatura do chefe do Exército. Dele faziam parte, entre outros, os senadores Dinarte Mariz (RN) e Jarbas Passarinho (PA) e os deputados Geraldo Freire (MG), Siqueira Campos (GO), Rui Bacelar (BA), Sinval Boaventura (MG), Marcelo Linhares (CE), Carlos Alberto de Oliveira (PE) – (OLIVEIRA, 2009, p. 120). 4 AraguaÃna, que cresceram entre a Rodovia Belém-BrasÃlia e à margem esquerda do Rio Tocantins. Nas principais cidades da margem direita deste rio, Arraias, Conceição do Tocantins, Natividade, Dianópolis, Porto Nacional e Pedro Afonso, originaram-se duas frentes polÃticas: as mais tradicionais e as avançadas em termos polÃticos. Nas cidades mais tradicionais, o apoio à divisão foi mais discreto, porque uma parcela das lideranças dessas cidades queria que os municÃpios permanecessem no território goiano; as cidades tradicionais mais avançadas em termos polÃticos temiam pelos rumos que o discurso de autonomia estava tomando diante do perfil polÃtico-ideológico de parte das novas lideranças, e diante da proximidade desses lÃderes com o regime implantado em 1964. Mesmo diante das controvérsias ideológicas, o grupo liderado por Siqueira Campos conseguiu consolidar seus objetivos polÃticos entre a população, pregando o discurso de autonomia polÃtica do Norte, para isso tomando como objeto de luta a precariedade da infraestrutura gerada pelo abandono que os poderes de Goiânia e BrasÃlia impunham à região. Entre os pontos de estrangulamento estavam a falta de rodovias, a morosidade na expansão da energia elétrica e dos sistemas de comunicação mais abrangentes e modernos. A isso se somavam a ausência de infraestrutura e de equipamentos urbanos básicos como escolas, praças, postos de saúde/hospitais, delegacias de polÃcia, pavimentação, saneamento, água tratada, sistemas de informação e comunicação, nas cidades. Os caminhos para se chegar aos espaços pretendidos Efetivamente, os primeiros tópicos da tese foram iniciados com o projeto apresentado na seleção do Programa de Doutoramento em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, na modalidade Dinter, em março de 2009. Nos anos subsequentes, o projeto foi aperfeiçoado por meio dos estudos dos conteúdos dos créditos e das produções realizadas para suprir parte das avaliações realizadas pelos professores. Em 2010, a permanência na sede do Programa na Universidade Federal de Uberlândia no espaço de dois semestres ininterruptos, facilitou a complementação dos estudos relacionados aos temas da pesquisa. 5 MAPA 01 - Principais cidades das margens direita e esquerda do rio Tocantins. 6 A participação em eventos e a permanência no Instituto de Geografia da UFU foram importantes para a consolidação dos objetos teórico-metodológicos do projeto, corroborado pelas discussões e participações nos grupos de pesquisas, seminários acadêmicos promovidos pelo Instituto de Geografia e nos eventos proporcionados pelos diversos cursos e institutos da UFU. Nessa direção, os trabalhos submetidos em eventos, revistas e outros, foram construÃdos com a perspectiva de serem aproveitados na redação dos capÃtulos da tese; sendo assim, na introdução, além das diretrizes metodológicas cimentadas nos princÃpios lógicos do método dialético, o contexto teórico foi desenvolvido associado à compreensão do tempo e do espaço na visão de Kant (1958); Askin (1969); Kosik (1976); Santos (2007; 2008; 2009) e Carlos (2004). A pesquisa foi estruturada de acordo com uma sucessão de estratégias lógico- dialéticas, inicialmente caracterizadas pelos interesses separatistas dispersos. Depois dos anos 1970, com o crescimento populacional das cidades das margens da BR-153, os ideais separatistas foram transformados em um conjunto de estratégias voltadas para a conquista da autonomia polÃtico-econômica do Norte de Goiás. Essas estratégias estavam vinculadas à busca da autonomia da região e, em grande parte, foram lideradas por migrantes das novas cidades e por frações dos habitantes das cidades históricas. Após a organização da resultante da criação do Estado do Tocantins, as estratégias da pesquisa se voltaram para discutir as intervenções direcionadas para a consolidação do território do Tocantins em termos polÃticos e econômicos, partindo da totalidade e da construção determinada pela complexidade dos fatores espaciais: “Como a totalidade é um conceito abrangente, importa fragmentá-lo em suas partes constituintes para um exame mais restrito e concreto†(SANTOS, 2008, p. 72). Diante dos problemas a serem evidenciados, terÃamos de trabalhar com um método que pudesse nos auxiliar criticamente e objetivamente durante as fases de construção da pesquisa da fundamentação teórica aos objetos empÃricos. Assim, Após as definições do arcabouço teóricos e empÃricos a partir das categorias tempo, espaço, cidade, urbanidade para entender a conversão das estratégias separatistas em autonomistas direcionadas à criação do Estado do Tocantins. Considerando que, depois da criação do Estado, as estratégias se voltaram para a consolidação territorial, polÃtica, cultural e econômica, com o desenvolvimento de uma polÃtica de urbanização calcada na emancipação de distritos e na construção de uma cidade para ser a sede administrativa do Estado. Nessa perspectiva, o 7 método deveria oferecer uma noção holÃstica diante da lógica e da natureza do objeto e do problema em questão, nesta pesquisa. Com essa percepção, a metodologia e as teorias deveriam nos auxiliar na construção dialógica entre categorias e o problema centrado na criação do Estado e na caracterização da consolidação do Estado por meio da urbanização. Nessa direção, os diálogos foram estruturados numa perspectiva lógico-dialética permeada na compreensão dos efeitos dos processos tempo e mudança. Conforme Santos (2008), partindo da noção de mudança e na produção de espaço, derivada das divisões espaciais do trabalho, em um território perene diante da ausência de desenvolvimento econômico como era a região norte de Goiás. Esse contexto foi desenvolvido a partir da constituição de um discurso lógico-dialético relacionado à s categorias tempo e espaço, tendo a finalidade de discutir e entender os objetivos da criação do Estado do Tocantins e as estratégias da sua consolidação por meio da construção de Palmas. Dessa forma, os princÃpios metodológicos cimentados na lógica dialética foi o que mais se aproximou das formas que escolhemos para construir o entendimento da polÃtica da divisão de Goiás, a partir das diversidades da ocupação do território brasileiro, da colônia à s lutas separatistas do Norte Goiano. Por outro lado, essa aproximação, além de resgatar parte dos acontecimentos, deveria proporcionar a transposição das teorias construÃdas sobre esses movimentos para uma aproximação das intervenções realizadas para a consolidação do território como Estado. Considera-se que as sociedades mais tradicionais são as que mais sentem as transformações polÃtico-culturais diante da instabilidade gerada pela ocupação dos espaços. Por isso, as intervenções conduzem as pessoas a viverem “o presente marcado pelo passado e projetado para o futuro, num embate constante entre o que está sendo construÃdo†(MINAYO, 1994, p. 13). De acordo com Santos (2008, p. 72), Quando se estuda a organização espacial, esses conceitos são necessários para explicar como o espaço social está estruturado, como os homens organizam sua sociedade no espaço social e como a concepção e o uso que o homem faz do espaço sofrem mudanças. A acumulação do tempo histórico permite-nos compreender a atual organização espacial. A sociedade é uma instituição em constante movimento, por isso a mudança ocorre em diferentes espaços e em diferentes tempos, constituÃdos pelas formas de inclusão e exclusão social, cultural e polÃtica condicionada pela velocidade das transformações sociais 8 e dos processos produtivos. Desta forma, a ocupação do norte de Goiás historicamente reproduzia uma sensação de exclusão na população, mesmo pertencendo fisicamente ao território. Na ótica polÃtica, essa realidade seria alterada a partir da conquista da autonomia do território; com a autonomia polÃtica, viria o desenvolvimento econômico e social. Dessa forma, esse imaginário foi-se construindo em todas as classes sociais, de geração em geração. Para isso, o primeiro passo foi criar o Estado do Tocantins no imaginário da população, depois foi desenvolver as estratégias para constituÃ-lo legalmente. Para demarcá-lo no imaginário da população, ocorreu um processo semelhante ao especificado por Santos (2008, p. 72): “o movimento da sociedade é sempre compreensivo, global, totalizado, mas a mudança ocorre a diferentes nÃveis e em diferentes tempos: a economia, apolÃtica, as relações sociais, a paisagem e a cultura mudam constantementeâ€. A demarcação da autonomia da região Norte foi construÃda em concordância das frações polÃticas novas e tradicionais. Considerando que as “novas†emergiram de diversos interesses econômicos internos e externos ao território do Tocantins. Essas relações ficaram mais visÃveis a partir das intervenções e dos modos em que foram aplicadas. As intervenções reproduziam uma identidade simbólica direcionada para a construção da autonomia polÃtica do norte de Goiás no querer da população, por meio da construção de um imaginário caracterizado no desenvolvimento regional, cimentado, conforme Martins (1993) a categoria crescimento interligada ao processo de urbanização, reproduz diversos conflitos de natureza variadas além dos confrontos das ideias centradas no processo de desenvolvimento das regiões brasileiras, por isso, a relação entre crescimento e desenvolvimento nem sempre caminham juntas. Por conseguinte, pode-se dizer que, a partir das contradições localizadas nos discursos sobre novo e velho, desenvolvimento e crescimento, o Estado do Tocantins primeiro foi criado simbolicamente para, depois, ser transformado em um território juridicamente estruturado. A transposição de um espaço simbólico para um espaço empÃrico, partindo dos princÃpios discutidos por Santos (2008), de modo concreto a dialética evolui da noção tradicional para o conceito de território e desenvolvimento econômico, tendo como processo a urbanização. Nessa configuração espacial, a industrialização é um processo a ser constituÃdo a partir do próprio desenvolvimento urbano. Diante dessas contradições, partimos dos seguintes tópicos: 1) divisão territorial de Goiás; 2) estruturação dos aparelhos de Estado; 9 3) consolidação da autonomia do território do Estado do Tocantins a partir da transposição de um território simbólico para um território empÃrico dentro de uma reconfiguração lógica dos espaços. No Tocantins, essa reconfiguração da lógica espacial foi materializada por meio da construção de uma sede para o poder, evidenciada no imaginário de autonomia ampliada por uma sucessão de intervenções de natureza polÃtica e econômica centrada na expansão de espaços urbanos. A necessidade de se criar um espaço para consolidar outro repercute na configuração lógica das identidades espaciais, considerando que as representações simbólicas e fÃsicas de um território podem ser vistas no momento em que a “identidade do ‘ato’ é o que se deve chamar o ‘conteúdo’. Isto existe agora e é fÃsico, mesmo quando o objeto não existe, ou é passado ou futuro, ou não é fÃsico†(RUSSELL, 1974, p. 55). Por extensão, para que não houvesse a transposição do imaginário coletivo da cultura de Goiás para o Tocantins, foi estruturada uma lógica cultural vinculada à modernidade urbana. Nessa direção, a realidade a ser conhecida deveria partir de um determinado contexto teórico ou empÃrico para depois analisar as partes susceptÃveis de serem conhecidas ou identificadas por outros ângulos ou enunciados. A partir das abordagens da lógica histórica constituÃdas na realidade constituÃda e construÃda, as teorias sobre as lutas separatistas do território brasileiro foram trabalhadas para se conhecer os interesses e contradições geradas pela divisão territorial local. Nessa direção, o entendimento sobre o separatismo local foi retirado da história do pensamento polÃtico centrado na ideologia de divisão do território brasileiro, trabalhado por Moraes (2005; 2008; 2009) e Martins (2001). A transposição das lutas separatistas para as estratégias de autonomia da região Norte de Goiás foi observada na perspectiva da geopolÃtica, de acordo com a visão teórica apontada por Cavalcante (2003), Parente (2002) e Silva (1996). A fundamentação teórica da Geografia Urbana do Estado do Tocantins e, em especÃfico, as que relatam as intervenções efetivadas para a criação e a construção de Palmas, foram desenvolvidas por meio das pesquisas de D’Elia Júnior (2005), Lira (2011), Moraes (2006), Reis (2011) e Silva (2008). Na operacionalização desta pesquisa, além dos estudos bibliográficos, foram utilizados dados de fontes secundárias extraÃdos de jornais de circulação regional, fotos, gravuras, mapas, obras de artes. A complementação das informações foi extraÃda de amostras de fontes primárias catalogadas por meio de entrevistas semiestruturadas, 10 realizadas com moradores migrantes, planejadores, gestores e empresários. Falar das estratégias que resultaram na criação do Estado do Tocantins e da construção de Palmas sem interagir com os atores sociais que direta e indiretamente participaram desse processo seria quase impossÃvel diante da concomitância do tempo na construção, urbanização e ocupação dos espaços do Estado e da capital. Assim, em relação ao processo histórico da divisão de Goiás, além das teorias, as experiências de autoridades e migrantes foram significativas para entender e discutir as diferentes etapas do processo de criação e consolidação do Estado do Tocantins. Nessa direção, encontram-se todos os segmentos: arquitetos, gestores, empresários, moradores e polÃticos. Dos arquitetos, procuramos saber como se processaram as diretrizes para selecionar, escolher, desapropriar e urbanizar a área delimitada para a construção da cidade. Dos gestores, moradores e polÃticos, procuramos descobrir os interesses do governo em construir uma cidade e como se deu a participação deles no processo de ocupação e consolidação dos espaços, diante do perfil de liderança exercida pelo primeiro governador do Estado. Nesses termos, após a organização técnica das entrevistas e da seleção das pessoas, as entrevistas passaram a ser realizadas de acordo com as disponibilidades de cada uma. A maioria das entrevistas foi realizada durante o expediente, e no local de trabalho de cada entrevistado. Os locais foram diversos: residências, livrarias, academias, instituições culturais, comércio, representações classistas e repartições públicas. A idade média dos entrevistados é de 50 anos, oscilando na casa dos 40 aos 70 anos. Desta forma, após a organização técnica e da seleção das pessoas, passamos a realização das entrevistas, conforme a sequência abaixo: A primeira entrevista foi realizada logo após a publicação do resultado final da seleção ao Doutorado Interinstitucional em Geografia, durante as atividades do Seminário Internacional Crise Civilizacional: Distintos Olhares, realizado pela Universidade Federal do Tocantins – Campus de Palmas, de 22 de junho a 24 de junho de 2009. No dia 23 de junho à s 10 horas realizamos uma rápida entrevista com o cientista social Edgar Morin formado em Direito, História e Geografia que além de conferencista do evento, receberia no dia 24 de junho o tÃtulo de Doutor Honoris Causa pela UFT. Nesse meio, e visando os estudos dos temas que seriam tratados na tese de doutorado a partir da implantação e inÃcio das atividades acadêmicas do programa proposta pelo curso de Geografia do Campus da 11 UFT de AraguaÃna Tocantins, no mês de setembro de 2009, sob a responsabilidade técnica e operacional (coordenação local) do Professor Doutor Jean Carlos Rodrigues. A segunda entrevista foi realizada no dia 20 de dezembro de 2010, à s 19 horas, na cidade de Uberlândia-MG, com a Senhora Maria Graça Batista, ex-esposa do proprietário da fazenda Suçuapara antes de ser desapropriada para a construção de Palmas. O encontro com a colaboradora coincidentemente ocorreu quando estive na sede do Programa na Universidade Federal de Uberlândia realizando os estudos iniciais, exigidos pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia. Um dia, por acaso, a descobri no prédio em que morava no centro de Uberlândia, a partir de uma conversa na recepção do condomÃnio. Neste encontro, relatei que morava no Estado do Tocantins e que estava pesquisando sobre Palmas. Quando ela disse-me que tinha sido esposa do então dono da fazenda Suçuapara, que tinha sido desapropriada para sediar uma parte de Palmas. De imediato, procurei relatar alguns aspectos da tese, com a finalidade de obter a sua colaboração sobre os acontecimentos iniciais que resultaram na construção da capital do Estado do Tocantins e, em especifico, sobre os impactos de Palmas sobre os antigos proprietários de terras. Depois do nosso encontro casual na recepção do prédio, consegui agendar a entrevista que foi realizada em seu apartamento. No diálogo, ficou caracterizado a sua mágoa com a forma pela qual a fazenda havia sido desapropriada pelo governo, depois pela modalidade de pagamento, efetivada em lotes, aumentando as dificuldades de mobilidade dos proprietários, que tiveram que esperar o repasse dos lotes, depois esperar as terras se valorizarem. Considerando que a fazenda possuÃa cerca de 300 alqueires, hoje a área localiza-se a partir do Palácio de Madeira – “O Palacinho, que é uma réplica do Catetinho de BrasÃlia. O Palacinho hoje funciona como museu da história do Tocantins e de Palmas. Próximo ao espaço do Palacinho estava a sede provisória da fazendaâ€. A fazenda era denominada de Suçuapara em alusão ao córrego Suçuapara que corta parte das terras e passava próxima à casa sede da propriedade. A terceira entrevista a ser analisada foi gravada à s 14 horas do dia 27 de abril de 2011, com LuÃs de Barros, responsável pela implantação do programa de orçamento participativo da Prefeitura de Palmas. A experiência de Palmas foi trazida da Prefeitura de Porto Alegre, na gestão do Partido dos Trabalhadores. Com este mecanismo, segundo as afirmações do entrevistado, a decisão sobre a aplicação da verba destinada a uma determinada região é da comunidade. Para os crÃticos, essa modalidade nasceu de estudos realizados por pesquisadores em economia vinculados à universidade de Harvard com o objetivo de disfarçar o controle exercido pelo poder público na aplicação do orçamento 12 através da participação da população nas fases de planejamento, destinação e fiscalização de verbas públicas em regiões, setores, vilas e outros. A quarta entrevista foi realizada com o escritor, e procurador aposentado, do Estado de Goiás, Mário Ribeiro Martins, no dia 28 de abril de 2011, à s 16 horas, numa livraria da cidade no momento em que eu estava procurando livros para ampliar as informações teóricas sobre os temas que seriam tratados na tese. O entrevistado relata que conheceu Palmas em 1995, quando a cidade contava com poucas estruturas, a maioria das instituições ainda não tinha sido instalada. Em 1995, a maioria das instituições e entidades que tem hoje, não existia, por isso voltou para morar, em 1998, quando a situação já tinha mudado, havia muitas coisas estruturadas, instituições, muitos edifÃcios. A quinta entrevista foi gravada no dia 03 de maio de 2011, à s 09 horas, na Academia de Letras de Palmas, com Odir Rocha, que além de médico é um experiente gestor público, com passagens em diversas instâncias culturais, profissionais e polÃticas do Estado do Tocantins. Sua iniciação no interior do Estado, como médico, remonta o ano de 1971. A sua inserção ao primeiro cargo eletivo ocorreu em 1989, quando se elegeu prefeito da Cidade de Colinas do Tocantins. Com o encerramento do mandato de prefeito, migrou para Palmas para ser Secretário do Eduardo Siqueira Campos, que tinha sido eleito prefeito de Palmas para governar de 1º de janeiro de 1993 a 1º de janeiro de 1997. Na prefeitura, ocupou a pasta da Ação Social e Habitação. A sexta entrevistada foi realizada no dia 12 de maio de 2011, à s 10 horas, na Câmara de vereadores de Palmas, com o Vereador Fernando Rezende, migrante pioneiro, advogado e diretor de um dos grupos mais destacados do setor imobiliário da capital. Como Vereador, empresário e lÃder classista, participou da criação do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Tocantins (CRECI-TO), fundou e é o atual presidente do Sindicato da Habitação (Secovi). É um dos criadores da Câmara de Valores Imobiliários. Participou do processo de consolidação da OAB no Estado, da qual é conselheiro. Na entrevista, procuramos saber, em primeiro plano, sobre o processo de criação, construção e consolidação de Palmas. Depois, a relação entre a especulação imobiliária, a expansão e o ordenamento territorial da capital. A sétima entrevista foi realizada com o engenheiro mecânico LuÃs Cláudio Tose, empresário, pioneiro, participante ativo na sociedade palmense, no dia 19 de maio de 2011, à s 15 horas, no prédio da sua empresa, na quadra 912 SUL. As suas abordagens sobre Palmas foram balizadas na sua experiência como migrante e empresário do ramo de atacado. 13 Sobre as campanhas publicitárias sobre Palmas e o Estado, diz que os governos estadual e municipal sempre fizeram propaganda para atrair empresários. A oitava entrevista foi gravada no dia 24 de maio de 2011, à s 12 horas, com um migrante e pioneiro de Palmas, o empresário Wilson Charles do setor de tecnologia e automatização, direcionado ao controle contábil e financeiro de farmácias, supermercados, materiais de construção, restaurantes, postos de combustÃveis e lojas de conveniências, lojas de autosserviços e atacado. Quando a entrevista foi realizada, o entrevistado presidia uma das federações classistas mais representativas do Estado do Tocantins e como Conselheiro do Sebrae. Após a terceira entrevista, tive de alterar a logÃstica de abordar as pessoas selecionadas. Com essas alterações passei a portar o roteiro das entrevistas e o gravador. Essa logÃstica trouxe agilidade ao processo; em alguns casos, a entrevista era realizada imediatamente após o contato. Depois do contato, cheguei à casa do entrevistado na hora do almoço. A entrevista focou o desenvolvimento econômico e polÃtico da região. No seu relato, a corrida para ocupar espaços em Palmas foi algo impressionante como se aqui fosse uma zona de garimpo de metais preciosos. A nona foi entrevista gravada com Bismarque Roberto de Souza Miranda, no dia 26 de maio de 2011, à s 10 horas e 30 minutos, na Câmara Municipal com o Coordenador Geral do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e Vereador do municÃpio de Palmas pelo Partido dos Trabalhadores. Nas suas abordagens, afirma que Palmas, em função da especulação imobiliária e da forma utilizada pelo governo do Estado para vender, permutar ou ceder os imóveis do Plano Diretor, proporcionou a formação de latifúndios urbanos. Diz que a forma como os seus pares na Câmara vêm discutindo a expansão urbana da capital vai favorecer e acelerar a especulação do solo urbano. Por isso, posiciona-se contra o projeto de expansão iniciado em 2011. Defende que o debate deve acontecer em torno da regularização fundiária de ocupações consolidadas, e não da ampliação do perÃmetro urbano da Capital. A décima entrevista concedia pelo Professor Júnio Batista do Nascimento, migrante, pioneiro, professor de Geografia, escritor e articulista de questões relacionadas à geopolÃtica do Estado e Palmas, no dia 02 de junho de 2011, à s 20 horas, na biblioteca da sua casa. Entre os relatos do entrevistado, a criação do Estado do Tocantins naquele momento gerou embaraços constitucionais em relação ao processo de criação da capital e aos interesses das lideranças das maiores cidades do Estado em colocar a capital em uma dessas cidades. 14 A décima primeira entrevista foi gravada no dia 31 de outubro de 2011, à s 15 horas, em um escritório de arquitetura localizado na Avenida Teotônio Segurado, próximo à Praça dos Girassóis, com o Arquiteto Walfredo Antunes Filho, que foi primeiro contato que tive sobre a possibilidade da sua colaboração na construção dos dados da pesquisa, pelo fato de tratar de um conhecido profissional da área de urbanismo, Mestre em Planejamento Urbano e Regional/LSE (Londres), professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Tocantins e coautor do projeto urbano de Palmas, Vice-Presidente nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB, e Vice-Presidente para a Região Norte do Brasil. A partir desse contato, colocou-se à disposição para colaborar com as suas experiências em relação à criação, construção e consolidação de Palmas como a capital do Estado do Tocantins. Nesse sentido, todas as vezes que nos encontrávamos, perguntava-me sobre quando seria realizada a entrevista e que estaria à disposição para colaborar. Nesses contatos, respondia-lhe que a realização das entrevistas deveria acontecer após a formatação do roteiro das perguntas; estas, por sua vez, dependiam dos conhecimentos teóricos e empÃricos da Geografia Urbana e, em especÃfico, da história de Palmas. Para isso, passei o ano de 2010 no Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia-MG, cursando créditos, interagindo com os grupos e núcleos de pesquisas, seminários e congressos relacionados aos conceitos de espaço, território, cidade, urbanidade e estado. Após concluir e testar o roteiro das entrevistas e, tendo a cautela devida em relação ao entrevistado por se tratar de um dos maiores conhecedores do projeto da cidade, em termos técnico, teórico, construção, estruturação e ocupação. Por isso, essa entrevista só foi possÃvel após os primeiros testes efetivados com a realização de uma sequência de entrevistas com outros segmentos. Assim, no dia 31 de outubro de 2011, depois de uma prévia comunicação, cheguei ao seu escritório, localizado na Avenida Teotônio Segurado, a menos de 500 metros da Praça dos Girassóis para realizar a entrevista. A décima segunda entrevista foi realizada com o Engenheiro Jeferson Cassoli, Assessor Técnico Institucional do CREA – TO, no dia 03 de novembro de 2011, à s 08 horas, na sede do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Estado do Tocantins. A pesquisa previa a participação de alguém ligado à área técnica do CREA para saber sobre os problemas de ocupação de Palmas, bem como sobre as ações de fiscalização do exercÃcio dos profissionais inscritos no Conselho e as implicações dessa fiscalização no ordenamento territorial da cidade. Assim, antes de perguntarmos sobre o ordenamento territorial, perguntamos sobre os motivos que o trouxe para uma cidade com as caracterÃsticas de 15 Palmas. O motivo da sua migração foi na mesma direção da maioria dos migrantes inquiridos: a busca de uma vida melhor, de ascensão social e profissional. A décima terceira entrevista foi realizada com a Professora PatrÃcia Orfila Reis, no dia 17 de novembro de 2011, à s 11 horas, na sala dos professores do Bloco II do Campus da UFT de Palmas. Reis é pesquisadora da área de urbanismo, graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Pará, mestre em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos e doutora em História Social pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. É professora do curso de Arquitetura da Universidade Federal do Tocantins. Começou explicando que a disponibilidade do espaço existente invalida qualquer proposta de expansão do Plano Diretor. A décima quarta entrevista foi gravada dia 21 de Novembro de 2011, à s 08 horas, no escritório do empresário Jânio Assunção, pioneiro de Palmas que é profissional e empresário do setor de imobiliário e conselheiro do CRECI-TO. Como cidadão, atua em diversas áreas sociais na sociedade palmense. A sua contribuição foi importante para as discussões dos problemas urbanos relacionados ao ordenamento territorial de Palmas. A décima quinta entrevista foi realizada no dia 22 de novembro de 2011, no prédio da reitoria da UFT, à s 11 horas, com o professor Zezuca Pereira Silva, membro da Academia de Letras e Artes de Porto Nacional. Como docente, ocupou vários cargos na administração superior da Universidade Federal de Goiás (UFG). Participou de diversos momentos históricos como estudante e professor. Como cidadão portuense, sempre esteve ao lado dos movimentos separatista do Norte de Goiás. Por vários anos, foi Diretor do Centro Avançado que a UFG mantinha em Porto Nacional. Depois de se aposentar, foi convidado pelo Professor Sergio Paulo Moreyra, reitor, para realizar a transição da recém criada Universidade Federal do Tocantins (UFT), Universidade de BrasÃlia (UnB) e Universidade Estadual do Tocantins (Unitins). Inicialmente, participou da implantação da reitoria, depois coordenou a criação da Fundação de Apoio CientÃfico e Tecnológico do Tocantins (FAPTO), foi chefe de gabinete do reitor Alan Barbiero, primeiro reitor eleito pala comunidade universitária. Atualmente, exerce a função de Ouvidor Geral da UFT. A décima sexta entrevista foi realizada com Wolfgang Teske, à s 13 horas do dia 15 de dezembro de 2011, professor, teólogo, jornalista, escritor, mestre em ciências do ambiente, no Núcleo de Engenharia Territorial da Universidade Federal do Tocantins. Como pioneiro, implantou a primeira instituição de ensino superior de Palmas; desde a sua chegada, participa efetivamente do processo de desenvolvimento do Estado e da capital. 16 Quando chegou, no final do mês de setembro de 1992, encontrou a cidade no inÃcio. Na época, havia apenas duas avenidas parcialmente asfaltadas. O que mais chamou a sua atenção foi a devastação desnecessária que fizeram para a construção dos primeiros espaços do Plano Diretor. A décima sétima entrevista foi gravada no dia 26 de fevereiro de 2012, à s 17 horas, no escritório do empresário João Batista Dias Pereira do setor de turismo e imobiliária e ex- proprietário da fazenda Triângulo, desapropriada para a construção de Palmas. Quando surgiu a notÃcia que a capital do Estado do Tocantins seria criada na área de abrangência do povoado Canela, houve uma corrida de especuladores para adquirir terras na região. Para evitar que particulares comprassem as terras, antes da divulgação do local, o governador Siqueira Campos havia desapropriado todas as terras do entorno. Com essa medida, a especulação pretendida pela iniciativa privada foi barrada pelo poder público. O entrevistado argumenta que, no geral, as desapropriações não foram justas, principalmente em relação aos que não tiveram habilidade polÃtica para negociar com o governo. Diante disso, muitos proprietários não receberam a quantia justa pelas terras; por isso, até hoje ações tramitam em tribunais superiores, algumas com decisões definitivas contra o Estado. Na visão de parte dos antigos proprietários, era difÃcil entender ou aceitar a troca de uma fazenda de 200 ou 300 alqueires, por 20, 30 ou até 50 lotes onde seria erguida uma cidade. Para complicar, no inÃcio, os lotes não valiam muito ou quase nada, exceto para o governo, que praticava as vendas através de editais acoplados a um marketing bem estruturado, abordando a maquete da cidade e as riquezas naturais da região. A décima oitava a entrevista foi gravada com Francisco Mozarildo Cavalcanti, Senador da República por Roraima, médico e um dos defensores da polÃtica de redivisão territorial da Amazônia. A entrevista foi realizada em BrasÃlia, na sede do Grande Oriente do Brasil, em 17 de março de 2012, à s 12 horas. O Senador inicia dizendo que o termo separatista não era um termo muito bem visto pelos portugueses por representar na época a separação de Portugal com o propósito de criação de outra nação. Por isso, a ideia de autonomia, principalmente em algumas partes do território era uma situação mais bem aceita pela Coroa Portuguesa, como objeto de solução para minimizar os conflitos e manter os interesses lusitanos em determinadas regiões. No Primeiro Império surgem os autonomistas acoplados a ideia de redivisão territorial. 17 A décima nona entrevista foi gravada no dia 07 de Junho de 2012, à s 09 horas, na casa senhor Antônio Jose de Oliveira, conhecido como Antônio do Taxi. Ele chegou no inÃcio de 1992 para trabalhar nas obras de construção do aeroporto de Palmas, depois passou a trabalhar como taxista, profissão que desempenha até o momento. O espÃrito aventureiro do entrevistado em conhecer outros lugares o fez morar em São Paulo e Rio de Janeiro e, quando migrou para Palmas, morava em Belém. Afirma que sempre teve vontade de morar em um lugar que estivesse começando. Motivado pelo novo caracterizado pela criação do Estado do Tocantins e pela construção de Palmas, formaram os objetivos da sua migração. Desde que chegou, gostou da cidade, por isso, permanece até hoje. Afirma que não troca Palmas por nenhuma outra cidade. Assim, as entrevistas foram transcritas e analisadas. Seguindo a linha de raciocÃnio de cada um, os conteúdos direta ou indiretamente fizeram parte dos capÃtulos da tese. Para cada entrevista, foi construÃda uma sÃntese dos assuntos abordados por cada um dos entrevistados. Por fim, citações foram extraÃdas dos textos das transcrições das entrevistas para serem utilizadas na redação dos capÃtulos. As citações no corpo do texto foram identificadas como “entrevista analisada†e numeradas de acordo com a ordem em que a entrevista foi analisada. Seguindo essa organização, a redação dos tópicos que tratam de cidades planejadas está composta dos conteúdos das entrevistas e das teorias que tratam da criação e da construção de Goiânia e BrasÃlia. A epistemologia sobre o significado e a evolução das cidades foi estruturada por meio dos conteúdos da Geografia Urbana desenvolvidos por Santos (1996; 2007; 2008), Lefebvre (1991), Carlos (2004), Villaça (2001). Parte-se do princÃpio, conforme explicitação de Santos (1996, p. 49), de que todo movimento realizado no “território e na sociedade vai dar em consequência uma nova ordem urbanaâ€. Nessa perspectiva, há a ocupação dos espaços efetivados pela evolução natural de uma população e pelos movimentos de migração e imigração. No Estado do Tocantins, os espaços urbanos foram identificados por intermédio das diferenças entre as oportunidades de um território em relação ao que os migrantes tinham nos territórios de origem. Diante disso, objetivamente, as pessoas são classificadas economicamente pelas estatÃsticas, pelos censos e pelas condições de consumo. Assim, “cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando, incessantemente, para melhor ou para pior†(SANTOS, 2007, p. 107). Estes pontos foram importantes para as 18 discussões sobre as polÃticas de ocupação dos espaços promovidas pelo governo do Estado do Tocantins. Conforme descreve Carlos (2004, p. 299), “a cidade produzida como fonte de produção de mais-valia aprofunda a contradição valor de uso-valor de troca, revelando a cidade produzida como exterioridadeâ€. Em termos polÃticos, uma cidade produzida pode ser também uma cidade plantada, planejada. Nessa direção, Carlos (2004) aponta algumas diretrizes polÃticas para a construção e a ocupação de uma cidade. Em se tratando da Geografia Urbana, a “ação polÃtica redefine e cria fronteiras no espaço como desdobramento da propriedade, separando o vivido do concebido que sustenta a ação polÃtica†(CARLOS, 2004, p. 302). Essa ação urbana pode ser constituÃda espontaneamente ou plantada; assim, os conteúdos da Geografia Urbana foram complementados com as teorias desenvolvidas por Sposito (2001), Corrêa (2006) e Villaça (2001). Diante dessas perspectivas, podemos afirmar que A Geografia Urbana deve contemplar, em sua análise sobre o fenômeno urbano, uma crÃtica à formulação do saber sobre a cidade, porque é impossÃvel separar a produção social do espaço da cidade da produção de um pensamento sobre a cidade; como escreve Lefebvre, “a teorização não suprime a problemática do mundo moderno, ela contribui para colocar as questões com mais forçaâ€. Assim, a análise da cidade deve passar pela amplitude de uma dupla dimensão crÃtica que abarque tanto a crise teórica quanto a prática. (CARLOS, 2007, p. 19). Nessa direção, os conceitos de cidade e urbanidade foram interligados a uma sucessão de intervenções caracterizadas por justificativas polÃticas e econômicas na formação e na consolidação territorial. Todas as teorias e autores indicados, direta e indiretamente, possibilitaram o desenvolvimento de uma linguagem lógico-dialética sobre as intervenções realizadas em um espaço caracterizado pelo bioma do Cerrado, por veredas, rios e riachos circundados por serras. Depois das intervenções desenvolvidas a partir de 1989, esses espaços foram transformados em cidade. Assim, entre os principais objetivos dessa pesquisa, está a observação e a problematização das intervenções urbanas desenvolvidas à margem direita do rio Tocantins, como objeto de consolidação do Estado do Tocantins em termos polÃticos e econômicos, colocando as resultantes das intervenções no ordenamento territorial como uma das caracterÃsticas para se entender uma determinada realidade urbana, considerando que a 19 Realidade urbana nos coloca diante de problemas cada vez mais complexos, que evolvem o desvendamento dos conteúdos do processo de urbanização nos dias de hoje; uma tarefa, a meu ver, coletiva, apoiada em um debate que seja capaz de contemplar várias perspectivas teórico- metodológicas como possibilidades abertas à pesquisa urbana. Por outro lado, não se pode ignorar o conhecimento acumulado sobre a cidade, que engloba um profÃcuo debate interdisciplinar, resultado do esforço das ciências parcelares na direção da elucidação da cidade. (CARLOS, 2007, p. 19). Essa realidade foi trabalhada a partir de uma relação estabelecida pela gestão do território; conforme Corrêa (2006, p. 61), essas “ações exercidas pelos agentes sociais, privados e públicos, no sentido de apropriar-se de um território e controlar a sua organização socioespacialâ€. Todas as intervenções realizadas pelo poder público continham justificativas para o desenvolvimento da iniciativa privada. Conforme Habermas (1984), no Estado moderno, a burocracia, a economia e a tributação caminham juntas. Logo, nas primeiras fases do Iluminismo, a economia evoluiu de doméstica para polÃtica, a administração da casa do senhor se transformou em administração pública. Essa foi a realidade produzida para a consolidação do Estado burguês. Por conseguinte, as intervenções, além das mudanças no espaço e na velocidade do tempo, alteram as identidades sociais, culturais e polÃticas, com a inserção de novas relações de produção. Hipoteticamente, essas foram as principais alterações proporcionadas pelas intervenções realizadas para a criação e a consolidação do Estado do Tocantins. Essa tese, nesses termos, compreende-se os confrontos engendrados pela relação do todo situado na reflexão sobre a história separatista nacional para se compreender as lutas separatistas regionais e a sua conversão na construção da autonomia da região norte de Goiás. Após a criação do Estado do Tocantins, o governo promoveu uma polÃtica de expansão urbana com a finalidade de consolidar o território do novo Estado. Então, mediante o contexto determinado pela polÃtica de expansão urbana desenvolvida pelo primeiro governo estadual, interroga-se sobre quais aspectos foram utilizados para consolidar o território do Estado do Tocantins, tomando como referência as estratégias separatistas instituÃdas para dividir o Estado de Goiás, o processo de criação e estruturação do Estado do Tocantins, e partindo de uma sucessão de intervenções públicas e privadas, direcionadas à expansão urbana, pode-se, por conseguinte, dizer que Palmas foi construÃda em concordância com uma visão de consolidação territorial e polÃtica do Estado do 20 Tocantins. Essa condição pode ser interpretada à revelia da manifestação dos interventores, diante das caracterÃsticas que a cidade foi criada, construÃda e ocupada. Assim, o objet ivo desta tese é provar por meio de estratégias lógicas que as intervenções efetivadas para a conquista da autonomia territorial do norte de Goiás, a criação, a construção e a ocupação dos espaços de Palmas foram desenvolvidas como objeto de consolidação polÃtica do Estado do Tocantins. Assim, o primeiro capÃtulo versa sobre a compreensão da história dos separatistas da região norte de Goiás e sua posterior conversão em autonomistas, considerando-se que a polÃtica de divisão territorial, historicamente, teve a finalidade de expansão da urbanização em espaços vazios e sedimentar as estratégias do desenvolvimento regional e nacional. Nesse sentido, o processo sobre as polÃticas de expansão territorial foi estudado para entender as intervenções realizadas em espaços urbanos estruturados por meio de ações planejadas. Estes aspectos foram trabalhados a partir dos pressupostos teóricos desenvolvidos por Moraes (2005; 2008; 2009), Martins (2001), Aquino (1996), Cavalcante (2003), Parente (2002) e Silva (1996). O segundo capÃtulo foi estruturado a partir das intervenções direcionadas à criação e construção de Goiânia e BrasÃlia para se entender o contexto polÃtico e econômico voltados para a escolha do território destinado para a criação e a construção de Palmas. Nessa parte, foram trabalhadas as seguintes referências bibliográficas: D’Elia Júnior (2005), Lira (1995), Moraes (2006), Reis (2011), Silva (2008), Penna (2002), Saquet (2007), Santos (1996), Brito (2009), Corrêa (1999), Robaina (2008), Maricato (2008), Teixeira (2009), Manso (2001), Nascimento (2009), Chauà (1995), Mello (2006) e Cerqueira (1998). As contradições entre construir e consolidar espaços e o processo de formação da identidade urbana de Palmas formaram as diretrizes básicas do terceiro capÃtulo. A base teórica desse capÃtulo foi estruturada a partir de Vargas; Castilho (2006), Corrêa (2006), Villaça (2001), Ribeiro (2005), Duarte 1974; Pintaudi (1992), Barbosa (2012), Bourdieu; Passeron (1975), Brandão (1998), Halbwachs (2006), Santos (2007), Coelho (1982), Geertz (1989), Souza (2005), Silva (2008), Sposito (2001), Ribeiro (2000), Sêne (2012), Rocha (2012) e Bosi (1998). As intervenções na economia e no ordenamento territorial, levando-se em conta as cidades banhadas pelo lago, a evolução das relações entre capital e trabalho e as perspectivas de redivisão territorial do Estado do Pará formaram os elementos básicos dos objetivos do quarto capÃtulo. No último item do quarto capÃtulo estão as análises das entrevistas 21 envolvendo as relações estabelecidas no cenário polÃtico, geográfico e urbano. Todos esses fatores foram corroborados pelos pressupostos epistemológicos difundidos por Fischer; Firkowski; Sposito (2008), Waldecy (2012), O’Donnell (1989), Oliveira (1981), Souza (2006), Maricato (2008), Halum (2011), Silva (2007), Lira (2011), Soares (2009), Silva (2012), San’Anna Jr.; Carstens; Fleith (2008) e Brito (2009). Por não ser da área de Geografia, procurei associar em todas as fases da pesquisa, os conhecimentos acumulados em Filosofia, conduzindo-os para a Geografia. Assim, em todas as partes da tese foram aproveitados componentes teóricos de Economia, Sociologia, PolÃtica e Filosofia. Nesse universo, Habermas (1984) foi importante para aproximar a categoria intervenção aos conceitos de público e privado na construção do universo da criação, construção e ocupação de Palmas; Russel (1974), Poulantzas (1985), Santos (1996, 2007; 2008), Lefebvre (1991), Carlos (2004), Villaça (2001) e Sposito (2001), foram indispensáveis à tessitura lógica de todas as fases da tese. As transformações espaciais e a construção de um tempo novo Nessa tese, parte-se da concepção de que o tempo não é uma condição objetiva do ponto de vista material ou tangÃvel, mas uma condição a priori da condição humana. A resultante a posteriori desse processo é a construção de uma realidade social em constante contradição. Diante disso, este trabalho especifica as cidades planejadas como uma possibilidade para o surgimento de um novo tempo, partindo das intervenções que são realizadas pela decisão em se construir uma cidade. Tempo este não mais condicionado pela natureza, pela posição do sol em relação aos movimentos da Terra ou da lua, mas pela ação humana. Contudo, as evidências desse novo tempo ainda podem ser encontradas em disfarces de estamentos, mesmo diante do tempo mensurado, estruturado nas tecnologias, nas ações polÃticas e econômicas caracterizadas na complexidade determinada pela dialética da geração de excedentes e exclusão, ocasionadas pela trilogia poder, produção e consumo. Essa realidade, constituÃda artificialmente, dependendo da situação em que é construÃda, pois coisifica o tempo a partir do momento em que a essência se manifesta “de modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ângulos e aspectos†(KOSIK, 1976, p. 11). Para Kant (1958, p. 41), 22 O tempo não é um conceito empÃrico derivado de experiência alguma, porque a simultaneidade ou a sucessão não seriam percebidas se a representação “a priori†do tempo não lhes servisse de fundamento. Só sob esta suposição podemos representar-nos que uma coisa seja ao mesmo tempo em que outra (simultânea), ou em tempo diferente (sucessiva). Considerando todas as possibilidades, positivas e negativas, dos processos interventivos para construir e ocupar um território coisificado nas contradições entre espaço e tempo, conforme Santos (2007, p. 69), “a força da pseudoconcreção [...] se multiplica. O poder da falsa consciência fortaleceâ€. Consequentemente, essa condição reproduz a ideia de um tempo simultâneo, constante, horizontalizado. Por isso, a relação entre o tempo positivo materializado na essência dos espaços vividos reproduz a existência do espaço caracterizado como objeto da liberdade individual, condicionada na força ininterrupta da utopia humana de querer, fazer, construir e dominar – coisificar o espaço e pragmatizar o tempo. Nessa direção, quanto à categoria tempo histórico, leva-se em conta a filosofia da essência, como contraponto à essência do tempo, ou seja, uma existência caracterizada pelas contradições das transformações de um espaço que materializa a realidade imposta nas diferentes formas de se viver em um espaço artificialmente construÃdo 5 . Essas contradições foram trabalhadas para se entender a natureza dos conflitos gerados, antes e durante a entrada de Siqueira Campos no processo de divisão do Estado de Goiás. Por isso, tem-se a massificação das categorias “novo†e “atrasoâ€, difundidas para justificar as intervenções nos espaços em que seria criado o Estado do Tocantins. Contudo, as intervenções não estabeleciam nenhuma relação com o sistema de produção. Assim, “o modo de produção expressa-se pela luta e por uma interação entre o novo, que domina, e o velho. O novo procura impor-se por toda parte, porém sem poder realizar isso completamente†(SANTOS, 2008, p. 28). Ainda conforme Santos (2011, p. 10), o “território envolve o estudo do espaço, entendido como uma geografia da participação socioeconômica das populações; a polÃtica, por intermédio do controle dos agentes reguladores que assim promovem o ordenamento, com base em formas diversas de planejamentoâ€. A construção de um território novo, dependente economicamente para satisfazer interesses polÃticos, repercute nas ações direcionadas à ocupação dos espaços em construção. Portanto, a 5 Aqui, a essência do tempo é uma condição dada que não representa a consciência que se tem do tempo, diante da condição representada pelo instante vivido, sem uma relação com a existencial dada pelo espaço de tempo racionalmente condicionado no âmbito dos espaços planejados. 23 pesquisa analisou se as mudanças ocorridas no Tocantins e em Palmas foram significativas e hipoteticamente suficientes para transformar a polÃtica e a economia, pelo fato de a transformação dos espaços não ter sido inserida em uma relação capital-trabalho moderna do ponto de vista das transformações. O tempo de existência de um território dependente, por conseguinte, caracteriza uma sucessão dos fenômenos constituÃdos na essência do tempo. Desse modo, As coisas se dão em uma seqüência. Esta é uma das dimensões com que podemos trabalhar em geografia e que nos leva à idéia de pedaços do tempo ou, em outras palavras, da seqüência no acontecer, uma espécie de ordem temporal. A cada momento se estabelecem sistemas do acontecer social que caracterizam e distinguem tempos diferentes, permitindo falar de hoje e de ontem. Esse é o eixo das sucessões. Temos também o eixo das coexistências, da simultaneidade. Em um lugar, em uma área, o tempo das diversas ações e dos diversos agentes, a maneira como utilizam o tempo não é a mesma. (SANTOS, 2008, p. 151). Nessa direção, “o advento do PerÃodo CientÃfico-Técnico permitiu, afinal, que, na prática, isto é, na História, o espaço e tempo se fundissem, confundindo-se†(SANTOS, 2008, p. 77), pois, com os avanços técnicos, o tempo urbano tem outra velocidade, porque é movido pelo desenvolvimento proporcionado pelo tempo do sistema produtivo capitalista. Exemplo disso foi a transposição “do século XX para o século XXI, marcados pelo anúncio de uma ‘crise de paradigmas’, que levou muitos pensadores a concluÃrem que os conceitos e categorias então utilizados para a compreensão da realidade social estariam perdendo a sua validade explicativa†(LOPES, 2010, p. 205). Esse entendimento do tempo como se fosse algo que pudesse ser totalmente determinado, isto é, controlado, conduziria à interpretação flexÃvel da natureza relacionada ao tempo caracterizada pelo movimento polÃtico-social e por sua importância na construção da essência histórica resultante da criação e construção de espaços. Aqui, esses espaços são os urbanos teleologicamente programados para a consolidação de um território de poder em um curto espaço de tempo, reproduzido por uma história materializada nos interesses determinados pela objetividade do tempo e na materialidade posta na particularidade da essência histórica de uma realidade social: Se se considerasse o tempo como essência singular, a objetividade do mundo não poderia servir de base para extrair conclusões de qualquer espécie sobre o caráter objetivo do tempo. Ao contrário, se o tempo é uma 24 forma de ser da matéria, tornar-se possÃvel compreender mais claramente sua materialidade, já que o mundo é material. A interpretação substancialista do tempo sob o aspecto de um ‘processo fÃsico’ singular, constitui, em essência, uma regressão. (ASKIN, 1969, p. 79). Assim, a condição objetiva do tempo permite uma aproximação entre o tempo histórico e a essência material produzida no espaço caracterizada na existência de um território de poder. Nessa perspectiva, as intervenções sobre o espaço decifradas por Santos (2007) e discutidas por Steinberg (2009) caracterizam as intervenções sobre o território como formas e o território usado como objetos, ações, sinônimos de espaço humanizado, de espaço habitado. Com essa definição, o espaço usado é uma mistura de interesses públicos, privados – particulares mediatizados pelas condições de uso do território. Para Santos (2009), a compreensão entre espaço, sociedade e lugar acontece quando o espaço geográfico transita para o conceito de território usado, essa alteração caracteriza as mudanças efetivadas no território. Assim, as intervenções processadas objetivam as transformações sociais, polÃticos ou econômicos dos espaços. De certa forma, a concepção que define as consequências polÃticas, as formas de ocupação dos espaços mensura os interesses gerados pela essência histórica do tempo vivido na forma de se exercer o poder; essa reprodução coisifica o tempo vivido, transformando-o em objeto da essência. Essa regressão, na mesma vez que produz a essência do tempo, proporciona a perda da liberdade de escolha dos espaços para se viver, de modo que “a essência do tempo não pode ser elucidada se não é examinada a partir do ponto de vista da dialética do processo de desenvolvimento†(ASKIN, 1969, p. 83). Dessa forma, o conceito de essência remete-nos ao conceito de vocação, predeterminado pelas condições abstratas do tempo. Essa abstração indica as caracterÃsticas polÃtico-sociais materializadas na configuração de estamentos reproduzidos em sociedades liberais para justificar determinadas formas de intervenções. Por sua vez, essas intervenções, processadas em territórios e espaços planejados, artificializam a resultante dessas intervenções, sejam elas diacrônicas ou sincrônicas, de modo que esse processo funciona como elemento de controle sobre os espaços produzidos por fenômenos de natureza polÃtica, reproduzindo confrontos sociais ou uma conformação caracterizada pelas formas de ocupação: A essência se manifesta no fenômeno, mas só no modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ângulos e aspectos. A essência não se dá imediatamente; é mediata ao fenômeno e, portanto, se manifesta em algo 25 diferente daquilo que é. O fato de se manifestar no fenômeno revela seu movimento e demonstra que a essência é precisamente a atividade do fenômeno. (KOSIK, 1976, p. 11). A importância dos pressupostos para compreender a essência do tempo no processo de criação e construção de um território caracterizado como um espaço de controle polÃtico, conforme Kant (1958), representa uma condição de entendimento sobre a realidade espacial, considerando que “o tempo não pode ser percebido externamente, assim, como o espaço não pode ser considerado como algo interior em nós outros†(KANT, 1958, p. 33). Daà a junção entre as ações desenvolvidas no espaço em um determinado tempo utilizado na consolidação de um território, conforme Steinberg (2009); a formação da identidade e do sentimento de pertencimento é resultante dos processos de usos do território. Esse ato de pertencer é extensivo à identidade cultural de uma região ou território que, por sua vez, é uma condição que não pode ser criada ou dissolvida por meio de fenômenos exteriores ao espaço, diante das condições internas e externas que determinam a existência real e simbólica do território usado na relação tempo e espaço. Essa relação especifica a existência das formas de ocupação dos espaços, em uma configuração de um tempo objetivado pela essência. Portanto, considerando a posição de Santos (2007), o espaço aparece como um conjunto de objetivos existentes e pré-existentes nas contradições de “cada momento, movidas e vivificadas por uma lei única, a lei do hoje, a que se submetem todas as relações sociais†(SANTOS, 2007, p. 141). Por sua vez, a essência é geradora da perenidade da consciência dos sujeitos interessados não na transformação do processo de ocupação dos espaços, mas a sua legitimação como parte do objeto de interligação entre os interesses vigentes numa territorialidade: “É assim que espaço e tempo aparecem através da ação humana em sua indissociabilidade, uma ação que se realiza enquanto modo de apropriação†(CARLOS, 2004, p. 292). Em sÃntese, esses foram os principais confrontos desenvolvidos entre o espaço e o tempo objetivado, primeiro para criar o Estado do Tocantins, depois para consolidá-lo por intermédio de uma cidade artificial constituÃda por funções econômica, polÃtica e territorial. 26 A estruturação de um espaço de poder O conceito de espaço, justificado pela categoria existência, diante das crises de destruição e criação de territórios nas sociedades iluministas, contradiz a perenidade social justificada na essência do sistema polÃtico ao reproduzir um confronto entre a existência e a estabilidade da essência. Contudo, nesta relação de estabilização, é a existência que promove o confronto e a transformação dos sistemas polÃtico-sociais relacionados à história de uma ocupação territorial. Nesse contexto, a essência justifica o inatismo de uma identidade perenizada na estabilidade do sistema polÃtico, econômico e social, difundida na virada iluminista 6 . A partir daÃ, a essência passou a ser utilizada para justificar a simbologia da igualdade, fraternidade e liberdade, caracterizada no objeto de consolidação do individualismo e da hegemonia burguesa na ocupação dos espaços de poder existentes ou construÃdos por meio de sucessivas intervenções. Assim, O caminho do desvendamento dos momentos (formação) da produção do espaço, que permite pensar a relação homem/natureza como fundamento do processo constitutivo do espaço – processo que se realiza numa dialética entre objetividade e subjetividade. Uma objetividade que pode ser traduzida na prática socioespacial (real) em seu processo conflituoso, e uma subjetividade que se revela na consciência desta produção. É nesse sentido que o espaço aparece enquanto condição, meio e produto da reprodução social, revelando uma prática que é socioespacial. (CARLOS, 2004, p. 292). Em termos polÃticos, as categorias espaço e tempo foram caracterizadas pelas sociedades burguesas capitalistas como instância de definição das relações de produção e acumulação. Conforme Santos (2007), ideologicamente, o tempo e o espaço, ao serem tratados como objetos empÃricos, passam a representar as relações predominantes em sociedades capitalistas, impostas pelas intervenções caracterizadas pelo sistema produtivo, representada pelos espaços urbanos. Por sua vez, “essa condição é explicado por Max Weber a partir das categorias de racionalização ou de cálculo racional†(SANTOS, 2007, p. 67). Daà a primitiva representação do espaço transformado, no entendimento de Kant (1958, p. 36), acontecer em meio a uma “representação a priori e não por meio de um conceitoâ€. Dessa 6 O racionalismo que culmina com Descartes acompanha a inversão que substitui a primazia camponesa pela prioridade urbana (LEVEBFRE, 1999, p. 19-24). 27 forma, o espaço do então norte de Goiás pode ser entendido de forma simultânea diante das caracterÃsticas existenciais das condições urbanas em sociedades que se realizam culturalmente na configuração de um espaço lento diante da forma existencial dos mecanismos de produção capitalistas. Essa era a configuração da produção nos espaços da então região Norte de Goiás. Contudo, para a análise feita para a compreensão das contradições, partiu-se das intervenções nos espaços como objeto gerador de desenvolvimento que consideram a construção ou reconstrução de territórios. Portanto, o desenvolvimento só é possÃvel por meio da intervenção humana nos espaços. Em relação a isso, Kant (1958, p. 38) diz que Não podemos, pois, falar de espaço, de seres extensos, etc., senão debaixo do ponto de vista do homem. Nada significa a representação do espaço, se saÃmos da condição subjetiva, única sob a qual podemos perceber a intuição externa, quer dizer, ser afetados pelos objetos. Diante dessa condição, o espaço não pode ser entendido como um conceito meramente abstrato, discursivo ou tangÃvel, mas como uma categoria que define a existência universal e particular das sociedades, pois não há humanização sem uma elaboração a priori para uma posterior interferência no espaço. Para Kant, a representação social só é perceptÃvel por meio de uma intuição pura trabalhada e compreendida como um objeto da existência dos fenômenos envoltos ao desenvolvimento polÃtico, social e econômico. Portanto, uma práxis transformadora e geradora da possibilidade para se criar e modificar a essência do espaço em existência. Por isso, O espaço é essencialmente uno; a variedade que nele achamos, é, consequentemente, o conceito universal de espaço em geral, fundam-se unicamente em limitações. Daqui se segue que o que serve de base a todos os conceitos que temos de espaço, é uma intuição “a priori†(que não é empÃrica). (KANT, 1958, p. 35). Então, pode-se dizer que o espaço pode também ser representado como uma grandeza matemática ou geométrica diante da sua importância como fenômeno polÃtico e social, distinto, caracterizado pelas condições de vida em um determinado espaço. Considerando esses aspectos, no Tocantins, na transformação do espaço em mercadoria, ocorreu a negação do espaço como objeto social no momento em que o espaço foi transformado em apêndice para a construção de um poder polÃtico e econômico, sem que os 28 ocupantes desses espaços percebessem. Portanto, no contexto dessa pesquisa, o espaço foi caracterizado como sendo a condição essencial na qual se realiza a consciência sobre as necessidades de transformação territorial a partir das categorias intervenção, divisão territorial, urbanização e cidade. Nesses termos “[...] alguns apregoaram um réquiem para as cidades, em que um tal ‘fim da cidade’ acompanharia inexoravelmente o próprio ‘fim da história’! E, contudo, a cidade ‘move-se’ tal como, ao fim e ao cabo, a própria História!...†(FERREIRA, 2005, p. 63). O tempo foi trabalhado como sendo a representação do momento em que uma determinada ação da consciência se realiza no espaço; o resultado do que ocorreu no espaço em um determinado tempo foi entendido ao que TucÃdides, em 424 a.C., denominou de história. Por sua vez, essa história será discutida por meio das estratégias efetivadas para a consolidação territorial do Estado do Tocantins. Isso fortalece a razão “para continuarmos a discutir a cidade, por mais ambÃgua e incerta que ela possa ser no momento†(FERREIRA, 2005, p. 63). 29 CAPÃTULO 01 A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA POLÃTICA DO NORTE DE GOIÃS, ANTES E DEPOIS DE PALMAS 1.1 Cenários históricos e polÃticos da divisão do Estado de Goiás A consolidação do território brasileiro ocorreu a partir do momento em que as elites regionais tomaram conhecimento das correntes mais pragmáticas do Iluminismo europeu. Essa proximidade possibilitou a formação de um estado interventor e corporativista caracterizado pela doutrina de progresso objetivada na ideologia de defesa do território nacional. Nesse contexto, o poder passou a ser disputado pelas elites rural e urbano. Porém, as contradições giravam em torno dos privilégios que as oligarquias acumularam na República Velha. Em termos, esses privilégios foram mantidos por meio do conceito escolástico de “vocação†para justificar o potencial das oligarquias regionais na construção da economia nacional, diante da falta de alternativas do paÃs para suplantar o fluxo do produto interno bruto dependente do circuito monocultor. Com isso, a intelectualidade adepta dessa orientação descrevia que “do ponto de vista lógico-histórico, a relação mais elementar seria a da apropriação dos meios naturais, aparecendo a superfÃcie terrestre para as sociedades como um celeiro de subsistência e trabalho†(MORAES, 2005, p. 42), legitimando-se, dessa forma, a produção rural como objeto de sustentação do ideário polÃtico-econômico, difundido em diversas correntes do pensamento brasileiro, sistematizadas por meio de novos vieses gnosiológicos das ciências humanas. Assim, Na geografia, assiste-se à entrada em cena das concepções de Paul Vidal de La Blache e da “escola possibilistaâ€, inaugurando uma Geografia humana explicita. Vê-se que o prussianismoratzeliano vem substituir uma concepção liberal, bem ao gosto da burguesia agroindustrial paulista que na conjuntura dos anos trinta teme o radicalismo de qualquer matriz. (MORAES, 2005b, p. 125). 30 Com a introdução de novos objetos epistemológicos nas ciências humanas, emergiu a preocupação com a geopolÃtica – inicialmente entre os jovens egressos das academias militares, a partir dos anos 1920, ideologicamente formados à luz do positivismo francês ou das revoluções socialistas do século XX. Esses jovens pregavam que o estado brasileiro deveria ser estruturado a partir do pensamento urbano nascente nas grandes cidades, agregando interesses econômicos e polÃticos, balizados por uma burocracia militar intervencionista: A ótica geopolÃtica vai marcar profundamente o pensamento desses militares gerando nas décadas seguintes uma série de obras que fundem a tradição autoritária com o afã modernizador, no culto ao Estado forte e centralizado como agente de progresso do PaÃs. Não se deve esquecer que os “tenentes†de 1930 são, em grande número, os generais golpistas de 1964. (MORAES, 2005, p. 123). No entanto, além da riqueza das discussões entremeadas por diversas correntes e suas respectivas variações ideológicas, predominavam as correntes do positivismo na sociedade civil e nos aparelhos da sociedade polÃtica. Nesse meio, a pregação do desenvolvimento urbano agregado à polÃtica de divisão territorial era um dos objetos mais discutidos pelos intelectuais nas diversas fases da República. Nessas discussões, misturavam-se interesses do campo e da cidade, considerando que as elites, direta e indiretamente, sempre estiveram ligadas aos benefÃcios proporcionados pelo sistema produtivo ruralista. Contudo, não havia posicionamentos contrários à polÃtica urbana em curso, diante da estrutura hegemônica voltada para a manutenção das prerrogativas do campo na polÃtica brasileira, caracterizada nos privilégios do sistema produtivo agrário exportador, com a participação do poder público em todas as fases: da produção à comercialização. Nesse contexto, mesmo com as posições contrárias de lideranças nacionais, os separatistas da região norte de Goiás encontravam ambiente para manter o ideário de divisão territorial, contrapondo o discurso de quebra da unidade federativa, na dialética entre as ações centrÃfugas e centrÃpetas que misturavam aos interesses regionais: O território nacional não se esfacelou, é verdade, pois as elites polÃticas souberam garantir a unidade territorial e a vigência do domÃnio do poder central dentro do território brasileiro, derrotando as forças do “particularismo†e da separação. Entretanto, o mesmo não pode ser dito quando se observa o interior do Estado nacional brasileiro, marcado pela 31 existência de mais de uma dezena de movimentos separatistas ou autonomistas, alguns existentes desde o perÃodo colonial. Se o Brasil não se esfacelou “para fora†(forças centrÃfugas) ele fragmenta-se “para dentro†(forças centrÃpetas). (MARTINS, 2001, p. 265). As intervenções realizadas para fins de divisão territorial faziam parte das estratégias de ampliação ou de criação de espaços de poder. Por isso, a divisão e a ocupação territorial foram utilizadas para fragmentar o poder das oligarquias mais tradicionais que, na ótica dos liberais emergentes, impediam o desenvolvimento da nação. Entre as condições apontadas para a nação se desenvolver estava a ocupação dos espaços vazios, colocando como causa o fortalecimento da segurança nacional. O processo de divisão territorial foi uma constante em todas as fases, da colônia à República, da Velha República ao Estado Novo de Vargas: Na década de 1940 o presidente Getúlio Vargas despachou o projeto de criação do estado, elaborado pelo Brigadeiro Lysias Rodrigues para o IBGE. No projeto o território do Tocantins seria criado com a divisão territorial do norte de Goiás e do sul do Maranhão, com a capital em Carolina (MA) ou Pedro Afonso (GO). Entretanto em 1949, a Comissão de Constituição e Justiça da Administração Federal rejeitou e arquivou o projeto. (XAVIER, 2007, p. 46). Assim, ampliam-se os interesses para a criação, desmembramento ou fragmentação de estados como parte das reivindicações de lideranças polÃticas regionais interessadas na construção de novos espaços de poder. Nesse propósito, “durante o perÃodo militar, foram criados, por iniciativa do Poder Executivo, dois estados – Mato Grosso do Sul (1977) e Rondônia (1981), e o antigo estado da Guanabara foi incorporado ao do Rio de Janeiro (1974)†(MARTINS, 2001b, p. 267). Diante dessa perspectiva, as polÃticas urbanas visavam à mudança nos paradigmas de poder, além do desenvolvimento econômico menos dirigido pelo estado. Com base nessa ideologia, criam-se as condições para a integração das regiões não urbanizadas ao circuito da produção industrial das regiões Sul e Sudeste, em uma lógica de ocupação dos espaços vazios por meio da presença mais ostensiva do estado. Em 1988, essas questões foram fortemente debatidas no Congresso Constituinte. Uma dessas discussões girou em torno da “proposta dos estados de Tocantins (localizado no norte de Goiás) e do Maranhão do Sul, é 32 o maior controle do monopólio da terra que anima seus autores, com o fortalecimento do aparato repressivo local†(MORAES, 2005, p. 150). Todos os projetos de divisão territorial faziam parte do processo de fragmentação do poder polÃtico local, intermediada pela criação de novos espaços urbanos. Nesse contexto, ressurge o ideário de consolidação da ocupação da região Oeste institucionalizada pelo Império em 1823. Essa redefinição espacial atendia aos interesses das correntes liberais que defendiam uma intervenção mais efetiva do governo na ocupação de determinadas áreas do território brasileiro para tirar o paÃs do atraso e da dependência das oligarquias regionais. Essas reivindicações, para não despertar controvérsias das frações dominantes, foram associadas à s necessidades de segurança interna e externa da nação. Porém, essas ideias escondiam interesses patrimonialistas, polÃticos e estratégicos. Por outro lado, os argumentos sobre a divisão territorial se concentravam na esfera da defesa e na implementação de uma estrutura de desenvolvimento regional asseverada na democratização e modernização dos espaços. Para melhor conhecer os perfis das intervenções processadas para dividir o Estado de Goiás, foram introduzidos alguns pontos da doutrina de segurança e desenvolvimento do território nacional iniciada no fim do perÃodo imperial, acoplada ao fortalecimento da economia e do desenvolvimento regional. Nesse contexto, a história separatista do Norte de Goiás foi inicialmente difundida na pessoa de Joaquim Teotônio Segurado 7 , por ele ter sido o primeiro representante do alto escalão da Coroa Portuguesa 8 na região Norte a manifestar interesse em dividir o Estado de Goiás. A sua intenção era construir um novo território de poder para preservar a região de interesses contrários à economia de Portugal. Por isso, coube a Teotônio Segurado desenvolver as estratégias para convencer a Coroa sobre as 7 O norte de Goiás sempre sofreu medidas que freavam o seu desenvolvimento enquanto durou a melhor fase do ouro. Quando do descobrimento das primeiras lavras no sul da Capitania, a Coroa restringiu o escoamento do ouro a um único caminho. Com o surgimento das minas do norte, foi proibida a navegação fluvial, eliminando-se, portanto, a maneira mais fácil e econômica de a região atingir outros mercados consumidores, pelos rios Tocantins e Araguaia. (PARENTE, 2002, p. 171- 182). 8 Quando foi criada a comarca de São João das Duas Barras, em 1809, praticamente passou a existir dois Goiás: o Rio Araguaia e o atual estado de Goiás, sendo administrados pelo governador e capitão-general de Vila Boa de Goiás; e o Rio Tocantins, pelo ouvidor da comarca de São João das Duas Barras, comarca do Norte de Goiás, ou comarca de Palma. Estava plantada, pois, a semente da sonhada ProvÃncia do Tocantins e do hoje Estado do Tocantins. Mais ainda, a exemplo do marquês de Pombal, Dom João expedia instruções para se incentivar a navegação mercantil e a colonização das ribeiras do Tocantins. O desembargador Joaquim Theotônio Segurado, ex-ouvidor da Vila Boa, era indicado ouvidor da nova Comarca. (SILVA, 1996, p. 57). 33 potencialidades aurÃferas e as necessidades de se construir um controle mais rigoroso no Norte, no inÃcio do século XIX. Nessa direção, Martins (2011) destaca que, em 1810, Dom João VI criou a Cabeça de Julgado da Comarca de São João das Duas Barras, determinando que para ali mudasse o Corregedor Teotônio Segurado, depois de ser informado sobre o fluxo aurÃfero existente no Norte de Goiás. Os avisos dados por Teotônio cimentaram as relações com Dom João VI. Motivado pelo alerta, D. João elevou a autoridade de Teotônio Segurado na região. No poder, Segurado iniciou uma forte perseguição aos grupos separatistas que tinham pretensões mais ousadas em relação ao circuito de exploração que vinha sendo realizado no território. Os perigos vistos pelo novo representante da Coroa oscilavam entre uma defesa de separação do Norte de Goiás à proclamação de um território independente de Portugal. Diante disso, Teotônio passou a representar um perigo para os grupos de separatistas que reivindicavam uma ação mais ousada em termos de autonomia territorial. Pode-se dizer que a luta pela autonomia da região norte de Goiás, no Império, funcionou como um jogo de xadrez que permaneceu competitivo mesmo depois da eliminação das peças de menor representação hierárquica. Neste caso, a simbologia das pedras do tabuleiro representa os enfrentamentos dos militares Felipe Antônio Cordeiro e Xavier de Barros, dos padres Lucas Freire de Andrade, Luiz Bartolomeu Marques e José Cardoso Mendonça. Com a perda das peças de menor valor hierárquico, a defesa e o ataque passaram a ser executados pelas peças de maior peso no tabuleiro. No Império, o jogo de poder foi representado por Teotônio Segurado; no século XX, por Siqueira Campos. Assim foi o movimento separatista do Norte de Goiás a partir do momento em que as frações menos graduadas foram perseguidas e presas para inibir as ideias de autonomia difundidas na região. As frentes mais ousadas eram compostas por militares de patentes variadas, religiosos do baixo clero e pessoas comuns de diferentes cidades ou vilarejos. Como exemplo, cita-se: Felipe Antonio Cardoso e Xavier de Barros que eram capitães lideraram uma campanha pela Independência do Brasil, em agosto de 1821, contra o Governo de Goiás Velho (Vila Boa). Com eles estavam os padres Lucas Freire de Andrade, Luiz Bartolomeu Marques e José Cardoso Mendonça. Marcada a data para a concretização do movimento, em 14 de agosto, todos foram denunciados. (MARTINS, 2011, p. 337). 34 Todos esses movimentos colocavam o poder central em alerta, diante das reivindicações de grupos ou de pessoas isoladas em diferentes lugares e espaços; argumentavam sobre as necessidades de alteração na composição do território nacional da época, a partir de uma polÃtica de divisão regional. Esses movimentos iniciaram no Segundo Império, repercutiram intensamente na República Velha até a Revolução Industrial Urbana dos anos 1930, a partir da polÃtica de desenvolvimento de Vargas denominada de Marcha para o Oeste. Em termos polÃticos, essas transformações resultaram na divisão ideológica da sociedade entre os segmentos ligados à indústria emergente e ao sistema de produção agropastoril. A discordância entre as duas tendências provocou o desmoronamento de antigas oligarquias. Com isso, o poder local passou a ser constituÃdo por grupos urbanos hegemônicos, reproduzindo uma babel polÃtica caracterizada por ideias renovadas e uma ideologia mais próxima de uma democracia mais transparente e participativa, acelerando as relações entre capital e trabalho, repercutindo na ocupação territorial e, posteriormente, na polÃtica de Goiás. De forma indireta, esses fatores foram referências para a construção das etapas de criação do Estado do Tocantins. A migração do poder para os espaços urbanos e a alternância das lideranças propiciaram transformações nos aspectos da economia e da polÃtica regional. Em parte, os avanços sociais e ideológicos faziam parte das reivindicações da sociedade e de parcela da intelectualidade militante da época. Nas cidades, surgiram grupos de intelectuais egressos do meio rural com a finalidade de manter os interesses de frações das oligarquias, reforçada pela histórica predominância do campo na economia brasileira; por isso, os discursos podem ser caracterizados em duas vertentes: uma direcionada para os problemas urbanos; outra voltada para os interesses corporativos das oligarquias rurais. Para dissipar as divergências, o governo procurava atender as duas frentes de produção, a urbana e a rural, levando-se em conta a correlação de forças estabelecidas pelos dois segmentos. As alterações na estrutura capitalista a partir dos anos 1950 enfraqueceram a atuação das oligarquias diante da ampliação da participação polÃtica da população urbana, caracterizada pelo êxodo do campo, diante da violência instituÃda em torno da ocupação das terras, ou atraÃdas pelo desenvolvimento capitalista industrial das cidades. Entretanto, com o regime militar de 1964, remanescentes das oligarquias se fortaleceram no poder até a distensão do sistema de exceção, iniciada nos anos 1980. Com esse corte, pode-se dizer que os ideais do liberalismo democrático urbano retornam ao seu curso a partir do retorno das eleições diretas. Essas transformações 35 refletiram nos resultados das eleições de 1986, com a eleição de um governante mais independente dos grupos tradicionais. As diferenças de Santillo se davam pelas suas origens e pelo fato de suas posições ideológicas serem mais avançadas em relação aos grupos predominantes na polÃtica goiana, forjada nos movimentos sociais e polÃtico-partidários de esquerda, dos anos 1960 em diante. Essas diferenças, na maioria das vezes, resultavam em enfrentamentos. Outros, ideologicamente mais afinados com as oligarquias, não apoiavam a ideia de divisão. Entre os mais expressivos nesse sentido estava Mauro Borges Teixeira, que “insistia em manter atitude contrária à criação do Estado do Tocantins em todas as suas mobilizações populares na região†(CAVALCANTE, 2003, p. 131). Essa também era a posição de outros, como a do então governador de Goiás Onofre Quinan, [que] tinha outro entendimento: o que precisa ser feito no Norte de Goiás não é Estado do Tocantins nem Território. O que a região precisa é de desenvolvimento, progresso e apoio para se fortalecer economicamente (CAVALCANTE, 2003, p. 125). Em sÃntese, a bancada de Goiás, na Constituinte de 1988, dividiu-se em duas correntes, uma mais conservadora, outra mais interessada nas discussões sobre a criação do Estado do Tocantins. Na percepção de um dos entrevistados, Era natural que existisse pessoas que não eram favoráveis à divisão. O grande lÃder polÃtico e médico de Porto Nacional era contra a divisão. No estado de Goiás, o ex-governador Pedro Ludovico era contra, Mauro Borges era contra, o ex-governador Ãris Rezende era contra, os Caiados eram contra, o João de Abreu de Arraias, figura iminente do Norte era contra. Na verdade, esse movimento se dava entre os intelectuais da sociedade. E Porto Nacional era a caixa de ressonância de todos os movimentos; mas o anseio maior na região era para que os benefÃcios públicos chegassem aos municÃpios do norte, os estudos da CONORTE comprovavam que nem a metade dos parcos recursos arrecadados era aplicada no norte goiano. Outro questionamento era criar as condições de desenvolvimento, sobretudo a instalação de instituições que pudessem formar sua população de jovens (7ª entrevista analisada). Como membro da corrente centro-esquerda da polÃtica goiana, a partir dos anos 1970, Santillo, mesmo depois de eleito governador, continuou reafirmando o compromisso de apoiar a criação de um estado a partir do Paralelo 13, onde se situava a região norte de Goiás. Diante da defesa da divisão e das formas de governar, as lideranças tradicionais ligadas ao meio rural e urbano uniram-se contra o governo. Nas eleições de 1986, a divisão 36 de Goiás contou com o apoio de diversas correntes da polÃtica goiana, principalmente em palanques de campanha e nas reuniões com representantes dos movimentos sociais da região. Enfim, a criação do Tocantins passou a ser um objeto polÃtico-eleitoral, com repercussões em todas as correntes e partidos. Vejamos parte do discurso de um dos representantes do Partido dos Trabalhadores durante a campanha a governo do Estado de Goiás: O projeto de criação do Estado do Tocantins também se constituiu numa das plataformas do plano polÃtico-administrativo do candidato ao governo de Goiás pelo PT, professor Darci Acorsi, que chegou mesmo a sugerir a desobediência civil, em 1986, como resposta dos nortenses pelo veto do Presidente da República ao projeto do Tocantins. A desobediência consistia em mobilizar os nortenses a não pagarem seus respectivos impostos e em “preparar o terreno para a criação do novo Estadoâ€. Algo semelhante ao que Teotônio Segurado determinara ao povo da Comarca do Norte na Proclamação de 1821. (CAVALCANTE, 2003, p. 130). Essas ações foram significativas para ampliar a participação da sociedade por meio dos partidos de esquerda. Por outro lado, o governador Santillo, antes de reiterar o seu apoio definitivo, esboçou a sua preocupação à s lideranças que foram pedir a manutenção do seu apoio ao projeto de divisão. Assim, o governador Henrique Santillo, após ouvir as lideranças, disse: “espero ardentemente que, ao raiar do novo Estado, sua gente se mobilize e não permita nunca que ali se estabeleçam feudos polÃticos e oligarquias†(SILVA, 1996, p. 237). Proferidas essas palavras, o governador garantiu aos presentes que apoiaria os ideais de divisão territorial, iniciada em tempos pretéritos, possibilitando a criação do Estado do Tocantins. Nesse contexto, ao exercer seu poder discricionário sobre a divisão aprovada na Constituição, aceitou como plebiscito uma consulta realizada junto à população direcionada para a divisão de Goiás. A sua atitude, em relação aos interesses das oligarquias, representou uma forma de punição à s lideranças mais tradicionais da polÃtica de Goiás. Nesse contexto, a pesquisa desenvolveu os conceitos de tempo e espaço em duas direções: o espaço como objeto material da história do então norte de Goiás; o tempo como elemento da essência das lutas separatistas do norte visando a criação do Estado do Tocantins, considerando a existência de um espaço caracterizado por uma ideologia legitimada pela essência do tempo materializado pelos interesses da construção de um novo espaço de poder legitimado na polÃtica de urbanização institucionalizada a partir dos anos 1930, como especifica Veiga (2005, p. 69): “as caracterÃsticas do processo de urbanização da 37 segunda metade do século XX, o Brasil proferiu – por motivos que permanecem misteriosos – conservar uma anacrônica regra baixada no auge do totalitário Estado Novo pelo decreto- lei n. 311/38â€. 1.2 De projeto em projeto, de veto em veto até a criação do Estado do Tocantins Os movimentos interligados à idealidade da divisão territorial difundida por parcela das elites regionais visavam à transformação de territórios vazios em espaços urbanos numa perspectiva de desenvolvimento social acoplada a interesses internos e externos de investidores e polÃticos. Conforme justificação do Projeto de Lei Complementar n. 187, de 1978, apresentado pelo Sr. Siqueira Campos: Alentado em minha luta, em favor da criação do Estado do Tocantins, por uma nova e unânime manifestação de apoio da Assembleia Legislativa de Goiás – aliás, a quinta nos últimos anos – volto a pleitear a concretização deste ideário no Congresso Nacional, agora com muito mais entusiasmo, eis que definitivamente convencido de que não estou a defender uma causa ou um ponto de vista isolado senão que fazendo-o com o respaldo – mais do que autorizado – do povo goiano. (ROCHA, 1998, p. 14). Todas as justificativas colocadas nos sucessivos projetos de leis ou nos discursos proferidos dentro e fora do Congresso Nacional continham fortes apelos à s autoridades constituÃdas de Goiás. Essa massificação proporcionou manifestações de apoio informal de deputados goianos. Contudo, o mais importante para os defensores da divisão era validar esses apoios na forma de premissas. Para isso, apostou na difusão de uma linguagem lógica de universalização, tomando como objeto proposições informais proferidas por polÃticos, como se fossem esses o desejo da população goiana. Esse discurso, se enquadrado nas proposições assertivas e negativas da lógica aristotélica, reproduz uma falsa ou apressada validação de uma proposição particular como uma verdade universal. Para isso, foram transformadas vontades ou omissões de alguns (neste caso, dos deputados de Goiás) como uma verdade lógica universal envolvendo a sociedade goiana, por meio de um silogismo categórico. Coloco como exemplo os argumentos que se seguem: Todos os deputados são representantes eleitos por uma sociedade. 38 Os deputados da Assembleia Legislativa de Goiás foram eleitos pelos eleitores de Goiás. Todas as ações desses deputados representam a vontade e o interesse de toda a população de Goiás. A divisão territorial do Estado é uma necessidade dos polÃticos do norte. Então, conclui-se que o apoio informal dos deputados torna-se dispensável à realização de uma consulta especÃfica à população para legitimar a divisão territorial de Goiás, junto à Assembleia Nacional Constituinte. Esse argumento foi engenhosamente construÃdo de acordo com os poderes de Goiás e do Congresso Nacional pelo grupo que reivindicava a autonomia polÃtica do norte. O respaldo à iniciativa era construÃdo por meio de duas situações inusitadas: a primeira, pela omissão, considerando a máxima popular sobre “quem cala consenteâ€; a segunda, pela aprovação informal de parte ou até da maioria dos deputados estaduais, principalmente à s vésperas de eleições. Todas essas movimentações ocorreram próximas à s eleições de 1986. Assim, considerando o fator polÃtico-eleitoral, teve-se o apoio ostensivo das empresas de comunicação com sucursais na região, interessadas em ampliar os territórios de domÃnios das concessões. Diante dessas estratégias, poucos foram os representantes da região sul ou norte a manter as convicções contrárias à divisão por temor à s repercussões dessas posições junto ao eleitorado. Assim, em todos os espaços midiáticos, a divisão de Goiás era veiculada como uma coisa boa para os nortistas e melhor para os sulistas, que ficariam com a fatia mais rica e mais estruturada do território goiano. Por outro lado, uma parcela significativa do Congresso Nacional apoiava a criação do Tocantins, incentivada pela possibilidade de haver uma troca diante da pretensão de diversas lideranças em estender o projeto de divisão territorial para outros estados, principalmente para a Amazônia, onde se concentram interesses regionais, nacionais e internacionais. Nessa direção, um dos diretores da maior empresa de comunicação de Goiás, e depois do Tocantins, foi eleito Senador da República. Contudo, a divisão territorial brasileira, além da vontade polÃtica de parcela das lideranças regionais, representou em grande parte os interesses de investidores internos do empresariado brasileiro e de especuladores e investidores externos. Assim, consubstanciada por simbolismos categóricos, os discursos eram realizados por meio de premissas universais, 39 com conclusões não validadas diante dos enunciados. Com essa linguagem, o Deputado Federal Siqueira Campos apresentava um projeto atrás do outro, todos contendo os mesmos apelos dos aprovados pelo Congresso Nacional e vetados pelo Presidente da República, conforme as mensagens Nº 22, de 1985-CN e Nº 41, de 1986-CN. Depois dos sucessivos vetos, Siqueira Campos se uniu ao também deputado nortista José Freire para juntos ficarem à frente da “Emenda Nº ES-20.793-8, proposta por Siqueira Campos e José Freire, substituindo o Art. 6º, TÃtulo X, do substitutivo nº 1 (TÃtulo IX do Substitutivo nº 2)†(ROCHA, 1998, p. 129). Nos discursos em plenário e nas comissões, outros deputados faziam a defesa do projeto utilizando conteúdos dos autonomistas. Como exemplo, segue o discurso do Constituinte Bonifácio de Andrada da Bancada de Minas Gerais: As reivindicações em favor da criação de outras unidades federadas e de novos territórios fundamentam-se em técnicas governativas, que não podemos esquecer e de que nos deverÃamos valer, de forma eficiente, nesta hora em que fazemos uma nova Constituição para o Brasil. O Estado do Tocantins é uma aspiração nacional de velhos tempos, não só deste século como do século passado. Esta Comissão não pode, neste instante, esquecer seus grandes imperativos e suas grandes razões patrióticas, em favor do progresso do Brasil. (ROCHA, 1998, p.132). Assim, conforme Rocha (1998), ao todo, entre os anos 1970 e os anos 1980, foram apresentados sete projetos de leis complementares apresentados na Câmara e no Senado nos anos 1978, 1983, 1984, duas tentativas em 1985, outro em 1986. Após o veto ao projeto de Lei Complementar originado no Senado de número 13, de 1986, Siqueira Campos apresentou o Destaque nº 1/187 à Emenda nº ES-20793-8,apoiado pelo Deputado José Freire, do qual originou o Estado do Tocantins em 1988. Com a união entre Siqueira Campos e José Freire, ficou caracterizada a parceria entre os partidos opositores no Congresso e no Estado de Goiás quanto à conquista da autonomia nortista. Durante as votações, os constituintes que se inscreviam para falar enalteciam as necessidades de divisão do Estado de Goiás para que o Tocantins fosse criado, colocando a aprovação do projeto de criação do novo estado como uma questão nacional. Diante da envergadura que as discussões tomaram, foi criada uma comissão para analisar as propostas de redivisão territorial do paÃs em tramitação no Congresso Nacional, envolvendo os três poderes da República: 40 Composta com cinco membros indicados pelo Congresso Nacional, cinco pelo poder Executivo e um pelo Supremo Tribunal Federal, para apresentar estudos e anteprojeto de redivisão territorial do PaÃs, apreciando, preferencialmente, as propostas de criação dos Estados do Tocantins, de Santa Cruz, do Triângulo, do Maranhão do Sul, do Juruá e do Tapajós, bem como o referente ao restabelecimento do Estado da Guanabara e o da transformação dos territórios de Roraima e Amapá em Estados. (ROCHA, 1998, p. 174). Nesse contexto, após as análises, a Comissão só recomendou as alterações territoriais na região Norte do Brasil e de Goiás. Outro passo importante para a celeridade do processo e para fugir das contendas entre queremistas e não queremistas foi a aprovação dos resultados da consulta popular realizada em Goiás, no lugar do plebiscito, que deveria ser realizado junto à população de Goiás. Nesse sentido, foi aceito o resultado de uma consulta feita por diversos organismos interessados e engajados na institucionalização da autonomia do norte de Goiás consubstanciada nos “Art. 30, 438 e 446 – Após resultado favorável de consulta popular, fica criado o Estado do Tocantins†(ROCHA, 1998, p. 176). Estes foram os principais passos tramitados na Constituinte de 1988, voltados para a criação do Estado do Tocantins. Com a criação do Estado do Tocantins, os interesses despertados durante as lutas pela divisão do Estado de Goiás aos poucos foram se materializando. A implantação do novo estado foi pautada por intervenções públicas direcionadas à iniciativa privada. Com isso, o governo entendia que além de promover o progresso da região, resgatava a presença do Estado e da iniciativa privada na então região Norte de Goiás. A criação do Estado do Tocantins ocorreu no momento em que o sistema capitalista transitava entre os princÃpios liberais e os neoliberais; por isso, o Tocantins serviu de laboratório para a privatização de empresas públicas 9 . Conforme Penna (2002), nos anos 1980 a inflação atingiu patamares devastadores; para alguns economistas, a causa era debitada nas desastrosas interpretações desenvolvimentistas feitas à luz das doutrinas de Keynes. Outros, mais ortodoxos, debitavam a crise da economia brasileira ao Plano de Metas instituÃdo por Juscelino Kubistchek, no final dos anos 1950: 9 Pelo fato do Estado do Tocantins ser de criação recente, o governo se aproveitou da frágil correlação de forças de uma sociedade em formação para privatizar as empresas de energia, água e a universidade pública do Estado, com a justificativa de ampliação das oportunidades de investimentos e ampliação da prestação de serviços à sociedade. 41 Diante dos desencantos, Campos não deixa de reconhecer que “a infraestrutura brasileira teve uma formidável modernização†no governo JK, ao qual ele próprio serviu. Não aceita, contudo, que estradas e capitais tenham qualquer coisa a ver com as outras. Afirmando que BrasÃlia é “a mãe de todas as inflaçõesâ€, Campos insiste num argumento que se tornou banal. BrasÃlia teria sido a principal responsável pelo fenômeno que devastou e empobreceu a nação. (PENNA, 2002, p. 382). Durante a estruturação dos aparelhos de estado, o governo também se preocupou em associar uma identidade do “novo†a uma concepção de progresso com ações voltadas para a estruturação e a consolidação do Estado do Tocantins, diante da crise financeira do paÃs e do sistema capitalista como um todo. Mesmo com os problemas econômicos em curso, o primeiro governo do Tocantins desenvolveu uma polÃtica massiva de emancipação de distritos, dentro de uma visão de ampliação do território de poder e a partir da formação de novos quadros para o fortalecimento da base polÃtico-partidária. Por isso, a definição de cidade no Brasil é diferente de muitos outros paÃses. A maioria das emancipações de distritos é realizada para atender aos interesses polÃticos e econômicos. Assim, a definição do que é cidade passa estritamente pela localização administrativa do municÃpio: “A definição brasileira de cidade é estritamente administrativa. Toda sede de municÃpio é cidade, e pronto. Mesmo que só tenha quatro casas, nas quais residem três famÃlias de agricultores e uma de madeireiro (caso de União da Serra)†(VEIGA, 2005, p. 73-74). Essa delimitação é uma das heranças do Estado Novo mantida pela Constituição de 1988. Com a expansão fictÃcia da urbanização, o governo transformava povoados do meio rural em cidades. Todas as emancipações realizadas entre 1989 e 1991 foram efetivadas para consolidar o território do Estado do Tocantins. No bojo, havia o interesse do governo em aumentar os repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos MunicÃpios (FPM) para contrabalançar a fragilidade econômica do Estado e dos municÃpios, principalmente os menores e os novos. Com a expansão urbana, o governo criou uma categoria forjada em pessoas (lÃderes locais), atrelada a um poder público municipal sem nenhuma capacidade para se sustentar pela receita local. Concomitante à expansão urbana, o governo instituiu uma campanha para incentivar a migração; por outro lado, deu inÃcio à privatização de empresas públicas e à expansão da malha rodoviária estadual. Em seguida, veio a construção de hidrelétricas e pontes. Em paralelo a esses projetos, discutiu-se a criação de uma cidade para ser a capital definitiva do Estado, segundo uma polÃtica de fortalecimento do poder polÃtico por meio da ocupação dos espaços vazios na parte central do Estado. 42 Por conseguinte, o governo, intermediado pelos novos espaços urbanos, criados e expandidos, possibilitou uma ampliação do território por meio do desenvolvimento vinculado a diversas intervenções. Nessa direção, por qualquer ângulo que se absorve o problema, observa-se que existe, segundo os diferentes modos de produção, matrizes diferenciais do espaço, pressupostas exatamente pelas formas de apropriação e de consumação histórico-social do espaço†(POULANTZAS, 1985, p. 113). Condicionou-se a ocupação dos espaços à ossatura do estado, ao poder imaginado dentro de uma estrutura autocrática. Conforme Moraes (2005e, p. 16), As formas espaciais são produto de intervenções teleológicas, materializações de projetos elaborados por sujeitos históricos e sociais. Por trás dos padrões espaciais, das formas criadas, dos usos do solo, das repartições e distribuições, dos arranjos locacionais, estão concepções, valores, interesses, mentalidades, visões de mundo. Enfim, todo o complexo universo da cultura, da polÃtica e das ideologias. (MORAES, 2005e, p. 16). Por isso, centramos as interrogações nas intervenções promovidas para criar, construir e consolidar o território do Tocantins por meio da urbanização, definida por uma polÃtica determinada pela “ideia de coesão, baseada no consentimento legal e na crença cultural do pertencimento†(LEITE, 2004, p. 43). Essa noção de pertencimento, construÃda no pioneirismo dos migrantes que chegaram nos primeiros anos da criação do Estado do Tocantins, tinha a expectativa de encontrar um espaço promissor em emprego, moradia e um ambiente melhor para se viver e se desenvolver. Essas expectativas, de certa forma, eram inflacionadas pela polÃtica de cooptação difundida nas campanhas publicitárias do governo, veiculadas nos grandes centros urbanos, especificando a certeza da conquista de espaços fÃsicos, institucionais e abstratos por todos os segmentos sociais. Essa simplificação da “palavra espaço tem o seu uso associado indiscriminadamente a diferentes escalas, global, continental, regional, da cidade, do bairro, da rua, da casa e de cômodo no seu interior†(CORRÊA, 2009, p. 15), como se a realidade em questão não fizesse parte do todo em termos de inclusão e exclusão territorial. Esses foram os pressupostos que definiram as polÃticas de consolidação nos dois primeiros anos de funcionamento do Estado. Mesmo diante da limitação do tempo, o governo investiu na consolidação da proposta de competição territorial por meio das 43 campanhas de atração a migrantes ao investir na consolidação da proposta de divisão territorial, processo esse intermediado pela construção de uma cidade. Concomitantemente, o primeiro governador procurava consolidar o estado e a sua condição de gestor, apostando na legitimação de uma identidade regional, fixando uma nova memória cultural, argumentando que a cultura da população do território tocantinense não fazia parte dos costumes de Goiás. Coincidentemente, o Estado do Tocantins, ao ser criado, teve o território reenquadrado na região Norte. As justificativas foram as condições geopolÃticas da região centrada na sua estrutura cultural. Por isso, a formação e a ampliação de espaços urbanos foram as principais estratégias de modernização, centradas na definição de uma sociedade urbanoa objetivando a União pessoal entre os cidadãos do Estado, enquanto titulares da esfera pública polÃtica, e os membros da sociedade, pois – em papéis complementares de trabalhadores e consumidores, de segurados e pacientes, de contribuintes do fisco e de clientes de burocracias estatais, de estudantes, turistas, participantes do trânsito, etc. (HABERMAS, 2003, p. 98). Em termos, pode-se afirmar que todas as intervenções que foram utilizadas para a construção de uma nova identidade cultural para o território do Tocantins contou com o apoio da população. Para isso, o governo, por meio dos canais competentes, estimulava novas manifestações culturais, reproduzindo uma ideia de pertencimento dos migrantes à s esferas do estado. Em termos simbólicos, a cultura do Tocantins foi caracterizada por girassóis e uma polÃtica de ocupação territorial pragmática voltada para os interesses privados. 1.3 A (re)configuração do mapa polÃtico-econômico pós 1980 A divisão do Estado de Goiás foi efetivada em meio a uma complexidade de interesses e acontecimentos polÃtico-econômicos regional, nacional e internacional. Em termos regionais, pode-se dizer dos embates polÃticos entre os segmentos tradicionais e renovados visando à manutenção da estrutura de poder em Goiás. Essas questões foram 44 importantes para aflorar mais a fragmentação dos interesses dos grupos ligados à s oligarquias; por isso, qualquer assunto ligado à divisão territorial mexia com as estruturas da polÃtica dos grupos do sul e do norte de Goiás. Assim, a unificação desses interesses, de inÃcio, foi o que mais preocupou as lideranças polÃticas da região norte. Em termos nacionais, o paÃs, depois de longos anos de regime militar, revisava a sua constituição, em seguida, por meio de eleições diretas; a sociedade elegeu o seu primeiro Presidente civil da República, pondo fim ao regime instalado em 1964. Entre esses acontecimentos, depois de convalidar algumas prerrogativas sociais na nova carta constitucional, o Welfare State entrou em declÃnio, passando a exigir uma postura mais empreendedora dos governantes na gestão dos negócios públicos, diante da possibilidade real de falência do estado. Para minimizar os surtos de crises, a administração pública teve de realizar cortes severos nos gastos e nos investimentos do estado em setores básicos, como energia, comunicação e infraestrutura urbana. Nasceu, então, a concepção de estado mÃnimo desligado da produção. Assim, os investimentos públicos foram repassados para a iniciativa privada, sob a forma de privatização, deixando a atuação do estado em campos restritos, mais especificamente nas áreas de educação, saúde e segurança. A própria infraestrutura, em muitos casos, foi entregue à iniciativa privada. Nesse cenário, a Assembleia Constituinte de 1988 aprovou a divisão de Goiás para a implantação de mais uma unidade federativa. Concomitante à divisão de Goiás, em 1989, sucumbiu o Muro de Berlin; o Leste Europeu passou a seguir as orientações da OTAN, depois de décadas de pertencimento ao Pacto de Varsóvia, constituÃdo por uma aliança militar entre os paÃses socialistas do Leste Europeu e a União Soviética, conhecidos como bloco socialista. Com essas mudanças, ocorreram inúmeras alterações em territórios e espaços, determinando uma nova composição geopolÃtica envolvendo territórios, espaços e lugares. Assim, a criação do Tocantins alterou a composição do mapa geográfico e polÃtico do Brasil, coincidindo com o novo mapa do mundo, a emancipação do Norte de Goiás. A transformação do norte em um território autônomo, além de legitimar as lutas separatistas iniciadas no Brasil Colônia, tem essa autonomia regional alterando a composição polÃtica e acelerando o interesse econômico e social diante do fluxo de migração de empresas e trabalhadores em todas as atividades do meio urbano ao rural. Aproveitando-se desses fatores, Siqueira Campos, após ser eleito como o primeiro governador do Tocantins, teve a incumbência de montar as estruturas do Estado. 45 Concomitante à criação do Tocantins, estava em marcha a revisão dos valores humanos, polÃtico-sociais e ambientais, associados a diferentes interpretações das categorias tempo e espaço em relação ao desenvolvimento econômico do meio urbano e rural. Esse processo produziu novas ideologias e novos paradigmas, quando alguns especialistas chegaram a anunciar o fim dos confrontos e da própria dialética; com essa percepção, no idealismo desses pensadores, as sociedades poderiam não mais contar com o tempo histórico. Nessa perspectiva, a própria diacronia do espaço e do tempo estaria comprometida. Como objeto dessas pregações, “no verão de 1989, o americano Francis Fukuyama, vice-diretor da equipe de planejamento do Ministério do Exterior dos Estados Unidos, proclamou um tanto precipitado, num artigo para o magazine trimestral NationalInterest, ‘o fim da história’†(KURZ, 1993, p. 17). De outro lado, as potências mundiais buscavam meios que pudessem determinar métodos e soluções para suprir a aparente ausência de conflito em paÃses ocidentais. A partir do momento em que o capitalismo ficou sozinho como sistema polÃtico e econômico, alguns teóricos pregavam o fim da competição entre as nações. Contudo, no lugar dos conflitos ideológicos emergiram conflitos étnicos, religiosos e culturais com um poder de reação maior e mais pragmático. Por outro lado, as tecnologias e a deterioração na relação capital e trabalho, em alguns paÃses, modificaram as relações de consumo e o ranque da economia mundial. As alterações na economia mundial transformaram os paÃses subdesenvolvidos em emergentes. Esse processo pode ser associado ao surgimento de novas divisões territoriais e a novas técnicas e tecnologias, vinculadas ao processo de produção e de circulação de mercadorias, acarretado pela ampliação do trabalho “morto†no processo produtivo desses paÃses. Em contrapartida, essas tecnologias passaram a ditar normas para a gestão pública e os negócios privados; exemplo disso são as alterações no ordenamento territorial das cidades, a partir do momento em que foram transformadas em objetos de estruturação do desenvolvimento social e econômico: Na perspectiva (hiper)conservadora, o modelo de relações entre o Estado e os interesses capitalistas preconizado nos marcos do Estado “forteâ€, implementador de polÃticas econômicas keynesianas (no Brasil e em outros paÃses semiperiféricos, Estado desenvolvimentista; nos EUA e na Europa, welfarestate) ter-se-ia tornado obsoleto. O Estado deveria auxiliar de forma a mais direta possÃvel os interesses empresariais, o que inclui “desburocratizarâ€, privatizar e “flexibilizar†(relaxar ou eliminar normas, 46 diminuir exigências legais, oferecer incentivos fiscais etc.). (SOUZA, 2006, p. 152). Nesse contexto, a cooperação econômica substitui as ameaças entre as potências; as estratégias de controle interno e externo foram transformadas em projetos de desenvolvimento; as lutas ideológicas passaram a ser abafadas pelo surgimento de novas religiões mitificadas por meio da difusão da autoajuda, criando uma espécie de catarse na desconstrução da consciência polÃtica e coletiva das sociedades. Os planos governamentais e privados sazonais foram transformados em planejamentos estratégicos. Nesse processo, todas as ações se processaram para favorecer o funcionamento das esferas privadas apoiadas pelo poder público. Essas alterações trouxeram fragilidades para a atuação do estado, e, como consequência “o fim do capitalismo social e do bem-estar e o surgimento de novas formas de pobreza, também nas metrópoles capitalistas†(THIELEN, 1998, p. 27), criando, com isso, uma corrida por espaços novos para morar e trabalhar: “Vai-se ainda mais longe: a própria cidade deveria ser administrada como se fosse uma empresa, buscando ser competitiva perante outras cidades para atrair investimentos e turistasâ€. É o “empresarialismo†ou “empreendedorismo urbano†(SOUZA, 2006, p. 152). Com estes objetivos, as pessoas imigravam ou migravam para outros estados; até os pequenos municÃpios passaram a ser uma opção para fugir da crise em curso nas grandes cidades. Neste cenário, o Tocantins foi criado e consolidado como um território de poder e opção para migrantes e imigrantes. Assim, as alterações impostas pela polÃtica neoliberal reproduzem vulnerabilidade aos setores públicos, repercutindo na perenidade das grandes organizações privadas, exigindo uma adaptação empresarial ao novo sistema para permanecerem existindo. Neste cenário, a esfera pública que não se adaptava aos princÃpios empresariais passou a ser tratada como uma empresa insolvente diante da perda da capacidade para resgatar as suas dÃvidas com os agentes financeiros. Essas alterações reproduziram novas formas de responsabilidade na gestão pública, repercutindo na sociedade. Diante disso, o setor público ficou condicionado a um processo de enxugamento da máquina pública, associada à exigência de redefinição das suas funções; as esferas públicas, assim como as privadas, tiveram que promover mudanças estruturais e institucionais visando à sua adaptação aos novos paradigmas polÃticos, sociais e econômicos, exigindo constantes ampliações dos processos de circulação e produção: 47 O custo dos investimentos, que muitas vezes já se desvalorizam no momento em que deveriam induzir produções capazes de aparecer no mercado. E quanto mais se estica o metro para medir a penetração das ciências, da técnica e da automatização, tanto mais cresce também, para além da própria produção, a necessidade de investimentos gigantescos no sistema de logÃstica e infraestrutura social. (KURZ, 1993, p. 172). Em meio a essas transformações, o governo do Tocantins institui diversas intervenções direcionadas à consolidação do território por meio da construção de uma cidade. Nesse sentido, em relação à s crises do mercado e à s depreciações econômicas e sociais ocorridas em determinados espaços, o Tocantins se transformou em uma opção para se habitar e investir. Nesse aspecto, os territórios recem criados passaram a ser referências nessa transição, diante da totalidade representativa das fases de usos de um território; mesmo sendo um território idealizado, este se torna estranho para a maioria dos moradores, diante da sensação das pessoas que migram em busca de novos espaços: Quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vagorosa alienação. Mas o homem, um ser dotado de sensibilidade, busca reaprender o que nunca lhe foi ensinado, e vai pouco a pouco substituindo a sua ignorância do entorno pelo conhecimento, ainda que fragmentário. Quanto maior o estranhamento e menores as possibilidadedes de uma adaptação inconsciente, mais os sentidos são despertados para a verdade que esconde os objetivos e as relações sociais. Incluindo o processo produtivo e as práticas sociais. (SANTOS, 2007, p. 81). Por isso, todo território sem uma identidade definida pode ser mais vulnerável a qualquer intervenção, seja de natureza pública ou privada, pois toda intervenção abrupta gera fragmentação e dificulta a capacidade de uso do território como espaço autônomo. Diante das interferências, as pessoas buscam territórios distantes, alheios ou dispersos em seu próprio espaço, constituindo um novo lugar. Essas ações reproduzem uma falsa sensação de pertencimento diante da correlação entre os interesses e as transformações simultâneas e diacrônicas entre pessoas e território. Nasce daà uma conivência expressada de forma particular ou coletiva impulsionada pelas necessidades pragmáticas criadas em torno de um pertencimento condicionado pelas diferentes formas de alienação direta e indireta de acordo com a relação estabelecida entre a existência dos espaços e a essência condicionada pela simultaneidade do tempo. 48 De forma geral, essas questões foram vividas pelas frações que ocuparam os primeiros espaços depois da divisão do Estado de Goiás. Nessa linha de pensamento, os primeiros a sentirem as contradições foram os moradores nativos, pelo fato de estes terem a sensação de estarem sendo desterritorializados diante das intervenções produzidas no território e diante dos Ãndices de migração que as cidades passaram a receber. Dessa forma, os primeiros migrantes e a população autóctone foram os que mais sentiram os problemas acarretados pela mudança da essência do tempo diante da velocidade condicionada pelos processos urbanos, como das intervenções voltadas para a existência de novos espaços, conformados pela evolução de uma realidade polÃtica estrategicamente construÃda. Contudo, a instabilidade gerada pelas necessidades de se continuar incluÃdo ao meio social em formação causa ao indivÃduo uma sensação de passividade perante o território que está sendo criado, mesmo depois de entender que o espaço urbano é uma coisa pública e não um objeto privado, particular. Por isso, a cidade deve estar à disposição de todos moradores e classes e não só de grupos ou de classes diferenciadas. Diante disso, as pessoas ao se tornarem dependentes do governo, inicialmente não se rebelaram contra a polÃtica de ocupação dos espaços, para não provocar ruptura na relação de pertencimento em construção entre os primeiros migrantes e os interesses do governo 10 . Essa estratégia para a ocupação de espaços da posse à outorga definitiva de cada lugar estava vinculada à reciprocidade polÃtica entre o morador e as esferas do governo. A contradição gerada por essa sensação de pertencimento reproduzia formas difusas de privatização dos espaços e das condições impostas nas relações estabelecidas por interesses particulares e polÃticos, manifestados nas formas de gestão e controle do território. Essas intromissões se manifestaram nos discursos, nos sÃmbolos e no processo de construção de uma nova identidade territorial. Toda intervenção visa o controle do espaço e do tempo de ocupação de um território do ponto de vista da existência de cada situação. Esse processo pode gerar uma aculturação expressada na condição social e polÃtica posta na diferenciação da ocupação dos espaços e dos lugares estabelecidas no desenvolvimento das cidades. Assim, as intervenções projetam o indivÃduo para dentro quando é incluÃdo ou para fora quando é excluÃdo dos benefÃcios do processo em construção. Por outro lado, a aparente neutralidade condicionada 10 Aqui o processo de pertencimento em construção estava ligado à s formas de ocupação de terrenos em Palmas e no mecanismo de acesso ao emprego público sem concurso, baseado em reciprocidades polÃtico-partidárias. 49 à essência do tempo pode ser percebida na existência do espaço representada por uma realidade, em que as intervenções se efetivam por meio da racionalidade posta no ordenamento dos espaços produzidos por uma polÃtica de expansão urbana. Seguindo o raciocÃnio de Santos (2007), geralmente a cidade é pensada como uma totalidade funcional, sincronizada pelas partes que a constitui, formando uma unidade complexa, na medida em que as atividades cotidianas dos moradores são observadas como movimentos da própria cidade. Dessa forma, todos os movimentos concretizados na cidade refletem a natureza, a concretude do urbano ao refletir os movimentos e as transformações da cidade: “Nisso, o papel do lugar é determinante. Ele não é apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, isto é, de experiência sempre renovada†(SANTOS, 2009, p. 114). Essa é a forma que uma parcela da população percebia o território do Tocantins e os espaços urbanos em transformação, antes da ocupação de Palmas. Em suas especificidades estruturais, postas nas expectativas de um ordenamento territorial novo envolvendo um determinado lugar ou espaço, diante do corte histórico estabelecido na existência do espaço e na essência do tempo. Essas rupturas projetaram uma racionalidade das necessidades individuais e sociais na tentativa de destruição de identidades culturais, condicionadas por uma alteridade posta na condição existente nas lembranças que estavam sendo apagadas diante da memória em processo de esquecimento. A materialização do presente no esquecimento do passado pode ser construÃda de forma consciente ou não, quando essa desconstrução acontece por meio de uma massificação direcionada a uma aculturação em termos da expansão de um espaço urbano diferente da essência do território em construção. Nesse contexto, “a palavra espaço é uma dessas que abrigam uma multiplicidade de sentidos. Nosso desacordo aparente e nosso quase desespero fundamental vêm menos do fato de cada qual dizer e impor uma definição†(SANTOS, 2008, p. 85). Assim, projetaram uma cidade para ser a sede administrativa estadual e um espaço propulsor do desenvolvimento regional; no mesmo contexto, as intervenções objetivavam a consolidação de um território de poder. Nas sociedades atuais, a cidade passa a ser o espaço privilegiado das contendas envolvendo interesses capitalistas, que, por ser um sistema de contradição e reprodução, mantém-se competitivo numa perspectiva ideológica caracterizada nos princÃpios da democracia liberal. Nesta ideologia, o acesso aos espaços é determinado por disputas, concorrência igual entre sujeitos desiguais. Essa perspectiva legitima o simbolismo da “igualdade†iluminista ante a histórica dominação dos aspectos econômicos sobre a natureza 50 humana. Dessa forma, as disputas representam a máxima da democracia liberal, na forma de universalidade utilizada para arrefecer os antagonismos de classes. Assim, o desenvolvimento burguês capitalista se realiza a partir das suas próprias contradições; para Marx, essas contradições são o momento da materialização da história e da dialética. Por isso, é pertinente o surgimento de movimentos contra hegemônicos numa perspectiva de conquista e ocupação de espaços, cimentados em diversas teorias. Para Gramsci, a ocupação passa a ser possÃvel por meio da guerra de posição, contrapondo a exclusividade de uma classe sobre as outras na ocupação dos espaços públicos e privados em uma determinada sociedade. Assim, o entendimento de uma intervenção como “guerra de posição†pode ou não possibilitar efeitos contrários diante dos interesses aplicados na ocupação dos espaços. Porém, conforme Nunes (1996), o que aconteceu no Tocantins foi a construção de uma lógica para Consolidar uma casta de funcionários com altos poderes junto à cúpula decisória do Estado. Caracterizados por uma competência técnica e por uma relação submissa aos nÃveis hierárquicos superiores, essa casta vai, pouco a pouco, estruturando uma rede de poder especÃfica. Predominam as relações pessoais, banalizadas pelo chamado “tráfico de influênciasâ€. (NUNES, 1996, p. 13). Neste caso, o benefÃcio do governo foi ter em postos chaves funcionários ou autoridades em uma relação de comprometimento voltada para a construção de um poder sem uma conotação de transformação da realidade, mas de ocupação e permanência no poder. As intervenções transformaram o Estado do Tocantins em um território dependente das esferas públicas e determinante para o desenvolvimento da esfera privada, considerando que a liberdade capitalista é determinada por “um agir territorial que constrói o território, marcando-o, sendo que este também é condição do jogo e da reprodução social. O território, em sua abordagem, é produto e condição de processos sociais†(SAQUET, 2007, p. 88). Conforme Cerqueira (1998, p. 35), quando o Estado do Tocantins foi criado, contava “com 60 municÃpios localizados, em sua maioria, à margem esquerda do rio Tocantinsâ€. Essas foram as principais causas e efeitos da criação e da busca de consolidação do território do Estado por meio de uma polÃtica de expansão urbana. 51 1.4 Da construção de Goiânia e BrasÃlia à criação de Palmas Historicamente, todas as cidades surgiram por algum motivo: interesse ou estratégia. Assim aconteceu nas sociedades antigas, medievais, modernas e contemporâneas. Nesse sentido, pode-se dizer que nenhuma cidade surge espontaneamente. Porém, a diferença é se a cidade foi planejada ou não. Se planejada surge do nada, de um tempo zero caracterizado nas intenções dos seus criadores ou construtores; se espontânea, o processo de construção vai se estabelecendo lentamente em torno de algo sucessivamente diacrônico, determinado por alterações culturais, econômicas e territoriais. Diante desses aspectos, Cada cidade possuÃa não apenas sua independência polÃtica, como também seu culto, seu código. A religião, o dinheiro, o governo, tudo era municipal. A cidade era a única força viva – nada cima dela, nada abaixo dela; nem unidade nacional nem liberdade individual. (COULANGES, 2009, p. 275). Esse perfil era a marca das cidades antes do Iluminismo se tornar no compêndio filosófico da modernidade, e esta modernidade perpassa o desenvolvimento das cidades. A partir daÃ, o perfil interno e externo das cidades são transformados pelas novas relações de poder e da mobilidade social proporcionada pelo desenvolvimento econômico vinculado à expansão urbana. Nessa direção, a cidade se transforma nos espaços dos negócios, do desenvolvimento do mercado das trocas, do investimento associado à mobilidade social. Outras questões podem debitar a cidade como a evolução da polÃtica, da educação, da saúde pública, das técnicas, tecnologias e das ciências, enfim, um espaço de contradição e desenvolvimento. Em alguns casos, a cidade não acompanhava o desenvolvimento da época; diante da sua constituição polÃtico-social, a sociedade e as frações dirigentes apropriam-se da cidade como um bem materializado numa estrutura de conservação, de perenidade. Nesse sentido, a cidade é transformada em barreira para a ampliação da economia e dos espaços de acesso ao poder. Nessa perspectiva, a solução para as classes emergentes de uma determinada região conquistar espaços era criar outra cidade que pudesse atender aos interesses sociais, polÃticos e econômicos em ascensão. Nessa perspectiva, inúmeras cidades, no Brasil e no mundo, foram criadas para atender a essas novas exigências. Porém, neste estudo, serão privilegiados os aspectos polÃticos direcionados à criação de Goiânia, BrasÃlia e Palmas, fundamentadas pelas necessidades de aumento dos espaços de transformação da 52 natureza e da evolução das trocas através da expansão de rodovias, ferrovias, aeroportos, associada a uma rede urbana estruturada nos avanços da economia capitalista. Conforme Borges (2005), o capital deve romper todas as barreiras espaciais relacionados ao valor de troca e conquistar todos os espaços direcionados para o mercado, por outro lado, deve aniquilar estes espaços juntamente com o tempo, por meio de inovações. Por isso, a expansão urbana é estratégica para um capitalismo em processo de modernização. A partir dos anos 1930, conforme Manso (2001, p. 34), o governo Vargas instituiu um “projeto de nacionalidade baseado em três metas pragmáticas: uma nova ordem polÃtico- administrativa, uma nova ordem produtiva e uma nova ordem territorial e urbanaâ€. Assim fica instituÃda a Marcha para o Oeste, partindo de uma forte concepção de intervenção pública nos espaços não habitados dessas regiões, dentro de uma concepção de desenvolvimento econômico e urbano de cunho civilizador. No contexto polÃtico, em 1932, as atenções estavam voltadas para a reforma constitucional das leis do paÃs. Em Goiás, Pedro Ludovico buscava formas para cimentar a sua plataforma de poder procurando encontrar uma proposta que pudesse caminhar junto com o Plano de Vargas para ocupar a região Oeste. Assim, uma das saÃdas era planejar e construir uma nova capital para o Estado, diante da inviabilidade geográfica e polÃtica da Cidade de Goiás como capital do Estado. Conforme Manso (2005), essa foi a promessa mais ousada de Pedro Ludovico Teixeira, depois que Vargas confirmou a sua condição de Interventor do governo Federal em Goiás, foi iniciar a pregação para validar a transferência da capital de Goiás Velha para outro espaço. Essa mudança, de acordo com Chaul (1997), representava a ascensão polÃtica de Ludovico e a inclusão de Goiás no circuito de desenvolvimento previsto no plano de intervenções denominado de Marcha para o Oeste. Nos discursos como Interventor, Pedro Ludovico, para justificar as necessidades de mudança da capital, estava a inserção de Goiás no circuito de desenvolvimentismo nacionalista voltado para a expansão da mobilidade na região Oeste. Essas intervenções tinham como pano de fundo a difusão da urbanização de espaços vazios. Por isso, Ludovico procurava meios para inserir o território goiano de forma mais ostensiva possÃvel para alterar o estigma do atraso e da decadência da provÃncia em relação ao progresso das outras regiões limÃtrofes ao sul do Estado. Assim, Goiânia foi planejada e construÃda entre 1933 e 1937, “projetada para uma população de 50.000 habitantes†(PELÃ, 2009, p. 35). Para financiar parte das despesas com 53 a construção da cidade, o governo loteava e vendia as terras doadas, compradas ou permutadas dentro e fora do Estado: As áreas destinadas a construção do núcleo inicial e à futura ampliação da capital foram adquiridos pelo estado por meio de doações, [...] permutas e compras. Pelo Decreto nº 3.937, de 26 de outubro de 1933, o Diretor da Fazenda, Heitor de Morais Fleury, foi autorizado a praticar atos necessários a aquisição de terras escolhidas no municÃpio de Campinas para a implantação da cidade. (MANSO, 2005, p. 92). Com a implantação de Goiânia, o Estado de Goiás deixou de ser um território isolado a partir do momento em que a nova urbanidade modificou a “marca", ou estigma, do Estado de Goiás, que era a de um lugar isolado dos benefÃcios da modernidade. Diante desses aspectos, predominava o atrasado e acumulavam-se desvantagens frente à maioria dos estados brasileiros. O próprio interventor Pedro Ludovico dizia que Goiás era um lugar com caracterÃsticas de uma metáfora de “fim de mundo†diante da pobreza e das dificuldades de acesso e mobilidade. Portanto, entre os objetivos que definiram a criação e a construção de Goiânia estava implÃcita a consolidação do território do Estado de Goiás em termos polÃticos e econômicos. Diante dessa visão de inovação pretendida, Pedro Ludovico dizia que Goiânia deveria ser uma cidade diferente das mais influentes no Brasil da época. Talvez por isso, “apesar de Goiânia acontecer quase no mesmo perÃodo em que o movimento moderno ganhou adeptos no Brasil (mais especificamente no Rio de Janeiro e São Paulo), o projeto sofreu mais influências dos modelos urbanÃsticos do século XVIII e XIX†(REIS, 2011, p. 61). Essa mudança representava uma revolução diante das caracterÃsticas da cidade de Goiás Velha, fundada no ciclo do ouro, produto do garimpo que era realizado no Brasil Colônia, e que está encravada entre serras, sem espaços e possibilidades para atender à s exigências de crescimento do Estado em termos de saúde pública, educação, expansão urbana e economia. Em termos polÃticos, se Pedro Ludovico não tivesse investido da autoridade delegada por Getúlio Vargas e se Vargas não tivesse angariado o poder que passou a ter, seria mais difÃcil a transferência da capital de Goiás Velho, diante do poder das oligarquias, mesmo diante das dificuldades de acesso, de espaços para crescimento econômico e demográfico. Assim, 54 A construção de Goiânia foi uma resposta de Pedro Ludovico à Primeira República e à s oligarquias “retrógadasâ€. Pedro Ludovico rotulava Goiás de centro “oligárquico e atrasado†e Goiânia seria seu inverso. Goiás Velha representava o passado e Goiânia o futuro. (REIS, 2011, p. 66). Vale lembrar que esse mesmo discurso foi utilizado por Siqueira Campos para a criação do Estado do Tocantins, posteriormente, para justificar a construção de uma cidade para ser a capital do Estado. Assim, a construção de Palmas pode ser enquadrada “numa discussão ampla quanto à organização sócio-espacial do novo Estado†(CERQUEIRA, 1998, p. 40), considerando que a parte mais desenvolvida economicamente estava localizada nas cidades situadas à margem esquerda do rio Tocantins e próximas da Rodovia Belém- BrasÃlia, posteriormente BR-153. Em Goiás, a mudança da capital da cidade histórica do ciclo do ouro era necessária, dizia Pedro Ludovico, pelas mesmas circunstâncias decorridas quando Ouro Preto era a capital do Estado de Minas Gerais. Porém, as teorias estudadas indicam que a criação de Goiânia foi determinada pela onda desenvolvimentista de Vargas, voltada para a urbanização dos espaços vazios da região Centro Oeste. E Goiânia estaria no trevo de todas as regiões do paÃs. Essa posição dava ao Estado de Goiás uma posição relevante na logÃstica de escoamento da produção da emergente indústria agropecuária na região e dos produtos industrializados do sul e sudeste do paÃs. Resolvida a questão da capital de Goiás, o governo federal iniciou um processo de discussão para viabilizar a construção de uma cidade para sediar a administração da União, procurando minimizar os efeitos dessa pretensão em setores da oposição e da população do sul e sudeste. Assim, o governo trabalhava em duas direções: fazer os descontentes entender as necessidades de mudanças da capital e montar as possibilidades para tornar real a ideia de uma nova capital. Assim, as estratégias construÃdas giravam em torno da segurança interna e externa da nação, iniciada em tempos pretéritos, para viabilizar a ocupação dos espaços vazios do território nacional. Nessa perspectiva, Castro (2010) aponta que o ideário de ocupação da região Oeste foi associado à mudança da capital federal, concordante com um conjunto de estratégias de desenvolvimento de todos os estados. Conforme expressa o indicativo aprovado na “sessão de 9 de junho de 1823 da Assembleia Geral do Império do Brasil, José Bonifácio apresentou Memória sobre a necessidade e meios de edificar, no interior do Brasil, uma Nova Capital, dando-lhe o nome de BrasÃlia†(CASTRO, 2010, p. 41). 55 Assim, de acordo com o relatório da Missão Cruzls, BrasÃlia seria a saÃda mais eficaz para promover a integração e o progresso do paÃs em um curto espaço de tempo. Nessa direção, o relatório, além das peculiaridades do território, descreve os pontos que poderiam tornar a mudança da capital para o Centro Oeste do Brasil, em um empreendimento social e polÃtico. Assim, O empreendimento, comquanto de difÃcil realização, não deixa de ser exequÃvel, e pode sêl-o em tempo relativamente curto, o que depende exclusivamente da existencia de uma via ferrea. Ora, duas estradas estão actualmente convergindo para a cidade de Catalão, a Mogyana e a Oeste de Minas, e ahi poderão os trilhos dentro de muito pouco tempo. Si no mesmo tempo, o governo fizer activar o mais possÃvel os estudos, e a construção da Estrada estrategica de Catalão, Goyaz, Cuyabá, com ramal para o Planalto, o trecho desta Estrada a construir entre Catalão e a Nova Capital terá um desenvolvimento que não excederá muito de 450 kilometros. Melhores condições, sob o ponto de vista do menor desenvolvimento, apresentarão a Estrada de Catalão a Palmas, cujo traçado atravessa a zona demarcada, encurtando ainda mais o traçado e tornando até desnecessaria a construção de um ramal destinado a ligar a futura Capital com a Estrada de Catalão a Goyaz, uma vez que se realizar a construção da Estrada de Catalão a Palmas. (RELATÓRIO PARCIAL DA MISSÃO CRUZLS, Rio de Janeiro, 1896, p. III e IV). Contudo, só no século XX as questões urbanas ficaram mais evidentes na polÃtica nacional, após as intervenções direcionadas para a consolidação da revolução urbana industrial dos anos 1930. Conforme Moraes (2006, p. 16), “o programa marcha para o Oeste tornou-se sÃmbolo da ocupação do Centro-Oeste, com a construção de Goiânia, com a polÃtica de interiorização do paÃs implementada pelo governo Getúlio Vargasâ€. A partir daÃ, diversifica-se uma polÃtica de intervenção privilegiando as cidades e associando o desenvolvimento econômico à ideologia do nacionalismo desenvolvimentista, quando as cidades passaram a fazer parte do planejamento público. Conforme Moraes (2006), após quatro séculos da chegada dos portugueses, sobretudo nos anos 1930, por meio de fortes intervenções públicas e privadas é que ocorreu a ocupação e o desenvolvimento da região Norte através do Centro-Oeste. Assim, A ocupação do Centro-Oeste marca o andar em direção ao centro-oeste- norte para o interior do paÃs. A construção de Goiânia (1933-1937) representa o inÃcio da intensa ocupação do Sul de Goiás e do Planalto Central, fortalecida com os programas oficiais da Marcha para o Oeste (1938) e com a mudança do centro de decisões polÃticas para uma região interiorana, mais especificamente para BrasÃlia (1960). Por último, a 56 fundação da cidade de Palmas (1990) vem reforçar o processo da ocupação do Centro-Oeste em direção ao Norte. (MORAES, 2006, p. 77-78). Em relação à s definições e aos objetivos polÃticos efetivados entre a criação de BrasÃlia, pode-se dizer que em relação à BrasÃlia o ato de criação surgiu dos ideais liberais de José Bonifácio de acordo uma visão de progresso e de segurança nacional. Por conseguinte, conforme o “Relatório da Missão de Reconhecimento chefiada pelo astrônomo Belga 11 Luiz Cruzlsâ€, depois de estudar, analisar e demarcar a área em 1894, 66 anos depois a cidade é construÃda no governo de Juscelino Kubistchek. Antes da disseminação das novas tecnologias de informação e comunicação como estratégias de segurança de um território, a segurança externa de um Estado era mais dependente das condições espaciais. Nesse aspecto, o desenvolvimento do espaço enquanto objeto da existência do tempo histórico foi importante para se entender as estratégias utilizadas para se fundar uma capital no Planalto Central do Brasil, partindo dos princÃpios de progresso e segurança pensados nos últimos anos do Império e nos primeiros anos da República. Essa necessidade produzida em um tempo pretérito, caracterizada pelas intervenções nos espaços, condiciona o tempo à essência das intervenções a partir das necessidades de criação, construção e ocupação dos espaços vazios da região Oeste do Brasil. Nesse sentido, as contradições ficaram por conta das resistências e controvérsias polÃticas, entre os que queriam e os que não queriam mudar o território de poder da região Sudeste. Assim, as lideranças das regiões Sul e Sudeste, contrárias à construção de BrasÃlia, utilizaram de todas as forças disponÃveis no sistema polÃtico vigente, na metade do século XX, para que a urbanização do Oeste brasileiro em curso, não se efetivasse da forma indicada no Relatório da Missão Cruzls, assumida por Juscelino. No meio dessas contradições, BrasÃlia foi construÃda e consolidada. Contudo, nos anos 1960 aumentaram as instabilidades na polÃtica e no meio social, gerando crises no âmbito dos poderes da República. Para tentar debelar a crise polÃtica, as elites dirigentes instauraram o parlamentarismo para possibilitar a posse do vice João Belchior Marques Goulart (Jango) após a renúncia de Jânio Quadros. Depois da posse, 11 Comissão de Estudos da Nova Capital da união, apresentada ao Exm. Sr. Dr. Antonio Olyntho dos Santos Pires, DignÃssimo Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas. Luiz Cruzls era o Chefe da Comissão. Foi apresentado no Rio de Janeiro, em 1896. 57 Jango disseminou uma campanha para desgastar o sistema parlamentarista e provocar a aprovação de um plebiscito entre o sistema presidencial e o parlamentarista. Com o retorno do sistema presidencialista, Jango instaurou o seu jeito de governar, anunciando as reformas prometidas na campanha eleitoral. Insatisfeita com o populismo e temerosa com os rumos que o paÃs poderia tomar, uma parcela das elites investiu na construção de uma ideologia contrária ao projeto que vinha sendo desenvolvido por Jango, instigando os militares a intervirem no processo em curso. Diante do assédio de parte dos organismos da sociedade civil, representantes da sociedade polÃtica, os militares tomaram o poder em 31 de março de 1964, transformando BrasÃlia em um palco de guerra, após a decretação de estado de sÃtio. Com a implantação do sistema de exceção dentro de uma lógica de exclusão e repressão, os militares procuraram meios para esfriar os reflexos das intervenções na capital. Essa estratégia produz duas cidades: a projetada por Lúcio Costa e a ocupada pelos militares. Durante a ocupação militar, BrasÃlia revela a eficiência de uma cidade planejada para ampliar a segurança dos poderes da República. Essa condição pode ser percebida pela facilidade que os militares puderam controlar a população através dos espaços monumentais da cidade. Naquele momento, os militares sentiram a eficácia do planejamento urbano direcionado para uma logÃstica de segurança interna do paÃs. Assim, o sistema implantado a partir de 1964 se aproveitou do ordenamento territorial instituÃdo em BrasÃlia como facilitador da logÃstica de ocupação militar, como fez Napoleão com as intervenções urbanas realizadas em Paris: “A proposta de abertura de grandes avenidas não foi apenas uma solução para o problema da circulação de Paris, também foram levadas em consideração interesses militares de Napoleão III†(REIS, 2011, p. 37). A simultaneidade produzida pelas intervenções nos espaços públicos e privados de uma cidade que conta com um ambicioso projeto de urbanidade, de um momento para outro sofreu uma severa intervenção no ordenamento territorial. Nesse contexto, sempre é bom lembrar que o projeto de BrasÃlia foi selecionado em concurso público nacional 12 . O projeto urbanÃstico de BrasÃlia extrapolava a ótica liberal, em termos da ocupação, acesso e 12 O Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil foi divulgado oficialmente por meio do Edital publicado no Diário Oficial da União no dia 30 de setembro de 1956. Entretanto, surgiram, da parte dos inscritos, várias dúvidas, inclusive quanto ao item 15, do referido documento. No sentido de dirimi-las, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil NOVACAP valeu-se de duas correspondências, também reunidas nesta unidade: uma endereçada ao Presidente da Comissão de Planejamento da Construção e Mudança da Capital Federal e outra encaminhada ao Instituto dos Arquitetos do Brasil. (DisponÃvel em http://www.infobrasilia.com.br/documentos.htm. Acesso em: 22 abr. 2011). 58 mobilidade. Talvez por isso na ocupação de BrasÃlia os militares se sentiram mais à vontade, diante dos rigores do planejamento. Por outro lado, no Brasil, com a disseminação das teorias liberais na gestão pública, mesmo tardiamente, foi o momento em que as cidades se transformaram em espaços de liberdade, contradição e desenvolvimento. Enfim, um espaço aberto para a construção de novas identidades partilhadas nos diversos movimentos da modernidade em curso no mundo. Dessa forma, a cidade se constituiu como um espaço privilegiado para se morar, estudar, trabalhar e consumir. Parafraseando Foucault (2003), um espaço para se viver, vigiar e prevenir das contradições institucionalizadas e marginais, próprias das sociedades capitalistas e de seus modernos processos de transformação dos modos de produção e controle. No Brasil, a organização territorial e urbana remonta a crises e diferenças entre cidades e regiões: “Em 1980, é a Região Sudeste a mais urbanizada, com Ãndices de 82, 79%. A menos urbanizada é a Região Nordeste, com 54, 44% de urbanos, quando a taxa de urbanização do Brasil era de 65, 57%†(SANTOS, 1996, p. 57). A partir das últimas décadas, esse patamar vem sendo alterado significativamente pelo desenvolvimento demográfico e econômico de regiões fora do eixo Sudeste. Nesse aspecto, destaca-se a região Centro Oeste por ser em “1940, 1950 e 1960, a região menos urbanizada do PaÃs e a partir de 1970 ganha o segundo lugar nessa classificação, precedida apenas pelo Sudeste†(SANTOS, 1996, p. 58). As relações entre as necessidades de criação e construção de Palmas com Goiânia e BrasÃlia podem ser identificadas nos seguintes contextos: geográfico, econômico e polÃtico. Em relação ao geográfico, as justificativas são mais próximas das três cidades, exceto a questão de segurança nacional debitada a capital federal. Todos os outros quesitos se encaixam na ideia de marcha para o Oeste da polÃtica de ocupação dos cerrados, da fragmentação dos espaços de poder perenizados pela ausência de desenvolvimento e progresso. Em relação aos interesses econômicos, a diversificação do parque industrial brasileiro, a partir dos anos 1930, exigia uma expansão territorial urbana para agregar os excedentes produzidos nas regiões sul e sudeste. Assim, em relação à BrasÃlia, a condição econômica sobrepujou a geográfica. Nestes aspectos, a burguesia comercial e industrial, principalmente de São Paulo e Minas Gerais, entenderam que a mudança da capital do Rio de Janeiro para o Planalto Central significava um grande avanço para ampliar os interesses capitalistas na região e para o Produto Interno Bruto (PIB). Em relação à Goiás, a 59 compreensão foi dificultada por razões polÃticas considerando que, até os anos 1930, o poder era exercido pelas famÃlias tradicionais da cidade de Goiás Velha. Analisando o ponto de vista polÃtico, Pedro Ludovico, depois de anunciar que a capital seria construÃda em outro lugar, mesmo sem saber onde, passou a enfrentar resistências mais sistemáticas do que as enfrentadas por Juscelino após este ter anunciado a transferência da capital para o Planalto Central. De outro lado, o governo de Juscelino não tinha dinheiro, mas tinha a facilidade de contratar dÃvidas com organismos internacionais interessados na expansão da malha rodoviária para estimular o aumento da frota de veÃculos, depois que as montadoras de carros se instalaram no Brasil. Assim, BrasÃlia foi construÃda e ocupada no tempo de um mandato de presidente da República, de 1956 a 1960. Goiânia foi iniciada em 1933 e concluÃda em 1937, durante a polÃtica de modernização empreendida por Getúlio Vargas, acoplada ao programa denominado de Marcha para o Oeste. Outro ponto relevante para a construção de Goiânia foi a revolução urbana comercial e industrial dos anos 1930 13 . Também deve ser considerada a situação de Pedro Ludovico diante do caráter excepcional da polÃtica nacional instituÃda pelo Estado Novo; não se realizou eleições nos estados; com isso, não havia a figura do governador eleito, mas um interventor nomeado pelo presidente da República, sem um prazo definido de encerramento. Nesse sentido, Pedro Ludovico, mesmo não tendo mandato definido, coordenou a construção da cidade em quatro anos. Em termos do projeto urbano, Palmas está mais próxima do projeto de BrasÃlia, principalmente no que se refere à distribuição dos espaços para o comércio, a indústria, os serviços, as residências como da prioridade dada ao trânsito de veÃculos. Contudo, as três cidades – Goiânia, BrasÃlia e Palmas – foram construÃdas em acordo com uma visão de modernidade e progresso. Em relação ao poder exercido durante a construção das cidades, o perfil de Pedro Ludovico e Siqueira está mais próximo do caráter autocrático das decisões e dos enfrentamentos que ambos tiveram em relação aos interesses locais e regionais direcionados à escolha do local da capital. No caso de Palmas, Siqueira Campus não teve resistências para manter a capital pelo fato do Tocantins ter sido criado 13 Em termos conceituais, “se aceitarmos a concepção segundo a qual toda revolução consiste na substituição de um modo de produção antiquado por outro novo e pela derrubada da velha classe dominante do Poder polÃtico e sua conquista por uma nova classe dominante, então deveremos concluir que, em 1930, não houve revolução no Brasil†(GORENDER, 1981, p. 62). 60 recentemente. Por isso, estrategicamente, a capital foi colocada provisoriamente numa cidade considerada neutra em relação aos interesses para sediar a capital. Por outro lado, Pedro Ludovico, diante da investidura do cargo de interventor, e diante da postura do governo de Vargas, sentia-se à vontade para governar sem prestar conta à população. Siqueira Campos, mesmo com as condições de poder que arregimentou, ficou limitado pelo tempo de um mandato de apenas dois anos e não contava com a estrutura de poder favorável à sua permanência como teve Ludovico durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Por conseguinte, é possÃvel enumerar as principais diferenças entre Siqueira Campos e Pedro Ludovico. Primeiro, tem-se a incumbência recebida por Siqueira Campos para estruturar os aparelhos de Estado. Segundo, a transitoriedade foi minimizada pela forma que utilizou para contratar e nomear pessoas para os aparelhos de Estado. Nesse aspecto, a sua condição em relação ao poder de decisão era mais confortável do que a encontrada por Pedro Ludovico nos anos 1930, considerando que os enfrentamentos mais circunstanciais se deram nas fases de construção da autonomia polÃtica da região norte de Goiás. Contudo, Goiânia só veio a ocupar lugar de destaque na economia após a sua integração ao sistema logÃstico do transporte ferroviário em expansão no governo de Getúlio Vargas. Além do desenvolvimento econômico, a sociedade pôde entrar em contato com outros centros, adquirir novos hábitos polÃticos, sociais e culturais. Todos esses aspectos foram importantes para a consolidação de Goiânia como cidade moderna. Todavia, mesmo diante da sua posição geográfica, Goiânia só passou a fazer parte das grandes redes urbanas a partir dos anos 1950 e 1960, respectivamente com a construção da rodovia Belém-BrasÃlia e, consecutivamente, com a inauguração de BrasÃlia. Em termos polÃticos, a mudança da capital, na visão dos seguidores de Pedro Ludovico, era a única saÃda para a sua consolidação no poder regional e para se formar na estrutura de desenvolvimento instituÃda a partir dos anos 1930. Argumentavam que se a capital permanecesse em Goiás Velho, o Estado e Pedro Ludovico continuariam prisioneiros das oligarquias predominantes na época. O projeto do governo federal era criar as condições necessárias na região Centro Oeste para depois promover a integração da Amazônia ao território nacional por meio do desenvolvimento econômico e urbano. Mesmo estando em épocas diferentes, as estratégias direcionadas para a construção de Palmas foram muito parecidas com as utilizadas para a criação de Goiânia, principalmente em relação à necessidade de desenvolvimento e consolidação do território do Estado do Tocantins e da polÃtica executada por Siqueira Campos. 61 1.5 As estratégias para a criação de Palmas Depois de consolidada a divisão do Estado de Goiás, conforme artigo 13 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição, de 5 de outubro de 1988, o Estado do Tocantins foi constitucionalmente criado. Em 15 de novembro de 1988, o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás realizou as eleições dos primeiros representantes tocantinenses para as assembleias estadual e federal, para as três vagas de senadores e governador junto com as eleições dos prefeitos municipais. Depois das eleições, iniciou-se oficialmente a estruturação dos aparelhos do Estado, tendo-se a preocupação em formar uma estrutura de poder a partir da liderança do primeiro governador eleito e empossado em 15 de março de 1989. A partir daÃ, teve-se a preocupação da população e dos interessados em ocupar espaços nas estruturas de poder. Com isso, as pessoas procuravam se aproximar dos que assessoravam que detinham a autoridade para nomear e contratar pessoas para o executivo e para as carreiras dos aparelhos de Estado. A situação econômica até então existente materializava a frágil utilização de tecnologia na produção e na circulação de mercadorias, então prejudicada pela inexpressiva malha rodoviária federal e estadual, conforme consta a história da região: “o contraste entre o Sul e o Norte de Goiás: mesmo após o advento de Goiânia (o documento não explicita a data), moderna capital do Estado, a realidade nortense continuava em condições precarÃssimas, sem o menor reflexo do progresso†(AQUINO, 1996, p. 49). Diante desse contexto, a construção de uma infraestrutura mais ampliada só veio com a construção de BrasÃlia e, em especÃfico, com a Rodovia Belém-BrasÃlia (BR 153). A partir de 1989, os espaços tidos como os mais representativos do atraso pela falta de equipamentos públicos e privados subitamente foram transformados em imensos canteiros de obras voltados para a materialização de espaços econômicos e de poder. Em termos econômicos, o Tocantins permaneceu vendendo a produção agropecuária sem nenhum valor agregado. Como exemplo, todo o plantel bovino era vendido (em pé) sem ser abatido ou transformado em produtos. A mesma coisa ocorria com a produção de arroz, feijão e milho: todos esses cereais eram negociados diretamente entre produtores, atravessadores ou por empresas de outros estados que transportavam a produção para ser industrializada em outros centros. A ausência de uma estrutura de transformação da produção agropecuária colocava a economia do Tocantins dependente do fluxo de empregos gerados nos setores públicos e da tradição de subemprego utilizada por grande parte dos 62 produtores rurais. No Tocantins, mesmo com a mudança semântica de fazendeiro para empresário do agronegócio ou agrobusiness a produção de commodities permanecia inexpressiva caracterizando a economia do Tocantins como dependente do poder público. Essa dependência econômica acirrou os debates sobre a escolha dos espaços para sediar a capital. Na época, cada cidade utilizava mecanismos diferentes para pressionar o governo a colocar a capital em uma das cidades mais expressivas do Estado. Para Lira (2011, p. 174), AraguaÃna e Gurupi utilizaram como objeto de pressão a força econômica da União Democrática Ruralista (UDR) e a mÃdia: “Porto Nacional buscou o caminho popular para a sua luta pela capitalâ€. Nesse embate, os jornais da época davam como certa a escolha de AraguaÃna que contava com 85% de possibilidades; em segundo, Gurupi com 10% e Porto Nacional com 5% de possibilidades em se tornar a capital do Tocantins. Por outro lado, as frações mais organizadas da população entendiam que, no lugar de construir uma capital, o governo deveria se preocupar com a construção de estradas, pontes, hospitais, escolas e presÃdios. Em outra direção, as lideranças municipais reivindicavam maior apoio para a instalação de infraestrutura básica nas cidades. Diante da movimentação das maiores cidades para conquistar o direito de sediar a capital provisória, o governo procurava acalmar as lideranças dessas cidades, na desconstrução de argumentos para demover o queremismo de cada cidade. Neste sentido, as intervenções deveriam ser trabalhadas para não aumentar a indisposição polÃtica, os interesses empresariais e nem contrariar as justificativas históricas da centralidade administrativa, sustentada para dividir o Estado de Goiás. Nessa direção, a escolha do local da capital deveria contar com o apoio de parcela das lideranças polÃticas, de empresários dentro e fora do Tocantins. As cidades que contavam com maior número de fazendeiros das regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste eram AraguaÃna e Gurupi. Em relação à capital, a primeira estratégia do governo do Estado foi arrefecer a pretensão dessas cidades com a criação de uma sede administração provisória do Estado. A segunda estratégia foi escolher uma cidade para ser a capital provisória, fora do eixo das que reivindicavam a condição de capital, a terceira estratégia foi colocar a capital definitiva na margem direita do Rio Tocantins. Nestes espaços, a organização dos fazendeiros era menor, a correlação de forças fragmentadas e os valores dos terrenos eram baixos em relação à s terras próximas da rodovia BR-153. Assim, a capital foi estrategicamente colocada no território do recém-emancipado MunicÃpio de Taquaruçu: 63 Com a belÃssima paisagem da fazenda Suçuapara na mente, Siqueira Campos formou uma caravana com d. Aureny, Luiz Cajazeiras e d. Lúcia Cajazeiras e as secretárias Lucy e Delsita para visitar por terra toda a região da área à margem direita do Tocantins e, especialmente, as fazendas Suçuapara e Triângulo. Após visitar muitas áreas das fazendas, Siqueira Campos encontrou o que procurava: a pequena colina ao centro da majestosa planÃcie das fazendas. Imediatamente decidiu ser aquele o local onde mandaria construir o Palácio Araguaia, centralizando-o na Praça dos Girassóis, na confluência das avenidas Joaquim Teotônio e Juscelino Kubitschek de Oliveira. Siqueira Campos e membros de sua comitiva permaneceram na sede da Fazenda Suçuapara, de Paulo Guimaraes e d. Maria das Graças (PIRES, 2008, p. 38). Após a definição da área para a construção da capital, Siqueira Campos iniciou o processo de consolidação territorial do Estado do Tocantins a partir de uma teia de intervenções voltadas para a construção de uma nova identidade cultural, partindo de uma nova configuração urbana. Essa construção foi facilitada pela inversão dos fatores históricos e polÃticos, considerando que, segundo Bonavides (2006), em relação à ciência polÃtica, primeiro vem o território, depois a sociedade, por último o Estado. O fato de o Tocantins não ter seguido a lógica de primeiro existir como território, para depois se transformar em Estado debitou ao autor da proposta de divisão territorial de Goiás uma autoridade de fato. Por isso, a primeira eleição de governador foi o marco decisivo para a implantação do Estado. Nesses termos, o primeiro governador conseguiu eleger uma significativa maioria de deputados. Com essa maioria, instituiu-se uma gestão independente por não ter uma oposição que oferecesse resistências aos seus projetos de governabilidade. Assim, Siqueira Campos conseguiu aprovar todas as matérias de seu interesse, inclusive o projeto de criação de Palmas. Por outro lado, a autonomia do primeiro governador do Estado do Tocantins, na época, foi muito pouco questionada pelos setores organizados, exceto por alguns partidos e órgãos classistas, principalmente dos advogados, que questionavam a composição do poder judiciário, dos aparelhos assemelhados ou da institucionalização do acesso ao emprego público. Em termos polÃticos, a autoridade exercida não provocou controvérsias que pudessem ser alteradas pelos poderes locais do Estado, diante das condições que esses poderes estavam sendo estruturados. Segundo Bonavides (2006), o exercÃcio de um poder autocrático nem sempre é rechaçado pela sociedade, principalmente quando o governante consegue sintetizar o direito e os interesses na despersonalização desse perfil de gestão. Na avaliação de Siqueira Campos, depois de ter “criado o Estado†e ser eleito como o primeiro 64 governador, o que deveria fazer ou deixar de fazer estava respaldado pela autonomia dada pela sociedade, por isso entendia que as suas decisões eram democráticas. Essa autonomia, conforme Bonavides (2006) reproduz a criação e a manutenção do um organismo denominado de estado, cimentado não na essência de um poder embasado na isonomia social, mas pela manutenção de um grupo vitorioso, no momento em que esse grupo passa a impor os seus interesses a um grupo vencido, com a finalidade de manter o domÃnio do vencedor sobre o derrotado. Em termos, essa foi a prática executada pelo grupo que conquistou o poder, logo após a criação do Tocantins. Consequentemente, sem ser questionado sobre a eficácia do que estava fazendo, o governo promoveu a ocupação do território e das instâncias do Estado, utilizando de forma contraditória os princÃpios da guerra de posição estabelecida por Antônio Gramsci. Essa ocupação favoreceu a legitimação da pessoa do governador como lÃder do grupo na “conquista de posições e de espaços (“guerra de posiçãoâ€), da direção polÃtico-ideológica e do consenso dos setores majoritários da população, como condição para o acesso ao poder de Estado e sua posterior conservação†(COUTINHO, 1981, p. 103-104). De certa forma, a difusão da ocupação dos espaços do Estado foi facilitada pelo fato de, na época, a forma de exercer o poder não despertar interesses na população, considerando ainda o fato de a sociedade tocantinense não estar politicamente organizada diante da dependência estabelecida com o poder público. Por isso, os focos de resistências eram insignificantes diante da frágil correlação de forças predominantes na sociedade. Por isso, o governo conseguia diluir todos os enfrentamentos de parte dos setores que estavam se organizando. As relações construÃdas entre governo e sociedade favoreceram o governo na conclusão da formatação das esferas do estado, considerando que as maiores contendas ocorriam entre os segmentos empresariais mais bem situados na polÃtica e na economia das principais cidades. Politicamente, o governo instituiu uma massiva polÃtica de emancipação de distritos para a criação de novos municÃpios, com o objetivo de manter e aumentar o pacto de dependência polÃtico-social, associado a um projeto de desenvolvimento modelado na expansão urbana. Esse perfil de gestão ficou materializado quando o primeiro governador expressou, em sua mensagem dirigida à Assembleia Legislativa, por ocasião do encerramento do seu mandato, o seguinte: Palmas, hoje, dada a sua irreversibilidade, é o ponto de convergência e o pólo irradiador de progresso, que integra todos os MunicÃpios e Regiões do 65 Estado, resgatando todas as imensas dÃvidas dos governos passados com o nosso povo. De fato, com a construção de Palmas e a organização das diversas comunidades do Estado. (CAMPOS, 1991, p. 7). Essas mudanças aceleraram as intervenções polÃticas no território estadual. Em relação à população, uma década antes da criação do Estado do Tocantins a região era habitada por pouco mais de um terço da população que a região passou a ter quando da criação do Tocantins. Assim, a polÃtica de criação de municÃpios empreendida nos primeiros anos de estruturação do Estado alterou os Ãndices demográficos das cidades e do Estado: Com pouco mais de 521 mil habitantes e 75% da sua população morando no campo. Assim era a área de 277.620, 914 km² em que hoje está o Tocantins, em 1970. Na época, a área, que fazia parte do antigo Norte de Goiás, contava com 52 municÃpios. Hoje, com novo perfil populacional e econômico o Tocantins se encontra em outro patamar. São 139 municÃpios e população de 1. 383.453 habitantes, dos quais apenas 21,19% moram no campo. (CADERNO AGENDA TOCANTINS - JORNAL DO TOCANTINS, 2011, p. 8). A forma como o governo atraia a população favorecia a continuidade da sua polÃtica de estruturação dos poderes do Estado, criando uma simbologia de pertencimento ao território. Por isso, a população não se rebelava contra a forma utilizada para governar, para não serem excluÃdas do processo de estruturação e consolidação do Estado. Nessa relação, os migrantes e a população histórica radicada no Estado, para não perderem a perspectiva de pertencimento em construção, não ousavam contrariar diretrizes polÃtico-partidária do governo determinada pela ideia de união, conforme Vieira (2010, p. 54): A essência do corporativismo é a ideia da união de todos [...] em um corpo de natureza pública, colocando-se na posição intermediária entre os indivÃduos e o Estado. Este corpo tem organização partidária forçosamente, e obriga todos em suas decisões. Assim, a formalização dos seus interesses polÃticos do governo era agrupada numa frente de partidos denominada de “União do Tocantinsâ€. Em relação à segunda eleição do Estado do Tocantins, Siqueira Campos não se engajou na campanha dizendo que naquele momento a sua preocupação era arrumar a casa para o seu sucessor. A casa, no seu entender, era a conclusão de grande parte das obras de 66 Palmas e a conclusão das estruturas de ampliação do poder. Diante disso, o candidato da sua coligação perdeu a eleição para a oposição. A este respeito,Campos assim se manifestou: A realização das eleições estaduais de 1990 nos trouxe mudanças importantes no quadro polÃtico do Estado. Candidatos de oposição foram eleitos para o Governo, ao mesmo tempo em que foram eleitos para o Senado e a maioria da Assembleia Legislativa, candidatos da União do Tocantins, coligação que apóia o governo. (CAMPOS, 1991, p. 43). Analisando a trajetória do primeiro governador em relação ao processo eleitoral para sucedê-lo em 1991, há algo que direciona que a sua vontade foi realizada em relação aos resultados obtidos na eleição das bancadas do Congresso Nacional e da Assembleia Legislativa do Estado, quanto ao seu sucessor, a indiferença, a conformação da derrota fortalecia os seus ideias de oposição estrategicamente montados visando a sua volta nas próximas eleições. Sendo assim, Siqueira Campos tinha consciência do poder que havia estruturado nas esferas pública e privada; por isso, sabia que o seu sucessor não teria muito fôlego para criar a sua identidade durante os quatro anos de governo, diante dos inúmeros projetos não concluÃdos. Nessa direção, o mais prudente seria fazer oposição ao invés de situação, considerando que ambos, situação e oposição, teriam os mesmos problemas para dar continuidade diante da teia de compromissos estrategicamente montados para o próximo governo. Com essas estratégias, o primeiro governo procurou arrecadar, gastar e endividar o Estado no que fosse possÃvel para consolidar as principais intervenções programadas de 1989 até fevereiro de 1991. Considerando que nessa época ainda não havia a lei de Responsabilidade Fiscal, por conseguinte não havia vinculação entre as despesas de pessoal e o comprometimento com o endividamento. Outra forma utilizada para manter o poder de fato sobre o poder de direito foi o estabelecimento de contratos e a venda de ações e a privatização de empresas do Estado envolvendo as maiores empreiteiras do paÃs. Dessa forma, as primeiras privatizações possibilitaram ao governo uma folga nas despesas com a montagem da estruturação das instâncias de poder através da ocupação do território, dentro de uma pregação social direcionada ao desenvolvimento empresarial. Em relação à privatização, o governador assim se expressou na mensagem de encerramento do seu governo dirigida à sociedade por meio da distribuição de livretos sem a catalogação da edição, apenas com o Brasão do Estado: 67 O Tocantins foi o primeiro e ainda é o único Estado da Federação, que privatizou todo um sistema estadual de geração e distribuição de energia elétrica. De fato, a CELTINS é a única empresa estadual do setor energético que foi privatizada no PaÃs. Apesar da privatização constar do programa do Governo Federal e de muitos governos estaduais, não houve privatização de empresas de energia elétrica, a não ser no Estado do Tocantins. (CAMPOS, 1991, p. 47). A condução da privatização representou o estilo de liderança que o governador exercia na polÃtica estadual; para ele, isso significava o fortalecimento da sua pessoa perante os organismos privados e perante a estrutura do poder em curso na República. Naquela época, a tendência predominante era atrair o capital privado por meio da venda de empresas públicas, seguindo o modelo econômico em curso na Europa e nos Estados Unidos. Nesse aspecto, o Tocantins despontava como laboratório de privatização, diante das experiências bem sucedidas na avaliação do governo federal 14 . A polÃtica de privatização foi aprovada pela Assembleia Legislativa como uma proposta de inovação em torno do neoliberalismo instalado no paÃs, com o apoio do executivo federal, procurando tornar a iniciativa do Tocantins referência para outros estados. Em termos, a privatização no Tocantins foi facilitada por três questões: primeiro, pela guerra de posição instituÃda pelo governo na ocupação dos aparelhos de Estado; segundo, pela fragilidade da correlação de forças existentes na sociedade tocantinense 15 ; 14 No Tocantins, um Estado recém criado, carente de infra-estrutura, sem grandes empresas estatais, o pensamento neoliberal foi colocado em prática nos oito anos do governo Siqueira Campos(1995- 2002). Adepto da economia de mercado, admirador de FHC e seu seguidor de primeira hora, Siqueira aplica por estas bandas o receituário neoliberal sem dó nem piedade. Se utilizando do discurso de que o Estado não dispunha de capital para promover expansão foram vendidas a CELTINS – Centrais Elétricas do Tocantins, a SANEATINS – Companhia de água e esgoto e tentou, sem sucesso, privatizar a UNITINS – Universidade Estadual do Tocantins que, após corajosa resistência estudantil, acabou tendo parte de sua estrutura encampada pela Universidade Federal. (DisponÃvel em: http://conexaoto.com.br/2011/06/25/apertem-os-cintos-o-neoliberalismo- retorna-ao-tocantins. Acesso em: 20 ago. 2011). 15 Na sequência, de acordo com os interesses privados e a força do governo perante os outros poderes, construÃda por meio dos instrumentos de uma “guerra de posiçãoâ€, utilizou essa força para privatizar a única instituição de ensino superior pública, até então existente. Em relação a essa privatização, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, em visita ao estado, depois de ser informado sobre o processo de privatização da Universidade do Tocantins (Unitins), afirmou que “o governo do Tocantins saia na frente dos outros estados ao instituir uma universidade privada, sem ser particular; pública sem ser estatalâ€. Dentro dos arranjos jurÃdicos colocados no projeto de privatização, o Estado cobraria mensalidades dos estudantes e continuaria recebendo verbas da União e repasses do próprio estado. Nesse contexto, a sociedade foi beneficiada com a criação da UFT – Universidade Federal do Tocantins, considerando que o Tocantins era o único Estado que não 68 terceiro, pelo apoio do governo federal e pelos desgastes que o Estado de Bem Estar vinha sofrendo na mÃdia nacional. Assim, O Tocantins foi o primeiro Estado brasileiro a entrar na onda privacionista do governo Collor. Siqueira Campos, num ato obscuro vende a única empresa estatal do Estado, a CELTINS – Companhia de Energia Elétrica do Tocantins, a um grupo empresarial da cidade paulista de Presidente Prudente, proprietários da CAIUÃ, companhia de energia elétrica que abastece aquela cidade. (LIRA, 1995, p. 255). Para justificar as intervenções mais complexas para a sociedade, o governo reproduzia os mesmos discursos que foram utilizados para legitimar a divisão de Goiás. Assim, a palavra de ordem era a superação do atraso, da miséria, do abandono da região. No bojo das intervenções, estavam o endividamento, as privatizações, a construção da capital. Em relação à Palmas, a população temia que a concentração de despesas na construção de uma cidade poderia resultar em crises insuportáveis para a sociedade diante das perspectivas econômicas do capitalismo. Para o governo, essas ações eram importantes para a consolidação territorial e econômica do Estado. Nesse contexto, construir ou escolher uma das cidades existentes traria os mesmos desgastes polÃticos. Caso a opção fosse construir, o governo esbarrava na oposição dos que achavam que, naquele momento, o mais importante era montar a infraestrutura do Estado e das cidades existentes. Por outro lado, a escolha de uma das cidades dos extremos rompia com os paradigmas de integração do território por meio da centralização administrativa. As cidades de Gurupi ao Sul e AraguaÃna ao Norte eram as mais cotadas pelo fato de serem, na época redutos polÃticos de Siqueira Campos e as mais importantes em geração de impostos. Assim, o governo teve de decidir entre a construção justificada pela centralização da administração estadual ou atender à s reivindicações das maiores cidades do Estado. Entre as opções, o governo optou pela centralização, escolhendo as terras do municÃpio de Taquaruçu para a construção de Palmas. Com a divulgação da intenção do governo em construir uma cidade, mesmo diante da crise do capitalismo no final da década de 1980 e nos anos 1990, a maioria da população tinha uma universidade federal até o ano 2003, diante da opção do governo estadual em privatizar a sua universidade estadual, em manter uma universidade privada, estimulado pelas polÃticas neoliberais do governo FHC. 69 do Estado e das representações polÃticas passou a aceitar a ideia da construção da capital definitiva do estado. A partir daÃ, teve inÃcio a massificação dos efeitos proporcionados por uma cidade planejada à s margens direita do rio Tocantins. Nessa direção, segundo as análises, a urbanização da área provocaria impactos positivos na estrutura territorial e na economia do Estado, pois a margem direita do rio Tocantins era a mais prejudicada e a que mais dificultava o acesso e a mobilidade interna e externa ao território tocantinense. Depois da escolha, os espaços que caracterizavam o atraso pela falta de infraestrutura, subitamente foram transformados em intensos canteiros de obras e as cidades vizinhas, Porto Nacional, ParaÃso e a própria capital provisória, transformaram-se em dormitórios. No momento em que Palmas estava sendo criada, o modelo polÃtico-ideológico cimentado no Walfare State keynesiano (WSK) entrou em declÃnio, conforme exemplifica Offe (1984, p. 360): “Em outras palavras, trata-se de uma versão especÃfica de democracia, uma versão com igualdade polÃtica e participação de massa, que é compatÃvel com a economia de mercado capitalistaâ€. Essas alterações refletiram em todas as economias, provocando alterações em todos os nÃveis da vida humana. Contudo, a pesquisa foca como objeto a criação e a construção de Palmas em concordância com uma estratégia de consolidação econômica do Estado do Tocantins. Diante dessa nova estrutura econômica, governo e Estado tergiversaram entre o estado social e o neoliberalismo: O Estado de Bem-estar, fundamentado em polÃticas econômicas de tipo keynesiano, começa, a partir dos anos 70, a entrar em crise, em função de várias dificuldades para o funcionamento do setor público. Isso abriu caminho para o avanço do ideário chamado de neoliberal, que se pauta pela defesa de um “Estado mÃnimoâ€. As consequências disso foram a privatização de empresas estatais, a desregulamentação gradual da economia e a retração ou desobrigação do Poder Público, mesmo em setores como a saúde e educação (RODRIGUES; SOUZA, 2004, p. 22). Em relação ao Estado do Tocantins, devem ser levados em conta os nÃveis de desenvolvimento de produção de capital relacionando-os à polÃtica de consolidação territorial empreendida pelo primeiro governo, instalado em 1989. Entre os aspectos precÃpuos, estavam a capacidade de arrecadação e a gestão das intervenções direcionadas ao território estadual, considerando-se que a criação do Tocantins despertou prefeitos, empresários e a população para reivindicar a ampliação da infraestrutura no campo e nas cidades. 70 Partindo de uma sociedade democrática, a prioridade para a destinação de investimentos públicos deve ocorrer por meio de consultas à população, sem fazer dessa prática uma instância de controle privado dos espaços urbanos 16 . Nessa perspectiva, A própria ‘esfera pública’ se apresenta como uma esfera: o âmbito do que é setor público contrapõe-se ao privado. Muitas vezes ele aparece simplesmente como a esfera da opinião pública que se contrapõe diretamente ao poder público (HABERMAS, 1984, p. 14). Essa é a tendência de uma gestão caracterizada pela hegemonia predominante nas relações entre esfera pública e privada, sobressaindo os interesses privados. Em termos, essa tendência de gestão foi aplicada na fase de estruturação e consolidação do Estado do Tocantins intermediada pela construção de Palmas. Por conseguinte, a natureza e os princÃpios formadores das cidades, entre as mais representativas em relação à modernidade, tanto as espontâneas como as planejadas, encontraram ressonância nas estruturas das cidades gregas, tornando-se mais evidentes nas sociedades mais desenvolvidas do ponto de vista técnico, polÃtico e econômico: Na cidade-estado grega desenvolvida, e esfera da polis que é comum aos cidadãos livres (koiné) é rigoramente separada da esfera do oikos, que é particular a cada indivÃduo (idia). A vida pública, biospolitikos, não é, no entanto, restrita a um local: o caráter público constitui-se na conversação (lexis), que também pode assumir a forma de conselho e de tribunal, bem como a de práxis comunitária. (HABERMAS, 1984, p. 15). No Iluminismo, a conceituação permaneceu a mesma, porém a realidade e as formas de ocupação das cidades se alteraram de acordo com o desenvolvimento econômico, social e cultural. Esses pontos, associados aos pressupostos da esfera pública de Habermas 17 , 16 “[...] O urbanismo torna-se ideologia e prática. E, no entanto, as questões relativas à Cidade e à realidade urbana não são plenamente conhecidas e reconhecidas; ainda não assumiram politicamente a importância e o significado que têm no pensamento (na ideologia) e na prática (mostraremos uma estratégia urbana já em obra e em ação)â€. (LEFEBVRE, 1991, p. 02). 17 A esfera pública burguesa surgiu historicamente no contexto de uma sociedade separada do Estado: o “social†podia constituir-se numa esfera própria à medida que a reprodução da vida assumia, por um lado, formas privadas, mas, por outro, como setor privado em seu conjunto, passou a ter relevância pública. (HABERMAS, 1984, p. 152). 71 formaram os objetos teóricos para o entendimento das intervenções processadas pela esfera pública no processo de criação e construção de Palmas. Assim, a cidade foi Estrategicamente construÃda na margem direita do rio Tocantins e da BR 153, pode-se dizer que uma das alternativas desta localização se deu pelos aspectos históricos. Nos séculos XVIII e XIX esta região teve a extração mineral como importante atividade econômica. (BRITO, 2009, p. 18). Ao conjunto das teorias, foram acrescentados os entendimentos sobre a ampliação do conhecimento sobre as cidades planejadas e as implicações do processo de transformação do ordenamento territorial em suas diversas especificidades. Considerando que o território escolhido para ser a sede da capital do Tocantins estava situado numa região com pouco desenvolvimento e distante de urbanidades que pudessem provocar competitividade ou modificar o perfil econômico das comunidades locais, em termos econômicos eram formadas por pequenos e médios produtores rurais. Na região escolhida para a construção de Palmas, uma fazenda com cerca de 300 alqueires era considerada grande; contudo, essa não era a realidade predominante na região norte de Goiás: Compramos a fazenda em meados de 85, era sertão puro não tinha nada, não tinha uma planta, não tinha nada, era só cerrado e meu ex-marido com o trabalho dele, com a sagacidade dele conseguiu derrubar praticamente 300 alqueires e começamos a plantar arroz, todo ano ia aumentando a quantidade alqueirada, fizemos um pomar muito bom, plantamos muitas árvores frutÃferas porque não tinha nada, na realidade o que tinha lá era pequi e uns pés de goiaba e umas mangueiras que ficavam próximas do curral (5ª entrevista analisada). A importância das intervenções voltadas para a criação, a construção e a consolidação de uma cidade planejada, na maioria das vezes, contrapõe a própria origem do objeto planejado diante dos interesses e conveniências despertados nas fases de criação e construção. De forma geral, esses interesses ficaram mais evidentes no Tocantins pelo fato da sua criação se associar direta ou indiretamente aos investimentos públicos caracterizados pela visão liberal predominante nos anos 1980-1990, e por estar calcada em uma polÃtica de redivisão territorial voltada para uma especificidade de desenvolvimento direcionado para a abertura de novos mercados consumidores. Em nÃvel global, no Ocidente, as alterações no mapa ocorreram com desterritorialização e reterritorialização de cidades e paÃses até então unificados por meio do Pacto de Varsóvia. Em nÃvel nacional, as mudanças ocorreram com a 72 criação de estados. Em nÃvel regional, com a emancipação de distritos, a construção de cidades e mudanças nos paradigmas migratórios e imigratórios: Cidade capitalista constitui-se, em um primeiro momento de sua apreensão, no conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si. Tais usos definem áreas, como o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais, de serviços e de gestão, áreas industriais, áreas residenciais distintas em termos de forma e conteúdo social, de lazer e, entre outras, aquelas de reserva para futura expansão. Este complexo conjunto de usos da terra é, em realidade, a organização espacial da cidade ou, simplesmente, o espaço urbano. (CORRÊA, 1999, p. 07). As expansões territoriais foram as responsáveis pelo aumento da produção e por novas formas de ocupação e transformação de espaços naturais em cidades. Nesse contexto, as teorias foram selecionadas em sintonia com as sucessivas definições do ordenamento territorial concordante com uma lógica de consolidação dos territórios urbanos. Em geral, isso ocorre de forma concomitante à mercantilização dos espaços, imposta pelas necessidades e pela emergência do desenvolvimento econômico envolto de um progresso urbano acelerado. Essa foi a máxima verificada nas últimas décadas do século XX: No Brasil o processo de urbanização tem importantes diferenças com o que se desenvolveu na Europa. Conforme ROSSATO (1990) o Brasil passou a experimentar o fenômeno de urbanização apenas a partir da metade do século XX. Entre 1940 e 1980, ocorre uma inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira. (ROBAINA, 2008, p. 97). Diante dessas novas realidades, o ordenamento territorial das cidades brasileiras foi repensado a partir da nova Capital da República – BrasÃlia, surgindo daà outra identidade urbana, em termos de arquitetura e da disposição dos espaços e lugares. Na mesma direção, a acessibilidade, o trânsito e a mobilidade foram alterados diante dos novos traçados de ruas, avenidas e praças, como a disposição do comércio, repartições públicas e privadas e das áreas de residências. Emerge das cidades planejadas a mentalidade do isolamento das pessoas no próprio espaço urbano, “à medida que a ‘cidade’ assume suas funções culturais, modifica-se não só o sustentáculo da esfera pública, mas ela mesma se modifica†(HABERMAS, 1984, p. 47). Assim, a conjuntura nacional e internacional, associada à s condições precárias do Estado do Tocantins, que tinha a incumbência de construir a infraestrutura, estruturar os 73 poderes do estado, se não bastassem as crises polÃticas e econômicas, internamente, o governador enfrentou resistências de lÃderes polÃticos e empresários que reivindicavam a capital para os seus redutos urbanos. Naquele momento, a posição dos técnicos foi importante para encorajar o governador a assumir a construção de uma capital. Para isso, parte da história de Goiás, a partir de Pedro Ludovico, foi significativa, considerando que se não fosse a construção de Goiânia, Ludovico não teria se tornado lÃder dos anos 1930 a 1970. Do mesmo jeito, pode-se inferir sobre Juscelino Kubitschek e a construção de BrasÃlia. Em termos polÃticos, JK era famoso em Minas Gerais. Um dos indicativos para justificar esse desconhecimento é o resultado das eleições de 1955, quando o vice-presidente eleito teve mais votos que JK; por isso, para consolidar a sua condição de lÃder polÃtico nacional, tinha que fazer algo mais significativo do que governar. Todos esses fatores foram postos para a decisão de Siqueira Campos, além dos aspectos técnicos apresentados para viabilizar financeiramente a construção da cidade. Depois disso, Esse processo foi um processo muito rápido, eu tenho a noção clara de que não estava prevendo no pensamento do governador esta coisa de uma nova capital, ele ainda se debatia com a escolha de uma das cidades existente como capital. Nós tÃnhamos um escritório lá em Goiânia na Rua 100 e eu pela experiência que tinha de ter mestrado nessa área, comecei a pensar realmente uma nova cidade e fui trocar ideia com ele e ele logo se entusiasmou com a ideia. Assim com certas ressalvas, ele achava que o Estado não teria recursos para custear. Na realidade acredito que vinha na memória dele os acontecimentos da construção de BrasÃlia, que consumiu muito dinheiro e isso. Passada essa resistência inicial ele se atirou com muita iniciativa como é tÃpico dele a comandar esse processo de fazer realmente a mudança da capital (1ª entrevista analisada). Nesses termos, em determinados casos, o planejamento substituiu a conveniência do gestor, quando este toma conhecimento dos aspectos negativos e positivos das resultantes de uma grande intervenção. Do lado polÃtico, o governador estava convencido que seria pertinente a construção da capital; contudo, faltava a viabilidade técnica e financeira para os custos do projeto. Essa condição veio com o detalhamento apresentado pelos técnicos do Grupo Quatro, conforme a afirmação de um dos entrevistados: Mas, na realidade nós fizemos um estudo muito breve, que pode ser resumido, na tese em reformar uma casa que não é muito boa é mais caro do que construir. E ai eu consegui incluir para fazer parte dessa equipe o 74 Ãndio do Brasil Artiaga que lidou com cartório de móveis a vida inteira. Então, eu consegui incluir a ideia de construção das novas cidades europeias, que é a ideia do Estado promover a desapropriação ao preço de terra rural, urbanizar e vender as terras a preço de terras urbanas, e que esse diferencial permitiria a construção da parte de infraestrutura da capital. Quanto à infraestrutura que demandava a capital, foram feitos estudos a partir daà sobre as ligações viárias na circunstância existente, enfim foi feito um estudo que foi apresentado a Assembleia Legislativa de localização da capital, abordando as condicionantes: de comunicação, de ligação, de potencial de abastecimento de água e as demais condições (1ª entrevista analisada). As condições apresentadas pelos planejadores foram importantes para convencer os deputados, considerando que o governador havia se convencido da ideia; contudo, diante da complexidade e da legalidade que o processo impunha, precisava do respaldo dos deputados. Em sÃntese, desde a fase inicial da aprovação do projeto de Palmas, não houve preocupação com os migrantes mais pobres, considerando o caráter venal que os imóveis adquiriram diante da especulação promovida pelo governo para transformar imóveis em moeda. Desse processo, emergiram novos conceitos de inclusão e exclusão social justificada pelas necessidades instituÃdas para a construção da cidade. Assim, a partir das teorias sobre o ordenamento territorial das cidades planejadas e dos paradigmas polÃticos do desenvolvimento tecnológicos difundidos nas últimas décadas do século XX, “as cidades são tratadas como ambientes visuais, como se fossem imensos videoclipes publicitários. É nessa direção que se investem e se (re)vestem as cidades com o design clean do mobiliário urbano†(BARBOSA, 2006, p. 127), nascem daà os processos de modernização de espaços e lugares. Nesse aspecto, pode-se dizer que a criação e a construção de Palmas seguiu a lógica de um tempo burocratizado – teleologicamente determinado pelas necessidades criadas para a consolidação territorial do Estado do Tocantins e da pessoa do primeiro governador. Assim, para atender todos os interesses, a cidade foi estruturada, conforme especifica Barbosa (2006), por uma matriz urbanÃstica das singularidades histórico-culturais de espaços e lugares planejados e reconhecidos; por isso, para os crÃticos, Palmas é um remake dessas paisagens. Por isso, as intervenções executadas foram discutidas a partir dos seguintes pontos: a) A falta de transparência na divulgação dos procedimentos para a definição dos espaços para a construção da cidade; 75 b) As justificativas e a legalidade utilizadas pelo governo para desapropriar as terras dentro da ótica do interesse público; c) A urbanização de terrenos rurais para serem transformadas em moeda corrente; d) A urbanização de espaços como objeto polÃtico e de consolidação do território estadual; e) A especulação e a segregação cultural e espacial patrocinada pelo governo. Em todos esses casos, considera-se o raciocÃnio de Maricato (2008), quando diz que, no Brasil, o proprietário privado ao se tornar poder polÃtico transformou o Estado em uma instância privilegiada da iniciativa privada. A partir do momento em que o governo demonstrou interesses em construir uma cidade, a população começou a se preocupar com os métodos que seriam utilizados para a escolha e desapropriação da área. No inÃcio, a preocupação sobre a escolha da área foi de caráter polÃtico-econômico, depois as preocupações se voltaram para os aspectos técnicos e fundiários, como especifica um dos entrevistados em relação ao processo de escolha da área na qual seria construÃda a capital. Por isso, a definição da área, entre as sugeridas, foi simbolizada na Figura 01, que mostra o momento em que o governador define o espaço no qual seria edificada a cidade 18 : Naquela época, ela teve entraves técnicos, mas ela foi definida, acredito, de forma muito instintiva, ela foi escolhida por uma decisão de se ter a capital a margem direita do Tocantins e ponto. Não se fez uma avaliação profunda das consequências urbanÃsticas e os envolvimentos naquele momento. O planejamento eu não diria em termos do senso comum, mas algumas avaliações sobre o funcionamento foram dadas pelos técnicos na época. Falam que o governador Siqueira Campos sobrevoando instintivamente escolheu a área. Na verdade, por mais que as pessoas coloquem que houve uma avaliação técnica, além disso, houve um ato 18 No dia 15 de janeiro de 1989, cinco dias após a instalação do primeiro governo tocantinense na capital provisória em Miracema do Tocantins (de 1º de Janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 1989), o governador Siqueira Campos, acompanhado dos arquitetos Luiz Fernando Cruvinel e Walfredo Antunes e algumas autoridades, sobrevoou a extensa área de cerrado e escolheu a área de instalação da Capital do Estado, localizada aos pés da Serra do Carmo e a leste do povoado do Canela. DisponÃvel em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/maio/dia-do-aniversario-de-palmas- 2.php. Acesso em: 02 jan. 2011. 76 instintivo, uma visão que é caracterÃstica de pessoas empreendedoras, pioneiras (8ª entrevista analisada). FIGURA 01 – Ato simbólico da escolha do espaço no qual seria construÃda a capital do Estado do Tocantins, pelo Governador José Wilson Siqueira Campos (1989). FONTE: Marques 19 - cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Então, de acordo com as fontes, Palmas foi criada envolta em muitos interesses. Dentre os mais evidentes, destacam-se a urbanização como objeto de consolidação de um perfil de poder e a promoção do desenvolvimento econômico através do instituto de desapropriação de terras rurais para serem urbanizadas e vendidas ao preço de mercado, para aumentar a demografia do Estado por meio de uma polÃtica de migração massiva. 19 O primeiro Cinegrafista de Palmas, Sidney Madalena Marques, 49 anos, relembra com humor que o governador Siqueira Campos (PSDB) sobrevoou no dia 23 de janeiro de 1989 a área onde é hoje a Capital. Fonte: Jornal do Tocantins – Coluna Estado, página 16, publicado no dia 20 de maio de 2012. 77 O espaço delimitado para a construção de Palmas é formado “por uma faixa de terra com baixas declividades, estendendo-se por uma distância média de 15 km entre a margem direita do Rio Tocantins e a encosta da Serra do Lajeado. O rio, posteriormente o lago, e a serra estão alinhados no sentido norte-sul†(TEIXEIRA, 2009, p. 93). Assim, Siqueira Campos, No dia 01.01.1989, assumiu o Governo do Tocantins, tendo como capital provisória, a cidade de Miracema do Norte. Em 20.05.1989, lançou a pedra fundamental da nova capital, com o nome de Palmas. No dia 01.02.1990, transferiu a capital da cidade de Miracema do Tocantins para Palmas. (MARTINS, 2004, p. 57-58). A direção apontada pelo governador, na Figura 02, é o marco zero da cidade. Em seguida, deu-se inÃcio à ocupação do território marcada pela Primeira Missa “celebrada pelo Bispo de Porto Nacional, Dom Celso Pereira de Almeida†(MARTINS, 2011, p. 341), “coadjuvado pelos padres Juraci Cavalcante e Rui Cavalcante e pelo monsenhor Jacinto Sardinha†(PIRES, 2008, p. 40), conforme demonstra a Figura 02. A partir daquele momento, todos os eventos oficiais passaram a ser realizado no espaço indicado pelo governador. Depois desse evento, na área que já havia sido transportada para a prancheta dos projetistas, iniciou-se a urbanização da área: Assim, Cabe reiterar que a urbanização é um processo tão avassalador, que o espaço urbano vai sendo formado por desdobramentos sucessivos e em escala geométrica. Porém regido sempre pela lógica da valorização que transforma grandes áreas de uso ainda rural em urbanas, para um mercado altamente especulativo, com superposição de funções e alargamento das relações do valor (até a generalização do valor de troca). (SEABRA, 2004, p. 425-426). As ações e as formas utilizadas para a construção e para a ocupação de um espaço são determinantes para se delimitar os objetivos de um planejamento urbano. Assim, a primeira intervenção fÃsica foi a “limpeza†da área para iniciar a urbanização dos espaços a partir do marco zero, onde seriam erguidos os prédios dos três poderes do Estado. Nesta fase, os problemas oscilavam entre as fortes temperaturas causadas pelo clima, a poeira 78 provocada pela devastação da flora e da fauna, a precariedade no abastecimento de água, energia elétrica, a fragilidade do abastecimento de produtos secos e molhados. Segundo os trabalhadores das obras, o mais difÃcil era suportar o desconforto provocado pela temperatura. Na medida em que as intervenções eram aceleradas para transformar a área em espaços habitáveis, o dia a dia dos trabalhadores das obras de construção da cidade e dos migrantes ficava mais difÃcil diante da falta dos equipamentos urbanos: FIGURA 02 – A Primeira Missa celebrada no local da construção da Praça dos Girassóis - marco zero de Palmas. Fonte: PIETRO (1989). Cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. He! Outra coisa, aquele fluxo violento que veio do paÃs inteiro, e aquela coisa e as polÃcias das fronteiras fiscalizando e havia muita injustiça nisso aÃ. Então, eu acho que tudo isso poderia ter sido evitado se adiasse mais um pouco, inclusive, inauguraram Palmas e a gente comemorou o aniversário e não tinha nada. Eu acho que o povo teria que entender na época que teria de esperar mais um pouco, pelo menos estruturar o governo para depois vir (2ª entrevista analisada). 79 Assim, conforme estava nas pranchetas, iniciam-se as intervenções com máquinas e operários; concomitante, os primeiros migrantes partem para a ocupação dos espaços ainda que de forma provisória, pois os definitivos dependiam da triagem feita pelo serviço social montado pelo governo; depois disso as pessoas eram conduzidas pela PolÃcia Militar até os lugares estipulados para serem ocupados de acordo com a seleção previamente realizada. Quando questionado, o governo dizia que o direcionamento era efetivado para preservar o ordenamento territorial projetado. Contudo, além dessa questão, estavam embutidos os interesses de seleção social no processo de ocupação dos espaços. Essas ações reproduziam uma ordem a partir da desordem proporcionada pela segregação desenvolvida pelos aparelhos do governo. Assim, “a ideia de ordem envolve-se em uma dinâmica de constantes sintropias evolutivas, em que a ordem é sucedida pela desordem, gerando organização e um novo patamar de ordem†(ALMEIDA; SOARES, 2009, p. 22). Essa desorganização do sistema urbano, proporcionada pela ocupação, reflete em toda a sociedade por meio do perfil da polÃtica de ordenação dos espaços. 80 CAPÃTULO 02 PALMAS COMO OBJETO DE DESENVOLVIMENTO E CONSOLIDAÇÃO TERRITORIAL DO TOCANTINS: limites e possibilidades 2.1 A configuração de um território de poder Diante dos interesses, o governo do Tocantins procurava administrar duas frentes de pressão: a dos contrários à polÃtica de desenvolvimento do seu governo, outra dos flibusteiros e arrivistas que queriam conquistar ou aumentar os seus domÃnios nos espaços fÃsicos e simbólicos após a criação do Estado. Esses enfrentamentos, em parte, foram minimizados pelas formas de cooptação dos mais influentes, promovidas com a distribuição de tÃtulos de terrenos urbanos, cargos nas estruturas do Estado e do governo. Tudo isso, “reflete em seu espaço a sensação de uma ‘ilha da fantasia’, ao lado da face mais cruel da urbanização que segrega os menos influentes†(NUNES, 1996, p. 13). Com essa polÃtica, os que não se enquadravam em nenhuma das situações eram segregados nos espaços abertos para esses fins. Daà a diferença entre urbanizar e expandir para fora da cidade. Essa polÃtica de cooptação e controle remonta à s práticas desenvolvidas por Getúlio Vargas em relação ao sindicalismo brasileiro em ascensão a partir de 1930, sob a liderança dos descendentes dos imigrantes europeus que trabalhavam na agricultura; com o surto industrial, parte desses contingentes se transformou em operários das indústrias emergentes do Sudeste. O governo, para manter o controle da situação, institui uma polÃtica trabalhista, na época denominada de “pelegaâ€, diante dos indÃcios de subserviência dos lÃderes sindicais à polÃtica do governo. Na América do Sul, o modelo desenvolvido por Peron na Argentina e por Vargas no Brasil formou as correntes mais tradicionais do populismo polÃtico da época. Essas ideias podem ser encontradas no perfil das intervenções urbanas realizadas por Pedro Ludovico na construção de Goiânia, Juscelino Kubistchek de BrasÃlia e Siqueira Campos:“Palmas foi o centro de seu slogan administrativo, capital dos ideais juscelinistas. 81 Os ‘50 anos em cinco’ se transformaram [...] em um desbotado slogan polÃtico, representado pela frase ‘atualizada’ do perÃodo juscelinista ‘20 anos em 2’â€(LIRA, 2011, p. 182). Mesmo havendo algumas divergências de cunho polÃtico-ideológica, as estratégias utilizadas para a criação, a construção e a consolidação dos espaços urbanos possuem as mesmas caracterÃsticas. Exemplos: uma forte propaganda montada para atrair e fixar os migrantes, a segregação dos mais fracos economicamente na periferia de uma cidade em construção, a transformação do solo urbano em moeda de troca. Todas as estratégias eram validadas por um discurso de modernidade e progresso, massificado nos significados simbólicos da frase“essa terra é nossaâ€, na lÃngua Tupy Guarany “Co Yvy Ore Retamaâ€. Um dos fatos marcantes rumo à estruturação da cidade se deu quando as máquinas iniciaram a derrubada da vegetação para a abertura dos espaços onde se localizaria o marco zero da cidade. As primeiras manobras das máquinas foram assistidas por uma plateia de polÃticos, funcionários públicos, curiosos e migrantes, todos partÃcipes do ato inicial de construção de Palmas. Conforme Figura 03, aparece o governador Siqueira Campos operando um trator ovacionado por todos os segmentos sociais presentes ao ato. O espetáculo dos canteiros de obras a céu aberto, debaixo da linha do Equador, agrupava autoridades dos três poderes, técnicos, trabalhadores, poetas e palpiteiros que se imiscuÃam à s conveniências e interesses de autoridades ao emitir opiniões sobre a melhor forma de se construir uma cidade. O projeto e a construção de Palmas foram discutidos da mesma forma que se discute uma obra particular. Esses estilos de ingerências predominaram até a transferência definitiva da capital de Miracema para Palmas. Durante a construção, tudo era provisório, não havia ocupação definitiva até as definições dos espaços pelos órgãos do governo, de forma que Palmas foi uma cidade construÃda sob os olhares de uma plateia composta pelos moradores pioneiros. Politicamente, essa participação, em termos, foi significativa para a formação da identidade polÃtica e urbana, pois essas ações Não serviam tanto para o prazer dos participantes, mas para exibir a grandeza, a grandeur de seus organizadores – o povo, que nada tinha a fazer exceto ficar olhando, divertia-se à beça. Portanto, também aà o povo não está completamente excluÃdo; continua presente ainda nas ruas; a representatividade está sempre dependente de uma circunvizinhança em que ela se desenrole. (HABERMAS, 1984, p. 23). A circunvizinhança de que fala Habermas está no grau de dependência que essas relações representavam para a construção de uma identidade de pertencimento aos espaços 82 que estavam sendo construÃdos. Diante disso, pode-se dizer que as obras de construção de Palmas, no inÃcio, foram transformadas em palco para os populares que queriam ver e participar dos acontecimentos, exercendo a condição de agente e testemunha daquela realidade. Para o governo, foi um palanque a céu aberto, ovacionado diariamente por centenas de pessoas dispostas e disponÃveis a ouvir, ver e trocar ideias uns com os outros e reivindicar os espaços para morar: Eis por que me decidi pela criação de um cinturão de contenção e pólos de assentamento de populações migrantes e, assim, fixei as bases para a ocupação ordenada e racional do território, sem riscos de crescimento desordenado e de favelamento das grandes cidades do Tocantins. (CAMPOS, 1991, p. 60). FIGURA 03 – Governador Siqueira Campos dirigindo trator que iniciou as obras de Palmas, no dia 20 de maio de 1989. Fonte: Thenes Pinto – cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas 83 Assim, o governo montou as diretrizes da ocupação do território da capital. No Plano Diretor, ficaram os que tinham condições para pagar ou cacife para negociar com o governador. Na periferia, os que não tinham condições para comprar lotes no centro ou condições para negociar com o governo, sendo então instalados em bairros criados fora do plano diretor da cidade. Na Figura 04, aparece o governador Siqueira Campos explicando aos migrantes presentes como seria a ocupação dos lotes em Palmas. A partir daÃ, o governo iniciou o processo de expansão sul da cidade para abrigar as pessoas que chegavam diariamente à procura de lugar para morar e trabalhar. Assim funcionou o contato entre governo e população durante os primeiros meses da construção e ocupação de Palmas. FIGURA 04 – Na primeira foto aparece o Governador Siqueira Campos falando aos migrantes em um palanque improvisado nos espaços em construção da cidade. Na segunda, aparece o Governador e a Primeira Dama Aureny cercados pela população em direção ao estacionamento dos automóveis. Fonte: Caderno “Os Rumos para a prosperidadeâ€, 1991, p. 61. 84 A relação entre governo e imigrantes se dava por meio de um discurso de convencimento aos mais dependentes que não estavam incluÃdos nos planos de ocupação do Plano Diretor. Essa divisão ficou evidente quando o governador citou que o desordenamento da cidade não deveria resultar em uma favela, demonstra o perfil polÃtico utilizado para a ocupação dos espaços. Esse discurso determinava como seriam ocupados os espaços desapropriados que estavam sendo urbanizados. Assim, a multidão de pessoas com objetivos desconexos com a realidade a ser implantada representava o coroamento, a aceitação das intervenções e dos modos que estas estavam sendo realizadas pelo governo. A ocupação popular dos espaços de Palmas, inicialmente, foi tratada como caso de polÃcia, diante dos interesses do governo em direcionar as áreas mais centralizadas para a venda ou permuta com empreiteiras. Assim, a alteridade urbana simbolizava a construção de um território de poder polÃtico e econômico. Por isso, os objetivos definidos em relação ao ordenamento territorial da cidade foram legitimados de acordo com a polÃtica de ocupação da cidade e da valoração do uso do solo urbano. Diante dessa polÃtica, desde o inÃcio, a população teve duas cidades: uma planejada e outra criada para os migrantes mais pobres. Na sequência, as Figuras 05 e 06 mostram as primeiras edificações e os aspectos da cidade em relação aos espaços que seriam destinados à mobilidade e à acessibilidade, considerando que mesmo sendo uma cidade projetada e construÃda no limiar do século XXI, a visão espelha o passado polÃtico brasileiro. A modernidade fica por contados prédios, ruas e largas avenidas sob a medida das avenidas de BrasÃlia. As figuras mostram o momento em que a abertura da Avenida Juscelino Kubistchek, a segunda mais importante da capital, no sentido Leste-Oeste, e a principal Teotônio Segurado, no sentido Norte-Sul. Essa intervenção, da forma como foram feitas, de imediato, trouxe reflexos nos aspectos de sustentabilidade e na amenidade da cidade, considerando que as matas que ainda são vistas na figura, na medida da ocupação dos espaços, foram substituÃdas por residências, prédios e equipamentos urbanos. Sem contabilizar a extensão que seria encoberta pelas águas do lago de Lajeado. Assim, Palmas, logo nos primeiros anos, teve as suas avenidas e praças arborizadas com plantas exóticas ao clima da região. A falta de critérios na construção do Plano Diretor e da hidrelétrica foi percebida após o enchimento do Lago de Lajeado, quando a sensação térmica ficou mais forte; outro fator foi a dificuldade de adaptação dos animais silvestres que usavam como habitat as matas ciliares da bacia do rio Tocantins; com a urbanização, a vegetação foi substituÃda por edificações. As formas de intervenções processadas nos 85 cerrados podem ser vista na Figura 07. Pelo fato de não ter havido um manejo prévio para preservar a flora e a fauna, nos primeiros anos era comum se deparar com bichos de portes variados nos quintais das casas. Apesar de todos esses problemas, entre o lançamento da Pedra Fundamental, em 20 de Maio de 1989, e a sua inauguração, em 1º de Janeiro de 1990, a cidade é concluÃda, com poucas estruturas e edifÃcios públicos, e as picadas no meio da mata cerrada representando os diversos zoneamentos, sob um Plano Diretor UrbanÃstico, que só será efetivado em 1994, através da Lei Municipal nº. 468. (D’ELIA JÚNIOR, 2005, p. 79). FIGURA 05 – A cidade em construção em 1989. FONTE: Edson Lopes. Cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas 86 FIGURA 06 Avenida JK saÃda para a cidade de ParaÃso, em 1991. FONTE: Thenes Pinto. Cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Se construir uma casa é difÃcil, pense-se na construção de uma cidade, depois morar em uma cidade sem infraestrutura apropriada, sem opção de comércios regulares de alimentos, serviços de saúde, enfim, como diz um dos entrevistados: “sem nada, só vento, muito vento, poeira ou lama dependendo da estação do ano †(4ª entrevista analisada): esta era a paisagem que se via depois que os cerrados e os pastos foram urbanizados. Na visão de especialistas entrevistados, algumas situações poderiam ter sido evitadas se houvesse um plano prévio para a ocupação da área, pois uma coisa era o planejamento da cidade, outra coisa deveria ser o planejamento das obras de construção. De acordo com o governo, as intervenções foram realizadas de forma apressada para que o cronograma de construção fosse cumprido na Ãntegra. Consequentemente, a cidade foi edificada numa área segmentada pela 87 FIGURA 07 – Visão panorâmica do inÃcio da construção de Palmas. Fonte: Tocantins História Viva, Fundação Cultural (apud SILVA, 2008, p.17). Barreira natural formada pela serra está protegida da ocupação por uma reserva ecológica estadual, atingindo altitudes máximas que ultrapassam 600 metros em relação ao nÃvel do mar. A altitude média da área do sÃtio indicado para a construção da cidade é de 260 metros. O lago formado pela Usina Hidrelétrica do Lajeado inundou uma significativa faixa de terra até a cota estimada de 212 metros. A área designada para implantação do plano básico está situada entre os ribeirões Ãgua Fria e Taquaruçu Grande. Nesta região, entre os ribeirões Ãgua Fria, ao Norte, e Taquaruçu, ao Sul, foi desenhada a área urbana de Palmas, com 11.085 hectares e capacidade para abrigar cerca de 1,2 milhão de habitantes. (TEIXEIRA, 2009, p. 93- 94). Mesmo com a beleza natural, e pelo fato de estarem situadas na bacia hidrográfica do rio Tocantins, as terras, antes de serem transformadas nos espaços da capital, estavam entre as menos valorizadas do estado diante das dificuldades de acesso e do perfil da produção desenvolvida. Entretanto, após as primeiras intervenções processadas pelo governo, a valorização dos terrenos urbanizados ultrapassou os prognósticos do mercado. O 88 Grupo Quatro, contratado para realizar estudos de viabilidade urbana da área, trouxe as experiências utilizadas em Goiânia para transformar terras rurais em imóveis urbanos, durante a construção da capital goiana. Além das dificuldades normais de um lugar ocupado abruptamente por milhares de pessoas procurando espaços para se organizar, no inÃcio a situação era pior “porque não tinha rodoviária, não tinha hospital, não tinha nada†(4ª entrevista analisada). Conforme pesquisa coordenada pelo Jornalista Gleydsson Nunes, publicada em vÃdeo, esclarece-se que, junto à Rodoviária improvisada, formou-se o primeiro centro comercial de uma cidade que nascia em meio ao Cerrado, no ano de 1989. Esse centro comercial foi popularmente denominado de Pé Inchado devido à grande concentração de pessoas que vieram trabalhar,e acabaram se tornando pessoas de rua, ou melhor, da rodoviária. O terminal rodoviário dos primeiros anos de Palmas, conforme demonstra a Figura 08, era desprovido das infraestruturas principais. FIGURA 08 – Rodoviária de Palmas, na Arse 42, em 1992, atual 401 Sul Avenida NS 1. FONTE: Luciano Ribeiro - cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. 89 Em entrevista concedida aos pesquisadores da Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas, o vereador Euclides, que participou da primeira legislatura de Palmas, diz que tudo era muito precário, inclusive o transporte coletivo, que não podia ter carros mais novos diante da ausência de estradas regulares para os veÃculos trafegarem. Desse modo, O transporte era muito precário, as estradas não ofereciam condições para que os proprietários das empresas de transporte disponibilizar veÃculos novos pudessem melhorar a qualidade dos serviços prestados aos usuários. Naquela época houve o pioneirismo das empresas Rota e Miracema, para colocar os seus ônibus a serviço da população de Palmas. Na Avenida Teotônio Segurado presenciamos e até ajudamos carros que ali trafegavam a saÃrem de atoleiros porque ainda não existia pavimentação asfáltica, várias vezes a avenida ficava interrompida pelo lamaçal que se encontrava na época. Muitos funcionários chegavam atrasados porque vinham dos municÃpios vizinhos, para aqui trabalharem e também os acidentes eram constantes nas estradas, principalmente na estrada de Miracema. (Entrevista cedida pelos técnicos Antônio Filho da Silva Machado, Marcelo Lopes Justino e José Filadelfo da Silva da Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas realizada com o Senhor Euclides Correia Costa um dos primeiros vereadores de Palmas). A atual Rodoviária só foi construÃda no final do mandato do terceiro prefeito; atualmente, encontra-se defasada diante do fluxo de passageiros. A propósito, a Figura 09 mostra a estrutura do atual terminal rodoviário de passageiros. Diante da situação, muitos migrantes procuravam o caminho de volta. A construção de Palmas foi marcada por situações diferentes de outras cidades planejadas pelo fato dos espaços urbanos estarem sendo transformados e ocupados ao mesmo tempo. Porém, esses problemas não foram suficientes para alterar os planos do governo em consolidar a urbanidade em menos de dois anos. A Figura 10 demonstra como o governo realizava a especulação das terras urbanizadas da nova capital de Goiás. O cartaz, com dizeres otimistas, conclama as pessoas a se interessarem pelos imóveis. A propaganda cria expectativas muito fortes como se o imóvel fosse um bilhete de loteria premiado, ao mesmo tempo prega a elitização dos espaços quando esboça a possibilidade do comprador ficar mais rico: “Enriqueça 4 vezes mais 90 adquirindo lotes na nova capital – vendas garantidas pelo Estado – Dec. Nº 49541 de 1934, em 10 prestações desde 38 $ cada†(MANSO, 2001, p. 95). FIGURA 09 – Vista da atual da Rodoviária de Palmas. FONTE: Foto de VinÃcius Vicco, 20 de novembro de 2011, cedida pelo autor. Da mesma forma, ocorreram as especulações dos imóveis de Palmas patrocinadas pelo poder público por meio de editais de vendas, que demonstram como os imóveis de Palmas eram disponibilizados. No inÃcio, as vendas eram processadas por intermédio dos editais publicados pelo Estado; a partir de 2002, essa atribuição foi repassada para a empresa Orla, que ficou responsável pelas vendas dos lotes da capital. Na análise de um dos entrevistados, Pra fazer esse papel do governo na época estimulou a criação do Projeto Orla S/A pra fazer a venda das áreas do governo. Porque as áreas aqui em Palmas, pra entender eram de particulares e o governo fez a questão de desapropriá-las para o poder público controlar a ocupação através do instituto da venda, doação e comodato. Então para obter os resultados 91 esperados com o solo urbano, o governo investiu em campanhas publicitárias para vender os terrenos, todos os pioneiros sabem como essas ações ocorreram. No inÃcio as pessoas não queriam comprar os imóveis, quando compravam era a preço de banana. Pra se ter a ideia da desvalorização inicial dos imóveis, hoje tem lote na JK que vale um milhão e meio, dois milhões de reais, na época esses lotes foram doados e as pessoas desistiram de ocupa-los diante do prazo dado para a ocupação desses imóveis. Então nem de graça queriam vir pra cá para enfrentar a poeira ou a lama dependendo da estação do ano. Por isso quem comprou, ganhou ou recebeu imóveis em pagamento, como foram os casos de algumas empreiteiras, no inÃcio tiveram que segurar os imóveis diante da falta de mercado. Com a consolidação urbana e econômica de Palmas essa retenção dos imóveis se transformou em especulação, que é uma situação normal dentro do espÃrito do capitalismo (11ª entrevista analisada). FIGURA 10 – Cartaz de propaganda da venda de lotes na capital de Goiás - 1934. FONTE: Manso (2001, p. 95). 92 Assim, as pessoas ganhavam lotes, mas não construÃam conforme determinação do governo; ficou tudo em aberto. O governo também cometia erros a partir do momento em que o poder público impunha sanções, mas a prefeitura e o Estado foram os primeiros a descumprir as determinações. Na época, várias quadras foram colocadas à venda nas áreas centrais e nas Arsos e até hoje não possuem infraestrutura: “não tem energia, asfalto, água, não tem nada, a pessoa mora no meio do mato, a energia chega através de gambiarra, qualquer um pode ir lá e comprovar isso†(11ª entrevista analisada). Todos esses imóveis estão em uma área consolidada em termos de transação de compra e venda, mas os problemas permanecem sem solução: “Aà o Estado procurando se isentar diretamente dos problemas transfere para o projeto Orla S/A lançado na época pelo governador Siqueira Campos, a responsabilidade de lotear, urbanizar e vender áreas do poder público†(11ª entrevista analisada). Veja-se, no Quadro 01, um dos editais divulgados pelo Projeto Orla disponibilizando imóveis no Plano Diretor. EDITAL CONCORRÊNCIA PÚBLICA 007/2002 COMISSÃO ESPECIAL DE LICITAÇÃO - CEL/TO A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CAIXA, a AGÊNCIA DE HABITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO URBANO DO TOCANTINS e a ORLA PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS S/A - ORLA S/A, através da COMISSÃO ESPECIAL DE LICITAÇÃO - CEL/TO, tornam público que venderão, pela maior oferta, os imóveis, de propriedade do ESTADO DO TOCANTINS, descritos e caracterizados no Anexo I, que faz parte integrante deste Edital. A presente licitação será regida pela Lei nº 8666/93, suas alterações posteriores e pelas disposições fixadas neste Edital. QUADRO 01 – Edital divulgado pelo Projeto Orla disponibilizando imóveis no Plano Diretor de Palmas – TO. FONTE: DisponÃvel em: http://www.projetoorlapalmas.com.br/licitacao00702/edital007.pdf; Acesso em: 12 nov. 2011. 93 Assim, no final do terceiro governo de Siqueira Campos, as terras pertencentes ao Estado do Tocantins, no municÃpio de Palmas, foram transferidas para o empreendimento Orla S/A, que passou a ter a atribuição de vender e urbanizar as quadras. As áreas transferidas eram as mais valorizadas diante da localidade e da infraestrutura construÃda. Como o edital era público, antes de ser divulgado o consórcio ORLA 20 promovia-se uma massiva campanha de divulgação dos imóveis e das potencialidades do Estado e de Palmas. Com isso, a maioria dos compradores era de outras regiões do paÃs. Essas vendas traziam problemas em função da não ocupação dos imóveis, provocando, com isso, o aumento dos espaços vazios. Os editais divulgados pelo governo não continham exageros como ocorreu durante as vendas dos lotes na capital de Goiás. Contudo, para atrair compradores, criavam-se expectativas sobre o desenvolvimento econômico da região. A Figura 11, que caracteriza a maquete de parte da cidade, dá a dimensão dos aspectos urbanos de Palmas. Na visão de migrantes existiam duas cidades: um real e outra de fachada, perdida no meio dos vazios dos cerrados: É realmente eu cheguei me assustei um pouco porque eu vi uma entrada muito bonita, bem arborizada, bem florida, e quando comecei a adentrar a capital, a cidade estava no meio de muito cerrado, muitos lotes totalmente tomados pelo cerrado. E de repente isso me assustou um pouco porque uma cidade que está começando, havia muita especulação, então eu fiquei um pouco apreensivo nesse sentido porque pessoas detentoras desses lotes compram e ficam esperando o preço subir para especular. Então, isso me preocupou, mas a capital vem desenvolvendo com todos esses problemas que ainda existe, a especulação imobiliária permanece, mas a capital vem crescendo muito (6ª entrevista analisada). A propaganda influenciava o leilão dos imóveis; por isso, em pouco tempo, os espaços da cidade estavam vendidos, mas não ocupados. Para atender à demanda, o governo expandia a urbanização da cidade. De outro lado, para alojar os migrantes pobres, expandia criando bairros periféricos. 20 A palavra Orla neste trabalho aparecerá com os seguintes significados: Projeto Orla ao qual o governo estadual delegou a responsabilidade para vender os imóveis da capital, a partir de 1999; Orla Direita faz referência à margem direita do rio Tocantins, especificamente o local onde Palmas foi construÃda; Orla Esquerda - margem esquerda do rio Tocantins onde está acontecendo a expansão urbana no municÃpio de Porto Nacional provocada pela especulação imobiliária de Palmas. 94 15 de Jul de 2009 - 09h25 Orla S/A Lança o Edital da Licitação 021/2009 A Orla S/A lançou na última segunda-feira, 13/07/2009, o Edital da Licitação 021/2009 com lotes no Plano Diretor de Palmas-TO. Foramdiponilizados à venda um total de 426 lotes, sendo 401 lotes comerciais e 25 lotes residenciais distribuÃdos conforme abaixo: Quadra AC-SO 90 - 66 lotes Quadra AC-SO 91 - 292 lotes Quadra ACSV-NO 42 - 01 lote Quadra Arse 121 - 01 lote Quadra Arso 54 - 05 lotes Quadra Orla 14 - 18 lotes Quadra ALC-NO 33 - 43 lotes. Procure já um corretor autorizado ou imobiliária credenciada e faça a sua proposta. O Edital completo e mapas das quadras estão disponÃveis no menu licitações deste site. QUADRO 02 – Edital divulgado pelo Projeto Orla disponibilizando imóveis no Plano Diretor de Palmas – TO. FONTE: DisponÃvel em: http://www.projetoorlapalmas.com.br; Acesso em 11-11-2011. Teve-se, portanto, áreas urbanizadas de forma abrupta; nesse sentido, “a cidade em construção era vista como a resultante de um ato de violência. Isso significa que não se podiam erguer cidades de forma abrupta, sem que antes se estabelecesse ‘alguma história’, ou seja, ‘alguma duração’†(MELLO, 2006, p. 33). Como relata uma senhora que era esposa de um dos proprietários de terras que foram desapropriadas para a construção de Palmas, sentia-se o nÃvel das intervenções que foram realizadas na área escolhida para ser construÃda a capital: 95 Então foi assim, tiraram o nosso tapete, com isso a minha vida e a vida do meu ex-marido entrou em ebulição porque demoraram muito acertar, nos passaram terrenos. Mas tudo muito sem informação, tudo muito concentrado em poucas pessoas. O desgaste emocional nosso foi muito grande e o desgaste emocional foi tão grande que – não estou dizendo, não jogo a culpa só nisso, entendeu? Mas ajudou muito a desestruturar não só a minha famÃlia, como outras famÃlias, porque eu acho que no mÃnimo o que o ser humano tem que ter com o outro é respeito e nós não tivemos esse respaldo. Ver todo meu quintal ser destruÃdo, as nossas cercas serem derrubadas e o nosso curral. Então isso aà doeu muito porque nós éramos jovens e cheios de sonhos, com vontade de fazer e, de uma hora para outra simplesmente recebemos um recado: a fazenda vai ser a capital do Tocantins que seria Palmas. Essa verdade dói até hoje, a gente não consegue esquecer não (5ª entrevista analisada). Assim, Palmas foi construÃda a partir de intervenções públicas e privadas concordantes com uma lógica urbana de modernização dos espaços das fazendas, conforme a Figura 11 da maquete da Praça dos Girassóis, erguida no centro de uma das fazendas. FIGURA 11 – Maquete da Praça dos Girassóis. FONTE: VinÃcius Vicco; 08 set. 2011. 96 Os problemas não surgiram somente com a construção, mas os interesses em construÃ-la em menos de dois anos. Assim, Siqueira Campos, Em 15.03.1991, entregou o cargo ao seu sucessor o médico Moisés Avelino que havia derrotado, nas urnas, o então Senador Moisés Abrão, candidato do governo. Em 03.10.1994, foi eleito, no primeiro turno, pela segunda vez, governador do Estado do Tocantins. No dia 01.01.1995, tomou posse como governador. Em 04.10.1998, foi eleito mais uma vez, pela terceira vez, governador do Estado, tomando posse no dia 01.01.1999. (MARTINS, 2004, p. 57-58). De acordo com os estudos realizados na fase inicial, Siqueira Campos temia que os interesses contrários à construção de Palmas inviabilizassem a continuidade das obras. Esses grupos atuavam dentro e fora do grupo liderado pelo governador Siqueira Campos. Outros fatores também corroboraram, tais como interesses polÃticos, cronograma de liberação e aplicação dos empréstimos, o tempo de mandato do primeiro governador 21 . Por isso, um dos problemas desta tese é discutir as repercussões das intervenções públicas, desenvolvidas em uma teia de interesses empresariais voltados para a consolidação do Estado a partir de Palmas. Esses conflitos foram desencadeados logo após o anúncio oficial do espaço escolhido. As pressões forçaram o governo a tomar decisões rápidas para não colocar em risco a construção da capital: A ideia de se criar uma nova cidade para sediar a capital do novo Estado do Tocantins, originou-se das decorrentes complicações encontradas pelo governador eleito Siqueira Campos, em determinar AraguaÃna como capital provisória. O governador Siqueira Campos e o presidente José Sarney ouviram do Ministério do Exército o “conselho†de que a capital do novo Estado deveria se localizar (numa região geo-cartográfica) no centro geográfico do Estado. (LIRA, 1995, p. 231). Um dos motivos para escolher uma área sem urbanização, situada no municÃpio de Taquaruçu, a princÃpio resolvia o problema polÃtico de não ter um prefeito contrário ao 21 O Art. 81, Parágrafo Primeiro da Constituição Federal, determina que havendo vacância nas esferas do executivo federal, estadual e municipal, e se o tempo restante do mandato for igual ou superior a dois anos, deverá ser preenchido por um governante eleito através de eleição direta. Com a criação do Tocantins, a interpretação dada foi à mesma estabelecida para o processo de vacância, ou seja, a realização de eleição para um mandato de dois anos. 97 modo de agir de Siqueira Campos. Nos discursos durante a construção da capital, entusiasmado, o governador dizia: vamos abrir ruas, vamos estruturar os órgãos públicos para que o próximo governante não mude a capital para outro local. Vamos construir prédios, vamos dar lotes para os servidores, vamos dar casa para as pessoas poderem vir e habitar. Todas essas ações ocorreram de forma muito rápida. Contudo, depois que tudo estava estruturado, descobriu-se que a cidade precisava ser governada por um prefeito e não pelo governo do Estado, como estava acontecendo: Depois de tudo quase pronto descobriram que a cidade não tinha prefeito. Não podia ter eleição ou o governo achou mais conveniente não realiza- las naquele momento. Mas parece que a constituição de 1988 proibia a realização de eleição fora de época. Então aà você tem um problema, não podia ter eleição fora de época e nem podia nomear prefeito (12ª entrevista analisada). Em 1989, o que estava na Constituição não atendia aos interesses do governo estadual sobre o controle do poder executivo de Palmas. Diante dos interesses em curso, os operadores do direito forjaram brechas na Constituição Estadual para satisfazer os interesses do governador sobre a governança da capital. Antes do arranjo de Taquaruçu, o governador tentou nomear um correligionário para governar o novo municÃpio, alegando as peculiaridades da criação da capital. Nesse sentido, editaram a Lei nº 70, de 26 de julho de 1989, que tratou de criação da capital, justificando as peculiaridades do Estado e da região das margens direita do rio Tocantins. Em seguida, transformaram a Assembleia Estadual em câmara municipal, tomando como exemplo a Assembleia Distrital de BrasÃlia, dando poderes ao Chefe do poder executivo estadual para nomear uma pessoa da confiança do governador para ser o primeiro prefeito da cidade: Então, Siqueira Campos criou uma lei chamada Lei 70, onde ele cria Palmas, no artigo 5º dessa lei transferia as competências da câmara de vereadores para a Assembleia Legislativa Estadual. Assim, o municÃpio seria instalado e administrado por um cidadão, no artigo 6º fala de um cidadão de idoneidade e conduta ilibada e comprovada. Dentro dessas condições, esse cidadão seria nomeado pelo poder executivo com a prévia aprovação da Assembleia Legislativa. Na época foi ventilado os nomes do Engenheiro Rubens Guerra que era o responsável pela construção de Palmas, Clarismar Fernandes, então Chefe da Casa Civil e responsável pela formulação das leis (12ª entrevista analisada). 98 Se a lei atendeu aos interesses do governo, por outro lado criou um problema jurÃdico diante da autonomia dada ao governo para nomear um prefeito, considerando os impedimentos arguidos sobre a realização de eleições fora do calendário eleitoral. Por outro lado, mesmo que isso fosse possÃvel, Siqueira Campos não gostaria de correr o risco de perder o comando sobre a capital diante da tradição oposicionista na região. Outro fator impeditivo era que o seu filho Eduardo não poderia se candidatar, sem que o pai desincompatibilizasse do governo. Conforme relata o entrevistado, o que era pra ser a solução transformou-se em problema. Essa lei foi publicada em julho de 1989 e permaneceu até o dia 17 de dezembro, quando o STF – Supremo Tribunal Federal confirmou a sua inconstitucionalidade. Diante dos focos de resistência que poderiam surgir durante ou após a conclusão do seu mandato, somado ao impedimento legal do seu filho de se candidatar a prefeito, a saÃda veio do municÃpio de Taquaruçu. Não sendo possÃvel a nomeação, restou- lhe como solução o municÃpio de Taquaruçu que havia realizado a sua primeira eleição, depois de ser emancipado um ano antes da criação de Palmas. Nesses termos, Siqueira mandou chamar o prefeito de Taquaruçu para explicar-lhe a saÃda encontrada. Como Taquaruçu está praticamente dentro do municÃpio de Palmas, vamos mudar a sede para Palmas e mudar o nome da sede de Taquaruçu para Palmas. Você topa?’. O prefeito disse que iria consultar os vereadores, mas com certeza ele já tinha dito que sim. No dia seguinte o governo fez um almoço para explicar como ficaram, no final, os vereadores saÃram todos felizes de lá. Então, no dia 1º de janeiro de 1990, de manhã nós vamos mudar. Chamou os assessores para organizarem a mudança. Depois veio a interrogação, para onde a prefeitura iria mudar? Não existia local apropriado, foi aà que se lembraram da sede na Fazenda Triângulo, que fica ali no Parque Cesamar, que era de propriedade do Batista Pereira. Assim, a sede da Fazenda Triângulo foi primeira sede da prefeitura de Palmas. A partir daà Taquaruçu e os poderes legislativo e executivo foram transferidos, mas permanecendo o nome de Palmas, Taquaruçu voltava a condição de distrito (12ª entrevista analisada). Essas alternativas serviram para o governador Siqueira Campos manter controle sobre o Estado e a capital, transferindo o poder da cidade vizinha para Palmas. De acordo com as análises das amostras, o governador preferiu essa alternativa, aproveitando-se da proximidade polÃtica criada com o prefeito, e da simplicidade e reciprocidade, de forma que 99 Palmas foi literalmente governada pelo executivo estadual, à s orientações do governador, de acordo com a 3ª entrevista analisada, Fenelon Barbosa era Simplesmente uma pessoa mandada pelo Siqueira, mas, se conduziu certo ou não, não sei; foi o primeiro prefeito, cumpriu seu mandado de dois anos. Não temos como analisar um prefeito que inicia uma gestão sem dinheiro em caixa, sem nada, uma prefeitura de quatro paredes, com poucos esclarecimentos (3ª entrevista analisada). Com a desterritorialização do poder, Taquaruçu voltou à condição de distrito e o primeiro prefeito eleito, Fenelon Barbosa, passou a ser o primeiro prefeito de Palmas. O mesmo ocorreu com a Câmera de vereadores. Para o governo, esse arranjo afastou as possÃveis dificuldades que poderiam vir com um prefeito com posições mais independentes polÃtica e administrativamente. Por outro lado, Siqueira Campos abriu as portas para o Deputado Federal Eduardo Siqueira Campos se candidatar à prefeitura nas próximas eleições, pois, até então, a região era liderada por partidos de oposição. Entretanto, a maioria dos prefeitos eleitos em 1989, referentes à s cidades que haviam sido emancipadas, inclusive Fenelon Barbosa, no municÃpio de Taquaruçu, tinha sido eleita pelos partidos da base polÃtica do governador Siqueira Campos, fortalecido pelas repercussões da criação do Estado: A luta pela emancipação de Taquaruçu, na época distrito de Porto Nacional, foi iniciada ainda na década de 1970, quando a população começa a cogitar a autonomia polÃtica. [...] Na década seguinte, com disposição polÃtica do governador Henrique Santillo em reordenar o norte goiano, criou 19 novos municÃpios. Entre eles estava Taquaruçu, proposto pelo então deputado estadual Totó Cavalcante, e criado através da lei estadual de Goiás nº 10.419, do dia 1º de janeiro de 1988. Isso possibilitou que, em junho daquele mesmo ano, fosse realizado um plebiscito. Posteriormente, no dia 16 de abril de 1989, ocorreu a primeira eleição. Nessa eleição apenas dois candidatos disputaram o cargo de prefeito: Batista Rêgo (PMDB); e Fenelon Barbosa (PDC). No final Fenelon saiu vencedor. Dos 1389 votos, ele obteve 527 votos, contra 450 do seu opositor. (NASCIMENTO, 2009, p. 22). Assim, a transferência foi caracterizada pela situação atÃpica da criação de Palmas e do calendário das eleições municipais. Para o governador, o mais importante era manter o comando sobre a gestão da cidade, diante das intervenções programadas para o 100 desenvolvimento das obras, dos financiamentos, do parcelamento das áreas e da venda dos lotes. Diante disso, para manter o controle do território, as terras desapropriadas permaneciam sob a responsabilidade do governo estadual. Na Figura 12, aparece o governador Siqueira Campos mostrando aos vereadores como seria a cidade depois de construÃda, tomando como referência a primeira maquete da Praça dos Girassóis, exposta numa das salas do Palacinho, sede provisória do governo durante a construção da cidade. A Maquete atual da Praça dos Girassóis (Figura 11), retirada em 2011, demonstra as alterações no acesso e mobilidade na praça, em relação à maquete que o governador mostrou aos vereadores em 1990 (Figura 12). Com as mudanças a circulação de veÃculos entre o Palácio Araguaia e os prédios das secretarias foi deslocado para o entorno das quadras limÃtrofes e a Praça. FIGURA 12 – Primeiro encontro entre o governador Siqueira Campos (segundo da esquerda para à direita) e os vereadores de Taquaruçu, em 1990, ao serem informados que a partir deste encontro passariam a ser vereadores de Palmas. FONTE: Márcio de Pietro – cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. 101 Com a transferência dos poderes para a prefeitura, caberia ao Estado apenas a gestão dos espaços parcelados e vendidos por ele. Assim, com Fenelon Barbosa na prefeitura, o governo estadual se livrava dos possÃveis confrontos de uma gestão contrária aos interesses do governo e dos investidores do solo urbano. Com essas intervenções, segundo os relatos de entrevistados, a concentração do poder sobre a cidade pelo governo do Estado dificultou a democratização sobre a ocupação da cidade. Com as terras urbanas tuteladas pelo Estado, o municÃpio ficava como gestor dos problemas causados ao ordenamento territorial. Conforme conteúdo das entrevistas realizadas, um dos episódios mais comentados foi uma lei estadual que o Siqueira Campos criou quando o prefeito de Taquaruçu foi transferido para Palmas. Essa lei determinava que, dos 100% do Fundo de Participação dos MunicÃpios (FPM) que caberia ao municÃpio, 75% ficaria com o Estado, a prefeitura com os 25% restantes, ou seja, o montante estimado para o pagamento de pessoal e para coletar os resÃduos sólidos em algumas áreas da cidade. Todas as intervenções foram facilitadas pela ausência de poder do prefeito e dos vereadores que foram eleitos por uma realidade urbana; de imediato, foram ascendidos como legisladores de uma cidade que não conheciam e não tinham poder e nem condições polÃticas para alterar a realidade instituÃda. Isso demonstra que o governo queria um prefeito figurativo, diante das ações desenvolvidas sobre os espaços e sobre a arrecadação do municÃpio. Com a transferência dos poderes de Taquaruçu, sucumbiu a semântica da criação de Palmas, passando, por conseguinte, a existir de fato a transferência da sede e a mudança de nome do municÃpio. Em termos geográficos, Palmas substitui Taquaruçu. Essa condição foi corroborada pelo legislativo e pelo executivo de Taquaruçu, que aceitaram passivamente as condições postas pelo governador. Contudo, conforme o ditado popular, “o feitiço virou contra o feiticeiroâ€. Durante o mandato do governador Moisés Avelino, de oposição ao grupo de Siqueira, Eduardo Siqueira Campos se elegeu prefeito de Palmas. A partir daÃ, tentaram reverter a lei, mas não tiveram sucesso. Com isso, o pai e o filho tiveram que conviver com uma situação que eles mesmos tinham criado para impedir que o prefeito tivesse autonomia sobre a cidade, aproveitando da simplicidade e humildade de Fenelon Barbosa e dos vereadores: Pegando um prefeito submisso, de cara o governador pegou 75% do FPM, depois foi um tiro no pé, porque o seu filho foi eleito prefeito quando o governador era de oposição, não conseguiu reverter a lei sobre esse 102 percentual. Por isso, continuou a mesma lei. Então brigaram por causa da lei, mas a lei quem fez foi o pai que atirou no próprio pé, e todo mundo sabe dessa história. Às vezes pensando nesse FPM e como ele virou isso, daÃ, o Fenelon uma pessoa muito simples, sem nenhuma experiência de polÃtica, do outro lado, estava o Siqueira Campos com experiência de sobra (2ª entrevista analisada). Conforme Lira (2011), quando a capital estava em Miracema, o governador tentou, junto ao prefeito, a concessão de parte do FPM da capital provisória para ser aplicada na construção de Palmas. Como havia interesses do prefeito em consolidar Miracema como capital definitiva, não houve acordo sobre essa proposta. Diante da negativa do prefeito, o governador apressou a mudança para Palmas, antes da conclusão das obras iniciais. O “FPM (Fundo de Participação do MunicÃpio) da capital, que se igualava em valores, ao FPM de cidades como Anápolis, Goiânia, São José do Rio Preto etc.†(LIRA, 2011, p. 178). A mudança abrupta deixou Miracema numa situação muito difÃcil. Sem o fluxo de pessoas proporcionado pelos órgãos públicos, a cidade ficou deserta após a transferência dos poderes para Palmas. Resultado: a economia da cidade foi à falência, pelo fato do comércio, serviços, pequenos e médios investidores terem apostado na permanência da cidade como capital por tempo maior. Com a precipitação do governo, “essa febre de desenvolvimento de Miracema durou apenas um ano. Um “desentendimento†entre o prefeito municipal, Sebastião Borba (PMDB) e o governador eleito Siqueira Campos (PDC), teve como consequência a transferência precoce da capital†(LIRA, 2011, p. 177). Diante dessas decisões, a população das cidades do entorno temiam que o perfil utilizado pelo governador pudesse prejudicar a consolidação do Estado e a construção de Palmas. Assim, o maior temor era com o ordenamento territorial da cidade. Em termos, pode-se debitar parte dos problemas dos vazios de Palmas à polÃtica de ocupação e à venda dos imóveis iniciada no primeiro governo de Siqueira Campos e nos outros governos. Como o maior volume de venda dos imóveis era realizado fora do Estado, a maior parte dos compradores não se interessava em ocupar os lotes ou quadras, mas passaram a esperar a valorização; a resultante foi a produção de vazios nas áreas mais valorizadas da cidade. Assim, governo e investidores, indiretamente, foram os responsáveis pelos problemas do ordenamento territorial da cidade causados pelos vazios. Por outro lado, a inexistência de mecanismos para coibir a reserva de mercado garantiu, aos especuladores de imóveis, o açambarcamento de grandes áreas nos espaços 103 mais privilegiados do Plano Diretor. Essa situação poderia ser alterada depois da criação do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) progressivo, diante da defasagem entre os custos da progressividade do IPTU e a evolução dos valores dos imóveis. Por isso, em relação aos vazios, a medida ainda não surtiu efeito. Comparando o valor do IPTU de áreas privilegiadas com o custo do Imposto sobre a Propriedade de VeÃculos Automotores (IPVA) de um carro popular, este fica acima do valor do IPTU de Palmas. A defasagem permanece mesmo depois que esses valores foram revistos no final de 2011, com a aprovação do reajuste dos valores do IPTU a serem cobrados a partir desta lei: Projeto do Executivo que reajusta a Planta de Valores Genéricos e a Tabela de Preços de Construção de Palmas resultará em aumento automático do Imposto Territorial Urbano (IPTU) entre 20% e 30%, segundo estimativa da prefeitura (Jornal do Tocantins, de 20 de novembro de 2011, p. 1). Como não se sabe ao certo como será a aplicação dessa lei em todas as quadras do Plano Diretor, especula-se que a prefeitura estima um aumento de 30% na arrecadação do IPTU a partir de 2011. Nesse sentido, “o projeto aprovado têm Ãndices maiores de reajustes na Planta de Valores, em especial nos imóveis residenciais†(Jornal do Tocantins, de 20 de novembro de 2011, p. 3). Assim, a população e os empresários do ramo imobiliário aguardam a operacionalização que a prefeitura fará para atribuir os percentuais da planta de valores dos imóveis ocupados e dos desocupados, caso os imóveis vagos permaneçam com valores baixos; o projeto indiretamente beneficiará os especuladores do solo urbano. Conforme Filho (2009), as especificações do IPTU progressivo no tempo estão no Art. 182, § 4º, inc. II da Carta Vigente: “Trata-se de instrumento de polÃtica urbana através do qual o Poder Público municipal emprega seu poder de coerção a fim de obrigar o proprietário a adequar seu imóvel ao plano diretor da cidade†(FILHO, 2009, p. 87). Em relação aos vazios, “fica claro que seu proprietário apenas está esperando que seu preço aumente, para vendê-lo com um lucro maior. A isso chamamos de especulação imobiliária†(SPÓSITO, 2010, p. 25), não importa a configuração jurÃdica do praticante da retenção do imóvel, público ou privado. No caso de Palmas, o Estado foi direta e indiretamente o maior responsável pelos vazios urbanos. Por outro lado, a omissão ou a conivência do poder público municipal, em relação à s áreas reservadas para a construção de equipamentos de saúde, segurança, educação e lazer, rotineiramente são ocupadas por instituições confessionais ou organizações empresariais diante da falta de definição de uso 104 dos espaços. A ausência do poder público em determinadas situações, conforme expressa Marx, a intervenção ou a sua inexistência, é resultante de interesses patrimonialistas dentro “da competência do Estado [...] é a expressão das classes dominantes, daà a impossibilidade do planejamento democrático e igualitário†(MARICATO, 2008, p. 48). Esse perfil de ação dificultou a manutenção do ordenamento territorial previsto. Conforme Teixeira (2009, p. 98), um dos planejadores da cidade, ao se referir sobre “a estratégia de implantação por etapas do plano básico, a partir do núcleo central, foi logo rompida pelo governo estadualâ€. Com as sucessivas alterações no planejamento da cidade, a improvisação substituiu o planejamento; enquanto as áreas centrais foram reservadas para a especulação, contingentes de trabalhadores eram acomodados em bairros criados a mais de 20 quilômetros do centro, sem nenhuma infraestrutura: “a cidade, para crescer territorialmente, vai ocupando áreas que, anteriormente, eram utilizadas para a agricultura, pecuária, extrativismo. Essas áreas são divididas em lotes, que variam de tamanho†(SPÓSITO, 2010, p. 24), de acordo com os interesses polÃticos e econômicos. No Plano Diretor, há lotes e áreas de tamanhos variados; conforme Sposito (2010), o tamanho é definido pelo grau de interesse em questão. Se o governo, conforme foi planejado, tivesse ocupado os espaços destinados, não necessitaria da expansão precoce e excludente efetivada nos primeiros anos de criação de Palmas. Por outro lado, a população não herdaria os problemas provocados pelos vazios. A produção de áreas vazias no centro da cidade, de certa forma, foi uma estratégia que, de acordo com os interesses vigentes, o governo vendia ou trocava essas áreas: “Com o avanço da urbanização, o Estado desapropriava terra rural e vendia terra urbana já valorizada pela ação governamental, estratégia que permitiu a formação de algum capital para investimento†(TEIXEIRA, 2009, p. 98). Outro fator emblemático para o ordenamento territorial foi a distribuição massiva de áreas pelas diferentes instituições, incluindo as denominações religiosas, além das possÃveis de serem suportadas pelo ordenamento territorial, principalmente em relação à acessibilidade e mobilidade. Como exemplo, cito a entrevista realizada com um representante do CRECI-TO: Em 2007, no apagar das luzes do governo Nilmar Ruiz, essas áreas foram dadas pra dezenas de igrejas evangélicas. Não estou dizendo aqui que eu sou contra essa doação pra igreja ou coisa parecida, mas falo assim, porque são os pontos estratégicos da cidade, essas igrejas ocuparam esses espaços, lembro-me da Arse 13, ali perto do antigo cartório de imóveis. Foram centenas delas aà que eu não tenho agora de cabeça os endereços. 105 Eu vejo um erro grande nisso, mudam-se os governos e a politica ao invés de fazer um planejamento pra seguir a risca o que foi projetado, todos os governos sucessores quebram essa cadeia de sucessão do planejamento. Nesse aspecto, houve um grande erro ao doarem essas áreas, primeiro, essas áreas aqui de área industrial, a maioria dessas áreas industriais também foi feitos uns acordo com apaniguados, por isso, na área industrial só privilegiou quem não era do ramo ao qual a área fora destinada, por interesse particular. Na verdade sem nenhum critério técnico (11ª entrevista analisada). Se não bastasse o excesso de doações, algumas denominações religiosas buscaram em tribunais o direito de isonomia na distribuição de terras pelo governo estadual, pelo fato da denominação religiosa mais tradicional ter sido beneficiada com espaços na Praça dos Girassóis. Essa doação coloca o ordenamento territorial de Palmas igual ao das cidades clássicas e medievais por meio da distinção entre auctoritas e potestas: “O vocabulário da polÃtica romana distinguia auctoritas e potestas: a primeira é o poder no sentido pleno, isto é, a autoridade para promulgar leis e fazer a justiça; a segunda é o poder de fato para administrar coisas e pessoas†(CHAUI, 1995, p. 391). O planejamento urbano de uma cidade com as caracterÃsticas de Palmas reproduziu fenômenos e contradições relacionadas ao processo de ocupação e distribuição dos espaços. Contudo, o governo, de acordo com os seus interesses de ocupação, promovia uma polÃtica de retenção, dificultando o atendimento das necessidades de moradias populares nos espaços com melhor estrutura urbana; com isso, a população mais carente era alojada em áreas distantes do centro. A Demanda por moradia, sobretudo para os bairros de Taquaral e Aureny´s, projetados pelo próprio governo e situados fora da área do plano básico. Ocuparam, portanto, o território destinado à expansão urbana norte, quando deveriam ser implantadas após a urbanização de 70% da área projetada pelo plano diretor. Esse processo deveu-se, em grande parte, a polÃticas de governo deliberadamente de segregação da população mais pobre, antecipando uma forma de organização do espaço urbano que o mercado imobiliário, por si só, talvez só pudesse construir ao longo de muitos anos. O resultado desse processo implicou uma baixa densidade na ocupação do solo, com impactos negativos nos custos de implantação da infraestrutura urbana. (TEIXEIRA, 2009, p. 98). A polÃtica de desapropriação, distribuição e venda de terras em Palmas reproduziu situações contrárias aos paradigmas de democratização em relação à s sociedades contemporâneas, tanto em relação à s desapropriações como em relação à ocupação dos 106 espaços urbanizados. Diante disso, para Habermas (1990, p. 72), “aquilo que se obtém visivelmente através de gratificação ou ameaça, sugestão ou engano, não pode valer intersubjetivamente como acordoâ€. Não obstante, a população demorou a entender as contradições da alteridade constituÃda nessa relação de troca. Todas essas intervenções trouxeram reflexos negativos para o ordenamento territorial da cidade. Diante disso, a consolidação da capital do Tocantins tornou-se instrumento material do governo para modificar a história e construir o futuro por meio de discursos e intervenções. Assim, a Capital do Estado trazia consigo um conteúdo simbólico que apontava para ideais de novos tempos de desenvolvimento e progresso. Pretendia-se que a cidade fosse o marco da passagem para uma nova etapa na história: isso significa que a sua construção era um ato de quebra de estigma, ou seja, de ressignificação. (MELLO, 2006, p. 31). Com Palmas, as expectativas, na visão do governo, tornaram-se reais, diante das opções disponÃveis em uma cidade nova, construÃda numa ótica de consolidação territorial e de desenvolvimento regional, por meio de um modelo pragmático de urbanização. Assim, a Urbanização da sociedade brasileira tem constituÃdo, sem dúvida, um caminho para a modernização, mas, ao mesmo tempo, tem contrariado aqueles que esperavam ver, nesse processo, a superação do Brasil arcaico, que, muitos supunham, estava vinculado à hegemonia da economia agroexportadora. O processo de urbanização recria o atraso através de novas formas, como contraponto à dinâmica de modernização. (MARICATO, 2008, p. 15). Nessa direção, mesmo sendo uma cidade construÃda no momento em que a modernidade polÃtico-urbanÃstica passava a ser definida como pós-moderna, Palmas não contemplou os requisitos necessários para essa transposição em relação à infraestrutura, ao ordenamento territorial e à capacidade de superação do atraso econômico pregado desde o Império. Diante disso, a capacidade de geração de empregos na iniciativa privada não avançou, em razão da forte dependência estabelecida entre esfera privada e a pública. 107 2.2 A consolidação dos espaços de Palmas A construção de cidades é uma modalidade de intervenção muito utilizada para a consolidação de um território em poder polÃtico e desenvolvimento econômico. No Brasil, essas intervenções têm sido realizadas pelos estados e pelo governo federal. Assim, para que uma cidade seja construÃda, primeiro o governo precisa transformar espaços privados em espaços públicos, seja por meio de permuta, doação, negociação ou desapropriação. No segundo momento, essa prática se inverte: para consolidar uma cidade, o poder público transforma espaços públicos em espaços privados. No Tocantins, esta foi a prática desenvolvida para a construção e a ocupação de Palmas. Nessa direção, a primeira intervenção foi a desapropriação das terras onde seria construÃda a capital; a segunda foi urbanizar de forma parcial as áreas desapropriadas das fazendas e sÃtios; a terceira, foi vender ou permutar os terrenos urbanos: Logo após os decretos de desapropriação, mas o domÃnio junto ao cartório para reconhecer o parcelamento e assim o Estado poder dispor dos lotes e dos lugares para lançar infraestrutura. Então, como eu disse e repito ao invés de implantar o projeto na totalidade como ele foi concebido ou com uma noção de expansão de uma parte e depois da outra, nós tivemos que acomodar a implantação das partes desenhadas no projeto a desapropriação das terras. Por isso o governo preocupou-se em desapropriar e resolver logo os problemas dessa área central que era da fazenda Suçuapara e envolta das áreas ao sul da fazenda, criando com isso, a condição para que pudéssemos detalhar o projeto de implantação da parte da malha urbana (1ª entrevista analisada). Contudo, com a predominância de interesses privados sobre o público, proporcionaram distorções nos procedimentos de desapropriação das terras diante da pressa empreendida pelo governo, não houve prazo para a contestação; por isso, as ações praticadas pelo Estado, posteriormente foram questionadas. Nessa perspectiva, as partes (estado e proprietários) não devem estabelecer uma relação danosa, pois, nesse caso, o prejuÃzo é debitado para a sociedade; portanto, para todos. Em relação ao processo de desapropriação das áreas onde a capital foi erguida, parte dos proprietários desapropriados acusou o governo estadual da época de realizar uma desapropriação vantajosa para o Estado e especuladores. 108 Nessa direção, anteriores proprietários de terras alegavam em tribunais superiores que os valores recebidos não estavam de acordo com a valorização das terras desapropriadas e vendidas após serem beneficiadas com verbas públicas. Nesse contexto, há decisões prolatadas e acórdão proferido por tribunais superiores atingindo quadras, residências, espaços ocupados por órgãos privados e públicos, determinando a devolução das áreas urbanizadas aos antigos donos: A posse da terra se deu por meio de Desapropriação, que é o instituto pelo qual o Poder Público, sob fundamento de necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, força o titular da propriedade imóvel a transferir-lhe em caráter definitivo, mediante prévia e justa indenização. Então, previamente, é preciso situar historicamente o instituto da propriedade no Brasil, para compreender o objeto da desapropriação. Quanto ao direito à propriedade, a própria caracterÃstica legislativa brasileira, será ligada a uma tradição de regulamentação fundiária, no momento em que esta adquire caracterÃsticas mercadológicas na metade do século XIX, pela adoção de uma Lei de Terras. (D’ELIA JÚNIOR, 2005, p. 126). As alegações de utilidade pública e interesse social foram insuficientes, segundo a interposição dos antigos proprietários, diante da especulação promovida pelo governo do Estado. As motivações para o governo construir uma cidade para ser a capital do Estado giravam em torno do desenvolvimento econômico e polÃtico da região; por isso, o pagamento das desapropriações deveria seguir os mandamentos da lei que determina a prévia e justa indenização. Em relação a isso, o desenvolvimento não é uma resultante só da alçada do governo, mas da participação de todos: governo, proprietários de terras rurais, moradores e investidores. Sobre essa questão, o governo argumentava que o interesse público se dava pelo desenvolvimento da margem direita do rio Tocantins, determinada pela centralidade das terras, em relação ao território do Estado. Assim, as desapropriações, na visão do governo, eram imprescindÃveis para a construção das estruturas de desenvolvimento social e econômico do Estado, por meio de Palmas 22 . 22 Marco do Centro Geodésico do Brasil, está situado na ala norte do Palácio Araguaia, simbolizado no centro da rosa dos ventos. O sÃmbolo foi acrescido de referências das etnias indÃgenas do Tocantins que enriqueceu sua beleza e simetria, além de colocá-la em um contexto histórico e cultural. A rosa dos ventos da Praça dos Girassóis possui em sua estrutura de formação toda a riqueza de detalhes artÃsticos da cultura tocantinense. (DisponÃvel em: http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20071121220422AAH0bFS. Acesso em:16 dez. 2009). 109 Todas as intervenções faziam referência à imagem de Siqueira Campos como um governante moderno empreendedor. A criação do Tocantins e a construção de Palmas eram associadas à pessoa do primeiro governador como o realizador dos desejos históricos da população do então norte de Goiás. Contudo, o desenvolvimento custou a perda dos espaços historicamente conquistados, no momento em que o governo prefere construir uma cidade ao invés de reformar uma das cidades existentes. Assim, a “reforma não definida pelos contextos e possibilidades da sociedade atual, não sujeita a um ‘realismo’, ainda que levado no estudo das realidades (por outras palavras: a reforma assim concebida não se limita ao reformismo)†(LEFEBVRE, 1991, p. 112). Se a capital tivesse sido colocada em uma das cidades, não bastaria uma adaptação, mas uma severa reforma em todas as estruturas; pensando assim, o prejuÃzo histórico e social seriam maiores, caso fossem executadas as mesmas polÃticas de confisco do solo urbano efetivadas na margem direita do rio Tocantins.Como exemplo o que ocorreu com as cidades do Rio de janeiro e Paris, considerando-se a reforma Passo:“Para Pereira Passos e sua equipe de ilustrados, estava claro que a estrutura urbana, ainda tipicamente colonial, não se adaptava ao movimento de expansão mercantil†(RODRIGUES, 2009, p.112).A destruição da Paris antiga era uma demonstração da chegada da modernidade no âmbito urbano da cidade: O retalhamento da cidade de Paris foi iniciado pelo seu núcleo medieval, que foi cortado em todos os sentidos, destruÃdos antigos bairros e inibindo focos de antigas revoltas. A prática foi baseada na abertura de ruas largas e retilÃneas que tornava a cidade mais fluÃda entre suas diferentes partes. (REIS, 2011, p. 36). Contudo, como expressa Reis (2011), Haussmann procurou evitar a destruição dos principais monumentos, valorizando-os como centro das novas perspectivas viárias, seguindo-se, para tanto, a lógica do processo dereforma e modernização das cidades de Paris e do Rio de Janeiro, quanto à polÃtica de escolha do território da capital do Estado do Tocantins, tendo em vista os objetivos e o tempo que o primeiro governador do Tocantins elegeu para a criação e consolidação da capital. Nessa perspectiva, caso a escolha recaÃsse sobre uma, entre as cidades que pleiteavam a capital, a destruição das estruturas existentes seria inevitável. Nessa direção, a cidade que mais perderia seria Porto Nacional, diante do seu patrimônio histórico. De certa forma, Siqueira Campos tinha a convicção dos enfrentamentos polÃticos que viriam com o fim do seu mandato; por isso, parte significativa 110 das obras de estruturação da cidade foi concluÃda, outras iniciadas. Conclusão: Siqueira Campos não conseguiu eleger o seu sucessor 23 . Assim, Moisés Avelino foi empossado em 15 de março de 1991, anunciando uma polÃtica de distensão em relação aos projetos que vinham sendo desenvolvidos pelo primeiro governador; entre estes, estava o projeto de continuidade das obras de Palmas: O Moisés Avelino toda vida foi contra Palmas aqui. Quando ele foi governador, qualquer pessoa que você conversava no estado dizia que ele não fez nada aqui, ele falava pra mim que não pregava um prego ‘no canela de siqueira’, então ele nunca olhou Palmas com bons olhos. Quando foi criada aqui a capital os agrimensores se hospedaram na minha casa no Cesamar onde fincaram as primeiras estacas. Realmente acompanhei o Moisés Avelino, bom companheiro, independente das desavenças polÃticas, isso é problema dele pra lá, mas ele nunca foi um gestor bom para Palmas. Para o Estado, sim (3ª entrevista analisada). Sem mandato, Siqueira Campos liderou uma campanha contra o ritmo das ações do novo governo em relação à s obras de Palmas e no Estado; entre as iniciadas no seu governo, muitas foram paralisadas por questões técnicas, financiamento ou por convicção. Em entrevistas, o segundo governador reiterava que o projeto de construção de Palmas 24 precisava ser avaliado pelo governo e por especialistas em relação aos custos, à s necessidades de infraestrutura em outras regiões do estado, e à dificuldade para fazer o governo funcionar em um espaço sem nenhuma infraestrutura. Com a diminuição do ritmo das construções, caiu o volume de empregos, mas a migração permanecia em ritmo acelerado, com pessoas de todas as regiões, sendo o maior número dos estados das regiões Norte e Nordeste. Parte dos migrantes que chegaram no inÃcio de 1992 seguia direto para a região norte, onde iniciou a maior ocupação urbana de Palmas: 23 O empresário e Senador da República eleito pelo Tocantins, Moisés Abrão perde a eleição para o então opositor de Siqueira Campos para o médico e deputado Federal Moisés Avelino na disputa pelo segundo mandato de governador de estado. 24 O governo de Moisés Avelino não seguiu as mesmas diretrizes de Siqueira Campos em relação ao conjunto de obras inacabadas pelo governo anterior. Nesse contexto, a parte mais atingida foi o ordenamento territorial de Palmas. Assim, Moisés Avelino permitiu diversas ocupações. A diferença entre os dois primeiros governos é que Siqueira Campos expandiu a cidade para a região Sul de forma planejada. No governo Moisés Avelino ocorreu a ocupação do Plano Diretor de forma desordenada, quando não interveio no movimento de ocupação da região norte, denominado pelos siqueiristas de invasão oficial. 111 Chegavam aqui naquela primeira rodoviária, compravam rapidamente uma lona para montar uma barraca e se dirigiam para a região norte porque sabiam que lá estava iniciando um processo de invasão, foram para lá e se apropriaram desse espaço. Então eu não estou dizendo que o governador foi “bonzinho†e nem estou dizendo que o prefeito naquela época estava dando uma de bom gestor. Quando o prefeito era Eduardo Siqueira Campos, o planejamento era cumprido porque havia interesses em preservar determinados espaços para serem ocupados por determinadas classes sociais (10ª entrevista analisada). Assim, do lado do governo Moisés Avelino, prevaleceram os interesses polÃticos clientelistas para minimizar a rejeição da população à sua pessoa diante das suas posições em relação a Palmas. Diante disso, o segundo governo não interveio e nem direcionou a ocupação dos espaços das famÃlias dos desempregados da construção civil. Para os opositores do governo, a omissão do poder público estimulou a população de baixa renda sem lugar para morar a ocupar as áreas reservadas pelo governo anterior para a expansão Norte da cidade. Esses lotes, diante das proximidades da Praça dos Girassóis e dos investimentos programados para a área, deveriam ser ocupados por pessoas que pudessem comprar os imóveis. Na avaliação de técnicos e do ex-governador Siqueira Campos, a omissão do governo trouxe prejuÃzos financeiros e dificuldades para o ordenamento territorial da cidade diante da favelização de áreas nobres do Plano Diretor. Dessa ocupação, nasce a Vila União, depois de incorporada ao plano diretor passou a ser denominada de ARNO (Ãrea Residencial Norte). Nesse contexto, o primeiro governador utilizou-se da estrutura de poder montada nos aparelhos de coerção e na mÃdia para pressionar e desgastar politicamente o segundo governador. Sobre o assunto, Siqueira Campos argumentava que “Palmas não nasceu para ser favela, mas para ser o perfil, o rosto bonito que dá identidade ao Estado dos nossos ideais e dos nossos sonhos†(CAMPOS, 1991, p. 49 – Caderno Os Rumos da Prosperidade). Nesse sentido, o governo anterior dava uma feição feia ao processo de ocupação feito à revelia do planejamento da cidade pelos migrantes mais pobres. Diante da questão, durante o governo de Siqueira Campos, a ocupação urbana era tratada como caso de polÃcia. Com a “flexibilização†encontrada no segundo governo, foi uma das estratégias do segundo governo para conquistar espaços polÃticos no municÃpio de Palmas, por isso, a população se sentiu mais a vontade para reivindicar e ocupar espaços na cidade. Essa condição ficou mais evidente com a massiva ocupação da região norte de Palmas. 112 Esses enfrentamentos foram efetivados em todo o decurso do mandato do segundo governo, ou seja, de 1991 a 1994. Em parte, as crÃticas foram arrefecidas quando o então deputado federal Eduardo Siqueira Campos, herdeiro polÃtico do pai, venceu a primeira eleição direta para prefeito de Palmas, para governar de 1993 a 1996. Com a eleição do filho, Siqueira Campos reafirmava o “sistema de dependência patriarcal, em que o filho, dotado de direitos explÃcitos e juridicamente sancionados sobre os bens e os privilégios do pai†(BOURDIEU; PASSERON, 1975, p. 21), reproduzindo as práticas do sistema polÃtico coronelista da Velha República. Durante o mandato do segundo governador, com a queda no ritmo das obras, a população de Palmas e do Estado passou por uma forte crise financeira, considerando-se que nos dois primeiros anos de mandato de Moisés Avelino, a preocupação principal era questionar as privatizações e as intervenções urbanas realizadas pelo governo anterior. Esse perfil de gestão fortaleceu politicamente Siqueira Campos que, nas eleições seguintes, elegeu-se para exercer o segundo mandato de governador; consecutivamente, para o terceiro governo do estado, prometeu consolidar economicamente o Tocantins a partir de Palmas. 2.3 A evolução da produção de vazios e da especulação imobiliária Palmas, desde a sua criação, é uma cidade marcada por deformações em seu ordenamento territorial. De acordo com a primeira fase do Plano Diretor, segundo Fernando Cruvinel Teixeira – um dos co-autores do projeto, inicialmente a cidade ocuparia uma área plana entre os ribeirões Ãgua Fria, ao Norte, e Taquaruçu, ao Sul; neste espaço, foi desenhada a área urbana com 11.085 hectares com a capacidade para abrigar cerca de 1,2 milhão de habitantes. Não obstante, em 1990, quando a população atingiu menos de dois por cento da capacidade de ocupação, ou seja, 24.334 habitantes, o governo estadual promoveu a primeira expansão para a região sul. Em 1991, a cidade contando com menos de quatro por cento dos espaços planejados ocupados, incluindo a expansão sul, surgiu a segunda expansão, desta vez para a região norte. Além das expansões processadas pelo governo estadual, a população convivia com a criação de inúmeros loteamentos clandestinos patrocinados por especuladores e pelos sem teto: 113 Com efeito, a obra é valor de uso e o produto é valor de troca. O uso principal da cidade, isto é, das ruas e das praças, dos edifÃcios e dos monumentos, é a Festa (que consome improdutivamente, sem nenhuma outra vantagem além do prazer e do prestÃgio, enormes riquezas em objetos e em dinheiro). (LEFEBVRE, 1991, p. 04). A expansão para fora do Plano Diretor possibilitou ao governo a retenção das quadras urbanizadas e valorizadas para venda, troca ou pagamento de dÃvidas relacionadas à construção de Palmas. Assim, ocorria intencionalmente a ocupação do Plano Diretor e a produção dos vazios, enquanto o governo promovia uma expansão diferenciada para abrigar as frações dos migrantes que não poderiam pagar os altos preços dos imóveis do Plano Diretor ou não estavam dentro dos interesses polÃticos do governo para receber o imóvel a tÃtulo de doação ou comodato. No mapa 02 da evolução urbana de Palmas, a expansão e a ocupação estão destacadas nas partes azuis da figura. As iniciativas para ampliar o valor de troca dos terrenos urbanos estavam associadas a uma campanha para atrair investidores, as expectativas do governo, em relação à ocupação, era criar meios atrativos para o desenvolvimento econômico de Palmas. Contudo, essa polÃtica gerou diversas crises com a massiva venda de lotes sem a devida urbanização dos espaços. Essas medidas além de não alterar o rumo da crise, trouxeram problemas para o ordenamento territorial da cidade, com o aumento dos vazios. Mesmo com esse descompasso o governo permaneceu realizando leilões de imóveis. Esse processo iniciou logo após as desapropriações dos espaços existentes na jurisdição do municÃpio de Palmas. A comercialização sem critérios frustrou a expectativa de especialistas e dos moradores com o desenvolvimento da cidade, diante da especulação praticada com o solo urbano e dos custos urbanos gerados pelos vazios. Antes, os vazios se concentravam entre a área central e a região Sul, depois entre o centro e a região Norte: Raramente se enfoca o Custo de Urbanização e de Urbanismo na discussão sobre os vazios urbanos. Porém este estudo mostra na análise aos dados coletados das capitais brasileiras esta relação, Custo de Urbanismo e densidade, ficando claro que as cidades onde a densidade é baixa apresenta um maior custo, condição amplamente discutida anteriormente neste estudo. (BAZOLLI, 2007, p.138). 114 MAPA 02 – da evolução urbana de Palmas. FONTE: DisponÃvel em: https://sites.google.com/site/engenhariaterritorial/?pli=1; Acesso em: 28 de ago. 2011. 115 Com a expansão urbana para as margens do Lago, os vazios foram expandidos para a região Oeste da cidade onde estão os terrenos mais valorizados. Assim, a população e a gestão do municÃpio passaram a conviver com um ordenamento territorial fragmentado em todas as direções. O que chama a atenção é que todas as fragmentações foram processadas pelo governo do Estado. A Figura 14 demonstra a evolução da ocupação. Porém, os vazios mais evidentes no Plano Diretor estão na parte sul, onde também concentra a metade da população da cidade. Inicialmente, os bairros foram criados para abrigar os operários das empreiteiras que atuavam na construção da cidade. Nas justificativas do governo, como no Plano Diretor era proibida a venda, o consumo de bebidas alcoólicas e a prostituição, por isso, todo o pessoal da construção civil morava em Taquaralto, conforme descreve um dos gestores da cidade sobre a polÃtica de ocupação nos dois primeiros anos: O que foi feito? Enquanto se construÃa o plano diretor, quadras, avenidas e tal. E como gerava um fluxo muito grande de trabalhadores e precisava desses trabalhadores, o que o governo pensou, vamos fazer lá que eles já ficam lá. Porque no plano diretor era proibido o consumo de bebida alcoólica, no plano diretor era proibida a presença de prostitutas, era decreto do governo (2ª entrevista analisada). Contudo, com a expressiva migração, Taquaralto em pouco tempo se transformou em uma subcentro independente, com um volume diversificado de comerciantes, prestadores de serviços e algumas indústrias. Em seguida, para atender o Ãndice de migração, o governo criou o bairro Aureny I, já pensando na necessidade de outros. No final do primeiro governo (março de 1991), a periferia de Palmas estava constituÃda do bairro Taquaralto e pelos Aurenys I, II, III e IV, todos ocupados por trabalhadores remanescentes da construção civil, servidores públicos de nÃveis fundamental e médio, trabalhadores do comércio, indústria e serviços. As iniciativas para ampliar o valor de troca dos terrenos urbanos estavam associadas a uma campanha para atrair turistas e investidores; a princÃpio, não surtiram os efeitos esperados; com isso, a economia da cidade passou por sucessivas crises proporcionadas pela dependência da cidade ao volume de salários gerados pelos setores públicos. Contudo, a massiva venda de lotes pelo governo sem a exigência da ocupação 116 trouxe mais problemas para o ordenamento territorial da cidade, diante do aumento dos custos urbanos. Em relação à ocupação dos espaços, “raramente se enfoca o Custo de Urbanização e de Urbanismo na discussão sobre os vazios urbanos†(BAZOLLI, 2007, p. 138). Essas polÃticas meramente mercadológicas Colocam em xeque o planejamento da cidade através do questionamento da orientação das polÃticas espaciais dirigidas pelo processo de valorização do capital em detrimento da realização da vida. Com isso, apontam aquilo que Lefebvre chamou de vitória do valor de troca sobre o valor de uso, como sentido e orientação do processo da produção do espaço no capitalismo. (CARLOS, 2004, p. 293). Assim, a pressa em desenvolver essas polÃticas teve inÃcio logo após as desapropriações dos espaços existentes na jurisdição do municÃpio de Palmas. A comercialização frustrou a expectativa de especialistas e dos moradores, diante da especulação praticada com o solo urbano e da produção de vazios em diferentes áreas da cidade. Assim, a população e a gestão do municÃpio passaram a conviver com um ordenamento territorial fragmentado em todas as direções, todas processadas pelo governo do Estado, sem a devida organização para a ocupação dos espaços: É realmente ela foi atropelada, ela não teve um controle e devido a esse problema hoje a cidade está tendo um crescimento desordenado nas mais antigas e em outras regiões, por quê? Porque nessas outras regiões não tem condições de fiscalizar a todo o momento, então se precisa fazer uma fiscalização mais efetiva. Essa fiscalização não é só da parte do CREA, ela tem que ser pela prefeitura e pelo Estado. Essas construções elas estão sendo feitas sem projetos, sem aprovação, sem respeitar o uso do solo, sem respeitar o plano diretor, com isso nós vamos sofrer as consequências não é agora, mas daqui dez ou vinte anos, porque agora ela está sendo sufocada, mas quando o plano diretor chegar a essa região aà é que nós vamos ter problemas (6ª entrevista analisada). Para o entrevistado a fiscalização dos organismos encarregados da manutenção da ocupação da cidade, está limitada ao plano diretor, “as outras regiõesâ€não são fiscalizadas pelo CREA, prefeitura e estado, cada um com a sua devida atribuição, seja em relação ao meio ambiente, projetos arquitetônicos, uso do solo, enfim, a normatização da ocupação dos espaços. No mapa 02 demonstra a evolução da ocupação da cidade. Porém, o que mais chama atenção são as dispersões e os vazios provocados pela evolução da ocupação de 1989 117 a 1991 em direção à região Sul, quando a ocupação da área central estava na fase inicial. Diante disso, a cidade que foi planejada numa perspectiva pós-moderna foi mutilada por ações de gestores que não seguiram as diretrizes do planejamento da cidade para atender aos interesses econômicos de grupos ou de particulares. Conforme manifestação do arquiteto e urbanista Cesar Augusto de Satis Amaral (2011), vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, no momento não há necessidade de se rever a área urbana de Palmas projetada para abrigar em torno de três a quatro milhões de habitantes; no momento, a cidade abriga menos de 230 mil habitantes. Assim, no sistema capitalista, o solo urbano é administrado por uma teia de investimentos prevendo retorno em curto prazo. Essa perspectiva de lucro imediato provocou o crescimento precoce, principalmente no formato horizontal da cidade: O governo cobra muito dos empresários, por outro lado, não resolve os problemas das pessoas pobres que necessitam de moradias, por isso surgem os movimentos populares dos sem-moradia, dos sem-teto. Diante dessa situação, esses movimentos condenam os empresários, por ganhar dinheiro encima da especulação. Sim, mas nós ganhamos por que investimos. Apostamos no desenvolvimento do municÃpio e do Estado. Então essa questão se resume na falta de planejamento ou da quebra das regras do planejamento, principalmente quando muda de governo (11ª entrevista analisada). Dessa forma, Lefebvre (1991, p. 03-04) afirma que “os problemas relativos ao crescimento e à planificação, as questões referentes à cidade e ao desenvolvimento da realidade urbana†estão relacionados a tudo que possui valor de uso e evolui para agregar valor de troca. Essa é a lógica que tem regulado o mercado de imóveis de Palmas. Essa situação não fez diminuir os Ãndices de migração e o interesse da população flutuante de baixa renda que continuaram apostatando nas potencialidades veiculadas no slogan “Tocantins: Estado da livre iniciativa e da justiça socialâ€. A propaganda feita para estimular as pessoas a se interessarem por algo que não conhecia produz uma inflação de interessados nem sempre eficaz para a realidade que está sendo construÃda. Por isso, muitos, ao se depararem com a existência real, recuam, abandonando os espaços comprados ou doados. Os que resistiram à s distorções conviveram com dificuldades advindas da falta de estrutura; por outro lado, a fragilidade da economia do Estado e da capital favorecia a ocupação desordenada dos espaços diante dos objetivos montados pelo governo em relação ao solo urbano. Porém, as polÃticas de ocupação, corroboradas pelas incertezas do circuito 118 econômico de um estado em estruturação e a capital em processo de construção e ocupação, associada à realidade pela qual o paÃs estava passando em termos sociais, econômicos e polÃticos. Todas essas situações reproduziam fragilidades e confrontos entre antigos moradores e migrantes: Bairros recentes e de semifavelas, povoadas com pessoas sem raÃzes e desorganizadas, lhe conferem um poder exorbitante. A gigantesca aglomeração quase informe permite aos detentores dos centros de decisão os piores empreendimentos polÃticos. Especulação com a terra, “criação†de capitais por este caminho, investimento desses capitais na construção e assim por diante. Circuito frágil que pode se romper a todo instante, que define um tipo de urbanização sem industrialização ou com uma fraca industrialização, mas com uma rápida extensão de aglomeração, especulação com os terrenos e imóveis, prosperidade ficticiamente mantida pelo circuito. (LEFEBVRE, 1991, p. 09-10). Em termos polÃticos e econômicos, essa era a realidade de Palmas. Contudo, permanecia a polÃtica de atração a migrantes direcionada para a consolidação da capital em termos demográficos e territoriais.Procurando encontrar uma solução para a crise financeira, o governo estimulou o turismo ecológico de Taquaruçu e Jalapão, interligando-os ao circuito de praias naturais e artificiais dos rios Araguaia e Tocantins. Essas estratégias para criar uma identidade turÃstica começaram antes do enchimento do lago de Lajeado. As praias eram estruturadas para receber turistas, comerciantes e ambulantes que faziam as temporadas de praias naturais da região. As Figuras 13 e 14 mostram como era a Praia da Graciosa antes do lago de Lajeado, à margem esquerda do rio Tocantins, próximo ao povoado Canela, um dos marcos para a definição dos espaços geográficos de Palmas. Com o enchimento do lago, no lugar do povoado foi construÃda uma ilha que foi o objeto de indenização ao proprietário das terras que foram inundadas nas imediações das praias. Depois enchimento do lago, o Estado e a prefeitura de Palmas iniciaram a construção de praias. A primeira foi denominada de Graciosa para resgatar a tradição da praia mais frequentada nas temporadas de meio do ano, antes do enchimento do lago da Usina de Lajeado. A Figura 15 mostra a praia da Graciosa na atualidade. O local possui estruturas para shows, competições aquáticas e de areia. O serviço está estruturado com bares, restaurantes e quiosques. Há previsão de investimentos no setor hoteleiro e na construção de prédios 119 residenciais de luxo. Emerge desses investimentos a preocupação com a verticalização da orla diante dos impactos que essas ocupações poderão trazer para as águas do lago. Percebe- se na Figura, ao fundo, a Serra do Carmo; no centro, exprimida entre o lago e a serra, a área central da cidade. FIGURA 13 – Temporada do verão de 1991, da Praia da Graciosa. FONTE: Thenes Pinto – cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Concomitante aos investimentos públicos e privados na orla, o governo incentivava a divulgação das culturas aborÃgines, a produção de derivados do extrativismo do coco babaçu, da juçara pertencente à famÃlia do açaÃ; a esse tempo, começa a despontar o artesanato do capim dourado e outros produtos da região, como a reprodução de flores silvestres. Para isso, são construÃdos espaços para as feiras desses produtores. Contudo, a agropecuária permaneceu como suporte privilegiado da economia do Estado, mesmo diante 120 da deficiência na infraestrutura por falta de um planejamento eficaz e contÃnuo. Entre os problemas, encontram-se “Funcionários, não tão públicos; ‘poder público’, privatizado: planos que são numerosos [...] dormem nas gavetas, ou seja, planos sem planejamento†(MARICATO, 2008, p. 56). O resultado dessa polÃtica reflete-se nos Ãndices de desenvolvimento das cidades. FIGURA 14 – Praia da Graciosa natural na Orla esquerda do rio Tocantins, 1993. FONTE: Thenes Pinto – cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Em relação ao solo urbano, Palmas é uma cidade construÃda para ser ocupada por camadas sociais com potenciais financeiros para comprar os imóveis ou recebê-los a tÃtulo de doação ou comodato de acordo com a polÃtica de ocupação instituÃda pelo governo Estadual. Exceto as quadras que foram construÃdas para abrigar parte dos servidores públicos, na fase inicial. Paralelo a essa polÃtica de ocupação, o governo instituiu “uma desnecessária instalação de partes urbanas nas chamadas vilas Aurenys. Desnecessária 121 porque havia área disponÃvel e desnecessária porque não se pode separar pelo seu grupo de renda a partir da batuta do governo. Não havia a menor necessidade†(1ª entrevista analisada). Diante disso, o governo procurava vender os imóveis nos grandes centros urbanos, por meio de uma forte estratégia de marketing. Nessa direção, muitas pessoas do ramo imobiliário, ao serem abordadas sobre o excesso de vazios no Plano Diretor, respondem que não há vazios, mas terrenos não ocupados pelos proprietários que compraram esses lotes através dos editais disponibilizados pelo governo; por isso, no entendimento de um representante dos corretores de imóvel e empresário do ramo, ao ser abordado sobre o comércio de terrenos, afirmou que Palmas não possui imóveis disponÃveis para venda, por isso, na sua análise não há espaço vazio. FIGURA 15 – Praia da Graciosa construÃda na Orla Direita do Lago de Lajeado. 2008. FONTE: Thenes Pinto – cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. 122 O pessoal fala em espaço vazio, mas eu como corretor de imóveis no momento eu pergunto, você vai naArse 12, você não tem lote pra vender, você vem as Arnes não tem, você vem as Arnos não tem, você vem ao centro comercial não tem lote pra vender. AÃ, falam, não tem porque é o centro, por isso que não tem, por ser o centro, os espaços estão cheios. Então vamos partir pra mais longe um pouquinho: na 51 você não acha lote pra vender, nem nas proximidades das Arses. Vamos buscar na quadra 61, você também não tem lote pra vender. Vamos buscar também na quadra 71 e sucessivamente, você vai até a quadra 142, ao lado das Arses, na antiga nomenclatura de Palmas, você não acha um lote pra vender. Agora vamos partir para o lado das Arsos, que é a antiga nomenclatura que são as impares, as quadras 605, 305, enfim, todas as cinco que tem pra baixo, as impares, você não acha lote pra vender. Não tem lote pra vender mais em Palmas. O que tem lote pra vender são lotes de terceiros, quando tem. Aà eu penso o seguinte nós vivemos num mundo capitalista, como é que a pessoa compra um lote e vai ser obrigada a construir ou vai ser obrigada a vender? Se o dinheiro é dela (11ª entrevista analisada). Diante disso, sobram espaços vazios, mas os preços dos imóveis (para venda e aluguel) não baixam diante do açambarcamento efetivado pela teia de especulação estimulada pelo governo do Estado. É comum ouvir nos bastidores nomes de grandes empresários, celebridades e pessoas representativas das sociedades dos grandes centros urbanos que são proprietários de terrenos no Plano Diretor, muitos nem sabem ao certo onde se localiza Palmas em termos geográficos. Por isso, desde o inÃcio, o governo criou bairros afastados do centro, por isso, pode-se afirmar que no inÃcio “houve uma segregação de certa forma forçada pela abertura desses novos espaços, onde foram instaladas naturalmente, as pessoas que não tinham condições de adquirir os lotes. Olha, o Estado poderia ter tomado muitas outras posições†(1ª entrevista analisada). Diante disso, para o governo e para os empresários, em Palmas não se pode dizer que houve segregação, o que de fato ocorreu foi uma clara opção pelos que poderiam comprar ou ocupar imediatamente de acordo com a polÃtica de ocupação do solo instituÃda. Contudo, em relação aos migrantes que foram denominados de pioneiros, ou seja, os que chegaram de primeiro de janeiro de 1989 a 15 de março de 1991, tiveram tratamento diferenciado; os outros se organizaram de forma individual, particular ou coletiva como ocorreu na ocupação da região norte de Palmas. Diante da ausência de polÃticas de habitação e diante da ausência de imóveis para venda e aluguel compatÃvel, as famÃlias de baixa renda eram expulsas para loteamentos clandestinos 123 ou para áreas públicas; outros retornavam para as cidades de origem. Para Corrêa (1999, p. 14), A solução desses conflitos se faz através de pressões junto ao Estado para realizar desapropriações de terras, instalação de infraestrutura necessária à s suas atividades e para a criação de facilidades com a construção de casas baratas para a força de trabalho. Entretanto, em relação a Palmas, o problema não é a falta de espaços, mas o excesso de espaços vazios nos quatro cantos da cidade. A situação se agrava quando essas distorções são praticadas pelo poder público. Nos últimos anos, essas distorções começaram a preocupar a população e algumas autoridades e técnicos em relação à expansão: Palmas não é apenas uma cidade, está se implantando duas cidades, com altÃssimos custos de gestão dos serviços e construção das infraestruturas a 15 km uma da outra. Para tornar as coisas mais difÃceis as macroquadras estão sendo urbanizadas sem a menor lógica urbanÃstica, impossibilitando a formação das redes de infraestrutura tão necessárias ao habitat humano. (TEIXEIRA, 2011, p. 4 – Jornal do Tocantins). As disparidades sociais e estruturais sempre fizeram parte do ordenamento territorial da cidade; mesmo assim, o governo estadual procurava aumentar os estoques de imóveis urbanizados para serem transformados em “moedaâ€. Na medida em que a cidade foi se consolidando em termos de equipamentos urbanos, aumentava o valor de troca dos imóveis, provocando dispersão entre os espaços estruturados e a expansão da cidade: A legislação especifica que toda terra urbana precisa cumprir a sua função social. A aplicação da lei não tem sido cumprida em Palmas. Diante disso, o Estado diz que não possui área pública para a construção de casas populares para a população que não tem casa e nem condições financeiras para adquirir os imóveis vazios existentes, pelo fato de estes estarem à disposição da especulação com a conivência do poder público municipal e estadual. Nessa direção, o Estado segrega os mais pobres e privilegia os mais ricos (14ª entrevista analisada). A dispersão e a produção de vazios podem ser atribuÃdas a duas consequências: a) à polÃtica de expansão do governo estadual; b) à fragilidade da prefeitura em instituir mecanismos para fazer cumprir o que prevê o Inciso VIII da Lei Orgânica do MunicÃpio de 124 Palmas, que diz que o poder público deve “promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano†– como também determina a legislação e a polÃtica do Ministério das Cidades. Nem isso, e nem o planejamento da cidade foram suficientes para diminuir os fenômenos que descaracterizaram o projeto de Palmas. Conforme Fischer (2008, p. 107), O significado desses fenômenos é duplo: de um lado, os planejadores não têm o domÃnio do espaço sobre o qual eles intervém, o que é fonte das frustrações e de muitos dos desacordos com aqueles que decidem; por outro lado eles não têm o domÃnio nem mesmo dos objetivos assinalados para a sua missão, sendo esses últimos definidos pelos mesmos decididores polÃticos. Assim, o excesso de intervenções ou de omissão atingia duas categorias da população: a flutuante, com dificuldades de adaptação pela frágil estrutura cultural, financeira e profissional e a dos migrantes pioneiros que chegaram após 15 de março de 1991, com raÃzes na cidade, mas sem local definido para morar: “Seriam repetidos também, os processos de exclusão dos operários e da massa de migrantes que fora atraÃda ao Tocantins pela propaganda de progresso e oportunidades promovida pelo Governo†(D’ELIA JÚNIOR, 2005, p. 80). Nesse contexto, o interesse do governo do Estado era ampliar a polÃtica de capitalização do solo urbano. A transformação do solo em mercadoria fortalece A noção da cidade/universo autônomo, a qual necessita instrumentalizar-se para competir com as demandas nas disputas por investimentos, tornando- se “uma máquina urbana de produzir renda†[...]. A cidade como ator polÃtico deve agir corporativamente com esse fim (MARICATO, 2008, p. 59). Com a polÃtica do Neoliberalismo em curso, as cidades passaram a ser administradas como se fosse uma empresa; para isso, os gestores objetivavam como meta a conquista da hegemonia econômica da região, atraindo investidores e privatizando os espaços públicos: “Tenho certeza da minha experiência de ter fundado o CRECI, o Conselho Corretor de Imóveis, da Câmara de Valores Mobiliários, do SECOV, do Sindicato de Habitação e hoje como vice-presidente da Federação. Nós convivemos no dia a dia com o setor imobiliário do Brasil†(8ª entrevista analisada). 125 Em relação à Palmas, essa questão fica mais evidente pelo fato de ter sido construÃda com a finalidade de resgatar a história de atraso da região e consolidar o território do Tocantins. A partir do momento em que o governo transformou o solo urbano em receita, despertou interesses do ramo imobiliário de outros estados. Por isso, os problemas urbanÃsticos de Palmas são analisados “mensalmente através das reuniões que nós fazemos na condição de lÃder classista que sou hoje do sindicato da habitação a nÃvel local e a nÃvel nacional†(8ª entrevista analisada). Com esse tratamento dado à cidade, segundo as análises dos organismos ligados ao governo ou à s corporações classistas, o desenvolvimento territorial do Tocantins foi caracterizado por uma polÃtica bem sucedida de ocupação dos espaços situados à margem direita do rio Tocantins. A essas margens, foi construÃdo o Plano Diretor e respectivos bairros para as famÃlias que não podiam pagar aluguel e nem comprar imóveis nas áreas urbanizadas do centro, diante da forte especulação imobiliária estabelecida na cidade desde a sua fundação. Atualmente, essa opção migrou para os bairros que estão surgindo na orla esquerda do lago, no distrito de Luzimangues, pertencente ao municÃpio de Porto Nacional. 126 CAPÃTULO 03 AS INTERVENÇÕES E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE URBANA DE PALMAS 3.1 Os confrontos entre gestão e ordenamento territorial Ordenamento territorial genericamente pode ser entendido como uma direção dada para a organização espacial de coisas e intervenções relacionadas aos interesses humanos. Conforme Fscher; Firkowski; Sposito (2008, p. 79) o “ordenamento do território não se reduz a uma simples justaposição de técnicas, aquelas do engenheiro, do arquiteto, do administrador... até mesmo do geógrafo. O ordenamento supõe a existência de um ‘projeto social’â€, dentro de uma polÃtica de intervenções que possa contemplar interesses econômicos particulares, coletivos e institucionais. Assim, em termos capitalistas todas as ações para ordenar devem gerar duas espécies de resultado: social e econômico. Contudo, em se tratando da natureza das relações de produção nenhuma das opções de resultado se realiza sem conflito, considerando que o “homem não atua somente no espaço, ele atua igualmente no tempo. A dimensão temporal é uma dimensão fundamental de toda a polÃtica de ordenamento do território. Não se pode planejar se não se dispõe de tempo†(FISCHER; FIRKOWSKI; SPOSITO, 2008, p. 79). A partir do momento em que a expansão territorial passou a ter um significado forte no processo de realização econômica das cidades, os objetivos do ordenamento territorial ficaram subordinados à s crises provocadas pelas necessidades ininterruptas de expansão. A partir daÃ, a competição entre espaços e lugares impõe uma lógica determinada pelo mercado. Essas caracterÃsticas foram predominantes em todos os governos do Estado do Tocantins e de Palmas. Esse processo iniciou-se a partir das transformações realizadas em um espaço com pouca mobilidade social e econômica; subitamente, transformou-se em uma 127 cidade competitiva do ponto de vista capitalista. Diante da polÃtica de competição desenvolvida com o solo urbano, a gestão do ordenamento territorial da cidade passou a ter um significado secundário em relação à s necessidades e à s possibilidades do crescimento econômico proporcionado pela especulação do solo. Daà a importância de se saber como os espaços foram puxados para fora da cidade ou como a cidade foi expandida para fora dela. Outro fator importante foi verificar a posição de Palmas na rede urbana do Tocantins e na sua macrorregião, partindo da realidade intraurbana das cidades do interior e de Palmas perante os interesses públicos e privados, embora nem sempre as alterações demográficas para dentro ou para fora das cidades representem crescimento econômico. Por sua vez, o crescimento econômico depende dos avanços na produção e na comercialização dos produtos produzidos ou consumidos por uma região ou cidade. Para o coordenador do Orçamento Participativo da prefeitura de Palmas, a disponibilização de áreas para atender determinadas faixas do empresariado que pretendem ocupar os espaços do Tocantins, a partir de Palmas, o poder público municipal vem encontrando dificuldades para equacionar os interesses capitalistas com os da população mais carente da cidade. Exemplo disso foramas prioridades eleitas nas assembleias do orçamento participativo da cidade: Nós em Palmas temos dificuldade por áreas. Como elas dependem do estado nós não temos essas áreas. Já tivemos empresas de grande potencial econômico que viriam, mas nós não conseguimos arrumar pra elas o terreno disponÃvel pra eles poderem implantar por falta de espaços: dez mil metros quadrados, vinte mil, elas solicitavam oitenta, cem, cento e poucos mil metros quadrados pra poderem fazer as suas instalações. Então nós tivemos sempre essa dificuldade, mas eu acho que através do orçamento participativo e em plenárias não regionais, porque existem as plenárias temáticas no orçamento participativo, são aquelas que abrem os grandes temas e a discussão da cidade. E aà nós terÃamos que convidar e seria interessante que todos participassem todos os segmentos, e através do voto democrático dentro dessas plenárias nós poderÃamos decidir como fazer essas aberturas pra essas grandes empresas de uma forma transparente. Isso não existiu isso não foi aberto, fizemos umas quatro plenárias temáticas, a demanda mais solicitada não foi direcionada para o comércio, mas para o cemitério -, quatro vezes mais votada do que a segunda, que foi a ciclovia e nós executamos, o cemitério, executamos a ciclovia. Mas existiam outras muito mais importantes que poderiam beneficiar mais a cidade, por quê? Porque a participação, como eu disse, foi a maioria da comunidade mais carente, então elas tiveram o olhar voltado pro cemitério. Se tivéssemos tido a participação da região central, onde as pessoas tem um nÃvel de vida superior, as decisões poderiam ter sido direcionadas pra vinda dessas grandes empresas, como a China, que tem uma proposta pra montar aqui uma indústria, eles querem colocar 128 aqui uma indústria, mas ela está parada por causa dessas decisões (16ª entrevista analisada). Na argumentação do entrevistado, as decisões das assembleias do programa do orçamento participativo de Palmas ao privilegiar equipamentos urbanos como cemitério e ciclovias em detrimento a cessão de áreas privilegiadas para determinadas empresas. A opção da população foi para a solução de problemas sociais e da mobilidade urbana, considerando que até então Palmas não contava com cemitério público e nem com ciclovias ligando o centro aos bairros. Se a população optasse pela migração de capital comercial e industrial, neste caso, tanto a expansão de investimentos privados como a migração de pessoas pode representar desenvolvimento para a cidade. Porém, essa migração é analisada a partir da infraestrutura existente ou a ser construÃda, associada à estabilidade crescente da polÃtica e dos negócios públicos e privados. Mesmo diante das dificuldades, as possibilidades de desenvolvimento econômico da cidade, são vistas como real diante da sua posição geográfica, por isso, Palmas vai crescer porque é um pólo comercial importante de distribuição, de abastecimento para as regiões do Norte e Nordeste. Palmas vai substituir Goiânia nesse sentido, já esta substituindo, porque esses grandes atacados que vieram pra cá eles se propõem a fazer isso (16ª entrevista analisada). Porém, em termos da população, Palmas ainda não atende à s exigências para a migração de grandes investimentos privados. Essa possibilidade passou a ser mais real a partir do ano 2008, diante da situação econômica do paÃs e pela posição geográfica de Palmas do que pelo seu volume populacional. Assim, no Gráfico 01, percebe-se que, em 2005, o crescimento demográfico ultrapassa a casa dos duzentos mil habitantes; em 2006, a evolução demográfica ultrapassa 5%, com doze mil habitantes a mais, em relação a 2005. Contudo, em 2007 a população cai de 220.889 habitantes para 178.386, registrando uma perda de 42.503 habitantes. Em 2008, registrou-se um pequeno aumento quando a demografia atingiu 184.010 mil habitantes. Essas oscilações eram representativas do ponto de vista social e econômico de uma cidade nova diante das perspectivas econômicas debitadas no desenvolvimento de Palmas. Em 2009, o crescimento foi menor em relação ao ano anterior. Porém, em 2010, segundo o censo do IBGE, a cidade chegou à casa dos 228.297 mil habitantes, com a possibilidade de 129 crescimento ainda maior nos anos subsequentes. Com esses fatores, associados à posição do Brasil na economia mundial, Palmas começou a receber uma injeção das grandes redes nacionais de atacado e varejo, dando um significado ampliado à s opções de consumo da população. GRÃFICO 01 – Evolução da População de Palmas. FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica – IBGE Ano 2010. DisponÃvel em: https://sites.google.com/site/engenhariaterritorial/; Acesso em: 20 de agosto de 2011. Nesse sentido, a cidade começou a sofrer um processo de consolidação econômica com a evolução do comércio e da prestação de serviços públicos e privados. A partir de 2010, com o aumento dos investidores individuais e das redes, possibilitou-se a ampliação da massa de empregos diretos e indiretos. A alteração no volume de consumo e empregos permitiu a ampliação da arrecadação de impostos, interligando a expansão demográfica à dinâmica da indústria agropecuária, do comércio e da atuação do poder público: 130 A economia de Palmas já foi baseada principalmente no setor público, porém este cenário tem mudado nos últimos anos. O Produto Interno Bruto (PIB) da Capital teve um crescimento médio ao ano - comparando 2000 a 2011 - de 9,4%, com destaque para o setor de serviços e comércio. Enquanto que a média de crescimento do Brasil no mesmo perÃodo foi de 3,6%.
O Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica (IBGE) registrou, em preços correntes, que o PIB de Palmas em 1999 foi de R$ 429,5 milhões; em 2000, R$ 662,2 milhões. Em 2001, o PIB foi de R$ 899,1 milhões. No ano seguinte, 2002, alcançou R$ 1,2 bilhão. Em 2003, com um crescimento pequeno, o PIB foi de R$ 1,3 bilhão; 2004, R$ 1,5 bilhão; 2005, R$ 1,7 bilhão; 2006, R$ 1,9 bilhão; 2007, R$ 2,2 bilhões; 2008, R$ 2,6 bilhões; e em 2009, R$ 2,9 bilhões
(WALDECY, 2012, p. 12 – Jornal do Tocantins). As conjecturas para as próximas duas décadas são reais em termos da atração que Palmas exerce na população das cidades que compõem a sua macrorregião urbana; ao mesmo tempo em que se beneficia com essa relação, faz crescer a importância econômica e social das cidades do interior do Estado. Diante das especificidades teórico-metodológicas da pesquisa, após a anexação do municÃpio de Taquaruçu ao território da capital, a macrorregião urbana de Palmas ficou constituÃda por 30 municÃpios, o mais próximo a 41 quilômetros de distância e o mais distante a 256 quilômetros, todos com acesso facilitado por rodovias estaduais ou federais, de acordo com o Mapa 03. Conforme relata Fighera (2005), a área do municÃpio de Palmas correspondia a 2.218,934 Km², após a formação doreservatório da UHE LuÃs Eduardo Magalhães, houve uma redução da área, que passou para 2.051,935 km². Inicialmente, o perÃmetro urbano era composto só pelo Plano Diretor: “A consolidação da cidade de Palmas na rede urbana regional ficou mais definida a partir da formação de seu centro comercial e de prestação de serviços. A cidade passou a ser o centro principal da rede urbana†(LIRA, 2010, p. 02). Nesse contexto, foi-se formando o ordenamento territorial de Palmas, intermediado por sucessivas intervenções dentro e fora do Plano Diretor. 131 MAPA 03 – Mapa das cidades de maior influencia de Palmas/TO. 132 De imediato, os impactos provocados pelo enchimento do Lago foram percebidos no meio ambiente em relação à destruição do habitat da flora e na fauna das margens do rio Tocantins. Na estrutura urbana, os efeitos surgem a partir das ocupações e das sucessivas intervenções realizadas nos territórios que margeiam o lago. Assim, a ponte sobre o lago, além de ampliar a mobilidade e a acessibilidade entre as cidades, vem provocando transformações no ordenamento territorial de Palmas, ante as distâncias e a especulação imobiliária entre Palmas e os loteamentos que vem se propagando na orla esquerda do lago municÃpio de Porto Nacional. A ponte alterou o fluxo de veÃculos procedentes das regiões Centro Oeste, Sudeste e Sul, em direção à s regiões Nordeste e extremo Norte do paÃs. Com isso, os veÃculos passaram a ter mais uma opção de trânsito, entre BrasÃlia e a cidade de Miranorte, numa extensão de mil quilômetros; antes da ponte ligando Palmas à cidade de ParaÃso do Tocantins, a única possibilidade era pela Rodovia Belém-BrasÃlia (BR-153). Por último, as alterações no ordenamento territorial de Palmas vêm sendo produzidas pela construção do terminal multimodal da Ferrovia Norte Sul, na orla esquerda situada no municÃpio de Porto Nacional. Em relação a essas intervenções, um dos planejadores da cidade entende que o poder público deveria intervir enquanto há solução para os problemas que se desenham em relação ao ordenamento territorial de Palmas, para os próximos anos. Por isso, É preciso estabelecer um macro-zoneamento para a região de Palmas, isso está dito nas primeiras páginas do plano. A cidade começa a ter interesses imobiliários ilegÃtimos, vai passar uma ferrovia ou já está passando aqui a menos de 20 km da cidade, parece que as administrações nem do Estado, nem do MunicÃpio ainda não se preocuparam com o que isso pode acarretar para a cidade. É preciso verificar esta expansão na direção de Porto Nacional para regular o uso desse espaço entre os dois municÃpios e entre as duas cidades, é preciso verificar o que acontece entre Palmas e uma passagem fundamental do rio Tocantins que vai começar a existir provavelmente no próximo ano que é uma ponte que atravessa o rio Tocantins ali na altura de 20 km antes de TocantÃnia, ou seja, não é mais possÃvel olhar para administrar Palmas ou querer ter qualidade de vida nas próximas décadas olhando para o seu próprio umbigo, é preciso fazer o ordenamento territorial na escala regional de Palmas e dos seus municÃpios próximos para podermos ver no conjunto de atitudes extrair o melhor benefÃcio para Palmas, Porto Nacional, para ParaÃso, para Aparecida do Rio Negro e para as cidades que estão aqui próximas. Ao invés de uma relação de dependência, nós podemos ter uma relação de convivência que será certamente muito melhor. (1ª entrevista analisada). 133 Diante desse processo, o ordenamento territorial de Palmas ficará mais vulnerável com a ampliação dessas estruturas corroborada pela omissão do poder público estadual, de Palmas e do municÃpio de Porto Nacional, que ainda não se movimentaram em direção à expansão urbana em curso na margem esquerda do lago. Nesse sentido, o Estado poderia intervir para auxiliar Porto Nacional na organização territorial das áreas que estão sendo ocupadas sem urbanização. No caso de Palmas, a gestão municipal deveria disciplinar o mercado de imóveis visando à ocupação das áreas vazias que vem sendo utilizadas para a especulação imobiliária. Com isso, os migrantes que não podem adquirir lotes ao preço que vem sendo praticado, sendo segregados em loteamentos clandestinos ou sem estrutura urbana nos municÃpios limÃtrofes, repetindo os mesmos erros das grandes cidades brasileiras. Por isso, de acordo com as análises, qualquer expansão urbana desordenada reproduz prejuÃzos para a população e dificuldades para as futuras administrações dos municÃpios envolvidos. Contudo, sobre isso, não se percebe se as partes envolvidas estão buscando solução para os problemas de gestão dos espaços na direção da manutenção ou melhoria da qualidade da vida das populações envolvidas. 3.2 O processo de construção da identidade polÃtico-cultural de Palmas As intervenções empreendidas pelo governo do Tocantins no processo de ocupação fÃsico-cultural do território a partir da forma de ocupação dos espaços desapropriados para a construção de Palmas podem ser analisados a partir da demolição de tudo que se encontrava na área: edificações, sÃmbolos e mitos, diante dos objetivos voltados para a criação de uma nova identidade histórica para a região. No Estado, predominava “o processo de ocupação da área, dominada basicamente pela migração nordestina piauiense, maranhense e baiana, passava a configurar-se na região a ausência de identidade cultural com o sul de Goiás†(OLIVEIRA, 1998, p. 09). As referências materiais e históricas do território onde Palmas foi construÃda em relação à s intervenções do governo, da forma como foram efetivadas, podem ser entendidas como bárbara diante da vontade expressada pelo domÃnio completo do território, criando novos sÃmbolos, novas identidades; por isso, acharam importante destruir a cultura local. Diante disso, durante as negociações entre o governo e os proprietários de terras para fins de 134 desapropriação, um dos quesitos era derrubar as edificações existentes na propriedade, caso isso não fosse feito, as empreiteiras fariam a demolição. Entre as construções, o governo só deixou a sede da Fazenda Triângulo, que era a melhor casa da região; por isso, como diz o antigo proprietário, não foi inclusa na desapropriação, mas vendida como casa, conforme afirmações do proprietário: Mas então eu fiz um contrato para que a casa ficasse porque quando veio Palmas para cá a única casa boa que tinha era a minha. Tanto é que nela funcionou a primeira sede da prefeitura, porque não tinha casa pra botar a prefeitura de Palmas. (3ª entrevista analisada). Com as afirmações do entrevistado fica caracterizado o espÃrito pragmático dos gestores e criadores da cidade. Conforme entrevistas gravadas pelos pesquisadores da Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas, com o vereador Euclides Correia Costa, logo após a instalação da Capital teve inÃcio o processo de instalação da Câmara Municipal de Palmas, na casa sede da Fazenda Triângulo, em um pequeno espaço (Sala). Nesse lugar, deu-se a instalação e a permanência do poder Legislativo por um bom tempo. As sessões eram realizadas normalmente, três sessões por semana. Os vereadores que participaram da primeira legislatura de Palmas foram Afonso Vieira Ramalho, Antônio Pereira de Sá, Euclides Correia Costa, o Gilberto Gomes da Silva, Pedro da Silva Alencar, Mário BenÃcio dos Santos, Udson Terencio de Souza, TarcÃsio Machado da Fonseca, Valdir Pereira da Silva. A ausência de prédios para abrigar os poderes públicos municipais, tomando como referência as estruturas que estavam sendo feitas para abrigar os poderes do Estado, foi intencional, diante do perfil em que cidade foi criada, construÃda e ocupada. No inÃcio, o tratamento dado pelo governo era o mesmo direcionado a um grande canteiro de obra, sem a conotação de uma cidade. Por isso, quando tiveram que constituir os poderes do municÃpio, o projeto urbanÃstico não contemplava as sedes dos poderes executivo e legislativo municipal. Sobre a transferência Fenelon Barbosa que foi o primeiro prefeito de Palmas disse que “a transferência do municÃpio de Taquaruçu para Palmas foi no inÃcio de 1989 e tudo era improvisado, a prefeitura e a Câmara foram instaladas em uma casa de uma fazenda onde é hoje o Parque Cesamar†(BARBOSA, 2012, p. 14), Figura 16. 135 FIGURA 16 – Casa Sede da Fazenda Triângulo, depois Casa Suçuapara - 1989. FONTE: Thenes Pinto – cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Em entrevista realizada pelos pesquisadores Marcelo Lopes e Antônio Filho, cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas, Fenelon Barbosa, primeiro prefeito de Palmas fala sobre a importância da Casa Suçuapara e do Palacinho para a história do Tocantins e de Palmas. Eu acho muito importante pelo fato de ter sido o começo, o começo de tudo aqui em Palmas. A cidade começou ali, então eu acho que tem que ser preservada... como o Palacinho é muito importante pra Palmas, representa o começo do Estado do Tocantins aonde funcionou o Governo do Estado. Então, eu acho que a Casa deve ser preservada porque também foi muito importante. É uma construção muito simples, muito humilde, mas é o marco principal na criação de Palmas. Dali é que saiu os grandes projetos da capital (FENELON BARBOSA). 136 Porém, para a surpresa do ex-proprietário e um dos primeiros moradores da cidade, a casa da então Fazenda Triângulo, como era conhecida na região, passou a ser denominada de Casa Suçuapara. No seu entendimento, como havia vendido e recebido pela desapropriação, entendeu que não deveria se intrometer mais no processo. Contudo, depois que a casa foi tombada, o antigo proprietário percebeu a violência do ato: Foi tombada pelo Patrimônio Histórico, ela já é tombada, só que foi tombada com o nome errado. Ela foi tombada com o nome errado e isso é um erro fundamental que fizeram, não me procuraram, não procuraram o dono da casa pra saber a procedência da casa. Então, ela já foi tombada e espero que continue porque ela faz parte da história dessa divisão do Estado. (3ª entrevista analisada). Assim, ao analisar a constituição de outros monumentos construÃdos na cidade, deu para se ter uma ideia sobre a inversão do nome da casa que permaneceu em pé após a criação e a construção de Palmas. Qual, então, seria o interesse em alterar o nome de uma construção aparentemente insignificante perante todo o processo da história da cidade? A princÃpio parece ser algo pequeno, insignificante diante da grandeza das obras que foram construÃdas. No entanto, quando um objeto pequeno como uma casa isolada é transformada para legitimar outra história, considera-se que os atores da história original permanecem vivendo nesses mesmos espaços. Esses métodos criam um desconforto em relação à história que estava sendo oficializada por meio de intervenções autocráticas. Por isso, Palmas e a redefinição territorial do Estado estão intimamente ligadas. No âmbito cultural, significativas transformações também se processaram, muitas ainda incompreendidas, como o “apagamentoâ€, se é que pode usar esse termo de uma identidade goiana e o forjar de uma identidade tocantinense. A criação de Palmas e o investimento maciço em propaganda acabaram por impregnar no ideário popular a identidade “tocantinense†de uma maneira fabulosa, ao que parece, envolvendo, sobretudo, a população flutuante vinda de outros estados para a “nova capitalâ€. (SILVA, 2010, p. 20). Uma das possibilidades para um fato dessa natureza ter ocorrido poderia ser explicado nas relações de quem vende e compra um determinado bem. Por isso, o antigo dono parecia ter esse entendimento. Entretanto, não se pode negar o fato histórico, não se pode mudar o curso da história como aconteceu com a casa da Fazenda Triângulo. Erros podem acontecer na falta de documentos, de atores que pudessem reproduzir essa realidade 137 histórica. Ao analisar as fontes primárias desse processo, fica evidente que os motivos foram polÃtico-partidários dentro de uma lógica de controle da identidade cultural da região. Quando interrogado sobre o assunto, o antigo proprietário da Casa diz que o artifÃcio era Perseguição polÃtica e que eu não tinha acesso na época à s pessoas pra mim falaram a verdade. E a minha palavra também não valia nada, não tinha valor... eu era um estranho no ninho pra eles, né? Aà o tempo foi passando, foi se evoluindo e ficou Fazenda Suçuapara. Isso magoou muito a nossa famÃlia, os filhos principalmente, a esposa... Eu não tomei conhecimento porque, porque, mas... (3ª entrevista analisada). O entrevistado tenta voltar ao assunto mesmo com sua voz embargada pela perda da identidade do objeto que construÃra e que vinha ser transformado em outro objeto histórico diante da força das intervenções; finaliza dizendo que tudo isso era resultado da sua opção polÃtica: Na época eu era oposição ao governo eleito Siqueira Campos. Ele juntou um grupo e fizeram da maneira deles. Não foi feito da maneira adequada e não procurou respeitar os direitos de quem tava morando na região. Não citaram o meu nome João Batista, não citaram o nome da Fazenda Triângulo, não tem no quadro histórico do Estado do Tocantins por uma perseguição a nós e, principalmente, nós moradores que éramos aqui, todos, quase 90% éramos da oposição. (3ª entrevista analisada). Saindo da Fazenda Triângulo, hoje Parque Cesamar, e da Casa Triângulo, hoje Casa Suçuapara, passa-se para os prédios e praças sucessivamente construÃdos, onde foram colocados diversos monumentos voltados para a validação da memória cultural pretendida pelo fundador da cidade. Em relação aos antigos moradores e das pessoas que migraram para Palmas na última década do século XX, os significados simbólicos dos monumentos da Praça dos Girassóis distorce a identidade cultural dos antigos habitantes do Tocantins e dos novos que migraram para a cidade logo após a sua criação. A prefeitura, depois de migrar para diversos prédios, teve a sede definitiva construÃda na gestão do prefeito Eduardo Siqueira Campos: O edifÃcio está localizado em área institucional na avenida Teotônio Segurado. Resolvido em um pavimento, a linguagem e o partido são semelhantes aos primeiros prédios dos palácios, de tijolo e concreto 138 aparentes, buscando o sombreamento das áreas internas. Um grande guarda-sol de concreto marca a entrada e cria uma praça de articulação com os futuros prédios da Câmara e do Fórum, que constituiriam o Paço Municipal de Palmas, mas que acabaram sendo construÃdos em outros locais da cidade. (SOUZA, 2005, p. 04). O Paço Municipal é o centro das decisões polÃticas; em volta, há o “Bosque dos pioneiros, agradável para lazer com a famÃlia e onde, aos domingos, se realiza a Feira do Bosque. O verde predomina na paisagem, afinal são 52 milhões de m³ de ar puro†(REVISTA DE INFORMAÇÕES TURÃSTICAS DO ESTADO DO TOCANTINS, s/d, p. 2). A Figura 17 mostra a vista parcial da frente do Paço Municipal. A estruturação de uma identidade polÃtico-cultural voltada para a consolidação de um espaço de poder necessitava de novos significados culturais e ideológicos; para isso, foram construÃdos os monumentos da Praça dos Girassóis de Palmas, associados a uma estrutura arquitetônica moderna para a construção dos prédios públicos. FIGURA 17 - Sede da prefeitura da cidade de Palmas capital do estado do Tocantins - 2005. FONTE: Walter Gama. Foto cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. 139 Em relação à s estruturas da praça, dos espaços construÃdos e da relação que os monumentos tiveram, direta e indiretamente, com a memória dos lugares pretéritos, os novos mitos e as culturas estavam direcionados para a difusão de uma nova identidade, diferente da constituÃda pelas lutas separatistas. Por meio de ações pragmáticas, o governo instituÃa monumentos objetivando a fixação de um ethos novo interligando o desenvolvimento econômico da cidade e do Estado aos fluxos de ocupações dos espaços. Assim, o lócus dessas representações situou-se, em parte, nos sÃmbolos construÃdos na Praça dos Girassóis, focados nas estruturas e no fluxo de consolidação e exaltação das três frações do estado: Legislativo, Judiciário e Executivo. Todo esse processo foi associado a um circuito de poder, como objeto centrÃpeto do território municipal e estadual. Essa condição foi corroborada pela posição geográfica de Palmas, bem como pelo fato da praça ser o lócus intraurbano dos diversos ramos de atividades empresariais e das estruturas fÃsicas e simbólicas das esferas públicas: “Em torno dessa praça foi prevista a localização de usos e atividades urbanas capazes de gerar centralidade com bancos, escritórios, clÃnicas médicas, restaurantes, cinema e mesmo edifÃcios mistos com apartamento a partir do primeiro andar†(CARVALHÊDO, 2009, p. 55). O entendimento do contexto cultural do Tocantins e de Palmas por meio das alegorias, das formas constituÃdas numa simbologia fragmentada e desconectada da realidade cultural da região pode ser identificado nas fachadas e no interior dos prédios públicos, considerando-se que a riqueza cultural é a resultante proporcionada pela realidade e não pela sua negação. Nesse sentido, não se sabe ao certo dos porquês do ostracismo imposto a outros separatistas, pois só a figura de Teotônio não representa o todo da história autonomista do norte de Goiás. Assim, a história é a resultante das ações desenvolvidas em uma determinada realidade; diante disso, não pode ser alterada, distorcida, pois quando isso acontece surge outra história, a projetada na aculturação da sociedade. Assim, ao privilegiar fatos que não fizeram diretamente parte da cultura do norte de Goiás, o governo deixa margens para especular sobre a construção de um novo ethos para a região ao investir em monumentos ideológicos da República Velha, do tenentismo à Coluna Prestes. Contudo, nenhum faz referência à Guerrilha do Araguaia. Esses movimentos visavam à construção de uma nova identidade polÃtica a partir da fragmentação do predomÃnio de São Paulo e Minas Gerais e investiam também contra os sistemas oligárquicos regionais. Talvez essa seja a proximidade desses movimentos com a cultura 140 reproduzida na região antes da criação de Goiânia, em 1933, considerando que a população de Palmas é composta de migrantes do interior do Tocantins e de outras localidades do paÃs. A institucionalização de uma nova cultura objetivava a dissipação das manifestações culturais de migrantes do Pará, Maranhão e Piauà ou transformá-las em uma tabula rasa por meio de uma lógica de intervenção: Se esse processo não foi estendido a todos os conceitos “sistemáticos†que são utilizados aqui (por exemplo, arbitrário cultural, violência simbólica, relação de comunicação [...], modo de imposição, modo de inculcação, legitimidade, ethos, capital cultural, habitus, reprodução social, reprodução cultural). (BOURDIEU; PASSERON, 1975, p. 17). Por um lado, o governo patrocinava o surgimento de novas manifestações e a reconstrução de aspectos históricos sincronizados aos espaços da capital. De outro, dificultava as lembranças dos antigos mitos por meio da massificação de novos sÃmbolos caracterizados por uma polÃtica de exaltação de uma nova memória cultural na população do Estado do Tocantins, tendo Palmas como referência. 3.3 Confronto entre Culturas: a construção e a ocupação dos espaços fÃsicos e simbólicos da Praça dos Girassóis A intenção de construir uma nova cultura e história se caracterizava na difusão de novos mitos e alegorias no centro da cidade, com o propósito de atingir a cultura dos migrantes e dos antigos moradores da região em que Palmas foi erguida, contrapondo o novo e o antigo. Diante dessa prática, o governo criava uma babel de identidades ao optar por um contexto histórico diferente da cultura tocantinense. Exemplo disso se tem na reprodução do Memorial 18 do Forte de Copacabana; do memorial LuÃs Carlos Prestes; do frontispÃcio do Palácio Araguaia, do estilo arquitetônico dos prédios públicos. Essas alegorias, para os antigos moradores, eram indescritÃveis, pois viam uma cidade nascer no lugar dos cerrados, pastos, brejos, fazendas e rios subitamente, surgindo do nada espaçosas avenidas circundadas por edificações caracterizadas por uma arquitetura pós-moderna. Conforme Bourdieu; Passeron (1975, p. 14), “As condições Sociais que fazem com que a transmissão do poder e dos privilégios deva tormar, mais do que em nenhuma outra 141 sociedade, os caminhos desviados†da polÃtica e da cultura repercutiam nas relações de poder. Por sua vez, a forma de ocupação da cidade teve por objetivo construir espaços com acessos previamente selecionados dentro de uma polÃtica de ordenamento territorial centripetamente identificada por áreas de comércio, serviços, residências, indústrias e repartições públicas. Contudo, essa estrutura de planejamento não foi totalmente seguida pelo governo, diante das necessidades de expansão condicionadas pelos interesses de mercado do solo urbano. Essa polÃtica de ocupação territorial mitigada pela construção de uma nova memória foi acelerada por uma polÃtica massiva de doações e vendas de lotes e áreas para instituições e para terceiros. Esse processo gerou uma flexibilização no ordenamento territorial da cidade; por outro, houve a personificação da ocupação de espaços e lugares. Contudo, mesmo com essa forma de ocupação, Palmas permaneceu caracterizada pela Praça dos Girassóis. Até o ano 2000, os vazios da praça e de outros logradouros públicos eram utilizados pelo governo para plantar girassóis, massificando o sÃmbolo da cidade no dia a dia da população. Assim, ano a ano, repetiam-se os rituais de plantação, colheita e replantio das sementes. As Figuras 18 e 19 demonstram os hábitos de transportes dos moradores e as paisagens da plantação de girassóis junto ao Palacinho. Assim, em termos polÃticos, pode-se discutir o perfil do primeiro governador a partir da seleção dos sÃmbolos do Estado e da capital. Para a capital, foi escolhido o Girassol, talvez pela beleza da planta, não pelo que ela representa para um Estado da região norte, que conta com uma das maiores diversidades de plantas do Brasil. Por isso, pegar uma planta fora do bioma do Estado, no mÃnimo, é desconhecer essa realidade ou para satisfazer a vontade particular de quem comanda, que preferiu não consultar a população ou especialistas sobre as melhores opções para simbolizar a cidade. Nessa direção, qualquer tentativa para alterar a representação alegórica montada pelo primeiro governador era duramente rechaçada: No governo do Avelino, ele tentou mudar o sÃmbolo da cidade, substituindo o Girassol por duas mãos juntas... Ele construiu esse monumento na entrada de Palmas, perto da rodoviária, que era o sÃmbolo do governo dele, mas quando o Siqueira ganha de novo para governo do Estado, na primeira noite passa o trator em cima do sÃmbolo. Derrubou totalmente, passou o trator por cima. Isso é um exemplo, que ele não queria 142 nada que fosse contrário a simbologia que ele estava construindo na cidade e construiu-se (Narrador 1– SILVA, 2008, p. 55). FIGURA 18 – Vista do Palacinho e dos hábitos de transporte na região, 1989. Fonte: Edson Caldas, cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. FIGURA 19 – Vista do Palacinho e da plantação de girassóis, 1990. 143 FONTE: Márcio Pietro, cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Nesse aspecto, como explica Halbwachs, as pessoas ou comunidades, quando se deparam com uma nova alegoria, a tendência é assimilar a identidade em construção e esconder a antiga, diante da fragilização da cultura pretérita em relação aos resultados das intervenções realizadas na produção da nova cultura. A cultura da região onde a capital foi construÃda era representada por fazendeiros, chacareiros, vaqueiros e pequenos agricultores. Por isso, ao condicionar uma nova memória aos moradores, o poder público destrói a verdadeira história para construir outra; por isso, as intervenções eram direcionadas ao esquecimento do indivÃduo. Nesses espaços e lugares, seguindo a visão de Bosi (1994), o governo fixava os interesses polÃticos nos princÃpios da socialização, procurando alterar a identidade polÃtico-cultural transitando do particular ao coletivo na direção da construção de uma nova memória voltada para a legitimação de uma determinação polÃtica caracterizada na permanência no poder; para isso, há a desconstrução das lembranças de historias vividas. Na interpretação de Santos (2007), a cultura, quando é transformada em uma coisa adversa do que representava, caracteriza a dominação ou uma pretensão hegemônica; logo, o resultado é o surgimento de uma falsa consciência. Nessa direção, a cultura não é a consciência, mas o momento, a possibilidade para se perceber a consciência sobre uma determinada realidade ou sobre a destruição de uma identidade polÃtico-cultural. Assim, a perda da consciência cultural dos migrantes acontece quando a manifestação do antigo ethos passa a ter uma conotação estranha diante das novas intervenções difundidas pelo poder público junto à comunidade, por meio da construção de uma nova memória cultural. A princÃpio, a população não percebeu que essa intervenção resultaria na perda de sua identidade por meio da ilustração dos novos espaços, dos novos cenários e paisagens identificadas na arquitetura de uma cidade-jardim construÃda numa região com poucos recursos técnicos e fora do circuito de comunicação. Nestes espaços, o governo institucionaliza um ethos urbano direcionado à consolidação do novo território. Nesse sentido, o universo relativo à memória cultural e polÃtica foi desenvolvido por Brandão (1998), Halbwachs (2006), Santos (2007), Bosi (1998) e Silva (2008). 144 A análise, portanto, centra-se em situações culturais direcionadas à susbstituição da memória histórica de uma região para o surgimento de uma cultura voltada para os espaços de uma cidade planejada com um formato centrÃpeto, formato este impregnado pela construção de um território de poder que utiliza uma ideologia de desenvolvimento econômico e social. Conforme Bosi (1994, p. 43), por uma “fenomenologia da lembrança da obra, bem como uma série de distinções de caráter analÃtico, extremamente sugestiva e cuja adequação podemos comprovar ao longo dos registros deixados na relação entre o passado e o presenteâ€. Partindo da pecepção de Bosi (1994, p. 44), esse processo é intermediado pela “lembrança da população, diante de um sentimento difuso e constante no interior da vida da cidade, mantida pela percepção do meio fÃsico e social que circunda o presente e o passadoâ€. Desse modo, o problema do presente está imbricado nas condições da desterritorialização das lembranças das pessoas que habitavam a Região Norte antes da fundação do estado do Tocantins. Essas percepções surgem quando a população se depara com sÃmbolos que, direta e indiretamente, promoveram uma espécie de apagão nas lembranças da população nativa e nas lembranças da população que migrou. Isso ocorreu diante da difusão do novo entranhado nos monumentos e nas perspectivas de ascensão social oferecida pela cidade e pela funcionalidade do poder público, a partir das representações postas nas categorias saudade, desenvolvimento, refuncionalização dos espaços, das estruturas, das formas e do fluxo da história da reprodução urbana: Pode-se pensar que as idéias que comandam a elaboração da história urbana são sobretudo duas: a idéia de forma e a idéia de tempo. As formas, quando empiricizadas, apresentam-se seja como objeto, seja como relação a obedecer. Entretanto, é também necessário empiricizar e precisar o tempo, se nós queremos trabalhá-lo paralemente à s formas. Esse é, talvez, um dos grandes problemas metodológicos que se colocam para a história das cidades e da urbanização (SANTOS, 2008, p. 65). A reelaboração da história exige a superaração das fragilidades do território em termos econômicos, polÃticos e sociais. Para isso, o governo investe na construção de uma cidade planejada com caracterÃsticas pós-modernas; com isso, as polÃticas de ordenamento territorial foram determinantes para a construção de uma nova memória. 145 A necessidade de fixação em um novo espaço, a vontade de construir uma nova realidade ante novos cenários possÃveis de uma ascensão social, fez com que as pessoas se alienassem de forma positiva e inconsciente, conforme as especificações de Hegel (1992) na Fenomenologia do EspÃrito. Essa alienação representa uma condição de pertencimento, de inclusão do indivÃduo em um espaço ideal a partir da configuração de um novo tempo. Nessa pesquisa, a alienação foi estudada a partir da hegemonia construÃda por meio da ocupação dos espaços e das formas idealizadas pelo governo do Tocantins para estabelecer a noção de pertencimento por meio da instituição de sÃmbolos e mitos. Considerando que a hegemonia pode se realizar de diferentes modos ou intervenções ou Quando a classe dirigente consegue silenciar o discurso crÃtico, levando os subalternos a não se autoperceberem como tais, mas a assumirem sua situação de classe como se fosse o produto de uma escolha livre, num processo de interiorização e aceitação coletiva da visão de mundo hegemônico como a única verdadeira (COELHO, 1982, p. 39). Todas as ações eram caracterizadas pelo perfil simbolizado nas solenidades realizadas pelo governo na Praça dos Girassóis. A praça foi o palco inicial das intervenções – tais como a primeira solenidade realizada para marcar a construção da capital do Estado. A representação da cultura definida pelo governo, em relação aos monumentos colocados na Praça, como a cruz demonstrada na Figura 19: por um lado, a cruz pode ser considerada como uma alegoria neutra em relação à região; por outro, pode ser entendida como objeto demarcador do inÃcio de uma apropriação territorial por culturas e interesses diferentes da cultura autoctone, como aconteceu com a ocupação da América pelos europeus. Por fim, a cruz não deixa de ser uma represetanção universal perante as civilizações ocidentais. 146 FIGURA 20 – Cruzeiro da Praça dos Girassóis – 2004. FONTE: cedida em (2010) - pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Pode-se considerar que em todas as intervenções havia uma forte demonstração de poder mitigado no simbolismo da realidade que estava sendo criada e que esta era fantasiada por atributos simultâneos, sem levar em conta as lembranças pretéritas. O governo investiu na massificação e construção de uma identidade palmense extensiva a todo o territorio do estado, cimentada na figura do migrante pioneiro, “acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados†(GEERTZ, 1989, p. 04). Mesmo que estes significados, em um dado momento, não façam parte das lembranças postas em um determinado contexto, haja vista que “o passado conserva-se e, além de conservar-se atua no presente, mas não de forma homogênea. De outro lado, o corpo guarda esquemas de comportamento de que se vale muitas vezes automaticamente na sua ação sobre as coisas†(BOSI, 1994, p. 48). Essa forma de institucionalização da cultura reproduziu uma sensação de intervenção nas vontades dos indivÃduos que, numa situação de defasagem sócio-polÃtica, 147 aceitaram imposições de situações unilaterais ante a objetividade em que ocorreram as intervenções. PoderÃamos dizer que essas formas de intervenção aconteceram como sÃndromes provocadas entre sequestrador e sequestrado. No caso em questão, não há sequestrador, mas um conjunto de intervenção caracterizada nas diferenças e nas necessidades de sobreviver em um determinado espaço – o espaço da cidade de Palmas. De acordo com as crÃticas de especialistas, mesmo que Palmas seja uma cidade com traços pós-modernos, sua estrutura urbanÃstica e a ocupação dos espaços reproduzem uma cidade neoconservadora. Assim, o discurso predominante reportava à memória do atraso, do abandono da Região Norte. A identidade que se queria construir era cimentada por uma memória do novo, do desenvolvimento. Contudo, em termos de fixação da memória, “um acontecimento só toma lugar na série dos fatos históricos algum tempo depois de ocorrido. Portanto, somente bem mais tarde é que podemos associar as diversas fases de nossa vida aos acontecimentos†(HALBWACHS, 2006, p. 75). Talvez por isso o governo, para desmontar a cultura predominante, associou uma linguagem negativa à memória cultural, construindo monumentos com pouca significância no ethos da região, como se nota da Figura 20. Ignorou-se, por conseguinte, a cultura da região ante a memória que reproduziam a partir do perfil de outra sociedade: “consequentemente, [...] a esfera pública nunca chega a constituir-se como pública, definida sempre e imediatamente pelas exigências do espaço privado, de sorte que a vontade e o arbÃtrio são as marcas do governo e das instituições públicas†(CHAUI, 1985, p. 55). De modo que os significados “diversos das espaciais associadas ao cotidiano, envolvendo as coisas correntes, e as manifestações menos frequentes ou periódicas estão, com raras exceções†(CORRÊA, 2007, p. 17), ao serem retratadas nos monumentos erguidos para representar a cultura do Estado do Tocantins. As opções do governo centraram-se numa concepção de desenvolvimento econômico do território criando na população uma espécie de fragmentação de sua identidade polÃtico- cultural ao apregoar um discurso de vergonha do passado. Por isso, todas as estruturas teriam que representar a perspectiva do novo, do suntuoso em relação ao que existia, começando pela sede do executivo estadual: O Palácio Araguaia está localizado na Praça dos Girassóis, centro fÃsico, administrativo e comercial da cidade, no cruzamento das avenidas Teotônio Segurado (eixo norte-sul) e Juscelino Kubitschek (eixo leste- oeste). Seu caráter visual é marcado pelos arcos de cerâmica de proporções 148 variadas que apóiam um generoso beiral que circunda, protege e sombreia toda a caixa de vidro dos espaços interiores. Esses arcos fazem uma referência à s construções coloniais de Porto Nacional, particularmente a Catedral Nossa Senhora das Mercês e o antigo Colégio Sagrado Coração de Jesus da ordem dos padres dominicanos. O Palácio possui quatro pavimentos e um subsolo para atender à s funções polÃticas e administrativas, com área útil de 14 mil m2. O edifÃcio e o seu entorno sofreram interferências fÃsicas posteriores, como a eliminação da praça original elÃptica, a adição de duas portarias na praça, um monumento à Lua, além de interferências na cobertura do edifÃcio e na aplicação de painéis nas vigas do seu coroamento. (SOUZA, 2005, p. 03). FIGURA 21 – Memorial 18 do Forte. FONTE: José Miranda, 2012. Observe-se a Figura 21, da fachada do Palácio Araguaia, ainda com o frontispÃcio (bola iluminada) no telhado, por questões polÃticas foi retirada no segundo governo de Marcelo Miranda. Com o retorno de Siqueira Campos, em 2010, logo nos primeiros meses de governo foi colocado um grande brasão do Estado nos mesmos lugares dos frontispÃcios: nas entradas sul e norte do Palácio. Exceto os arcos da entrada do Palácio, os edifÃcios 149 construÃdos na Praça tem pouca ou nenhuma proximidade com a arquitetura colonial das cidades históricas, as diferenças vão da natureza estrutural ao padrão estético das partes internas e externas dos edifÃcios. FIGURA 22 – Palácio Araguaia, sede do governo estadual - 2004. FONTE: Fernando Alves – cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Com a construção de monumentos pouco representativos em relação à riqueza cultural do Tocantins, teve-se uma das estratégias do governo para consolidação do território. Assim, o processo de construir e habitar os espaços foram conduzidos dentro de uma lógica seletiva e abstrata em relação ao contexto histórico local. Para isso, utilizou-se de sÃmbolos abstratos para a materialização de uma nova cultura. Associado à construção de sÃmbolos, o governo procurava atrair migrantes de outras regiões para validar os espaços da capital. Considerando a natureza da ocupação dos espaços de Palmas, o governo procurava dar à cidade uma feição indefinida, por isso 150 Os monumentos da Praça dos Girassóis, na qual se localiza o Palácio também, naquela ocasião, despertaram muita curiosidade porque parecia não haver conexão entre eles e o lugar. Estavam dispostos como se cada qual contasse uma estória, narrasse um monólogo solitário para justificar sua presença ali. Estes “contos†monumentalizados e reunidos, de alguma forma, tinham a intenção de dar sentido à cidade. Contudo, havia uma inquietação, o deslocamento proposto pelos objetos causava estranheza e naquele primeiro contato com essa paisagem, exercemos, sem dúvida, mas sem consciência disso no momento, um olhar estrangeiro, pois, tudo pareceu enigmático e sem sentido. (SILVA, 2008, p. 140). Com o retorno de Siqueira Campos ao governo do Estado, as alegorias iniciais estão sendo restauradas. Em pronucianemto o governador disse que transformará a Praça dos Girassóis em um grande museu do Tocantins, com essa transformação, o Palácio do governo também será transformado em museu. A ocupação dos espaços da capital, majoritariamente, é constituÃda por pessoas de outras regiões do paÃs. Nessa direção, as lembranças da cultura anterior dos poucos habitantes nascidos na região, ora enfraquece ora se acentua na “quintessência do vivido. Cresce a nitidez e o número das imagens de outrora, e esta faculdade de relembrar exige um espÃrito desperto, a capacidde de não confundir a vida atual com o que passou, de reconhecer as lembranças e pô-las à s imagens de agora†(BOSI, 1994, p. 81); mesmo que não se tenham espaços para essas manifestações, elas coexistem no silêncio da lembrança, da ausência de iguais, diante da presença ostensiva caracterizada nas intervenções dispostas na cultura do outro. Vale dizer, que a cidade, em qualquer sociedade, é o espaço do cidadão – o espaço vivido. Por isso, as cidades são as principais referências em termos do processo de fracionamento, bem como da conjugação da totalidade dos espaços. Porém, dependendo da intervenção processada para fragmentar a noção de cultura e dos espaços, essa fragmentação opera a inclusão dos que passam a ser definidos como os de dentro, ou seja, os incluÃdos. As outras frações, isto é, os de fora, são caracterizados em relação aos habitantes que não foram icluÃdos, mesmo estando presentes nos espaços dos incluÃdos. Nesse contexto, “quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vagorosa alienação†(SANTOS, 2007, p. 81). Nessas condições, a predominância da alienação relacionada à adaptação de pessoas ou grupos a determinados espaços, pode ser vista no momento que a inconsciência cultural se transforma em alienação polÃtica, dificultando o estranhamento. Conforme (SANTOS, 2007, p. 81), quanto maior 151 O estranhamento e menores as possibilidadedes de uma adaptação inconsciente, mais os sentidos são despertados para a verdade que esconde os objetivos e as relações sociais. Incluindo o processo produtivo e as práticas sociais, a cultura é o que nos dá a consciência de pertencer a um grupo. Toda intervenção gera fragmentação e retira a capacidade de uso do território como espaço cultural ante interferências que dividem e separam o homem do seu próprio espaço, reproduzindo uma falsa sensação de pertencimento não institucionalizado e sem uma correlação entre as culturas e as transformações simultâneas e diacrônicas entre pessoas e meio social. Essa dicotomia pode ser vivida ou expressada de forma particular ou coletiva em relação à s necessidades pragmáticas criadas em torno de um conceito de pertencimento. Tal imposição foi gerada pelas necessidades de se continuar incluÃdo no meio social em formação; por isso, o indivÃduo assume uma condição passiva perante o que está sendo criado, mesmo entendendo que o espaço público não é uma coisa privada, particular, mas coletiva, por isso deve estar à disposição de todos moradores e não só de grupos dominantes. Diante disso, dependendo das condições, as pessoas não se rebelam para não provocar rupturas na estrutura de pertencimento que está sendo construÃda em um processo qualquer de ocupação de espaços condicionados pelo gestor público. Isso caracteriza uma sensação de privatização desses espaços para satisfazer interesses particulares e polÃticos, manifestados nas intromissões de gestores nas condições culturais coletivas e individuais de uma sociedade, mesmo nas fases de construção dos espaços públicos e privados de uma sociedade. Com isso, quanto mais distante o indivÃduo estiver da cultura pretérita ou tradicional, mais fácil será a construção de um território de poder. Como exemplo dessa aculturação, tem-se a condição ostentada por um projeto forte em relação à s estruturas de um processo histórico colocado de forma particular para representar uma sociedade urbana que possui uma relação histórica moldada por uma vontade polÃtica. As intervenções urbanas são explicadas por Santos (2007) por meio da vivência dos moradores que consideram a aglomeração urbana como uma multiplicidade de espaços e lugares transformados em centros, vilas, bairros, distritos e casas, podendo ser conhecidas ou não por parte ou pela maioria dos habitantes. Essa é a representação que parte das pessoas excluÃdas tem do processo de ocupação urbana a partir do momento em que fica materializada a noção de duas realidades cultural: a antiga e a construÃda. 152 Essa é a forma como uma parcela da população percebia a cidade em suas especificidades estruturais, bem como em seu ordenamento territorial, exceto quando ocorria uma massificação envolvendo um determinado lugar ou espaços, uma vez que nossa história é composta de rupturas. Ao determinar um corte entre uma realidade anterior e a que está sendo construÃda, esse rompimento é conduzido pelos detentores de hegemonia para destruir as possibilidades de uma reação consciente por parte das frações incluÃdas e excluÃdas. Em termos históricos, esses rompimentos foram praticados no Império, com a difusão de uma cultura de esquecimento do perÃodo colonial; na República, os esforços eram para não se lembrar do perÃodo Imperial, efetivados dentro de uma nova percepção dos espaços e do território nacional na perspectiva da criação de uma nova concepção de nação. A partir dos anos 1930, Vargas empreendeu uma polÃtica ostensiva para que a população não se lembrasse do perÃodo denominado de República Velha. De forma idêntica, ao determinar a incineração de todos os documentos oficiais e particulares da escravidão brasileira, Rui Barbosa mergulhou a história e suas fontes de comprovação numa cultura do esquecimento, dificultando a identificação e a correção das atrocidades praticadas pelo sistema produtivo escravista, do qual era advogado. Todas essas ações envolvem a tentativa de destruir identidades culturais ao produzir uma alteridade polÃtico-cultural diferenciada da existente ou das que poderiam ser lembradas. Esse processo reproduziu uma tentativa de fundar uma nova identidade cultural por meio da difusão de monumentos representativos de parte da história nacional, mas distante da realidade do território de Palmas, conforme se nota na representação esboçada no memorial construÃdo em homenagem à Coluna Costa-Prestes e a LuÃs Carlos Prestes (Figura 22). Nesse contexto histórico, o movimento representa muito para a história polÃtica brasileira dos anos 1920 e 1930, mas está distante da história de Palmas. A condição inédita desses movimentos se dava pela participação efetiva de jovens oficiais do Exército Brasileiro. Inicialmente, o movimento foi denominado Tenentismo e seguia o iluminismo francês caracterizado pelos enciclopedistas e pelo pensamento de Augusto Comte. Com a depuração tática, o movimento passou a se chamar “Coluna Miguel Costaâ€, popularmente conhecida como “Coluna Prestesâ€, e tinha como lÃderes Miguel Costa e LuÃs Carlos Prestes. O movimento se deslocava pelo interior do paÃs pregando reformas polÃticas e sociais e combatendo os governos da Velha República. Assim, a 153 Homenagem a Luiz Carlos Prestes pela passagem da histórica coluna pelo Estado, o pequeno edifÃcio de 570 m² está localizado na Praça dos Girassóis, junto ao Palácio Araguaia. As formas plásticas foram obtidas por abóbadas de concreto, caracterÃsticas da arquitetura de Oscar Niemeyer e são complementadas por ornamentos nas fachadas que lembram a folha de uma palmeira. Segundo a Fundação Oscar Niemeyer, o projeto foi feito originalmente para a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, em 1992. Não executado, foi adaptado pelo autor para Tocantins em 1996. O projeto não fazia parte dos edifÃcios previstos na urbanização inicial da Praça dos Girassóis. Seu interior abriga 300 peças originais da passagem da coluna Prestes, entre 1920 e 1930, um auditório de 99 lugares e salas para pesquisas. (SOUZA, 2005, p. 06). FIGURA 23 – Monumento Luis Carlos Prestes. FONTE: Foto - Gleydson Medeiros 03/05/2004 – cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Contudo, mesmo diante da representatividade do movimento, levando-se em conta o contexto polÃtico do Estado do Tocantins e das formas utilizadas para a ocupação do território de Palmas, o monumento alusivo à Coluna Prestes, construÃdo pelo governo, pouco representa para a cultura predominante em um território urbano recém construÃdo: 154 A seleção de significados que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como sistema simbólico é sociologicamente necessária na medida em que essa cultura deve sua existência à s condições sociais da qual ela é o produto e sua inteligibilidade à coerência e à s funções da estrutura das relações significantes que a constituem. (BOURDIEU; PASSERON, 1975, p. 23). Essas razões não se encaixam nos objetivos do governo quanto a criar uma referência cultural moldada numa outra realidade polÃtica e social. Com essa identidade, o ato simbólico representado nesses monumentos foi transformado em dupla violência simbólica, na medida em que a cultura dos antigos dominantes foi substituÃda pela cultura do novo dominante. A cultura da então Região Norte de Goiás era miscigenada por mitos, crenças e manifestações de culturas dos estados limÃtrofes. Contudo, ao construir os monumentos, o governo esconde essas culturas em uma memória diferente da que existia na região. Em termos da cultura autóctone, foram incluÃdas algumas manifestações da cultura indÃgena do Estado, compostas por “sete etnias: Karajá, Xambioá, Javaé (que formam o povo Iny) e os Xerente, Krahô Canela, Apinajè e Pankararú. Eles se distribuem em mais de 82 aldeiasâ€25. Entretanto, a maior ênfase foi dada à frase Co Yvy Ore Retama 26 , da lÃngua Tupy Gurany, conforme a Figura 23 ilustra, colocada no Brasão do Estado. 25 DisponÃvel em: http://to.gov.br/m/povos-indigenas/72. Acesso em: 25 nov. 2010. 26 No texto da lei de criação do Brasão de Armas do Estado do Tocantins temos: “Lei nº 092/89, de 17 de novembro de 1989. Cria o BRASÃO DE ARMAS DO ESTADO DO TOCANTINS. Art. 1º - Fica instituÃdo o BRASÃO DE ARMAS DO ESTADO DO TOCANTINS, constituÃdo de um escudo elÃptico cortado, na metade superior, em chefe de azul (blau), carregado com a metade de um sol de ouro estilizado, do qual se vêem 5 (cinco) raios maiores e 8 (oito) menores, limitado na linha divisória. A metade inferior, o termo ou campanha, uma asna de azul (blau), ladeada nos flancos destro e sinistro de branco e no termo de amarelo (ouro). Sob o escudo, um listel de azul (blau) com a inscrição “Estado do Tocantins e a data “1º de JAN 1989†em letras brancas. Em timbre uma estrela de amarelo ouro, com bordadura de azul (blau), encimada pela divisa em Tupi “CO YVY ORE RETAMA†– ESTA TERRA É NOSSA - em letras brancas sobre listel de azul (blau). Como suporte uma coroa de louros estilizada em sinople (verde), COMO CONSTA DO Memorial Justificativo e arte (I – Representação Policromática; II – Cores Convencionais Heráldicas; III – Construção Modular), em anexo, criados por José Luiz de Moura Pereira, que passam a fazer parte integrante desta Lei†(DisponÃvel emhttp://to.gov.br/m/brasao/743. Acesso em: 11 mar. 2011). 155 FIGURA 24 – Brasão do Estado do Tocantins. FONTE: DisponÃvel em: http://to.gov.br/m/brasao/743.Acesso em: 11 mar. 2011. A ideologia pretendida pelo governo pode ser entendida a partir dos monumentos e das novas identidas criadas em torno dos processos e formas de ocupação dos espaços de Palmas: “É por isso que as migrações agridem o indivÃduo, roubando-lhe parte do ser, obrigando-o a uma nova e dura adaptação em seu novo lugar. Desterritorialização é frequentemente uma outra palavra para significar alienação, estranhamento, que são, também, desculturização†(SANTOS, 2007, p. 82). Palmas era vista como o novo território habitado pelos migrantes que viam na cidade um cenário de garimpo ante os impactos das intervenções na área escolhida para a construção dos espaços urbanos, reproduzindo uma relação dialética com a nova territorialidade; esta, por sua vez, interfere mudando o pensamento do homem. Porém, “quando essa sÃntese é percebida, o processo de alienação vai cedendo ao processo de integração e de entendimento, e o indivÃduo recupera a parte do seu ser que parecia perdida†(SANTOS, 2007, p. 83). Assim, a força centrÃpeta do ordenamento territorial da cidade funcionou como catalizador e massificador da memória posta nos monumentos como forma objetiva e dialética, oscilando entre a possiblidade de esquecimento e o processo de fixação dessa nova realidade cultural. Conforme Pires (2008), a origem do nome de “Palmas é uma homenagem 156 à primeira Comarca do Movimento Libertário instalado em 1809, com o nome de São João das Duas Barras situada na barra do rio Palma com o rio Paranã, na vila de São João da Palma, capitania de Goiás†(PIRES, 2008, p. 40). Os significados simbólicos dos monumentos construÃdos na Praça dos Girassóis indicam que um dos objetivos era a criação de uma nova memória para consolidar o território do Estado. Esta, acoplada a uma polÃtica massiva de atração de migrantes, sendo esta permeada por um farto acesso a empregos públicos e à distribuição e vendas de casas, lotes e terrenos em Palmas e na sua hinterlândia. Essa polÃtica traduzia uma gestão autocrática caracterizada pelo controle exercido nos aparelhos do Estado. Outra condição muito discutida foram as pregações contra a cultura predominante quando o território pertencia ao Estado de Goiás. Nestas ações, havia uma intenção clara em desmontar as estruturas simbólicas constituÃdas na história separatista, nos mitos e nas manifestações religiosas, laicas e simbólicas. Essa polÃtica pragmática foi eficiente do ponto de vista das intenções do governo, que conseguiu criar e construir uma cidade com uma estrutura pós-moderna para ser a capital do Estado. Essas práticas criavam uma reciprocidade entre migrante e as intervenções do governo, ante uma polÃtica direcionada à criação de uma nova identidade para o Estado, corroborada pela ocupação dos espaços de Palmas. 3.4 Da consolidação à descentralização de Palmas Até os anos 1990, morar fora do centro era perder a sua condição de classe alta ou emergente: “no Brasil atual, a tendência ao distanciamento do centro é clara em muitas cidades†(VILLAÇA, 2001, p. 247). A importância das classes dominantes de todas as sociedades está, entre muitas outras situações simbólicas, em residir no centro das cidades. Então uma das melhores definições de centro está em Villaça (2001, p. 237), quando este autor diz que toda “aglomeração humana – da taba à metrópole contemporânea, passando pelas cidades medievais e as pré-colombianas – desenvolve um, e apenas um, centro principalâ€. Para Lefebvre (1991), toda centralidade urbana só se realiza por meio da centralização dos meios de produção de excedentes do setor comercial, do poder e da iconografia reproduzida pelos aspectos culturais e simbólicos da cidade. 157 Assim, a formação de uma cidade parte da importância da sua centralidade; por isso, as definições do conceito de centro pela geografia urbana apresentam etimologias diversificadas. Entre os 17 verbetes do dicionário Michaellisonline, selecionamos as que se seguem para auxiliar na definição dos espaços denominados de centro em uma cidade. Na Geografia Urbana, centro representa a ampliação do comércio e serviços e todas as interferências provocadas no ordenamento territorial e espacial do principal espaço de uma cidade. No dicionário, o termo centro é apresentado como: “meio de qualquer espaço. O meio de um espaço qualquer. Local onde é mais intensa a atividade. Centro de gravidade: o mesmo que centro de atraçãoâ€: No entanto quando a expansão das áreas urbanas intensifica-se de modo espontâneo ou planejado, esta noção de centro começa a diluir-se pelo surgimento de uma rede de subcentros, que passa a concorrer com o centro principal. Este processo foi, sem dúvida, responsável pela aceleração da deterioração e degradação dos centros urbanos, que passaram a ser, na Europa e na América do Norte, objetos de preocupação, desde a década de 1950. No Brasil, esses processos são discutidos de modo mais intensivo após os anos de 1980 (VARGAS; CASTILHO, 2006a, p. 02). Todas as contradições que direta ou indiretamente modificam os centros das cidades resultam em forças antagônicas que atuam em decorrência do desenvolvimento econômico e cultural de uma cidade monocêntrica, ou pela segregação de uma classe sobre outras, privilegiando o centro como espaço primo de compra, serviços, lazer e entretenimento. Essa concentração, em curto prazo, reproduz problemas e transforma a logÃstica de acesso e mobilidade da população. Contudo, uma cidade com predominância centrÃpeta induz ao entendimento sobre uma cidade que ainda não sofreu alterações significativas em seu ordenamento territorial; no entanto, nem toda a ação centrÃpeta 27 define as caracterÃsticas ideológicas de uma cidade monocêntrica perenizada por aspectos simbólicos ou transformada pelo desenvolvimento polÃtico e econômico. Entretanto, para (CORRÊA, 2006, p. 22), “os estudos sobre a hierarquia urbana colocaram em evidencia, simultaneamente, uma série de regularidades empÃricas e de caracterÃsticas diferenciadas das 27 Lugar central, caracterizado por poderosa concentração da oferta dos bens e serviços para uma hinterlândia regional, foco do comércio varejista e de serviços diversificados, dotado de amplo alcance espacial máximo (range). A especialização produtiva acaba constituindo sÃmbolo identitário da cidade e, possivelmente essas atividades passam a ser vistas como o resultado de uma ação de toda a cidade (CORRÊA, 2007, p. 31, passim). 158 redes urbanasâ€. Na mesma direção, Corrêa (1995) argumenta que o espaço urbano pode ser apreendido, a partir de um complexo conjunto de usos dos espaços. De acordo com essas perspectivas, se a cidade sofre uma ação de transformação em seu espaço central, essa ação centrÃfuga, segundo os dicionários consultados, é uma força “que tende a afastar-se ou desviar-se do centro, axÃfugo: que sai ou faz sair do eixo de rotaçãoâ€; no entanto, nesta pesquisa, a categoria está sendo utilizada para entender como esse processo se deu em uma cidade sacudida por uma série de transformações em seu espaço central, envolvendo diversas situações contraditórias e simultâneas. Essas transformações processadas no centro tradicional das cidades, se forem pensadas a partir da ação de reprodução de novas centralidades, são categorias que possibilitam o entendimento dessas mudanças nas cidades, por meio de uma nova visão epistemológica; portanto, A expressão subcentro é utilizada para designar aglomerações diversificadas e equilibradas de comércio e serviços, que se estruturam fora do centro principal de uma cidade. Os subcentros, consiste portanto, numa réplica em tamanho menor do centro principal, com o qual concorre em parte sem, entretanto, a ele se igualar. Atende aos mesmos requisitos de otimização de acesso apresentados para o centro. A diferença é que o subcentro apresenta tais requisitos apenas para uma parte da cidade, e o centro principal cumpre-os para toda a cidade. (VILLAÇA, 2001, p. 293). Nessa direção, os subcentros são processos diacrônicos, portanto contraditórios diante da sua formação e diversificação em grandes cidades, onde essa realidade foi introduzida, antes da revolução urbana industrial dos anos 1930. Assim, os primeiros subcentros surgiram em concordância com uma prática urbana conservadora e, portanto, de natureza ideológica do burguês da Velha República, contrário ao desenvolvimento urbano, por meio da democratização do acesso ao comércio e serviços. Contudo, mesmo sendo as elites contrárias à ampliação do acesso diversificado de pessoas a determinados espaços, a cidade começa a atrair consumidores de diferentes camadas sociais, prevalecendo a máxima liberal da transformação de tudo em mercadoria e todos em consumidores. Nesse sentido, não poderia esperar que no sistema capitalista “as instituições e os modos de comportamento da nova cultura consumista se espalhariam primeiro e mais extensamente nas camadas sociais mais baixas do que nas camadas mais elevadas†(HABERMAS, 1984, p. 204). Todavia, na perspectiva das elites brasileira da época, os centros das cidades seriam ambientes privilegiados, promovendo o desenvolvimento do capitalismo mercantil. Nas palavras de Villaça (2001, p. 252), isso “fez crescer o comércio varejista e introduziu 159 profundas transformações no comércio atacadista e importador, além de fazer surgir novos tipos de estabelecimentos, desenvolver novos métodos de comerciar e criar novos hábitos de consumoâ€, construindo uma mentalidade empresarial contrária ao pensamento predominante nos maiores centros urbanos da época. Diante dessas antinomias, nasceram os subcentros das principais capitais do sul e sudeste, conforme as explicações de Villaça (2001, p. 294- 300): O primeiro subcentro a surgir no Brasil foi o Brás, em São Paulo, na década de 1910. Posteriormente surgiram também no Rio de Janeiro, como na Praça SaensPeña, Copacabana, Méier, Tijuca (1920); Porto Alegre contava com três subcentros, sendo que o mais antigo o de Navegantes, o Barreiro em Belo Horizonte, apesar do surgimento durante a primeira metade do século XX (1930), só após 1970 que esses subcentros conquistaram a sua importância. [...] A impossibilidade de se servirem do centro comercial principal de São Paulo, corroborou para o surgimento de um centro próprio no bairro, que tinha uma grande demanda para os setores do comércio e serviços. Assim, até 1940, toda a zona Leste estava polarizada pelo comércio da Brás. As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro passaram por modificações significativas no que tange ao ordenamento territorial em benefÃcio do desenvolvimento econômico e da segregação social. Talvez se não fossem as contradições geradas pela segregação de consumidores, as mudanças relacionadas aos locais de consumo, em São Paulo e no Rio de Janeiro, em relação ao centro, só seriam possÃveis após a Revolução dos anos 1930, ou seja, com a alteração nas relações de produção. Diante desse processo de expansão, uma cidade com as proporções de crescimento de Palmas deve também ser pensada, levando-se em conta seus limites territoriais. Conforme Villaça (2001, p. 12), As estruturas são dotadas de movimento e o grande desafio intelectual reside sem desvendar a fonte desse movimento. São considerados elementos dessas estruturas o centro principal da metrópole (a maior aglomeração diversificadas de empregos, ou a maior aglomeração de comércio e serviços), os subcentros de comércio e serviços (aglomerações diversificadas de comércio e serviços, réplicas menores do centro principal), os bairros residenciais, ou melhor, os conjuntos de bairros residenciais segundo as classes sociais e as áreas industriais. Estes são os principais pontos que indicam a natureza econômica, social e ideológica da formação dos subcentros nas grandes cidades brasileiras, antecipando alguns pontos da importância das cidades nas sociedades contemporâneas, que teria como 160 resultante a Revolução dos anos 1930: “Essa estrutura está imbricada de outras estruturas territoriais, como sistema de transportes e de saneamento†(VILLAÇA, 2001, p. 12), bem como dos Ãndices de imigração das populações rurais. É importante lembrar que a urbanização brasileira “é caracterizada pelo permanente e crescente descompasso entre o lento crescimento das cidades e a veloz expansão das suas margens. A urbanização expressa assim, mais fortemente um processo de desruralização da sociedade†(RIBEIRO, 2005, p. 48). Desse processo, surgiram as primeiras filiais de empresas, no Brasil, associadas a uma forte mudança no ordenamento territorial das grandes cidades, principalmente em relação ao transporte, à localização e à logÃstica do setor industrial, à ampliação do comércio e serviços. Nessa direção, mesmo diante das contradições dos sistemas urbanos 28 , Os centros das cidades têm sido identificados como o lugar mais dinâmico da vida urbana, animado pelo fluxo de pessoas, veÃculos e mercadorias decorrentes da marcante presença das atividades terciárias, transformando- se no referencial simbólico das cidades. Também historicamente eleitos para a localização de diversas instituições públicas e religiosas, os centros têm a sua centralidade fortalecida pela somatória de todas essas atividades, e o seu significado, por vezes, extrapola os limites da própria cidade. (VARGAS; CASTILHO, 2006b, p. 01). Nesse contexto, encontra-se a identidade do Centro de Palmas, idealizada como uma cidade centrÃpeta. Contudo, antes da cidade se consolidar em termos de ocupação dos espaços planejados, o governo, contrariando o planejamento urbano, iniciou uma expansão para colocar migrantes e trabalhadores da construção civil a 20 quilômetros do centro. Em paralelo, anexou outros espaços ao municÃpio de Palmas não com o objetivo de centrifugar a cidade, mas para aumentar o território de poder e dos espaços disponÃveis a serem ocupados de acordo com os interesses públicos e privados. Essa expansão possibilitou um rápido desenvolvimento comercial e residencial dos bairros que se formaram ao redor do bairro Taquaralto. Com isso, a partir de 1990, essas ocupações começaram a ganhar a proporção de 28 Agregando-se a este último outras atividades urbanas, como a religiosa, a de lazer, a polÃtica, a cultural, as atividades financeiras e as de comando, também pode ser utilizado o conceito de Centro de Negócios (Central Business District – CDB). Esta visão funcional do centro, atrelada à espacialização hierárquica das atividades urbanas, dá origem aos conceitos de centros principais, subcentros, centros regionais, centros locais, definidos pelos tipos de atividades oferecidas e pelos seus raios de influência (Vargas, 1985). Logo, infere-se que este centro articula-se com a cidade por meio de sua função e de seu significado, transmitindo uma idéia de posição relativa na área urbana (FRIEDERICHS et al., 1987, apud VARGAS; CASTILHO, 2006b, p. 02). 161 um subcentro, tendo como referência a evolução comercial e residencial de Taquaralto, dos Aurenys I, II, III, IV e pelos distritos de Taquaruçu e Buritirana, conforme Villaça (2001) demonstra, formando conjuntos de bairros residenciais constituÃdos por classes sociais: Uma lei de 13 de fevereiro de 1990 anexou o Distrito de Canela ao novo municÃpio de Palmas. Outra lei, de 19 de dezembro de 1995, anexou também o Distrito de Taquaralto. O Taquaralto, portanto, faz hoje parte da cidade de Palmas, constituindo-se em bairro. A divisão distrital do MunicÃpio de Palmas hoje inclui, além da sede, os Distritos de Taquaruçu e Buritirana (TEIXEIRA, 2009, p. 93). Dessa forma, a primeira periferia da cidade foi direcionada para garantir os nÃveis de especulação de terras públicas e de particulares, por outro lado, preservar o perfil de ocupação estruturado nos dois primeiros anos. Conforme Lefebvre (1991, p. 27), “em particular, a oposição entre o valor de uso (a cidade e a vida urbana, o tempo urbano) e o valor de troca (os espaços comprados e vendidos, o consumo dos produtos, dos bens, dos lugares e dos signos)â€. Essa prática visava à reserva de mercado dos imóveis mais bem situados e estruturados com equipamentos urbanos. Diante disso, as famÃlias que não podiam comprar imóveis na capital começaram a sentir os reflexos da especulação imobiliária. De acordo com a entrevista realizada com o vereador Euclides Correia Costa pelos pesquisadores da Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas,a primeira expansão da capital ocorreu com a criação de Bairro Taquaralto, sucessivamente, outros setores foram criados para atender à polÃtica de ocupação e à consolidação da cidade. Diante dessa expansão, Taquaralto toma a dimensão de um pujante subcentro. Assim, O primeiro Bairro da Capital foi o Taquaralto, ele existia desde quando o MunicÃpio de Taquaruçu tinha emancipado depois que o Governador Siqueira Campos criou os bairros adjacentes que por mim foram dados os nomes. Tive o privilégio de dar os nomes aos bairros Aurenys II e III, Santa fé, como também o Bela Vista e o Vale do Sol, todos estes atos, senão me engano estão no Diário Oficial de nº 055 de dezesseis de Janeiro de 1991, e a lei que criou os bairros dos Jardins Aurenys, também senão me falha a memória está na lei de nº 65 ou 66/90, com certeza em uma delas. As Avenidas Juscelino Kubistchek e Teotônio Segurado também foram de minha autoria, e me deixa muito enaltecido, foram dois projetos apresentados na casa para colocar os nomes nas Avenidas. (Entrevista cedida pelos técnicos Antônio Filho da Silva Machado, Marcelo Lopes Justino e José Filadelfo da Silva da Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas realizada com o Senhor Euclides Correia Costa um dos primeiros vereadores de Palmas). 162 Em termos de Brasil, depois das primeiras experiências de descentralização do Rio de Janeiro e São Paulo, logo essa prática foi processada em outras capitais que sofreram mudanças de cunho econômico em suas urbanidades, como já foi citado por Villaça (2001, p. 294-300): “Porto Alegre foi a segunda cidade brasileira a sofrer mudanças em sua centralidade de negócios, a terceira foi Belo horizonte. A formação dos subcentros do Rio e de São Paulo foi concomitante, ou seja, nas primeiras décadas do Século XXâ€. Entretanto, os maiores avanços dos subcentros vieram a partir dos anos 1960 e 1980, com o crescimento das cidades. Com isso, a força centrÃpeta passou a reproduzir reflexos negativos para a circulação de automóvel e de pessoas por meio de congestionamentos na área central tornando ineficiente toda logÃstica aplicada ao processo de circulação, agravada pelos custos operacionais e adicionais de aluguel e impostos, custos estes, elevados para algumas atividades. Diante disso, a permanência ou sobrevivência perpassava pela descentralização, ou seja, mudar para outros locais da cidade, abandonando ou abrindo filiais fora do núcleo central. Assim, o processo de descentralização das atividades econômicas nas cidades ocorre com o surgimento de subcentros; por sua vez, os subcentros surgem de acordo com o desenvolvimento ou crise do sistema econômico, financeiro ou de sustentabilidade. Então, a descentralização faz parte da lógica de seleção de espaços em relação à s áreas de influência. Com a evolução da descentralização, surge um desenvolvimento caracterizado na diversidade de empresas e capitais; com isso, a expansão do centro vai tomando uma dimensão diferenciada em: a) Centros Tradicionais, b) Subcentros espontâneos, c) Subcentros planejados, definidos por Duarte (1974b, p. 54) como “centros funcionaisâ€. Na medida do crescimento desses subcentros, os chamados Centros Tradicionais em grandes cidades tendem a uma adaptação aos novos paradigmas de comércio ou à alteração da modalidade da oferta de mercadorias e serviços, caracterizados por faixa de consumidores. Em geral, as empresas vão se transformando ou cedendo espaços para outros ramos de atividades, surgindo dois perfis de empresas: especializadas e genéricas em termos da oferta de mercadorias. No contexto dos subcentros, de acordo com Villaça (2001), há os especializados que se aprimoraram na oferta de serviços ou produtos especÃficos; neles, o cliente faz um único deslocamento para suprir uma necessidade, por isso mantém uma influência maior sobre os consumidores do que a de um subcentro planejado (shopping center) ou tradicional. 163 Por isso, formam nÃveis de influência e de frequência entre os espaços de uma determinada cidade. Diante das variações das organizações empresariais, tanto no centro de Palmas como no subcentro formado a partir da seleção imposta pelo governo durante a primeira fase da ocupação dos espaços da capital, não há uma concentração definida para o setor bancário, para as diferentes atividades de comércio. Em Taquaralto, concentra-se uma variedade significativa de lojas de vestuários, calçados, freeshops, mas predomina a diversificação nos produtos, preços e nÃveis de sofisticação de produtos e de estabelecimentos. A princÃpio, a definição de subcentros espontâneos ocorre por não haver uma intervenção direta, planejada, em relação à ocupação, delimitação de espaço, tempo para a criação, construção e funcionamento. A formação acontece a partir da iniciativa isolada de comerciantes e prestadores de serviços, formando uma complexidade espacial em termos de desenvolvimento e alterações no ordenamento territorial das cidades. Assim, os estudos voltados para a formação de novos espaços do setor terciário podem, em determinada situação, ser configurada como uma ação planejada ou pragmática. Nesse sentido, reportamos à divisão de Atenas em dois espaços: a Ãgora como espaço aberto, interligado à s pessoas, casas e comércio, onde a população percebia e participava dos acontecimentos, onde a “cidade se transforma no palco [...] ‘de áreas de representação simultaneamente animadas. Balcões, átrios, janelas, portões, escadas, telhados são ao mesmo tempo palco e camarote’. As ruas se transformam em cenas†(CARLOS, 2001, p. 72). E, por outro lado, havia a Acrópole, um espaço templário frequentado por neófitos, mestres e dignidades oficiais, o acesso se dava pela transposição do vestÃbulo ou portão central externo, ao espaço ou pátio interior, denominado de átrio, que era o último obstáculo de acesso aos prédios públicos e templos. Então, pode-se inferir que a descentralização, nas cidades ocidentais, surgiu na Grécia Clássica, posteriormente prolongando-se no Império Romano. Com a hegemonia da Igreja Católica Apostólica Romana, emergiu o processo de centralização do poder, primeiro com a instalação de igrejas matrizes, em seguida convergiam ao seu redor as outras edificações, dando inÃcio à formação de lugarejos, depois cidades. Com o crescimento da população e do território, os bispados, para ocupar os espaços, abriam outras igrejas, estendendo o poder temporal e secular da matriz, por meio das prelazias. Essa extensão, por sua vez, dava origem a um novo ordenamento urbano; consequentemente, a uma nova 164 cidade, por meio dessa descentralização. Em relação ao comércio, essa ainda é a denominação utilizada para caracterizar a ideia de mercado: A organização espontânea dos centros funcionais resulta de um conjunto de diferentes transformações econômico-sociais, decorrentes, como já foi mencionado, do aumento da população urbana e da expansão das atividades secundárias e terciárias. Assim esboça-se, hoje em dia, uma descentralização das atividades com o aparecimento dos centros funcionais através de uma reorganização do espaço urbano (DUARTE, 1974c, p. 55). Portanto, essa expansão denominada de subcentros espontâneos é a resultante de uma condição didático-acadêmica para uma melhor compreensão da relação entre tempo e espaço dos diversos processos de alteração das cidades, ou seja, das suas caracterÃsticas intraurbanas e suas variantes denominadas de subcentro ou de centro-funcional. Essas transformações envolvem a vizinhança, o trânsito, o fluxo paulatino de postos de trabalho gerados nesses espaços. Em termos metodológicos, os subcentros planejados são conglomerados de empresas que se estabelecem em um único espaço, podendo ter uma configuração lato sensu ou stricto sensu em termos de oferta de comércio e serviços, ou seja, uma natureza especializada ou complexa dentro do ramo de atuação. Há subcentros que são dotados: além das estruturas terciárias, contam com um volume ampliado de serviços públicos diversificados. De forma geral, esses estabelecimentos processam a seleção da sua clientela por meio de uma prestação de serviços acoplada à oferta diferenciada de mercadorias e serviços especializados, utilizando meios sofisticados de marketing, de exposição e acesso, condições de pagamento, margem de preços e lucros personalizados. Assim, na concepção de um capitalismo em desenvolvimento, ainda de cunho concorrencial, por isso, inicialmente, no Brasil, Esses “templos†não foram construÃdos para a grande maioria, e sim para os poucos que se situam em estratos de rendimentos mais elevados. Pensando bem, falar em 20% da população economicamente ativa detendo 64% da renda nacional significativa, em 1986, estar falando de mais de 20 milhões de brasileiros, o que não é um mercado desprezÃvel. (PINTAUDI, 1992, p. 26). 165 Nesta fase, o capitalismo brasileiro ainda estava preso à discriminação pelo consumo que era cultivado nas primeiras décadas do século XX. A alteração só veio no limiar do século XXI, corroborado pelas reformas estruturais no capitalismo regional e internacional. A partir daÃ, a polÃtica de atendimento e oferta de mercadorias dos shoppings e das redes de supermercados passaram a atrair o grande público que, por sua vez, passou a contar com uma renda mensal melhorada e complementada por um sistema de crédito mais efetivo. Outra medida importante foi a adoção de fórmulas diferenciadas de obtenção de lucros, apostando na diferenciação de produtos, prazos, preços, empurrados por novas concepções de marketing e por fluxos internos e externos de gestão, compra e estocagem. Nesse aspecto, reportamos aos Socialistas Utópicos Charles Fourier (1772-1837) e Robert Owen (1771-1858), que creditavam parte da felicidade humana à liberdade e à s condições que as pessoas adquiriam para trabalhar e consumir. Para isso, os espaços de comercialização/venda deveriam estar associados ao lazer e ao entretenimento. Por isso, defendiam a existência de um grande espaço cooperativista cimentado na ideia dos falanstérios, que eram edifÃcios portentosos que poderiam abrigar cerca de 1800 pessoas vivendo em plena alegria e cooperação. De forma lato, a luz das afirmações de Villaça (2001), pode-se afirmar que os falanstérios são espaços definidos em termos dos efeitos particulares das intensidades das interações entre o social e o espacial constituÃdos pela forma especÃfica de articulação espacial da produção, da circulação e do consumo na formação social. Em termos, os fanstérios foram as primeiras configurações dos shopping centers (SC) que temos na atualidade, para Marx(2011), esses estabelecimentos, além de instigar o consumo, modificam os interesses revolucionários em andamento a partir da introdução de antigas Concepções de seus mestres, apesar do progressivo desenvolvimento histórico do proletariado. Procuram, portanto, e nisto são consequentes, atenuar mais uma vez a luta de classes e conciliar os antagonismos. Continuam a sonhar com a realização experimental de suas utopias sociais, com o estabelecimento de falanstérios (MARX, 2011, p. 80). Conforme Bréhier (1977, p. 234), para Fourier Não existe o trabalhador a não ser agrupado com outros, e todos vivem juntos num falanstério, cujos alojamentos são separados, ainda que agrupados. É visÃvel que, no espirito de Fourier, revive algo das 166 corporações da Idade Média, de que o romantismo apresentava uma imagem idealizada, com seu companheirismo alegre, seu espirito de corporação, a ajuda mútua e suas rivalidades. Na configuração dos falanstérios, para Bréhier (1977, p. 236), “o mais conhecido é o familistério de Godin, em Guise, que ainda perdura; mas pode-se também encontrar outros traços da tradição fourieristaâ€. Na atualidade, considerando a grande concentração de capital empregado nas estruturas voltadas para a descentralização das cidades, a princÃpio as vantagens oferecidas aos consumidores são pautadas na comodidade, na diversificação de produtos e na definição da faixa de lucro a ser empregada. Esses fatores definem o perfil da clientela de parcela significativa das empresas que atuam em subcentros espontâneos ou planejados; direta e indiretamente, esta forma de ocupação dos espaços produz inúmeros problemas para o ordenamento territorial das cidades. Outro problema comum é a alteração abrupta no meio ambiente, provocado pelo sistema de circulação de veÃculos e pessoas, podendo ocasionar a expulsão de antigos moradores, precipitada por uma forte especulação imobiliária ao redor dos subcentros face aos investimentos públicos e privados efetivados para adaptar os espaços à nova realidade empresarial. Diante dessas alterações, o ordenamento territorial da cidade pode sofrer alterações súbitas, dependendo da proporção econômica dos subcentro. Em termos residenciais, conforme compilações apresentadas por Habermas (1984), no momento predomina o modelo americano de formação de um mundo “suburbanoâ€, submetendo à necessidade de conformar a relação de vizinhança à construção de pátios comuns a uma série de casas, formando um meio socialmente homogêneo, na forma de condomÃnio horizontal – “uma versão civil da vida de guarnição. O formato de caserna definem as opções de residências configuradas na ampliação do caráter privada da vida familiar†(HABERMAS, 1984, p. 187). As teorias postas sobre centro e subcentro foram importantes para entender as caracterÃsticas da descentralização promovida em Palmas em relação à seleção de pessoas e lugares e à s alterações no ordenamento territorial da cidade, diante da proximidade que essas intervenções tiveram com a polÃtica de ocupação e o contexto intraurbano de Palmas. Na atualidade, os principais problemas causados ao ordenamento territorial da cidade giram em torno da verticalização desordenada nas principais quadras, construção de condomÃnios horizontais fechados, no Plano Diretor e adjacências. Na medida em que as redes de 167 supermercados e os shoppings vão se estruturando, o subcentro de Taquaralto vem perdendo sua competividade comercial no âmbito da população do seu entorno, como de outras regiões da cidade, trazendo mais consequências para a população e desafios para os gestores públicos. 3.5 Infraestrutura e mobilidade urbana: direito de ir e vir... As cidades, enquanto espaços públicos e privados, recebem os impactos positivos e as consequências negativas do processo de produção e circulação de mercadorias. Essas consequências puderam ser mais notadas a partir das revoluções industriais e culturais; depois, com as revoluções cientÃficas e tecnológicas. Esses processos modificaram os objetivos de ocupação do solo e o formato dos territórios urbanos para atender à s demandas econômicas e demográficas. Diante dessa lógica de desenvolvimento calcada na diminuição do tempo e na transformação dos espaços urbanos em capital constante, a mobilidade do cidadão foi colocada em segundo plano diante da prioridade dispensada à circulação de mercadorias. Assim, Sposito (2001) argumenta que a busca de compatibilização entre o local de trabalho e os lugares de residência dos trabalhadores transforma a mobilidade em um problema polÃtico-social. As modalidades de transporte emergiram como solução para compatibilizar as necessidades de encurtamento de distância e do tempo para atender à s necessidades individuais e coletivas com o incremento da modernização dos meios de transportes. Antes, a solução foi facilitar o surgimento de vilas e bairros próximos à s indústrias; os terrenos urbanos foram transformados em mercadorias pelo setor imobiliário. Com o crescimento da especulação sobre o solo, o valor de uso foi se transformando em valor de troca; conforme Sposito (2001, p. 55), “Paralelamente, o desenvolvimento do modo de produção capitalista já tornara a terra também uma mercadoria, o que significa que o acesso a uma parcela do espaço destas cidades estava mediado, pela compra ou aluguel de terrenos, com construções ou nãoâ€. A partir da Revolução Industrial, a ausência de meios de transportes modernos passou a ser problema para o desenvolvimento urbano. Com o desenvolvimento, a geração, a ampliação e o acesso aos meios de transportes individuais, facilitou-se a expansão urbana 168 das cidades. Contudo, as estruturas dos transportes de massa não cresceram nas mesmas proporções da economia e da demografia, transformando o direito de ir e vir em uma possibilidade. Nesse aspecto, nem as cidades que foram planejadas escaparam da convulsão do trânsito. Diante desses aspectos, verificamos que, em Palmas, além da benevolência do poder público com as pessoas que não respeitam o direito de ir e vir ocupando de forma indevida os espaços públicos, transformando a mobilidade individual e coletiva em privilégios diante da privatização dos espaços. Outro problema surgiu com a reciprocidade estabelecida entre gestor público e os interesses da iniciativa privada, colocando o direito de ir e vir dos cidadãos em um plano secundário. Em relação a Palmas, parte dos problemas com o direito de ir e vir pode ser debitado nas transgressões do projeto inicial da cidade, na expansão desordenada do Plano Diretor e na omissão do poder público no cumprimento da legislação geral e especÃfica ao ordenamento territorial das cidades. As observações e as teorias analisadas indicaram que Palmas seguiu as mesmas diretrizes de BrasÃlia em relação ao trânsito e à mobilidade urbana. O estigma de modernidade caracterizado pelas suntuosas avenidas, quadras monumentais estilizadas por abundantes espaços residenciais, comerciais e públicos, privilegiando o trânsito de veÃculos de todas as dimensões. Palmas, mesmo sendo a última capital planejada do século XX, não oferece conforto para a mobilidade de pedestres, ciclistas e portadores de necessidades especiais, considerando que as especificidades legais sobre a mobilidade urbana, passaram a fazer parte da legislação das cidades no limiar do século XXI. Assim, do Fordismo ao Toyotismo, a democratização no sistema burguês capitalista vem se realizando por meio da evolução do consumo. Nesse aspecto, o alargamento do espaço e o encurtamento do tempo são realidades distintas e imprescindÃveis para a realização do processo de troca. Nessa direção, o direito de ir e vir passa a ser um entre os determinantes voltados para a diminuição do tempo a ser gasto nos percursos urbanos. Diante desses aspectos, a logÃstica de transportes, associada à revolução das tecnologias de comunicação e informação, transforma as cidades no lócus de realização da mais-valia relativa. Conforme Pons y Reynés (2004), a revolução provocada pelos transportes emerge dos novos processos de gestão relacionados à economia por meio de novas tecnologias de planejamento e logÃstica. Dessa forma, o desenvolvimento, tratado como objeto da Geografia Urbana, pressupõe que a definição do que é moderno, depende da evolução dos meios de transportes, mobilidade e acessibilidade, dentro e fora das cidades. A referência do 169 desenvolvimento e do progresso cimentado nos meios de transportes surgiu com os incentivos oficiais direcionados à fabricação de automóveis depois que o paÃs passou a produzir petróleo. Assim, Em 1950, juntamente com a criação da PETROBRÃS (Petróleo do Brasil S/A), implantou-se a primeira indústria de automóveis do paÃs. Sob o signo do progresso e da modernidade, a indústria automobilÃstica passou a receber investimentos e estÃmulos por parte do governo e de empresários e o automóvel tornou-se prioridade em meio a guerra polÃtica dos grupos dominantes em favor do veÃculo particular. Com o aumento progressivo do numero de automóveis, as cidades passaram a ser organizadas em função da melhor fluidez desse meio de transporte, levando à construção de grandes vias e viadutos, privilegiando o acesso do automóvel (RIBEIRO, 2000, p. 27). De modo que essas referências foram importantes para ampliar as discussões sobre as crises de mobilidade e acessibilidade nas cidades diante das prioridades dadas aos automóveis. Para atender o desenvolvimento capitalista, a prioridade das cidades foi ampliada, visando à s necessidades de circulação de mercadorias. Assim, os espaços urbanos foram alargados e multiplicados, ofertando uma forma rápida e eficiente de circulação de mercadorias; com isso, a acessibilidade e a mobilidade do cidadão ficaram em terceiro plano nessa linha de objetivos: “Assim sendo, para ter acesso à s diversas áreas da cidade, as pessoas precisam se deslocar. Esse deslocamento ocorre de varias formas: a pé, de bicicleta, de automóvel particular†(RIBEIRO, 2000, p. 24) ou utilizando os meios de transportes de massa disponÃveis, de acordo com o perfil de desenvolvimento econômico da cidade. Diante desses aspectos, a análise focou como objeto a apresentação e a discussão do direito de ir e vir em cidades planejadas, tomando como referência o ordenamento territorial de Palmas. As deduções foram caracterizadas pela totalidade e a complexidade dos fatores espaciais de Palmas, considerando que a totalidade, na visão de Santos (2008), representa um conceito abrangente e fragmentado em suas partes constituintes. Por isso, partiu-se dos conceitos de acessibilidade e mobilidade urbana de acordo com as condições existentes nos espaços públicos de Palmas, de forma individualizada e coletiva. Em termos de mobilidade e acessibilidade, a Figura 24 é uma representação das dificuldades que o poder público vem impondo ao ordenamento territorial da cidade. A gestão municipal de 2009/2012 vem investindo na proliferação de quiosques cedidos a terceiros em pontos estratégicos da cidade. Nos quiosques funcionam bares, sorveterias e 170 lanchonetes estruturados em locais de maior fluxo de pedestres, como o da figura abaixo, situado em calçadas na parte mais movimentada do comércio, onde se concentram lojas de eletrodomésticos, cartórios, agências bancárias, repartições, enfim, nos espaços mais movimentados da área central. Na Figura, percebe-se que a calçada está totalmente ocupada com equipamentos, tendas e ambulantes e na parte do estacionamento que poderia servir de desvio, a ausência de infraestrutura para escoar águas de chuva ou da utilizada pelos comerciantes, impedem a passagem de pedestres. Outro problema evidente é a verticalização que vem ocorrendo em algumas quadras do Plano Diretor, trazendo preocupações para os moradores e especialistas diante da multiplicação das habitações e de veÃculos dentro e fora das quadras comerciais e residenciais. Em função do aumento da frota e da verticalização da cidade, conforme a décima primeira entrevista analisada, os “problemas de trânsito com a verticalização já são percebidos em algumas quadras da cidade, diante da falta de critério técnico para se definir a altura dos prédiosâ€. Nesse sentido, o entrevistado cita um levantamento que fez sobre as quadras Arse 21 que só têm três entradas e a Arse 72, com duas entradas. Essas quadras estão passando por um processo de ocupação acima do que foi planejado, proporcionado por uma expansão caracterizada por uma verticalização geométrica da cidade. A partir do momento que todos os espaços existentes e os que estão sendo construÃdos forem ocupados, a mobilidade e a acessibilidade ficarão extremamente comprometidas. A verticalização nessas quadras vem ocorrendo porque os espaços planejados para abrigar equipamentos urbanos estão sendo destinados para a construção de edifÃcios residenciais. Com a construção de prédios nos espaços destinados para praças, estacionamentos e outros equipamentos urbanos, os moradores ficam sem os espaços públicos e, em muitos casos, sem os espaços privados diante da especulação que vem sendo feita com a verticalização da cidade. Em relação a essa questão, um dos entrevistados acha que essa polÃtica de ocupação vai implicar em mais prejuÃzos para a mobilidade urbana: 171 FIGURA 25 – Diagnóstico do Plano Diretor de Palmas como SubsÃdio ao Projeto Engenharia Territorial (2010). FONTE: Pereira, Marón e Teske - cedida pelo Projeto Engenharia Territorial UFT. Acho um equÃvoco essa questão da verticalização da cidade. Então hoje tá se verticalizando a cidade, isso é muito bom para a prefeitura arrecadar mais impostos, mas como fica a qualidade de vida das pessoas? Os prédios, os edifÃcios deveriam ter uma infraestrutura para oferecer aos moradores as condições necessárias de lazer e entretenimento, do contrário, do jeito que estão fazendo os prédios em Palmas, onde se quer tem garagem para os veÃculos. Nos espaços disponÃveis, fazem as entradas e saÃdas dos edifÃcios. Os moradores utilizam os estacionamentos públicos por não terem onde estacionar os seus veÃculos. Tudo isso, ocorre no momento em que a cidade começa a se verticalizar (15ª entrevista analisada). Enfim, estes são problemas do ordenamento territorial de uma cidade planejada. Outro fator significativo é que o projeto não contemplou a construção de estruturas para o trânsito de bicicletas: “Vinte anos depois, começam a implantar ciclovias de forma 172 equivocada†(10ª entrevista analisada). Com essa concepção, associada à polÃtica de organização do trânsito e, em relação aos aspectos fÃsicos da cidade, o direito de ir e vir é transformado em confrontos diante das deformações que as ocupações indevidas vêm provocando no ordenamento territorial da cidade. Em outros espaços, os problemas são decorrentes da falta de urbanidade dos moradores e empresários, diante da ausência de fiscalização do setor público para coibir situações já perenizadas, como as demonstradas nas Figuras 25 e 26, em quadras movimentadas do Plano Diretor. Essas ocupações e a ausência do poder fiscalizador da prefeitura estabelecem um conflito entre o que se pratica e os indicativos dos Artigos 6º e 9° da Lei Complementar nº 155, de 28 de dezembro de 2007, as quais especificam, respectivamente: Art. 6º. A função social da cidade de Palmas corresponde ao direito à terra, à moradia, ao saneamento ambiental, a uma cidade humanizada, à infra- estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho, à cultura e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. Art. 9° A humanização da cidade compreende a adaptação do espaço urbano a uma condição aprazÃvel para o convÃvio e usufruto dos cidadãos com qualidade de vida, através de arborização urbana adequada, condições de mobilidade e acessibilidade urbana sustentável e espaços para o exercÃcio da cidadania, conservando e preservando o meio ambiente. Se não bastasse o perfil do empreendimento para o local, a comunidade termina convivendo com a obstrução das vias públicas, o que vai à contramão de uma cidade moderna do ponto de vista da essência urbana. Conforme Habermas (1984), quanto mais a cidade como um todo se transforma numa selva dificilmente penetrável, mais a população se recolhe à sua esfera privada, mesmo com a divisão do território em espaços públicos e privados. Nestes espaços, a população luta para manter a acessibilidade e a mobilidade nos espaços públicos. Porém, a perversão caracterizada por ocupações mal ordenadas resulta em um trânsito caótico e tirânico. Reportando a Habermas (1984), com o aumento do consumo, a ocupação do espaço fica dependente da reprodução social, a decisão de ocupar depende do perfil polÃtico e econômico da sociedade. Contudo, o exercÃcio do poder depende do poder eleitoral exercido pelas pessoas privadas; por isso, nas cidades, ocorrem influências negativas do eleitor sobre a gestão da esfera pública, descaracterizando os espaços de ir e vir. 173 FIGURA 26 – Avenida LO 11 (Leste Oeste) 404 Sul. Fonte: José Miranda, 2012. Considerando que Palmas é uma cidade planejada, a população precisava contar com uma infraestrutura mais definida em termos das pequenas e grandes necessidades direcionadas à acessibilidade da população. Nesse aspecto, focalizamos uma das passarelas com sinaleiro próximo ao Palácio Araguaia onde colocaram uma fileira de indicadores para deficientes visuais que, em termos práticos, “não leva a lugar nenhum†(15ª entrevista analisada), diante da descontinuidade dos indicadores colocados no piso da calçada, como da ausência de sinais sonoros para completar as informações sobre as opções de mobilidade e acessibilidade no local (Figura 29): 174 A acessibilidade em Palmas é uma coisa que não dá pra entender, se fazem calçadas em alguns locais, em outros não tem. Absurdos acontecem nessa cidade. No canteiro central, por exemplo, numa avenida principal como a JK, na área central tem sinalizador pra deficientes visuais, mas na lateral não tem. Para quê um sinalizador colocado daquela forma? Primeiro, a pessoa com deficiência visual não vai encontrá-lo. Os outros que passam nem sabem pra quê serve e por que aquelas peças diferentes estão no passeio? Quer dizer, é uma questão completamente equivocada. Parece até que puseram porque acharam bonito, por isso, não tem função. (15ª entrevista analisada). FIGURA 27 – Sinalização para deficientes visuais. FONTE: Heráclito, 30/12/2011 – cedida pelo autor. Diante da situação, o cadeirante, o idoso, a gestante e outros portadores de necessidades especiais, em Palmas, nem o poder público, nem a população têm uma cultura voltada para a democratização da acessibilidade e para a mobilidade urbana. Isso pode ser observado na forma como os consumidores dos supermercados conduzem os carrinhos, no trânsito de pedestres, como as pessoas estacionam os veÃculos nas quadras, no comércio, enfim, há uma privatização dos espaços. Todas essas transgressões em uma cidade planejada deveriam despertar mais a opinião pública e os órgãos encarregados da logÃstica e do Indicativos para a locomoção de deficientes visuais 175 controle de transporte e mobilidade, mesmo considerando que os espaços das cidades planejadas foram construÃdos para priorizar o trânsito de veÃculos. Historicamente, o território da margem direita do rio Tocantins, antes da construção de Palmas, era de difÃcil acesso; por isso, a democratização por meio dos transportes e comunicação não se realizava diante da frágil estrutura urbana na região. Com a destruição dos espaços naturais, surgiu a urbanização, a possibilidade de uma democratização pelo viés da circulação de produtos e pessoas. Com o desenvolvimento, a cidade em pouco tempo exige novas redefinições do ordenamento territorial caracterizada pelas novas estruturas dentro e fora do perÃmetro urbano. Nessa perspectiva, a democratização ensejada pelo capitalismo, além do espaço, prevê o aumento da circulação dos bens de consumo de toda espécie. Assim, na medida em que a sociedade se democratiza pelo consumo, ocorre a diminuição dos espaços de circulação e o encurtamento do tempo, permeado por um desenvolvimento decorrente da individualização e da particularização dos espaços públicos. Os problemas com a mobilidade podem ser percebidos em diversas quadras da cidade; porém, selecionamos os que estão mais evidentes e perenizados, como o existente na NS 4, no Plano Diretor, entre as quadras 704 e 706 Sul. Em uma das mais novas áreas comerciais montadas nessas quadras, a mobilidade está totalmente prejudicada pela ocupação indevida das calçadas por parte dos comerciantes e prestadores de serviços ali estabelecidos. Neste ponto, a obstrução é feita com pneus, placas e veÃculos, conforme Figura 27. Nesta altura da Avenida NS 4, pelo lado de dentro da quadra, a tendência é o agravamento do trânsito. Na rua asfaltada, que se vê no fundo da placa, estão sendo construÃdos dois edifÃcios com 10 andares que vão se somar aos inaugurados na 706 Sul. Após a inauguração desses condomÃnios, a circulação nesses espaços será ampliada progressivamente, deixando a mobilidade nas calçadas totalmente prejudicada. Diante da situação, as pessoas que não utilizam veÃculos não encontram espaços para locomoção. Este cenário é representativo em parte das quadras residenciais, que vem sendo sufocadas pela verticalização, pelo aumento progressivo da população em relação ao planejamento urbano em relação a frágil infraestrutura existente e a ausência de fiscalização do poder público nessas áreas. 176 FIGURA 28 – NS 4, em frente ao Posto PetrolÃder da Quadra 704 Sul. FONTE: José Miranda, 2012. Por conseguinte, a democratização liberal representa o aumento da individualização das pessoas. A realização desse processo no ir e vir das cidades condiciona as pessoas a andarem sozinhas nos carros, formando um coletivo de seres individuais segregados em belas avenidas, mas condicionadas pelo cronômetro do processo de produção. Essa materialização do tempo no espaço de saÃda e chegada descaracteriza a democratização do direito de ir e vir em espaços urbanos, embora as cidades novas sejam plantadas para facilitar o trânsito de veÃculos. Assim, nem mesmo as largas e suntuosas avenidas suportam a carga diária dos consumidores de espaços, dentro de um tempo delimitado. Em outros termos, a democracia do direito e ir e vir não encontra respaldo nas grandes e médias cidades; o que prevalece é a lógica do espaço público como objeto de consumo. As alterações no trânsito de Palmas são proporcionadas por diversos fatores internos e externos. Entre os internos, estão a caracterÃstica centrÃpeta da cidade, a expansão 177 urbana, o aumento da frota, os significados do comércio, serviços, indústria e lazer na rede urbana de Palmas, as caracterÃsticas do ordenamento territorial da cidade. Em sÃntese, essas são as principais variáveis para a caracterização da mobilidade interna da cidade. O trânsito de Palmas se realiza por meio de duas avenidas NS (Norte-Sul), que cortam parcialmente a cidade; complementam esse fluxo duas outras opções: a Avenida Teotônio Segurado e a rodovia TO-050, ambas cortam a cidade de norte a sul. Tem-se, portanto, uma avenida e uma rodovia estadual cortando a cidade. Com o aumento da mobilidade de fora para dentro, no sentido sul-norte, considerando que há duas saÃdas, uma pela Ponte da Integração Nacional, ligando Palmas à BR-153 através da cidade de ParaÃso do Tocantins e outra mais recente, ligando Palmas à cidade de Miracema do Tocantins, Miranorte e à BR-153. Por essas ligações, a cidade vem recebendo um fluxo maior de veÃculos de passeio e de cargas, principalmente dos que vem ou passam para BrasÃlia. Esse movimento vem exigindo a abertura de novas avenidas NS (Norte-Sul) com o propósito de equilibrar o fluxo de veÃculos, principalmente em alguns cruzamentos/rotatórias centrais. Há a necessidade diária da gestão do trânsito da cidade. Essas medidas tornam-se necessárias para redimensionar o fluxo de trânsito para as avenidas LO (Leste-Oeste), privilegiando pistas (baias ou eixos) das NS para o transporte de massa. Outra providência que deveria ser tomada, na visão de entrevistados, para ampliar a mobilidade seria colocar equipamentos eletrônicos para delimitar o tempo e a prioridade nas entradas das rotatórias. Nesses cruzamentos, os condutores das três pistas (das avenidas), ao entrarem nas rotatórias, um dos carros é espremido pela supressão de uma das pistas. O entendimento técnico relacionado ao planejamento e a redução de pistas nas rotatórias funcionam como inibidor de velocidade e humanização do o trânsito. Por isso, Está deliberado para não permitir o tráfico de alta velocidade nas ruas que são largas para suportar o tráfico da alta densidade, mas não são largas para permitir que as pessoas trafeguem em alta velocidade, e daà as rótulas serem limitadores de trânsito mesmo, para não acontecer o que está acontecendo em outras cidades. Como todas essas reclamações que à s vezes se faz aqui em Palmas de maneira um pouco gratuita, Palmas ainda tem o melhor trânsito que eu conheço de qualquer capital brasileira, é melhor que o de Goiânia que está todo congestionado, é melhor que o de BrasÃlia que têm os seus eixos e a concepção é diferente que aqui há uma concepção de igualdade de hierarquia para distribuição do tráfico (1ª entrevista analisada). 178 Conforme Figura 28, pode-se observar a redução do número de pistas na entrada da rotatória sem indicativos de prioridade. Na visão dos especialistas entrevistados, antes de Palmas ter quatrocentos mil habitantes, o poder público deverá promover alterações nas principais artérias e expandir outras com a adição de equipamentos para controlar o fluxo de veÃculos ou fazer como fizeram em BrasÃlia (construção de viadutos em diversos cruzamentos); paralelo a isso, os gestores deverão ampliar a oferta e a qualidade dos serviços de transportes urbanos, considerando que melhorar o transporte coletivo não se resume em ampliar o número de linhas e ônibus, mas oferecer conforto e mobilidade nas estações e pontos de embarque e desembarque, pois a estrutura existente é muito precária e não atende à s necessidades básicas da população: FIGURA 29 – Vista de parte da Região Central da cidade – trecho da Avenida LO Onze (Leste Oeste). FONTE: Oficina SEL - Palmas –TO, Laboratório da Paisagem FAU-USP, 2008. O sistema de transporte coletivo da capital conta hoje com 215 ônibus que percorrem as 74 linhas do sistema. Ao todo são 782 abrigos para passageiros, que 445 devidamente instalados, outros 221 pontos de paradas 179 possuem somente as placas e 116 paradas não contém a identificação. Os usuários do sistema somam 66 mil passageiros ao dia, conforme a Prefeitura de Palmas. O valor investido atualmente no sistema não foi informado pela prefeitura. (SÊNE, 2012, p. 13). Por outro lado, a desordem territorial provocada pelo baixo adensamento nas justificativas das empresas e de especialistas dificulta a melhoria do trânsito e a ampliação das opções de transporte de passageiros. Contudo, de imediato, essa questão poderia ser minimizada com o prolongamento das avenidas do Plano Diretor até os bairros das regiões norte e sul. Considerando que a atual gestão será finalizada em 2012, esses desafios ficarão para o próximo prefeito. Nessa direção, os conteúdos da primeira entrevista analisada relatam que a gestão atual da cidade deveria providenciar “planos circulação, tráfico e transporte público de uma maneira mais organizada do que está acontecendo, com sinalização vertical, sinalização horizontal†(1ª entrevista analisada), permeada por uma estrutura de transporte público funcional de acordo com o crescimento e o planejamento da cidade. Na Figura 29, o estreitamento das pistas fica mais claro nas proximidades das rotatórias; quando indagamos se isso poderia ser um erro de dimensionamento durante a construção, foi-nos dito que não, a construção seguiu todas as indicações do projeto da cidade. As alterações no projeto de uma cidade planejada como Palmas contam com os seus agentes interessados para defenderem a manutenção da originalidade do projeto. Assim, os enfrentamentos vêm dos projetistas, do polÃtico que idealizou e criou a cidade, de representantes de organismos especializados em cultura, arquitetura e antigos gestores. Na visão de um dos motoristas, a mobilidade principalmente na área central as rotatórias, denominada por um entrevistado de “queijoâ€, devem ser trocadas por outras estruturas: Veja, a parte central da capital ela está precisando urgentemente ser mudada, tirar os queijos, e colocar cruzamentos, porque nos horários de pico atrapalha a gente. Essas questões foram abordadas com o pessoal do trânsito, por que nos queijinhos você chega com duas pistas, dentro circula com três, sai do queijo com três pistas, isso esta tudo errado (18ª entrevista analisada). 180 FIGURA 30 – Foto Panorâmica do cruzamento entre a Avenida LO Onze (Leste Oeste) e a Avenida Teotônio Segurado. (23/08/2008). FONTE: Fernando Alves - cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Em Palmas, as estatÃsticas mostram que, na única avenida que não tem rotatórias, a prioridade nos cruzamentos é regulada por sinaleiros e a velocidade controlada por meio eletrônico. Na avenida Teotônio Segurado, o Ãndice de acidentes é maior. Assim, mesmo com esses dispositivos, os condutores não respeitam os limites de velocidade diante de uma reta de mais de 15 quilômetros cortando a cidade de norte a sul, conforme mostra a Figura 30. Nesta avenida, são constantes os abalroamentos nos cruzamentos, batidas envolvendo motociclistas, atropelamentos de pedestres próximos aos pontos de ônibus, tudo em razão da ausência de passarela e faixas para definir as prioridades, considerando que as paradas ficam no lado direito da avenida. Como se percebe, o planejamento priorizou a mobilidade de veÃculos. 181 FIGURA 31 – Trecho central da Avenida Teotônio Segurado. (23/08/2008). FONTE: Fernando Alves, cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Na Avenida Teotônio Segurado, além do fluxo maior de acidentes, as estatÃsticas demonstram que a maior parte é com vÃtimas com proporções graves diante da velocidade que os veÃculos atingem, principalmente nas partes menos habitada da avenida. Diante disso, qual seria a racionalidade do trânsito urbano em relação ao direito de ir e vir? Para muitos crÃticos, a racionalidade do trânsito estaria relacionada ao ordenamento territorial da cidade, caracterizada nos logradouros públicos e na consciência dos condutores. A rotatória pode ser vista como redutor de velocidade e acidentes. Para um dos entrevistados (Entrevistado 10), “as rotatórias surgiram quando não existiam carros motorizados, por isso, o transporte era processado com veÃculos de tração animalâ€. Nas rotatórias, os acidentes são mais leves, quase sempre de natureza material diante da impossibilidade de se atingir velocidades altas. Por outro lado, as rotatórias é um bom espaço para o motorista que adquiriu a prioridade, depois de atingir uma das pistas do cÃrculo rotatório. Para os pedestres e para os carros que aguardam espaços para entrarem no cÃrculo, a falta de definição da prioridade é um transtorno contÃnuo, principalmente nos horários de pico. 182 A introdução de indicadores de prioridades nestes espaços traria estabilidade para os condutores e menos conflitos, principalmente para os veÃculos de transporte de massa. Diante disso, as rotatórias são eficientes para a redução de acidentes; porém, carecem de instrumentos para normalizar o fluxo de veÃculos nesses espaços sem aumentar a velocidade. Para isso, muitos especialistas são favoráveis à associação entre rotatórias e sistemas de controle eletrônico. Para os que defendem a manutenção do projeto original, defendem que Palmas, mesmo com os congestionamentos em determinados cruzamentos e horários, são mais comuns porque a prefeitura não abriu as artérias necessárias para escoar o fluxo de trânsito no sentido norte-sul: O tráfico em Palmas pode estar hoje um pouco mais congestionado do que deveria porque há uma parte cidade que não fez as suas ligações de forma conveniente que é a parte oeste da cidade não há ligações com as avenidas norte e sul, onde estava o antigo aeroporto, talvez se houvesse isso nós não tivéssemos nem isso que se chama de congestionamento, a gente espera que não ultrapasse nunca há dois minutos, que é o mÃnimo que o sinal de trânsito faz a gente esperar numa cidade que tem a concepção diferente (1ª entrevista analisada). Com a redução das pistas na entrada das rotatórias, na medida em que a cidade cresce os problemas de mobilidade urbana se agravam. As dificuldades para a implantação de uma logÃstica mais adequada ao fluxo de automóveis e da prioridade dos veÃculos do transporte coletivo se avolumam pelo fato de os ônibus não conseguirem realizar manobras nas rotatórias, utilizando só uma das pistas, neste caso, a da direita. Com o aumento do tráfego de veÃculos nas avenidas centrais, fica evidente a falta de opções de escoamento para os automóveis que trafegam nos sentidos Norte-Sul e Leste-Oeste. Em relação ao que se vive em termos do trânsito, percebe-se a necessidade de se criar mecanismos de prioridade para o transporte coletivo e para as rotatórias, diante do crescimento demográfico e do número de veÃculos. Entretanto, o maior problema do transporte coletivo, para Teixeira (2009),refere-se aos vazios proporcionados pelas polÃticas de expansão da malha urbana, antecipando anos do crescimento territorial e demográfico da cidade, traduzindo os nÃveis de improvisação e da ausência de diálogo entre governo e as organizações da sociedade civil. A expansão desordenada, além de mexer com os serviços básicos da cidade, instituiu a especulação do uso do solo urbano. Na proporção em que as cidades crescem 183 demograficamente, os problemas de falta de moradia para todas as faixas vão se agravando, com a migração e com a elasticidade da cidade: O pressuposto segundo o qual a produção da cidade é um momento/movimento do processo de produção do espaço social abre a perspectiva da produção do espaço como condição da realização da vida, iluminando sua natureza social e histórica no âmbito do processo geral de produção da sociedade (CARLOS, 2004, p. 292). Esse processo é resultante da modernização tecnológica de alguns sistemas produtivos, no campo e nas grandes cidades, acarretando, em um primeiro momento, a elevação dos Ãndices de desemprego, diante do encurtamento dos espaços, mediante o novo perfil da mais-valia implementada pelos setores mais desenvolvidos da produção e da circulação de mercadorias. Em face dessas crises, Palmas se tornou opção para categorias e classes sociais restabelecerem as relações de trabalho: A cidade não é espontânea. É o resultado de ideais difusos, onde o coletivo esvaziou o seu sentido, tornando-se a soma de indivÃduos em busca oportunidade ou oportunização. A luta fragmentada de um século, ou dos anos 50 e 60 do século XX, [...] ganhou as falas de outras gerações e seus projetos inconclusos para o contexto inédito de 1988, que possibilitou a criação do Estado. Hiperbolicamente, o projeto de Siqueira Campos é conectado aos projetos de Teotônio Segurado, concebidos em 1821. (SILVA, 2008, p. 50). A cidade de Palmas, depois dos anos 1990, tornou-se opção para a mobilidade social de parcela da população. Nesse contexto, o Tocantins foi a que mais cresceu e se beneficiou com as crises urbanas das grandes regiões do paÃs, por ser um espaço urbano menos competitivo diante da transição da mais-valia do sistema produtivo concorrencial ao sistema de produção monopolista, “consideradas como categorias analÃticas (capital diretamente produtivo ou não, capital valorizado e desvalorizado, capital constante e capital variável, capital público e privado)†(SANTOS, 2007, p. 150). De forma que a transição entre a predominância no trabalho vivo para a aplicação de técnicas, tecnologias e sistemas de comunicação e informação possibilita a modernização da produção de alguns setores com a inclusão do trabalho morto. Assim, Palmas, mesmo diante da predominância de uma economia tipificada na circulação de mercadorias e prestação de serviços, “o espaço urbano apresenta um sentido profundo, pois se revela condição, meio e produto da ação humana – 184 pelo uso – ao longo do tempo [...]. Assim, a cidade se realizaria também, como lugar do possÃvel – possibilidade de um projeto voltado para o futuro†(CARLOS, 2007, p. 10). Assim, a mobilidade de Palmas foi caracterizada por um projeto centrÃpeto em relação à s estruturas de poder, conforme Figura 31. FIGURA 32 – Plano Diretor de Palmas - 1990. FONTE: Thenes Pinto - cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Essa caracterização pode ser vista na distribuição dos espaços das repartições públicas, comércio e serviços. Contudo, há quadras residenciais em que alguns serviços e comércios são disponibilizados. Em relação à s dificuldades de realização do direito e ir e vir, pode ser vistana ausência de critérios para a colocação da sinalização; em muitos espaços da cidade encontram-se placas que não foram feitas com tinta fosforescente, por isso não são visÃveis à noite ao reflexo das luzes dos automóveis, as constantes alterações na estrutura de endereçamento da cidade: 185 Por exemplo, uma mudança, mudança de endereço, mudança de vias, a falta de intervenção no transito, pra organizar melhor o transito, a falta de sinalização. Porque veja bem, o problema de Palmas que eu vejo, os prefeitos colocam placas que não refletem, elas não são feitas com aquela tinha que reflete, são feitas com tinha comum (18ª entrevista analisada). A falta de critérios pode ser notada em relação à colocação de placas também pode ser percebida em diversos cruzamentos, conforme demonstra a Figura 32. FIGURA 33 – Avenida JK saÃda para a cidade de ParaÃso do Tocantins na rotatória da entrada do Campus da UFT. FONTE: VinÃcius Vicco, novembro de 2011. Por ser a última capital planejada do século XX, o projeto de Palmas não contemplou ciclovias, as extensões construÃdas, na opinião dos entrevistados e especialistas, não atendem as necessidades dos usuários em termos dos aspectos da segurança e da 186 mobilidade oferecida por esses equipamentos; por outro lado, as administrações da cidade não se preocuparam em arborizar as calçadas para diminuir o impacto do calor da cidade. Determinados espaços foram dotados de estruturas fixas de concreto que impedem a mobilidade nas calçadas, como é o caso da Avenida Palmas Brasil, especializada no ramo de alimentos, bebidas e shows (Figura 33). Essa estrutura foi construÃda nas duas mãos da Avenida. A ideia constitui-se em chamar a atenção dos passantes para um pórtico edificado entre o asfalto e as entradas dos comércios das quadras 61 e 71, no endereçamento atual 604 e 704 sul. FIGURA 34 – Vista parcial do Pórtico daAvenida Palmas Brasil, no sentido Leste- Oeste. FONTE: VinÃcius Vicco, novembro de 2011. Contrastando com o projeto urbano, ainda há estruturas improvisadas em espaços privilegiados da cidade, refletindo o custo da expansão ou a falta de prioridade relacionada à 187 mobilidade dos sucessivos gestores, como se vê na Figura 34. A Avenida NS 15 dá acesso à s praias do Prata, Graciosa, Quartel da Capitania Naval Araguaia Tocantins da Marinha de Guerra do Brasil, Vila Militar da Marinha e Exército, a área dos clubes, e das áreas residenciais da região Oeste da cidade. FIGURA 35 – Ponte da Avenida NS (Norte Sul) 15. FONTE: Fernando Alves (2008) - cedida pela Gerência de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Palmas. Em termos do ordenamento territorial da cidade, a prefeitura implantou uma polÃtica de construção de quiosques na cidade; até setembro de 2011, tinham sido construÃdos 46 quiosques em diferentes locais: esquinas, próximo à s rotatórias, pontos de ônibus, lugares com maior fluxo de pessoas. Para alguns entrevistados, esses empreendimentos foram uma tentativa para socializar, juntar, preencher as pessoas, considerando que as cidades planejadas têm pouca socialização das pessoas nas ruas, avenidas e calçadas, como ocorre nas cidades tradicionais. 188 Esses são alguns dos problemas detectados no ordenamento territorial de Palmas relacionado à mobilidade e à acessibilidade. A Agência de Trânsito, Transporte e Mobilidade, por meio do departamento de engenharia de trânsito, afirma que as artérias existentes não atendem à demanda crescente da população e do número de automóveis; para isso, o fluxo norte e sul necessita da abertura de mais avenidas paralelas à Teotônio Segurado, nas duas margens, direita e esquerda. Na margem direita, a expansão atenderia ao fluxo interno e externo de veÃculos provenientes de outras cidades ou estados, pela Rodovia TO-050. O aumento do fluxo de veÃculos se dá em função da ponte inaugurada em novembro de 2011, com acesso ao extremo norte do Estado ou para os estados limÃtrofes, depois da inauguração da ponte entre Lajeado e Miracema com acesso a BR-153 através da cidade de Miranorte. O mapa 04 especifica as rodovias e caracteriza os acessos e a mobilidade através dos municÃpios e os estados limÃtrofes do sul e do norte. Entre as rodovias que ligam Palmas à s outras regiões, as que dão acesso à BR-153 são as de maior fluxo são as rodovias que ligam Palmas à s de ParaÃso a Miracema. Essas duas opções drenaram parte do movimento da BR-153, principalmente do trânsito proveniente de BrasÃlia, em algumas partes das regiões Centro Oeste, Sudeste e Nordeste. Diante dessas novas opções, um ex-prefeito de Palmas relatou em entrevista concedida ao Jornal do Tocantins, publicada no dia 20 de maio de 2012, do aniversário de 23 anos da cidade, ao ser abordado sobre a ampliação das opções de acesso e mobilidade no centro da cidade, disse que se o seu governo fosse hoje, a prioridade seria “acabar com as interrupções das principais avenidas. Outra media seria duplicar a Avenida Teotônio Segurado†(ROCHA, 2012, Jornal do Tocantins, p. 14). 189 MAPA 04 – As rodovias existentes para acesso e mobilidade de Palmas. 190 Diante da ampliação da infraestrutura, as possibilidades de mobilidade existentes não serão suficientes para atender ao fluxo a ser proporcionado pelos empreendimentos vinculados aopólo multimodal da Ferrovia Norte Sul e da central de abastecimento da Petrobrás – empreendimentos que estão sendo montados à margem esquerda do lago de Lajeado, do lado oposto de Palmas. Todos os reflexos com as demandas de serviço e abastecimento refletem no ordenamento territorial de Palmas, que arcará com o fluxo de trânsito proporcionado pelas estruturas de acesso e mobilidade que convergem para o centro da cidade. Prevendo o aumento da frota e dos problemas de trânsito nas cidades, conforme foi divulgado pelo Jornal Estadão (2012), para ampliar a mobilidade e disciplinar o fluxo de veÃculos, a Presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei n. 12.587, de 03 de janeiro de 2012, em cujo Art. 1 o se estabelece que a PolÃtica Nacional de Mobilidade Urbana foi editada de acordo com o que prevê a polÃtica de desenvolvimento urbano especificada no inciso XX do Art. 21 e Art. 182 da Constituição Federal, objetivando a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do MunicÃpio. Dessa forma, Os municÃpios poderão cobrar pedágio para diminuir o trânsito de automóveis, segundo a Lei de Mobilidade Urbana, sancionada na última semana pela presidente Dilma Rousseff. Um dos principais objetivos é estimular o transporte coletivo e reduzir a emissão de poluentes. A nova lei autoriza a cobrança de tributos pelo uso da infraestrutura urbana, "visando a desestimular o uso de determinados modos e serviços de mobilidade". A receita gerada pelo pedágio ou outra forma de tributação deve ser destinada ao transporte coletivo, como a concessão de subsÃdio público à tarifa. O uso de bicicletas também precisa ser estimulado, segundo o texto. As novas regras de incentivo ao transporte coletivo podem não entrar em vigor antes da Copa do Mundo de 2014, porque os municÃpios têm prazo até 2015 para se adequarem a elas. As 1.663 cidades brasileiras com mais de 20 mil habitantes terão de elaborar planos de mobilidade urbana. E as cidades que não cumprirem o prazo de três anos para os planos podem ser punidas com a suspensão dos repasses de recursos federais ao setor. (SALOMON, Marta, DANTAS, Iuri e VIANNA, Andréa Jubé). Lei federal autoriza criação de pedágio urbano por prefeituras. (DisponÃvel em:http://www.estadao.com.br. Acesso em: 17 jan. 2012). Assim, a PolÃtica Nacional de Mobilidade Urbana, definida na Lei n. 12.587/2012, especifica em seu Art. 5º que os princÃpios de acessibilidade universal devem estar interligados ao desenvolvimento sustentável das cidades por meio das dimensões socioeconômicas e ambientais. Estabelece normas para as cidades oferecerem equidade e 191 acesso para todos os cidadãos ao transporte público coletivo, de forma eficiente. A prestação dos serviços de transporte urbano deve ser estabelecida democraticamente por meio do controle social constituÃdo de forma planejada e avaliada de acordo com a polÃtica nacional de mobilidade urbana, partindo das necessidades de segurança nos deslocamentos das pessoas, sendo permeada por uma justa distribuição dos benefÃcios e dos ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços. Por fim, a gestão pública deve levar em conta a equidade no uso do espaço público de circulação, observando os logradouros, a eficiência, a eficácia e a efetividade na circulação urbana. Conforme Art. 7 o , a PolÃtica Nacional de Mobilidade Urbana possui os seguintes objetivos: I - reduzir as desigualdades e promover a inclusão social; II - promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais; III - proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade; IV - promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades; e V - consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contÃnua do aprimoramento da mobilidade urbana. Presidência da República. (DisponÃvel em: http://www.planalto.gov.br; Acesso em: 17 jan. 2012). Palmas está entre as cidades que poderão aplicar os novos dispositivos para disciplinar o trânsito e forçar a população a utilizar o transporte coletivo. A obrigatoriedade mexerá com as estruturas de mobilidade das camadas médias das sociedades, no universo de 1.663 cidades brasileiras com mais de 20 mil habitantes. Contudo, a medida deve, caso seja implantada e fiscalizada regularmente, produzir efeitos mediatos na população e na gestão dos municÃpios para oferecer condições satisfatórias de transporte coletivo. Caso essas melhorias não sejam concretizadas, poderá haver um princÃpio de revolução, diante dos desajustes do trânsito e da mobilidade provocada pelo aumento geométrico da frota de veÃculos em relação à progressão aritmética da infraestrutura urbana, fenômeno este sistematicamente reproduzido nas cidades grandes e médias. 192 CAPÃTULO 04 OS REFLEXOS DAS INTERVENÇÕESINTERNAS E EXTERNASAO TOCANTINS NO DESENVOLVIMENTO URBANO DE PALMAS 4.1 Relação capital-trabalho e expansão urbana Desde a instituição da República em 1889, a polÃtica de ocupação evoluiu para a construção de uma identidade autocrática, caracterizada pelas novas relações entre capital e trabalho, considerando que, antes, o sistema de produção era escravista. Legalmente, essa fase deixou de existir em 1888, com a publicação da Lei n. 3353, que aboliu a escravidão no Brasil. A partir daÃ, o capitalismo brasileiro oficialmente começou a produzir com a inserção da mão de obra assalariada. Esse processo produziu uma nova realidade urbana nas maiores cidades da época, ante a ausência de polÃticas habitacionais para abrigar a nova força de trabalho. Essa herança permaneceu impregnada nas estruturas polÃticas de determinadas regiões e municÃpios. Com isso, as cidades foram transformadas em um apêndice dos interesses de grupos hegemônicos que estabeleceram estratégias privadas de gestão dos espaços públicos. Contudo, essas estratégias, em grande parte, sucedem-se nas sociedades perante a frágil correlação de forças polÃticas, tornando os ambientes urbanos flexÃveis à proliferação de interesses privados. Historicamente, essas estratégias foram mantidas por meio de decisões monocráticas e direcionadas à produção de mais valia. Essas intervenções reificam as relações entre cidadão e gestor, transformando-as em um tipo ideal 29 estabelecido nas trocas entre o poder e as frações dependentes. Essa prática permanece comum em determinados segmentos da sociedade brasileira: “As razões disto se encontram no próprio aparelho estatal, em parte pelas orientações próprias das burocracias, em parte 29 O tipo ideal de Max Weber corresponde ao que Florestan Fernandes definiu como conceitos sociológicos construÃdos interpretativamente como instrumentos de ordenação da realidade. O conceito, ou tipo ideal, é previamente construÃdo e testado, depois aplicado a diferentes situações em que dado fenômeno possa ter ocorrido. À medida que o fenômeno se aproxima ou se afasta de sua manifestação tÃpica. (COSTA, 1997, p. 75). 193 porque dentro daquela se encastelam interesses sociais conservadores†(O’DONNELL, 1989, p. 390). Sucessivamente, essas tradições vinculam os interesses polÃtico-econômicos ao processo de renovação da classe dominante por meio de uma centralidade polÃtica, familiar ou privada, impedindo uma melhor distribuição das oportunidades em um processo de formação social caracterizado por intervenções privadas, conforme afirma Habermas (1984, p. 170): O intervencionismo se origina de uma tradução de tais conflitos de interesses, que não podem mais ser desencadeados apenas dentro da esfera privada, para o âmbito polÃtico. Assim, a longo prazo, o intervencionismo estatal na esfera social corresponde também a transferências de competências públicas para entidades privadas. Nesse aspecto, pode-se dizer que no Tocantins parte das ações empreendidas pelos sucessivos governos constava de uma forte intenção direcionada para o controle dos espaços públicos para beneficiar interesses privados. Por isso, as intervenções reproduziam um grau de dependência condicionada pelas formas de acesso ao emprego e à habitação, estabelecida pelos aparelhos de Estado. Esse perfil de relação foi estabelecido com a maioria dos migrantes, principalmente dos que receberam a denominação de pioneiros, composta por pessoas de diferentes camadas que chegaram ao Tocantins entre 15 de março de 1989 e 15 de março de 1991: O empresariado de Palmas não foi formado empresário, ele veio no inÃcio de Palmas, como veio um monte de gente pra cá, de acordo com as oportunidades foram montando os negócios. Alguns exemplos são clássicos, os Valadares no inÃcio de Palmas eles tinham loja de material de construção, agropecuária, construtora, loja de peças, e mais alguma coisa. Na realidade, eles eram os grandes empresários de Palmas. Se você pegar os materiais de construção do inÃcio de Palmas, todos já quebraram, por quê? Eles na verdade não eram empresários, mas aprendizes de empresários, todo mundo era aprendiz de empresário, poucos tinham experiências, a maioria arriscou tudo que tinha para se estabelecer como empresário. No ramo de hotéis, no ramo de restaurante, a maioria dos pioneiros não existe mais. Se você pegar o empresariado de Palmas hoje, de 12, 15 anos atrás, não dá 5% dos que continuam no mercado, a maioria parou, fechou, porque não tinha competência e nem se modernizou, nem evoluiu, tanto é que foi saindo fora. Outros mais competentes, trazendo uma logÃstica de compra, estocagem e venda voltada para a diminuição dos custos operacionais (13ª entrevista analisada). 194 Essas diferenças nos perfis dos pioneiros podem ser encontradas no caderno Os Rumos para a Prosperidade:o veÃculo divulga todas as polÃticas desenvolvidas pelo primeiro governo do Estado do Tocantins. O caderno apresenta, nas páginas 13-14, um resumo das ações do governo para montar o quadro de pessoal do Estado, com a edição da Lei nº 157/90. Essa lei apresentava as diretrizes para a realização de um concurso público para o provimento de dezessete mil vagas, a menos de três meses do encerramento do mandato do primeiro governador. De acordo com a polÃtica de acesso do emprego público do governo, o concurso deveria privilegiar os migrantes pioneiros que entraram no serviço público de 1989 a 1990. Para isso, o edital foi adaptado à realidade dos servidores contratados sem concurso. Para institucionalizar esses benefÃcios, foi editado o decreto 1.520/90, regulamentando todas as diretrizes necessárias à aplicação de um concurso para o quadro geral do Estado: “Por força de lei, coube à Casa Civil a emissão dos tÃtulos de Pioneiros do Tocantins, entregue a todos os servidores do Estado, em condição de recebê-los†(CAMPOS, 1991, p. 13), conforme especifica a mensagem do governador Siqueira Campos publicada com o tÃtulo Os rumos para a prosperidade. A lei indica a origem e a definição dos tÃtulos que o governo emitiu dando direito aos portadores de somar até 30 pontos à média final dos concursos realizados pelo Estado do Tocantins. Assim, o governo facilitou a fixação de quem se arriscou vindo para uma cidade em construção; por isso, o governo entendia que deveriam ser beneficiados pelo Estado. Nessa condição, estavam comerciantes, prestadores de serviços e trabalhadores: No inÃcio de Palmas chegaram muitos empresários que não deram certo em outros locais e vieram para cá, assim como empresários que não deram certo, também tem aqueles funcionários que não deram certo em outros locais e vieram para Palmas. Então houve uma mistura de dois fatores que à s vezes impactam até hoje na nossa economia. A grande reclamação que nós temos hoje é a mão de obra não qualificada e não dedicada em Palmas, acho que isso é um reflexo desse inÃcio de Palmas. Esse pessoal todinho, funcionários que não deram certo em outros estados vieram para cá, no inÃcio foi a grande maioria. Eles continuam impactando a nossa mão de obra deficitária. (4ª entrevista analisada). As relações estabelecidas entre o governo e os primeiros migrantes geraram controvérsias em relação à s pessoas que migraram para Palmas após março de 1991. Os migrantes que vieram depois se sentiam discriminados diante da teia de privilégios montada pelo primeiro governador. Nas justificativas do governo, os migrantes contemplados com o 195 tÃtulo de pioneiro tinham enfrentado as adversidades geográficas, climáticas, culturais e estruturais durante a construção de uma cidade iniciada a partir do nada; por isso, receberam tratamento diferenciado. Contudo, mesmo diante da transitoriedade das polÃticas, essas iniciativas foram contestadas por ferir o preceito da isonomia em relação à legalidade, publicidade e universalidade das oportunidades. Por outro lado, essas relações criavam uma forte dependência polÃtica entre as partes: governo e pioneiros. Assim, a economia de Palmas passou por momentos crÃticos diante do perfil da maioria dos primeiros empresários, dos trabalhadores e dos gestores. Por isso, em relação ao comércio, Houve um grande aprendizado dos que vieram e não tinham tanta experiência e outros tinham até experiências fracassadas e houve uma grande seleção dessas mesmas pessoas que fecharam as suas portas. Uma grande prova disso foi em 1993, 1994 e 1995 quando Palmas era conhecida como a “capital do cheque sem fundoâ€, a “capital do cano†e quando você falava que a venda era para Palmas a desconfiança era grande. Comprar nas cidades do interior que abasteciam Palmas com cheque era quase impossÃvel. Então houve esse perÃodo de peneira em Palmas. (4ª entrevista analisada). Associado à história de formação da estrutura econômica de Palmas, remetem-se as experiências do processo de ocupação urbana: a migração desordenada foi responsável pelas grandes transformações ocorridas nas cidades tradicionais ou nas planejadas. No capÃtulo um, citamos o exemplo de Goiânia (1933-1937) e BrasÃlia (1960) para poder entender as transformações ocorridas em Palmas a partir de 1989. No caso de Palmas, a construção se deu no momento em que os órgãos do Estado do Tocantins estavam sendo estruturados, servindo como atrativo o volume de empregos públicos gerados nos diversos aparelhos do Estado. Concomitante a isso, emergiram as crises de paradigmas na economia, na polÃtica e na ideologia, provocadas pela passagem do estado de bem estar para o neoliberalismo. Com a mudança no referencial polÃtico e econômico, a esfera pública passou a ser gerida como empresa privada. Diante dessa nova realidade, a construção de uma capital passou a ser criticada pelas correntes contrárias à nova capital, diante do volume de gastos gerados pela construção de uma cidade por um Estado pobre e sem estrutura como o Tocantins. Em relação aos gastos, o governo justificava que não eram gastos, mas investimentos para a consolidação do Estado. 196 Em relação à origem das verbas gastas com a construção de Palmas, o governo se defendia alegando que grande parte era retirada da renda fundiária do solo urbano. Para isso, primeiro o governo promovia as desapropriava as terras rurais situadas na área definida para a construção do Plano Diretor, em seguida urbanizava as áreas desapropriadas com o dinheiro público; por fim, vendia como imóveis valorizados. Para consolidar as intervenções, o governo estimulava a migração em todos os nÃveis colocando Palmas como a solução para os problemas sociais e econômicos do novo Estado e da população que estava disposta a migrar para a capital do Tocantins. Diante disso, a população de Palmas, no inÃcio, foi constituÃda por migrantes de outros estados. Assim, pode-se dizer que os problemas provocados pela ausência do poder público na região norte de Goiás foram importantes para a formatação do projeto de criação e consolidação do Estado do Tocantins e para justificar as necessidades da construção de Palmas. Porém, a ocupação de Palmas agregou uma mistura de crises e possibilidades de ascensão social; no momento em que as sociedades mais desenvolvidas no Brasil e no mundo passavam por mudanças técnicas, tecnológicas e cientificas o Tocantins ainda era um território indefinido em termos urbanos. A quebra de paradigmas na polÃtica e na economia impôs aos gestores novas formas de controle da máquina pública e nas relações entre capital e trabalho. Mesmo diante das crises, as cidades se firmaram como espaços crÃticos e promissores perante as tensões nas relações entre os interesses de natureza pública e privada. No Brasil, essas tendências começaram a ser aplicadas a partir dos nos 1990, exigindo inovações no perfil do planejamento na gestão dos negócios públicos. Por último, possibilitou a transformação do perfil polÃtico do gestor. Para isso, foi utilizada a combinação entre os princÃpios do planejamento estratégico, criado por teóricos americanos, direcionando a Compreensão e desvendamento da emergência de um padrão “planejadoâ€, por oposição ao espontâneo, de condução e orientação das atividades econômicas [...]. O padrão “planejado†não é, desse ponto de vista, senão uma forma transformada do conflito social, e sua adoção pelo Estado em seu relacionamento com a sociedade é, antes de tudo, um indicador do grau de tensão daquele conflito envolvendo as diversas forças e os diversos agentes econômicos, sociais e polÃticos. (OLIVEIRA, 1981, p. 23). O planejamento é uma ferramenta de apoio para o desenvolvimento das atividades ou processos que direta ou indiretamente interferem na estrutura das relações tempo e 197 espaço. Assim, o planejamento é uma projeção dos resultados e das ações a serem executadas a médio ou longo prazo. No caso desta pesquisa, um dos focos é a identidade urbana, daà a importância dada ao planejamento. Assim, o Planejamento urbano, como qualquer outro tipo de planejamento, é uma atividade que remete sempre para o futuro. É uma forma que os homens têm de tentar prever a evolução de um fenômeno ou de um processo, e, a partir deste conhecimento, procurar se precaver contra problemas ou dificuldades, ou ainda aproveitar melhor possÃveis benefÃcios. (SOUZA; RODRIGUES, 2004, p. 15-16). Porém, o planejamento, na maioria das vezes, é utilizado como uma ferramenta para a obtenção de resultados imediatos, ou solução posterior para justificar determinadas intervenções não planejadas. Em termos gerais, isso acontece para atender a interesses privados ou pela incapacidade que determinados gestores têm para trabalhar de forma planejada. Diante disso, o interesse de uma gestão não pode ser confundido com planejamento, pois a gestão é um conjunto de ações imediatas objetivadas por prognósticos prévios ou não. Assim sendo, o planejamento pode ser caracterizado como: atividade, proposta, preparação ou organização dos resultados futuros de uma gestão: No Brasil, gestão também é um vocábulo antigo, oriundo do latim gestionis, referente ao verbo gerere (gerir, administrar), mas começou a tornar-se uma palavra da moda na segunda metade da década de 80, quando, a partir do ambiente profissional ligado à administração de empresas (no qual a gestão empresarial se desdobra em gestão de projetos, de tesouraria, de recursos humanos, de contratos...) se foi acasalando com os mais diversos adjetivos e substantivos e se desdobrando em expressões como gestão do conhecimento, gestão urbana, gestão municipal, gestão territorial, gestão ambiental. (SOUZA, 2006, p. 151). Portanto, gestão é o processo de animação do planejamento; sem gestão não haveria necessidade de planejamento. Porém, a gestão pode ser realizada sem um plano voltado para a obtenção dos resultados previstos. A isso se dá o nome de gestão por improviso. Em contrapartida, conforme Souza (2006), etimologicamente o termo planejamento é apresentado como uma forma para se consolidar uma realidade futura. Na seara do planejamento urbano, por exemplo, é uma coisa muito mais complexa que o planejamento da construção de uma casa ou de um prédio. Assim, “planejar significa tentar prever a 198 evolução de um fenômeno, explicitar intenções de ação, estabelecer metas e diretrizes†(SOUZA, 2006, p. 149). Dessa forma, o Planejamento urbano de Palmas foi tomado como um objeto norteador das diretrizes para dar uma feição moderna, pelo menos em parte da cidade, até que o gestor decidiu romper com as diretrizes do planejamento inicial para empreender ações imediatas. Um dos indicativos da quebra da sequência das ações direcionadas para o Plano Diretor de Palmas foi a expansão dos espaços a serem ocupados, no momento em que a cidade estava sendo ocupada; portanto, sem uma necessidade real diante da quantidade de espaços para serem ocupados no Plano Diretor. Nessa direção, pode-se dizer que não há planejamento autocrático, mas gestão autocrática. Portanto, é a gestão do planejamento que determina o perfil polÃtico de um gestor. Neste caso, não se pode classificar politicamente um governo pelo fato deste exercer o poder por meio de ações planejadas, mas pela forma que este executa o planejamento ou na ausência de um plano prévio. No tempo das oligarquias, os coronéis regionais diziam que governar é creditar tudo de bom que o estado podia aos amigos; aos outros, restava a aplicação da lei. Assim, quando as ações do gestor são exercidas de forma parcial, os reflexos vão para a economia e a polÃtica. Em se tratando de gestão urbana, os reflexos negativos ou positivos vão parar no ordenamento territorial da cidade. Um dos mecanismos utilizados pelo gestor público para minimizar os conflitos entre o perfil de governança e a população é o orçamento participativo, que vem sendo utilizado para discutir a aplicação de parcela do orçamento das cidades, de acordo com uma perspectiva de democratização das intervenções. Por amostragem, uma parcela dos municÃpios que adotam essa prática tem as discussões permeadas por ajustes prévios desenvolvidos por especialistas e representantes do ramo imobiliário e segmentos empresariais de outros ramos de negócios. Por isso, mesmo contando com a participação das comunidades, essas discussões não são representativas do ponto de vista democrático, diante do direcionamento dado ao evento e ao fracionamento do orçamento municipal. Conforme Maricato (2008), esses eventos se ocupam de pautas pouco relevantes em relação à s crises da cidade, pelo fato de não atacarem a infraestrutura urbana envolvendo trânsito, educação, saúde, segurança, vazios, polÃtica de expansão, especulação imobiliária. Por outro lado, esses fóruns não atraem as camadas privilegiadas economicamente diante do poder de barganha desses estratos ao realizarem suas negociações em off, ou seja, em gabinetes ou em eventos classistas. Outro percentual é investido na transformação de áreas especÃficas para 199 atender à s emergências do desenvolvimento econômico da cidade, beneficiando organizações que pretendem se instalar em espaços urbanos ou não. Segundo os autores consultados, esses problemas repercutem de forma negativa no ordenamento territorial das cidades 30 , diante da parcialidade das decisões tomadas pelos gestores em relação ao planejamento e aplicação do orçamento municipal: A resistência das elites locais em se engajarem em um processo de participação democrática tem levado algumas prefeituras, mesmo progressistas, a criar um espaço dual de participação no contexto municipal. Ele pode tomar a seguinte forma: o orçamento participativo voltado para as camadas mais populares e um conselho de desenvolvimento econômico/urbanÃstico voltado para a elite econômica. Desta forma a elite está protegida do confronto e as camadas populares ascendem a uma cidadania de segunda classe. (MARICATO, 2008, p. 72- 73). As estratégias para determinadas classes sociais não participarem diretamente das assembleias iniciam-se durante as campanhas eleitorais com a associação de interesses econômicos e candidatos, durante a montagem das diretrizes da gestão dos negócios do municÃpio. Dessa forma se fortalecem os grupos hegemônicos por meio da ampliação do poder definido nas formas de apoio à s campanhas de prefeito e vereadores. Essa reciprocidade possibilita, aos grupos predominantes na economia local, modificar ou criar leis que garantam a manutenção dos interesses relacionados à estrutura e à expansão urbana. De outro lado, essa relação impõe um sistema de controle sobre os investimentos a serem feitos com o montante da arrecadação de taxas, Imposto Predial, Territorial Urbano (IPTU) e Fundo de Participação dos MunicÃpios (FPM). De forma geral, é nas eleições que se iniciam os processos de especulação do solo urbano e das alterações no ordenamento territorial das cidades. Em muitos casos, a participação dos movimentos sociais é transformada em plateia para autoridades e técnicos montarem as estratégias de convencimento da população. Em Palmas, sobre essas iniciativas, além de serem efêmeras, delas o pouco que foi planejado não foi executado pelo poder público, justamente pelo caráter eleitoreiro ligado a iniciativa. Por isso, permaneceram as distorções na ocupação e estruturação de áreas públicas reservadas para a construção de 30 Para maiores aprofundamentos ver MARICATO, ErmÃnia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 68-80; e OLIVEIRA, Francisco. Elegia para uma Re(li)gião. SUDENE, Nordeste. Planejamento e conflitos de classes. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 81-96. 200 equipamentos urbanos de entretenimento e cultura, passando a ser ocupados por diferentes instituições e ramos, oscilando entre igrejas, empresas e particulares dentro de uma lógica de troca. Essas ocupações foram efetivadas sem a anuência da comunidade onde estas áreas estão localizadas. 4.2 As cidades banhadas pelo Lago e as interferências no ordenamento territorial de Palmas A orla do lago de Lajeado se estende a uma distância de 26 km de Palmas. Conforme informações disponibilizadas pelo Consórcio que administra a empresa, o represamento do rio “Formou um lago de 630 km2 que banha os municÃpios de Miracema, Lajeado, Palmas, Porto Nacional, Brejinho de Nazaré e Ipueiras. A Usina está localizada a 9º 45’26’’ de latitude sul e aos 48º22’12’’ longitude oeste†(INVESTCO, acesso em: 11 dez. 2011). Essas cidades, mesmo as que não sofreram modificações significativas nas populações residentes, sofreram impacto das águas do Lago, que mexeram com o ordenamento territorial, alterando os modos de vida econômica, cultural e territorial. A arrecadação do Estado do Tocantins sobre os “royalties de energia hidroelétrica/estados e municÃpios - 18 milhões – 11º do Brasil/2º da Região Norte†(HALUM, 2011, p. 30). O Quadro 03 mostra as áreas inundadas pelo reservatório da UHE LuÃs Eduardo Magalhães – nÃvel máximo maximorum estático. Outro impacto do Lago na gestão dos municÃpios banhados foi a alteração no PIB provocado pela arrecadação proporcional à área inundada para efeito de geração de energia. Esse processo foi objeto de ações impetradas em tribunais superiores pelos municÃpios impactados, visando o equacionamento dos repasses pelas concessionárias, determinados pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, tendo como referência a legislação especifica, para isso: Em 28 de dezembro de 1989, visando regulamentar o artigo 20 da Constituição Federal, foi publicada a Lei n° 7.990 que estabeleceu o valor da Compensação Financeira a ser pago pelas usinas hidrelétricas. Segundo os termos dessa Lei a compensação pela utilização de recursos hÃdricos, para fins de geração de energia elétrica era de 6% (seis por cento) sobre o valor da energia produzida, a ser paga pelos concessionários de serviço de energia elétrica aos Estados, ao Distrito Federal e aos MunicÃpios, em cujos 201 territórios se localizarem instalações destinadas à produção de energia elétrica, ou que tenham áreas invadidas por águas dos respectivos reservatórios. (SILVA, 2007, p. 24). UHE LuÃs Eduardo Magalhães MunicÃpio/UF NÃvel Máximo Maximorum Estático Ãrea (km²) Ãrea (%) Brejinho de Nazaré/TO 45,62828622 6,481730589 Ipueiras/TO 24,50420313 3,480946933 Lajeado/TO 29,84283584 4,239326917 Miracema do Tocantins/TO 74,47031516 10,57888778 Porto Nacional/TO 350,0733402 49,72970202 Palmas/TO 179,4332371 25,48940575 Total 703,9522176 100,00 QUADRO 03 – Ãreas inundadas pelo reservatório da UHE Luis Eduardo Magalhães – nÃvel máximo maximorum estático. FONTE:Investco – ANNEL. DisponÃvel em: http://www.aneel.gov.br - http://www.investco.com.br; Acesso em: 04 jan. 2012. Com base nesses dispositivos, a ANEEL emitiu diversas resoluções para determinar áreas e Ãndices dos repasses a cada municÃpio banhado pelo Lago, para fins de cálculo da repartição dos recursos da compensação financeira pela utilização de recursos hÃdricos para geração hidrelétrica. Conforme Silva (2007, p. 16), a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 151, inciso I, expõe que a instituição do tributo pode ter outros objetivos que não sejam o da arrecadação financeira ao erário. No mundo moderno, o tributo é largamente utilizado com o intuito de interferir na economia privada, 202 incentivando atividades, setores econômicos ou regiões. Essa visão moderna do tributo denomina-se extrafiscalidade, que consiste em utilizar o tributo com função diversa da arrecadatória. (SILVA, 2007, p. 16). O Mapa 05 mostra a situação geográfica de cada cidade impactada pelo lago de Lajeado e a expansão da mobilidade proporcionada pela abertura de rodovias, pontes e ferrovia. Entretanto, todas essas alterações vêm provocando preocupações dos segmentos organizados e do poder público. Para discutir o futuro dos impactos provocados pelas águas foi instituÃdo o Fórum do Lago, as resultantes das discussões são equacionadas na Carta do Lago, apontando as prioridades voltadas para a preservação, aplicação e utilização dos recursos do Fundo de Pesquisa e Desenvolvimento, disponibilizado pelo empreendimento UHE LuÃs Eduardo Magalhães em consonância com as normas da ANEEL, para a elaboração e execução de projetos que incluam diagnósticos e microzoneamentos das vocações, potencialidades e restrições de caráter ambiental, geológico e econômico, de forma a orientar os planos diretores municipais, bem como a definição dos pólos turÃsticos do entorno do Lago. (AGENDA TOCANTINS, 2011, p. 10). Conforme Silva (2007), a Compensação Financeira das Usinas Hidrelétricas como Instrumento Econômico de Desenvolvimento social e Ambiental foi instituÃda por meio de um sistema de arrecadação financeira paralela a existente. Assim, o enchimento do Lago alterou o circuito econômico das cidades banhadas através da inserção do turismo na orla do lago, com a abertura de praias, pousadas, restaurantes e loteamentos para a venda de áreas para lazer e comércio de bares, restaurantes, hotéis e similares. Com o incremento do turismo, o comércio local e parte de serviços também sofreram alterações significativas. No conjunto, as cidades banhadas pelo lago foram beneficiadas com a ampliação da construção de pontes e rodovias. Por outro lado, aumentou a presença do Estado com a criação e ampliação dos organismos de fiscalização da União (Marinha, Ibama, Incra); do Estado (PolÃcia Ambiental e Naturatins). Em relação à gestão dos municÃpios, maior atenção com o ordenamento territorial, diante da valorização e especulação do solo urbano e rural. 203 MAPA 05 – Cidades impactadas pelo lago de Lajeado. 204 Assim, o municÃpio de Lajeado foi criado em 1993 dentro da microrregião de Porto Nacional, na mesorregião oriental do Tocantins, distante 46 km de Palmas. Lajeado se desenvolveu a partir das intervenções para a construção da barragem da Usina Hidrelétrica. Por isso, a cidade tem duas fases: antes e depois da construção da Usina. No primeiro censo realizado no municÃpio em 2000, Lajeado contabilizou 2.344 habitantes; o pico maior foi em 2006, com 3.513 habitantes. Em 2007, o municÃpio registrou a menor faixa de população – 2.159 habitantes; em 2010, o IBGE contabilizou 2.773 habitantes. Essas oscilações dão a dimensão dos impactos da economia e os reflexos da proximidade de Palmas. Essas oscilações refletem direta e indiretamente no ordenamento territorial de Palmas diante das alterações nos Ãndices da população e no movimento econômico causado pelas formas de arrecadação proporcionadas pelo lago. Miracema do Tocantins foi a cidade que mais impactos sofreu a partir da criação do Estado do Tocantins; primeiro, foi toponÃmica, quando deixou de ser Miracema do Norte para ser Miracema do Tocantins, depois quando se tornou na primeira capital do Estado logo após a criação do Tocantins, em seguida veio a construção e o enchimento do lago. Essas intervenções provocaram alterações significativas para Miracema e para Palmas em relação ao processo de ocupação dos espaços no desenvolvimento econômico e polÃtico dos dois municÃpios: Palmas e Miracema. As intervenções e as ocupações processadas em Miracema a transformou em uma cidade caracterizada pelo efeito “sanfona†em relação à expansão e à diminuição da sua população. A história do municÃpio é rica em transformações, como dizem alguns moradores: “Miracema é a cidade do já foi isso e aquilo, hoje é apenas Miracema do Tocantins com prédios e casas abandonadas, ruas e praças sem serem ocupadasâ€. Porém, essa realidade vem sendo alterada com a ampliação do acesso entre Lajeado e Miracema, possibilitando o aumento do fluxo de veÃculos vindo de outros estados e regiões, aproveitando a rede hoteleira para pernoitarem, diante das belezas naturais que a cidade oferece. Nesse contexto, a cidade recebe turistas em trânsito de outros estados da região norte a caminho para Goiás, BrasÃlia, estados das regiões sul e sudeste ou para Palmas diante da distância e dos custos praticados entre as duas cidades. Assim, o MunicÃpio foi criado em 25 de agosto de 1948. Em 1989 foi capital provisória do Estado. A história de Miracema começa com os garimpos que atraÃam imigrantes para o Norte de Goiás, no inÃcio do século XX, passando pela exploração da cana-de-açúcar e a navegação fluvial. Em 205 1929 chegaram os primeiros habitantes, se fixando no local devido à beleza da paisagem. A região foi denominada Xerente e Bela Vista. Em 1948 o distrito foi desmembrado de Araguacema, com a denominação de Miracema do Norte. Em 1988, com o desmembramento do Estado de Goiás, originando o Tocantins, Miracema do Norte, hoje Miracema do Tocantins, foi escolhida para sediar a capital provisória do Estado, por ato do presidente da República. Permaneceu nesta condição no perÃodo de 1º de janeiro de 1989 até 31 de dezembro do mesmo ano, quando foi instalada, em Palmas, a capital definitiva. (GOVERNO DO ESTADO DO TOCANTINS) (DisponÃvel em: http://to.gov.br/m/miracema-do- tocantins/909. Acesso em: 11 dez. 2011). No perÃodo de 1º de janeiro de 1989 a 31 de dezembro, foi a sede administrativa do Estado do Tocantins; depois desse perÃodo, passou a ser conhecida como a capital do abacaxi. A população atual, segundo o censo do IBGE de 2010, é de 20.684 habitantes. Diante das caracterÃsticas das intervenções executadas a partir de 1989, A cidade inchou, sua população saltou de mais ou menos dez mil habitantes para um contingente de mais de trinta e cinco mil habitantes (estimativa do IBGE), surgiram novos bairros, implantou-se o transporte coletivo urbano, asfaltou-se suas ruas, modernizaram suas praças enfim, a cidade saiu daquela vida pacata ribeirinha, para se integrar ao resto do paÃs. (LIRA, 2011, p. 177). Depois dessas fases, Miracema demorou para voltar à normalidade, conforme afirma Lira (2011). Quando a capital foi transferida para Palmas, Miracema passou a ser chamada de cidade fantasma diante dos vazios deixados pela mudança das estruturas administrativas do governo. Assim, moradores, comerciantes e a própria estrutura do municÃpio subitamente passaram a conviver com a ausência de trânsito de carros nas ruas, de pessoas nas calçadas e praças. A desolação era geral, diante da nova realidade. Entretanto, com a construção da barragem da Usina de Lajeado, a cidade recuperou parte do movimento urbano. Em 2011, o governo inaugurou uma ponte ligando o MunicÃpio de Lajeado à Miracema, trazendo novas perspectivas para a cidade e para a região. Contudo, essas alterações foram mais significativas para Palmas que, automaticamente, recebeu a população de uma cidade após a transferência dos órgãos públicos e privados de Miracema para Palmas. Nesse sentido, Miracema e Porto são os municÃpios banhados pelo lago que mais impactaram no ordenamento territorial de Palmas. Miracema, por meio das intervenções polÃticas, Porto pelas intervenções públicas e privadas e pela sua proximidade fÃsica, depois da construção da ponte ligando Palmas à BR-153, através da margem esquerda 206 do lago de Lajeado. De acordo com o Conselho Regional dos Corretores de Imóveis (CRECI), a orla esquerda situada no território de Porto Nacional está formando uma cidade totalmente dependente da estrutura de Palmas diante das ocupações que estão sendo realizadas sem urbanização. As cidades de Brejinho de Nazaré e Ipueiras são as mais distantes, por estarem sitiadas na extremidade sul do lago. Nesse sentido, o impacto nessas cidades foi maior do que os que elas provocaram no ordenamento territorial de Palmas, diante das distâncias e das alterações em suas populações e estruturas econômicas. Assim, começando por Ipueiras, tem-se A origem do nome Ipueiras vem de charco ou lagoeiro formado pelo transbordamento dos rios em lugares baixos, onde as águas se conservam durante meses e são piscosas e era o nome dado a fazenda de propriedade do Sr. Major Tintino (José Martins Pereira de Barros), posteriormente transformada em povoado, localizada ao lado direito do Rio Tocantins, nessa altura transformado em Lago originário da Usina Hidrelétrica LuÃs Eduardo Magalhães que finaliza exatamente nessa posição geográfica do Estado do Tocantins. Distrito criado com a denominação de Ipueiras, pela Lei Municipal nº 3, de 07-05-1963, subordinado ao municÃpio de Porto Nacional. Em divisão territorial datada de 31-XII-1963, o distrito de Ipueiras, figura no municÃpio de Porto Nacional. Elevado à categoria de municÃpio com a denominação de Ipueiras, pela Lei Estadual nº 801, de 19- 12-1995, desmembrado do municÃpio de Porto Nacional. (IBGE – CIDADES). (DisponÃvel em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em: 11 dez. de 2011). Em 2004, Ipueiras tinha uma população estimada de 1.177 habitantes; no censo de 2010, o IBGE contabilizou 1.676 pessoas residindo no municÃpio. Portanto, além de estar a 120 quilômetros de Palmas, a população de Ipueiras, pelo seu tamanho, ainda não oferece problemas para o ordenamento de Palmas e nem problemas para as águas do lago. Contudo, nos próximos cinco anos a companhia de água e saneamento do Estado anunciou que os rios que hoje abastecem a capital terão de ser substituÃdos pelas águas do lago. Da mesma forma, pode-se dizer de Brejinho de Nazaré que, em 2004, teve a sua população estimada em 4.407 habitantes e, em 2007, de 5.295. Em 2010, o censo do IBGE apontou uma população de 5.185. Assim, Brejinho de Nazaré está a 92 quilômetros de Palmas e a sua história começa com um povoamento iniciado 207 Em 1887 (séc. XIX), com o nome Itoabi. Foi quando o coronel José Aires da Silva mandou construir uma capela no local, em louvor a Nossa Senhora de Nazaré, dando inÃcio ao povoado. Em 27 de setembro de 1930 o povoado foi elevado à categoria de distrito, sendo instalado no dia 31 de dezembro do ano seguinte. O municÃpio foi criado em 14 de novembro de 1958, desmembrado de Porto Nacional. Brejinho de Nazaré está localizado à margem esquerda do Rio Tocantins e à direita do córrego Brejinho, que deu origem ao seu primeiro nome. Atrativos: Praia do Croá, no Rio Tocantins; e Ilha do Canoeiro (julho) Padroeira: Nossa Senhora de Nazaré (08 de setembro). Economia: agropecuária e turismo (lago da UHE Lajeado). GOVERNO DO ESTADO DO TOCANTINS. BREJINHO DE NAZARÉ. (DisponÃvel em: http://to.gov.br/m/brejinho-de-nazare/860. Acesso em: 11 dez. 2011). A cidade de Brejinho de Nazaré, a partir de 2006, passou a ter uma importância maior com o asfaltamento da rodovia entre Porto Nacional, Brejinho e a BR-153, na altura do quilômetro 742, na cidade de Aliança do Tocantins. Esse trajeto facilitou a vinda de turistas e o escoamento da produção agropecuária do entorno e melhorias para a economia do municÃpio. Estes são os municÃpios impactados pelo lago de Lajeado. Entre os seis municÃpios, o que mais preocupa a população da rede urbana de Palmas é Porto Nacional, principalmente em relação ao ordenamento territorial da capital diante da especulação imobiliária desenvolvida nas áreas mais próximas de Palmas. Assim, a extensão territorial do municÃpio, a desorganização no processo de expansão urbana e demográfica do municÃpio, provocada pela abertura indiscriminada de loteamentos sem o mÃnimo de infraestrutura urbana necessária ao habitat humano. A partir do momento em que todas as pessoas que compraram lotes na margem esquerda do lago passarem a ocupar os lotes, e os espaços permanecerem sem os equipamentos urbanos básicos, os problemas recairão sobre a infraestrutura de Palmas. A partir dessa ocupação territorial, Palmas terá de conviver com uma cidade com perspectivas de crescimento e sem as condições urbanas necessárias para o atendimento da população. Contudo, em termos da economia, o que se prevê é o aumento do consumo e uma maior competição em relação ao acesso dos serviços públicos de saúde, educação, comunicação, segurança pública e em relação ao mercado de trabalho. Diante disso, pode-se dizer que Palmas ainda não possui uma identidade urbana, se forem consideradas todas as intervenções feitas e as que estão sendo construÃdas no seu território e nos territórios dos municÃpios impactados pelo Lago de Lajeado. A partir das intervenções realizadas nas cidades impactadas, “diversos ramos de empresários estão vindo para cá, a exemplo dos 208 grandes atacados, dos grandes atacarejos, que chegaram a partir de 2009 e 2010 e continuam chegando agora e há previsão de chegar mais outras, outros grandes grupos de outras regiões do paÃs†(4ª entrevista analisada). 4.3 A expansão urbana de Porto Nacional A situação de Porto Nacional, que reivindicava a condição de capital definitiva ou provisória, a partir da definição de Miracema como a capital provisória e Palmas como a capital definitiva, a cidade teve de se contentar em ser a “cidade mais próxima do centro geográfico do Estado, dista-se a cinquenta quilômetros ao sul de Palmas, e aquelas terras onde se encontram implantada a capital foram desmembradas recentemente do seu municÃpio†(LIRA, 2011, p. 181). Por isso, serviu como ponto de apoio para a construção de Palmas em transportes, comércio, residências e comunicação diante da distância e da facilidade de acesso. Até então, Porto Nacional era a única opção de acesso direto à margem direita do rio Tocantins, através da ponte que liga a cidade à BR-153. Durante a construção de Palmas, não existiam pontes sobre o rio Tocantins para ParaÃso e Miracema, consecutivamente saÃdas para a BR-153; por meio das cidades de ParaÃso do Tocantins e Miranorte as travessias eram realizadas por meio de balsas. Mesmo sendo Porto Nacional a cidade mais próxima e com acesso mais estruturado, a população portuense rejeitava Palmas como a capital do Estado. Diante disso, após a transferência dos poderes para a capital definitiva, a população inicialmente formada era majoritariamente constituÃda pela população flutuante de Miracema. Contudo, com o enchimento do lago, a população rural e a residente nos povoados limÃtrofes foram transferidas para um assentamento localizado na margem esquerda do lago formando o distrito de Luzimangues, também chamado de Porto da Balsa, no municÃpio de Porto Nacional: O distrito criado pela lei municipal de Porto Nacional nº 1.415 de 14 de outubro de 1993, nos últimos dias vem ganhando destaque pela mÃdia, após a proposta do deputado Marcelo Lelis de incorporar a área ao municÃpio de Palmas. O discurso é baseado num Decreto Legislativo aprovado em 1989 quando incluiu parte da zona rural de Porto Nacional, Miracema, TocantÃnia e ParaÃso como área de expansão da futura capital, na época 209 sugerido por estudos do Grupo Quatro, empresa que fez o planejamento de Palmas (NASCIMENTO, 2012, p. 04). Com o remanejamento de boa parte dos atingidos pela barragem da Usina Hidrelétrica de Lajeado, em pouco tempo a margem esquerda do lago foi sendo ocupada por migrantes diante da proximidade e dos custos dos imóveis. Porém, o maior fluxo ocorreu após o inÃcio da construção do pólo multimodal da ferrovia Norte Sul: O reassentamento de Luzimangues possui uma área de 950,96 hectares, localizado no municÃpio de Porto Nacional/Tocantins, à s margens da TO- 080, km 12. Esta área, antes da construção de Luzimangues, era uma propriedade onde a principal atividade desenvolvida era a pecuária. Foram remanejadas para Luzimangues, no inÃcio de 2000, 83 famÃlias atingidas pela construção da UHE Luis Eduardo Magalhães. Essas famÃlias organizam-se em torno do MAB e da Associação dos Chacareiros do Reassentamento de Luzimangues. As famÃlias remanejadas para Luzimangues são antigos moradores das fazendas Ribeirão do Maia, Sapezal, Brejinho da Vila da Balsa e Mutuca e dos loteamentos Maria da Balsa e Vila Luzimangues localizados anteriormente à s margens do rio Tocantins. (SÊNE, 2009, p. 04, disponÃvel em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/sene-aline-uhe-de-lajeado.pdf - acesso em 01 jan. 2012). Com a construção da ponte sobre o lago e do pólo multimodal, ocorreu uma súbita expansão de loteamentos na margem esquerda do lago denominada de Orla II, procurando competir com o projeto orla de Palmas, montado pelo governo do Estado. Diante da expansão imobiliária da orla esquerda, segundo representantes do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis – CRECI, foram vendidos mais de cem mil lotes; outros tantos serão colocados à venda nos próximos cinco anos. Assim, a preocupação da população de Palmas é diferente dos Movimentos dos Atingidos por Barragens - MAB e das autoridades municipais com os impactos que essa expansão trará para o ordenamento territorial de Palmas. Em relação ao MAB os assentados querem maior apoio para a consolidação urbana e produtiva do Luzimangues. Por outro lado, as preocupações da população de Palmas e das autoridades são com a omissão das autoridades do municÃpio de Porto Nacional em relação aos problemas sociais provocados pela ausência de infraestrutura urbana nos loteamentos progressivamente criados na orla esquerda do lago. Conforme expressa o vereador Milton Neris, presidente da Comissão de Estudos da Expansão Urbana de Palmas: 210 Na elaboração do Plano Diretor, houve um conservadorismo muito grande, por parte dos nossos técnicos, disse o vereador Milton Neris (PT), na sessão desta quinta-feira, 9, da Câmara Municipal. Culpou esse conservadorismo pelo fato de uma cidade estar sendo formada do outro lado da ponte, em Luzimangues, cujos problemas serão todos de Palmas. "Porto Nacional está sendo irresponsável com Palmas", acusou. "Quando você autoriza um loteamento, tem de estar presente para oferecer à população os serviços públicos." Questionou, por exemplo, como Porto Nacional vai fazer a coleta de lixo em Luzimangues ou garantir escolas à s crianças e jovens que ali moram ou vão morar. "Porto não vai conseguir dar qualidade de vida à quela população. (NERIS, 2011, p. 01, disponÃvel em: http://www.ojornal.net/horaemhora/noticias/29369-luzimangues-neris- diz-que-porto-esta-sendo-irresponsavel-com-palmas. Acesso em: 11 dez. de 2011). Nessa direção, a expansão urbana da orla esquerda do lago foi corroborada por diversos fatores, entre os mais especÃficos está o açambarcamento dos imóveis do Plano Diretor de Palmas por especuladores, elevando os custos dos imóveis acima da realidade social e estrutural da maioria da população. Outro fator importante para essa análise é a infraestrutura econômica proporcionada pelo pólo multimodal da Ferrovia Norte Sul, conforme Agenda Tocantins (2011), onde estão sendo implantadas as estruturas de armazenamento e abastecimento. Inicialmente, virá o terminal de distribuição de combustÃveis da Petrobrás, com previsão de investimento de cerca de R$ 230 milhões, com a geração de aproximadamente 600 empregos diretos. Na visão dos gestores públicos, a BR Distribuidora da Petrobrás é mais uma entre as grandes empresas a se instalarem à margem esquerda do lago de Lajeado e em Palmas, previsto para os próximos anos. Segundo o Secretário da Indústria e Comércio do Estado, Ernane Siqueira. Além da BR Distribuidora, outras duas empresas do setor de combustÃveis também estarão no Pátio Multimodal de Porto Nacional/Palmas (Norship e Cosan), além da Novaagri do ramo de grãos - e a Êxito Importadora e Exportadora, do setor de cargas em geral. Outro investimento do setor privado que merece destaque é a implantação da empresa Ciclo Cairu, uma fábrica e centro de distribuição de bicicletas, que começa funcionar ainda este ano em Palmas. (AGENDA TOCANTINS, 2011, p. 40). O fato de Palmas ser uma cidade caracterizada por ininterruptas intervenções voltadas para a construção e ocupação de espaços tais intervenções reproduzem interesses diferentes dentro e fora da sociedade local. Os interesses internos colocam os aparelhos de gestão numa gangorra diante da instabilidade gerada pelas intervenções polÃticas e 211 econômicas relacionadas com o ordenamento territorial da cidade. Em relação aos interesses externos, o solo urbano de Palmas funciona como um objeto paralelo de investimentos por parcelas das empresas que prestam serviços públicos diretos ou indiretos para a União, Estado e municÃpios ou de particulares que investem na compra terrenos ou na construção de imóveis na capital e no seu entorno. As intervenções realizadas por meio de investimentos públicos e privadas transformaram o Estado do Tocantins em espaços atraentes, a partir da construção dos equipamentos do Plano Diretor e na fase de construção dos prédios públicos. Após as intervenções na fase inicial, o poder de atração ficou por conta das obras de geração de energia, de transporte rodoviário, ferroviário e aéreo. Essas intervenções provocaram mudanças no ordenamento territorial de Palmas a partir das opções de trânsito, mobilidade e acessibilidade de veÃculos entre as regiões norte-nordeste e centro-oeste-sudeste. Assim, em meio à todas essas intervenções beneficiando os municÃpios de Palmas e Porto Nacional com um grande suporte de infraestrutra, gerando desenvolvimento e ocupações desordenados. Esses aspectos provocaram o surgimento de grupos de diferentes orientações e interesses relacionados com a ocupação e a expansão de Palmas e o seu entorno. Grupos estes que se mobilizam em diversas direções: primeiro, em defesa da expansão urbana de Palmas como objeto de democratização dos espaços por meio do aumento da oferta de imóveis para fins de comercialização; segundo, contra a expansão imediata, por isso pregam que a expansão urbana de Palmas aconteça após a ocupação dos espaços vazios da cidade; o terceiro, defende a anexação do distrito de Luzimangues ao municÃpio de Palmas; o quarto, aponta como solução imediata para os confrontos, à criação da subprefeitura de Luzimangues para dar maior mobilidade ao distrito por intermédio da presença do poder público no território. Todos esses movimentos, direta ou indiretamente estão ligados à expansão urbana de Palmas, em termos crÃticos, da forma como surgiram e estão evoluindo, partes das sugestões apresentadas estão ligadas ao movimento pré-eleitoral. Outro objeto identificado como provocador dessas discussões emerge das potencialidades econômicas e polÃtico-eleitoral do distrito de Luzimangues. Assim, no âmbito dessas discussões cada movimento em particular procura espaços para ampliar a sua base de apoio polÃtico-econômico utilizando os fóruns de discussões da expansão urbana para conquistar a adesão da sociedade. Sinteticamente, esses interesses congregam as principais tendências que vem se formando a partir das questões urbanas de Palmas e o desenvolvimento econômico da margem esquerda do lago. Nessa direção, 212 criaram em torno das discussões da expansão urbana uma espécie de militância envolvendo movimentos sociais e partidos de diferentes ideologias. Daà o interesse em ampliar as discussões sobre a inclusão da margem esquerda do lago ao municÃpio de Palmas. Entre os que pregam a expansão, o solo urbano teria de atender aos interesses da democratização liberal por meio da oferta e da procura de terrenos. Para os grupos que se posicionam contra a expansão, este é o momento para se discutir e chamar a atenção da sociedade envolvendo a polÃtica de ocupação dos espaços vazios do Plano Diretor. Os que defendem a anexação do distrito de Luzimangues ao municÃpio de Palmas esperam angariar dividendos eleitorais, carreando os bônus e os ônus gerados pela inclusão da margem esqueda do lago de Lajeado ao território de Palmas. Assim, no âmbito dessas discussões, cada movimento em particular teria espaços para ampliar a sua base de apoio, tendo a questão urbana como guarda-chuva dos diferentes projetos de sustentação polÃtico-ideológico ampliada, envolvendo empresarios, polÃticos e os movimentos sociais ligados à moradia. Sinteticamente esses interesses congregam as principais tendências que vem se formando em torno das questões urbanas de Palmas. Assim, conforme o Vereador Valdemar Jr. (2012), o debate envolvendo a expansão urbana de Palmas, mesmo ocorrendo de forma atravessada quanto à inclusão do distrito de Luzimangues nesse debate, por um lado expõe a situação precária dos moradores do distrito e, com ela, aponta os ex-prefeitos de Porto Nacional como os responsáveis diretos pela forma desordenada da ocupação dos espaços, diante da ausência da fiscalização permitindo que particulares transformassem fazendas em loteamentos urbanos sem os equipamentos urbanos devidos. Do ponto de vista objetivo, os dados disponÃveis são inquestionáveis, por isso, os moradores têm o direito de buscar a solução do problema, inclusive o de defender a inclusão do distrito ao municÃpio de Palmas. Porém, o desespero dos moradores tem sido utilizado por segmentos empresariais e polÃticos que apontam soluções por meio de ações pouco factÃveis, com intenções nem sempre claras, e dentro de um curto espaço de tempo; para o vereador, essa forma apressada retarda uma possÃvel solução, podendo até piorar a situação para a maioria dos habitantes do distrito. Por isso, como vereador entende que a proposta de anexação do distrito ao território de Palmas é parte do jogo polÃtico que se desenha para as próximas eleições municipais. Assim, 213 Há, do ponto de vista polÃtico, interesse legÃtimo dos moradores de Luzimangues de obterem sua autonomia ou mesmo de buscar saÃdas públicas para seus problemas onde elas se apresentem com maior facilidade. E Palmas, em função da proximidade, se mostra, aparentemente, mais viável, daà a ressonância, entre os moradores (tanto de Palmas como do distrito) da idéia de anexação.
A estratégia, entretanto, não tem garantia de êxito. Primeiro porque transformaria um distrito em um puxadinho da Capital, sujeito à mesma polÃtica pública empregada nos bairros da cidade, a partir da partilha própria das receitas metropolitanas (que já são deficitárias) e suas prioridades municipais. E partindo-se do princÃpio de que Luzimangues abrigará um pólo industrial e um entreposto da Ferrovia Norte-Sul, já a partir de 2014, capaz de arrecadar três vezes mais (sic) os atuais R$ 500 mil de ICMS mensais pagos no municÃpio sede (Porto), o distrito, com a anexação, entregaria à Capital o equivalente a R$1,5 milhão/mês, receita maior que a verificada na maioria dos municÃpios do Estado, capaz de garantir-lhe autonomia administrativa e polÃtica. (VALDEMAR JR., 2012, p. 04). Diante da defesa e das contradições que foram estabelecidas sobre os contra e os favoráveis a expansão urbana de Palmas, foi importante para despertar a sociedade sobre os grandes interesses econômicos que o solo do entorno de Palmas vem despertando. Com a expansão dos investimentos e das oportunidades de empregos na margem esquerda do lago, a especulação imobiliária deve aumentar e, com isso, o ordenamento territorial do entorno de Palmas sofrerá impactos na forma de ocupação, no trânsito e composição dos equipamentos urbanos. Nesse sentido, os especuladores do Plano Diretor temem que a expansão urbana em curso na margem esquerda do lago provocará a desvalorização dos imóveis de Palmas diante da oferta e dos baixos custos dos imóveis que estão sendo vendidos pelos loteadores. Diante dessa expansão Porto Nacional, De acordo com o IBGE, tem pouco mais de 49 mil habitantes, aos quais não consegue atender devidamente. Como permite a abertura de um loteamento com quase 30 mil lotes", perguntou, referindo-se à área vendida no fim de semana, a preços de até R$ 82 por mês. "Ali, vai ter uma população maior que a própria Porto Nacional." A previsão do vereador Valdemar Júnior (DEM) é a de que, em breve, será necessário abrir um processo de emancipação de Luzimangues, mas que, neste momento, os vereadores precisam acompanhar o processo de loteamento da região, porque afeta, diretamente, a Capital. (NERIS, 2011, p. 01). (DisponÃvel em: http://www.ojornal.net/horaemhora/noticias/29369-luzimangues- neris-diz-que-porto-esta-sendo-irresponsavel-com-palmas. Acesso em: 11 dez. 2011). 214 Portanto, diante da situação que se desenha, em pouco tempo o entorno de Palmas poderá ter uma população maior ou igual à residente em Palmas. Com isso, a última capital planejada do século XX terá o seu ordenamento territorial totalmente estrangulado por uma expansão, inicialmente provocada por um assentamento dos atingidos pela barragem do lago de Lajeado. Em termos, esse assentamento, no inÃcio, foi definido como uma segregação, considerando que essa população poderia ter sido transferida para o Plano Diretor ou regularizar a orla esquerda ao municÃpio de Palmas, incluÃda no quadrilátero da capital como área de interesse para desapropriação: O tal quadrilátero da capital foi decretado de interesse público, em 1989, para fins de desapropriação. Abrangia os dois lados do Rio Tocantins. Porém, a opção do governo em aproveitar do municÃpio de Taquaruçu do Porto para instalar a sede do municÃpio de Palmas, alterou a estratégia e fez dos limites de Taquaruçu os limites de Palmas. E aà entra outro aspecto da discussão: a falta de uma visão de desenvolvimento regional e o desrespeito daqueles que sustentam esta proposta, para com os municÃpios do interior tocantinense e especificamente para com Porto Nacional e a histórica luta de seu povo para a criação do Estado do Tocantins (MANZANO, 2012, p. 04 – Jornal do Tocantins). Nessa direção, os impactos das cidades banhadas pelo lago serão mais perceptÃveis a partir do momento em que os vazios de Palmas forem preenchidos. A partir daÃ, as cidades mais próximas servirão de opção de moradia para grande parte da população, da mesma forma que está ocorrendo com o Distrito de Luzimangues. Entretanto, as principais preocupações que o acesso e a mobilidade proporcionada pela ponte trouxeram para os poderes públicos e para os projetistas da cidade é o processo de ocupação desenvolvido na orla esquerda do lago, situada no municÃpio de Porto Nacional. Diante da especulação dos imóveis no Plano Diretor, as distâncias dos bairros criados na periferia, a solução para as camadas de baixa renda foi ocupar os imóveis da orla esquerda do Lago, com distância e preços menores que os praticados na periferia de Palmas. Com a especulação imobiliária praticada na capital, os terrenos da orla esquerda do Lago passaram a ser a alternativa para grande parte das camadas sociais. Em Palmas, desde o inÃcio, o governo teve muitas dificuldades para manter a população ativa empregada diante das crises provocadas pelo fim das obras do Plano. Contudo, os maiores problemas da economia do Estado do Tocantins, desde a sua criação, foram o desemprego, a renda e a arrecadação de impostos. A princÃpio, eram solucionados 215 com as grandes obras, pois parcelas significativas dos migrantes vieram para trabalhar na construção da cidade. Depois da conclusão das obras iniciais, o governo do Tocantins conseguiu, na esfera federal, financiamentos para a construção de uma ponte sobre o Lago. Conforme Nascimento (2009, p. 132), a ponte mede cerca de “8,5 quilômetros de extensão e 18 metros de larguraâ€, ligando os municÃpios de Palmas e Porto Nacional, através da Rodovia TO-060, que dá acesso à cidade de ParaÃso do Tocantins, situada à s margens da BR-153. Inicialmente, as grandes construções solucionavam os problemas de circulação de mercadorias e promoviam o desenvolvimento da região. Por outro lado, o aumento do acesso a Palmas, através de rodovias ligando o Tocantins com a região Centro-Sul, passando por Goiás e BrasÃlia, além do desenvolvimento, trouxe problemas para o ordenamento territorial, com o aumento do fluxo de trânsito e a presença de caminhões de carga no perÃmetro urbano. Em termos, os transtornos se evidenciam pela ausência de anéis rodoviários ou de marginais para escoar o fluxo de trânsito das artérias centrais da cidade. Em relação à economia, Antes do dinheiro do ICMS chegar a especulação imobiliária transformou a região num eldorado. O Distrito vive um processo desenfreado de urbanização. E em poucos anos, viu as terras das fazendas transformarem em loteamentos. Atualmente já são mais de 34 mil terrenos vendidos e menos de três mil pessoas habitando, muitos desses empreendimentos feitos sem o rigor da lei, à s vezes só com abertura de ruas, sem infra- estrutura, e o pior, isso tudo com o aval do poder público (NASCIMENTO, 2012, p. 04). A preocupação de técnicos e da população com a expansão de loteamentos na orla esquerda perpassa pela falta de infraestrutura básica de água, esgoto, energia, serviços de saúde, educação, segurança e comunicação, propiciada pela ausência do poder público. A partir daÃ, começaram os parcelamentos de fazendas e chácaras para serem vendidos aos que não conseguiam residir em Palmas. Contudo, além do desenvolvimento urbano de Palmas, a orla esquerda vem sendo transformada com a construção da plataforma multimodal da Ferrovia Norte Sul e a instalação de um posto de distribuição de combustÃveis da Petrobrás. Todas essas estruturas vêm promovendo alterações no ordenamento territorial de Palmas. A partir de 2011, a área situada à margem esquerda do lago passou a ser objeto de disputa envolvendo vereadores, deputados estaduais, empresários e moradores que reivindicam a incorporação ou autonomia administrativa da área, diante da distância entre a orla esquerda com a área central de Palmas. Essas disputas estão vinculadas aos 216 investimentos públicos e privados alocados nas estruturas do pátio multimodal da Ferrovia Norte Sul. Por isso, o então esquecido Luzimangues se transformou em objeto de cobiça por diversas instancias dos poderes públicos e privados que argumentam sobre o pertencimento do distrito que, conforme Manzano (2012) existe desde a primeira metade do século XIX , sob a iniciativa dos portuenses, construÃram as primeiras habitações do povoado Luzimangues que vem da fusão dos nomes dos rios Santa Luzia e Mangues, formando o que “seria a Mesopotâmia tocantinense?†Desde sempre municÃpio de Porto Nacional. E é nesta região que está sendo instalado o pátio multimodal da Ferrovia Norte Sul, que fará a integração dos sistemas de transportes, gerando a logÃstica necessária para a instalação de grandes empreendimentos, como é o caso da Petrobrás. O destino de Luzimangues não pode ser o de virar um bairro dormitório de Palmas, mas o de ser o maior distrito industrial do Tocantins! (MANZANO, 2012, p. 04). Essas disputas trazem outras preocupações acerca das responsabilidades do Estado e dos municÃpios em relação ao planejamento da ocupação do solo extensivo a área do pátio multimodal e respectivas estruturas de comércio, indústria, estocagem e logÃstica. Conforme (MANZANO, 2012, p. 04 – Jornal do Tocantins), os processos de ocupações foram iniciados de forma irresponsável nos idos dos anos 2000: Com loteamentos clandestinos, só em 2006 a região de Luzimangues passou a contar com um plano de macrozoneamento, elaborado na gestão do prefeito Paulo Mourão, que procurou parcerias importantes com o governo estadual, Fieto e Senai, polÃtica esta que se tivesse continuidade talvez hoje a situação estaria diferente. Desta forma, defendemos: Luzimangues é de Porto Nacional, por justiça e pelo respeito à história de seu povo; Luzimangues, quando tiver que ser emancipado, terá que ser para o seu benefÃcio e de Porto Nacional, com compensação financeira que viabilize o seu desenvolvimento; Luzimangues deve ter seu planejamento fortalecido, com autonomia administrativa e polÃtica de Porto Nacional, visando um polo de geração de empregos e uma cidade moderna e desenvolvida; O municÃpio de Porto Nacional deve reativar a subprefeitura do distrito de Luzimangues, oferecendo à sua população serviços de qualidade. Em relação a essas questões, a população residente cobra uma definição de quem deve assumir a arrecadação dos impostos e a responsabilidade de gestão e construção dos equipamentos urbanos necessários. A omissão dos poderes públicos tem possibilitado a 217 expansão de loteamentos sem a infraestrutura necessária para a sua ocupação, transformando os espaços do distrito de Luzimangues em objeto de especulação imobiliária e de disputa entre diversas frações ideológicas e dos poderes constituÃdos. 4.4 A realidade urbana e o desenvolvimento social e econômico de Palmas Em tempos pretéritos, a cidade passou a ter uma relação de escala com o meio rural, nas seguintes proporções: uma sociedade ou uma extensão rural de aproximadamente 300 mil habitantes reproduzia uma cidade com cerca de 80 mil habitantes; assim, sucessivamente. A partir dessa escala, surgiu o que se denominou de alma da cidade por meio da transformação e evolução das relações de trocas. Com a introdução desses novos elementos, ocorreu a valorização dos usos dos espaços urbanos; com isso, terrenos rurais foram transformados em imóveis urbanos. Essa expansão urbana trouxe outros significados para o poder e para o ordenamento territorial do campo e das cidades, uma vez que historicamente as cidades foram espaços dominados por interesses religiosos. Com o advento da indústria, a cidade passa a ser o espaço do poder laico, de produção, reprodução social e econômica. Nasce daà a cidade ilustrada, moderna, enquanto território de realização do simbolismo iluminista da igualdade, fraternidade e liberdade, ou seja, um espaço de intervenção e de realização das contradições coletivas e individuais. Conforme Sposito (2001, p. 47), de fato, O que se denomina como Revolução industrial, ocorrida na segunda metade do século XVII, foi muito mais do que a decorrência da simples descoberta da máquina a vapor (1769), dos teares mecânicos de fiação (1767, 1768 e 1801), da locomotiva e da estrada de ferro (1829), como alguns livros didáticos afirmam. Muito pelo contrário, estas invenções não se constituem a causa da Revolução Industrial, mas decorrem de processos de transformação pelos quais estava passando o próprio processo de produção industrial desde o século XVI. Associada a essa revolução, a cidade passou a ser o espaço das transformações da natureza e de realização do poder, alterando todos os costumes vigentes. Na modernidade, as cidades se transformaram em espaços de circulação de bens materiais e simbólicos; ou seja, o lugar de geração e acumulação, em um espaço livre da moral escolástica para produzir e 218 acumular riqueza e poder, conforme prevê a ética protestante e o espÃrito do capitalismo de Weber (1986, p. 116): Uma oportunidade de lucro, este deve aproveitá-la com um propósito, e, consequentemente, cristão autêntico deve atender a esse chamado, aproveitando a oportunidade que se lhe apresenta [...] um caminho menos lucrativo, então estareis recusando um dos fins de vossa vocação, e recusareis a ser servo do Deus, e, aceitando suas dádivas e usando-as para Ele, quando Ele assim o quis. Deveis trabalhar para serdes ricos. Em grande parte da Europa, as ideias de Weber foram importantes para o desenvolvimento econômico das cidades a partir do desmonte dos princÃpios de vocação estabelecidos na escolástica tomista. A associação do progresso ao cristianismo luterano, além de impulsionar a produção, possibilitou a acumulação: É verdade que a utilidade de uma vocação, e sua consequente aprovação por Deus, é orientada primeiramente por critérios morais e depois pela escala de importância dos bens produzidos para a “coletividadeâ€, colocando-se, porém, logo em seguida, um terceiro, e do ponto de vista prático, mais importante critério: a “lucratividade†individual do empreendimento. (WEBER, 1986, p. 116). Entretanto, o desenvolvimento do capitalismo amparado pela ética protestante reproduziu sociedades opressoras e liberais. As opressoras, ao se desenvolverem, geraram cidades excessivamente suntuosas; por outro lado, as sociedades com maior mobilidade social e liberdade polÃtica reproduziram cidades mais funcionais do ponto de vista das relações de produção e do desenvolvimento econômico. Diante desse contexto, cidades como BrasÃlia e Palmas não foram criadas para ter importância econômica, mas administrativa; por isso, ao passar por transformações econômicas, sofreram os reflexos produzidos pela desconstrução da vocação pregada no espÃrito capitalista weberiano para adquirir uma identidade funcional mais liberal do ponto de vista capitalista. Em relação à BrasÃlia, essa nova ideologia urbana altera o modernismo progressista implantado por Lúcio Costa aos auspÃcios de Le Corbusier: O ordenamento territorial tem como propósito a administração da base contraditória do espaço e se expressa por um conjunto de regras e normas do arranjo espacial da coabitação, operando como administração geográfica. Para Ruy Moreira, “o ordenamento não é... a estrutura espacial, 219 mas a forma como essa estrutura espacial territorialmente se autorregula no todo das contradições da sociedade, de modo a manter a sociedade funcionando segundo sua realidade societária†(SOARES, 2009, p. 71). A partir de 2008, a cidade passou a contar com um fluxo de empregos privados, com a implantação de redes nacionais de supermercados, varejo e atacado. Em 2010, foi inaugurado um subcentro planejado, conforme especificações disponibilizadas no sÃtio da organização; o shopping conta com uma área construÃda de “38 mil m², 1.400 vagas de estacionamento, 130 lojas, com forte ancoragemâ€. Imediatamente, esses empreendimentos vêm proporcionando alterações significativas na condição centrÃpeta da cidade, diante da infraestrutura montada em torno desses empreendimentos. Essas mudanças passam a interferir na acessibilidade e na mobilidade do trânsito, decorrentes do desenvolvimento das atividades dentro e fora dos estabelecimentos. Todas essas intervenções mexeram com a estrutura centrÃpeta da cidade, alterando o fluxo de consumidores e dos setores de apoio, como transporte de passageiros e de abastecimento. Em geral, esses empreendimentos alteraram os hábitos de consumo da população de Palmas e do seu entorno. No aspecto cultural, as pessoas vêm substituindo as convivências/reuniões nas calçadas, praças e bares tradicionais, pelas praças de alimentação dos shoppings. A criação de subcentros planejados e das redes de varejo e atacado ampliaram as opções de oferta de mercadorias, preços, condições de pagamento, higiene, qualidade de atendimento; acoplados a esses fatores, os consumidores passaram a contar com instalações mais confortáveis, tornando o ato de consumir mais provocativo. Esses novos estabelecimentos, além de modificar o fluxo local do comércio, atraem contingentes de consumidores e empresários do setor varejista de cidades do entorno e de outras localidades 31 . Contudo, as maiores mudanças vieram com a infraestrutura que está sendo construÃda à margem esquerda do lago. De acordo com os projetos em construção, Palmas será transformada em um entreposto comercial de abastecimento e de transportes entre as regiões Sudeste, Centro Oeste, Nordeste e Norte, carreando para o seu entorno o mesmo desenvolvimento que lograram Goiânia e Uberlândia a partir dos anos 1980. De 2001 a 2004, quando governou a cidade, Nilmar Ruiz teve como foco a iniciativa privada, 31 Com a proposta de divisão do Estado do Pará para a criação de novos estados, Palmas vem se constituindo em uma espécie de trevo para a logÃstica de alguns investimentos privados que pretendem se instalarem nesses espaços. 220 buscou a criação de “mecanismos que permitissem a autonomia e atração de investidores para Palmas†(RUIZ, 2012, p. 14). A economia de Palmas foi marcada pelos seguintes fatores: construção do Plano Diretor, construção do Lago e da Ponte sobre Lago; concomitante ao desenvolvimento propiciado pelas construções, a cidade viveu momentos de euforia com a oferta de empregos nas esferas públicas do Estado e do MunicÃpio, durante a estruturação dos poderes. Após a conclusão das obras e da estruturação dos poderes públicos, a cidade ficou sem uma identidade econômica. Essa situação passou a se modificar a partir de 2008, com a diversificação do comércio e prestação de serviços associada à especulação imobiliária, considerando que O processo de desenvolvimento é uma construção conjunta de toda a sociedade, aos governos cabe contribuir para que os recursos escassos tenham o melhor uso possÃvel em prol do benefÃcio da coletividade. Em linhas gerais, apresentamos algumas sugestões para que a nossa cidade possa atingir o melhor futuro econômico possÃvel nos próximos anos: Buscar estratégias e ações para Palmas tornar-se referência no comércio varejista e prestação de serviços; consolidar o setor turÃstico na cidade; estruturar o cinturão verde; ampliar a eficiência e efetividade dos gastos públicos; buscar a implantação de estratégias inovadoras para a estruturação do setor industrial, preferencialmente não poluente e de alto valor agregado. (RODRIGUES, 2009, p. 135). As alterações na economia repercutiam no processo de ocupação da cidade. Em relação ao ordenamento territorial, algumas medidas foram tomadas procurando manter os nÃveis de ocupação da cidade e da economia local. Para isso, o poder público investiu no aproveitamento das potencialidades turÃsticas do lago, aumentando a oferta de terrenos urbanos para as camadas mais elitizadas, na orla direita do lago. No turismo, Estado e Prefeitura investiram na construção de praias, visando o incremento de uma indústria turÃstica. Esses empreendimentos foram os pontos fortes da economia do Estado e da consolidação de Palmas como uma cidade ecológica: “Com uma área verde de 280 m² por habitante, a cidade é considerada uma das capitais mais verdes de PaÃs. Atualmente, Palmas realiza eventos de todos os portes que já se consolidaram no calendário nacional†(REVISTA DAS OPORTUNIDADES, 2011, p. 7). Porém, ao analisar a extensão das áreas verdes, encontramos duas contradições: a primeira é que a maior parte dos verdes existentes está concentrada nos vazios produzidos pela especulação imobiliária; a segunda, é que a 221 maior parte dos verdes em áreas públicas é composta de espécies arbóreas fora do bioma cerrado. Em relação à s intervenções, Palmas foi plantada na ausência do tempo histórico diante da concomitância entre os espaços transformados e o tempo vivido; por isso, a cidade é resultante das intervenções processadas na natureza, direcionada para o crescimento econômico: A cidade nasce com esses feixes de memória reunidos, constituindo uma simbologia. E, mesmo na ausência do tempo, uma “temporalidade†se engendra. O tempo ausente não é um tempo inexistente, é apenas um fluxo temporal que a cidade não sofreu. Há uma intensa relação dialética que conjuga presença e ausência. Na ausência de temporalidade urbana, outros tempos ocupam a cidade construÃda. Tempos forjados, cuidadosamente colocados no espaço, que imprimem visões e projeções muito particulares para a cidade e permanecerão lá até que a ausência se dilua na passagem, no fluxo, e esse tempo ausente deixe de sê-lo (SILVA, 2010, p. 42). As relações são identificadas quando uma sociedade se instrumentaliza para agregar técnicas e tecnologias na produção de excedentes. Assim, em paralelo ao desenvolvimento, as cidades se transformaram no lócus das mudanças em todos os aspectos de uma sociedade, por meio da ocupação de espaços e da alteração da estrutura social, polÃtica e cultural. Com isso, a cidade vai se constituindo como espaço de poder, de consumo e de progresso. Estas formas de desenvolvimento passaram a exigir normas para ir e vir, para vender e comprar; diante do superávit de produtos, emerge a necessidade de adaptação, expansão e modernização dos lugares de morar e consumir. Contudo, a realização do desenvolvimento é um processo de mão dupla, ou seja, na mesma proporção da expansão da produção de excedentes, a sociedade convive com a exclusão social. Esses são os maiores dilemas das cidades planejadas, considerando que Palmas foi planejada para ser uma cidade administrativa e, portanto, residencial. Porém, as estatÃsticas apontam a ocorrência de diversificação no perfil econômico da cidade, conforme ilustra o último levantamento do IBGE, feito em 2009, divulgadas no caderno especial sobre o 23º aniversário da capital do Estado do Tocantins: Aponta que em Palmas estão registradas 5.716 empresas, que empregam 108.939 pessoas e movimentaram R$ 2,3 bilhões em salários. Em 2008, esse número era de 5.442 empresas, 106.166 trabalhadores empregados e 222 movimento de R$ 1,9 bilhão. Uma média de crescimento no número de empresas de um ano para outro de 5% e de 5,6% em geração de postos de trabalhos formais. Em 2007, eram 4.826 empresas registradas, que geraram 95.481 empregos e movimentaram R$ 1,7 bilhão em salários.
Os dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) registram que as admissões com carteira assinada em março deste ano foram de 2.283, sendo que 1.003 no setor de serviços, 687 no comércio e 434 na construção civil (WALDECY, 2012, p. 12 – Jornal do Tocantins). Na medida em que cresce demograficamente, expande o processo de transformação e de circulação de mercadorias. Diante disso, a cidade é um misto de segregação e ascensão social, por isso é um espaço atraente para empreendedores e trabalhadores que buscam espaços alternativos para morar e desenvolver em nÃvel profissional e empresarial. Conforme reportagem divulgada no Jornal do Tocantins - Caderno Especial, página 12, no dia 20 de maio de 2012, realizada com os ex-prefeitos de Palmas, que em 1992 foi realizada a primeira eleição para prefeito em Palmas, quando foi eleito Eduardo Siqueira Campos. Ele lembra que “as prioridades na época eram outras e que era um momento onde era preciso reafirmar Palmas, que passava por problemas como muita poeira, falta de iluminação, prédios improvisados e mosquitosâ€. Perguntado se fosse o prefeito hoje, Eduardo diz que buscaria “ações na área de jardinagem, parques urbanos, áreas de lazer esporte e realizar eventos para atrair pessoas para a capital, investiria em transporte coletivo urbano e atividades relacionadas com o meio ambiente nas escolas de tempo integral†(CAMPOS, 2012, p.14). 4.5 Os reflexos da expansão urbana da região sudeste do Pará na consolidação urbana de Palmas O desenvolvimento de uma cidade no contexto da pós-modernidade coloca a produção em uma disfunção territorial, de forma que as transformações das cidades são alteradas pela lógica do desenvolvimento a partir da desordem territorial produzida pelo perfil econômico de cada época. Assim, o espaço não é mais só a consequência, mas palco, retrato e extensão de todos os aspectos da vida social. Em qualquer situação, a ocupação é a representação do urbano, que ao mesmo tempo não pode ser entendido como objeto das intervenções efetivadas na estrutura do sistema produtivo, considerando que a evolução da 223 expansão territorial envolve todos os aspectos do crescimento econômico dentro e fora do território urbano. Por isso, “é um erro pensar que a cidade é um reflexo da sociedade que a construiu, ou vice-versa†(SANT’ANNA Jr.; CARSTENS; FLEITH, 2008, p. 20). Nesse sentido, Palmas não é o reflexo da população que a construiu e a ocupou, mas o reflexo dos interesses polÃticos e econômicos do primeiro governo. Assim, para explicar o desenvolvimento econômico de uma cidade, é importante precisar a sua relação com um contexto maior, além do regional, considerando que a ordem local não dá conta das explicações da incidência do processo econômico sobre o ordenamento territorial de uma cidade. As explicações podem ser encontradas na complexidade espaço e tempo diante das contradições entre urbano, cidade e meio rural caracterizadas pela divisão territorial do trabalho na proporção da inserção dos avanços tecnológicos de informação e comunicação. Dessa forma, o estudo da cidade exige o conhecimento do movimento de sucessão das contradições entre o espaço e o tempo presente, para explicar as relações entre o espaço e os meios de produção, materializadas na universalização dos modos capitalista de produção. O compasso e o descompasso entre a produção e a velocidade do tempo interferem na consolidação de uma urbanização. Assim, a articulação entre tempo e espaço urbano só é possÃvel a partir da identificação da relação entre o espaço local e outros espaços. Por isso, a população local precisa estar articulada com os espaços mundiais. Exemplo: acompanhar os resultados da bolsa de Tóquio ou de New York é importante para mesurar os impactos da cotação das ações nas principais bolsas de valores do mundo, na economia local, além dos avanços provocados pela simultaneidade produzida pela informação. Desse modo, os sistemas de comunicação e informação permitem a coincidência entre o tempo da difusão da informação e as possÃveis interferências em outros espaços; a isto se denominou globalização. Por fim, a transformação das cidades em objeto de pesquisa, concordante a uma hierarquização sócio-espacial, proporcionada pelos diferentes modos capitalistas de produção, colocam as cidades no centro do desenvolvimento econômico. Por outro lado, o desenvolvimento não caminha isolado; com ele, vêm as crises provocadas pelas desigualdades simbólicas e materiais, impulsionadas pelos conflitos de classes. Essas possibilidades se tornam reais a partir da ampliação do consumo entre as classes e categorias sociais. Nesse aspecto, as desigualdades se transformam em diferenças sociais. A ampliação das tecnologias de comunicação e transportes reclassifica os espaços e o poder aquisitivo; 224 por outro lado, acelera a violência nas cidades. Para inibir essa escalada, os espaços são dotados de sistemas de segurança que funcionam para distinguir os suspeitos dos não suspeitos. Essa formatação por meio dos terminais eletroeletrônicos gera outros nÃveis de precariedades na convivência entre as classes sociais. Nessa direção, o sistema imobiliário estabelece novos valores para a ocupação dos espaços, agregando valores e distinções nos conceitos de longe e perto, caracterizando a separação forçada ou não do indivÃduo em relação à cidade. Assim, o capital cria um processo de ocupação fora da cidade, para oferecer uma individualidade de acordo com o poder aquisitivo do consumidor. Em tempos pretéritos, a distância era um fator de definição negativa das condições sociais, pois os subúrbios só eram ocupados pelas classes menos favorecidas economicamente. Com a transformação do valor de uso, a distância deixa de ser um espaço de definição do aspecto social para ser um espaço de distinção social. Assim, a segregação ampliada por meio dos valores de uso e de troca dos espaços não é uma resultante da cidade, mas dos modos de produção e acumulação capitalista. Na pós-modernidade, as cidades não são constituÃdas de um centro único de atração, mas de vários, diante do processo de centrifugação contÃnuo. Essas alterações espaciais reproduzem espaços multiformes e unificados de frequentação. Essas mudanças exigem alterações nos espaços públicos e a ampliação da mobilidade e a diversificação dos transportes de massa. Por fim, exigem a busca pela pluralização dos espaços do ponto de vista funcional e do ponto de vista social. No entanto, com as alterações no ordenamento territorial, produzidas pelo desenvolvimento econômico, a tendência é o estrangulamento do trânsito e da mobilidade das cidades. Por isso, o poder público precisa intermediar as alterações para que os vazios e as distâncias não sejam totalmente repassados para o custo do transporte de massa, sem queda no ritmo de circulação das unidades transportadoras. A cidade, por ser um espaço de contradições e de intervenção reproduz um confronto diferente a cada situação ou espaço. Dependendo da logÃstica do trânsito, determinadas áreas podem ser esvaziadas do fluxo de veÃculos e pedestres. Quando o esvaziamento é planejado, o fluxo de movimentação na cidade pode ser alterado de acordo com interesses privados ou pela imprecisão do esquema da logÃstica empregada. Outro elemento forte na alteração do fluxo em determinadas áreas da cidade é a resultante do Ãndice de impostos e taxas sobre terrenos e edificações. Parte-se, portanto, de um determinado contexto para se entender uma determinada realidade. Porém, nesta pesquisa, tivemos o cuidado em determinar a relação estabelecida 225 entre a realidade e a crÃtica empreendida para não antecipar os conteúdos das intervenções e suas resultantes no ordenamento territorial de uma cidade sem antes compreender a realidade em questão. Isso porque todos os reflexos das alterações de uma sociedade são transportados para os espaços, porque não há alteração de espaços sem interesses prévios, sem intervenções. Diante disso, especula-se sobre a teleologia de Palmas como a capital do Estado do Tocantins, a partir do perfil polÃtico e econômico das intervenções efetivadas na sua criação e construção. Então, sobre qual realidade se deveria partir para se pesquisar uma cidade plantada, diante da ausência da participação dos moradores na construção dos interesses urbanos? As respostas podem ser mais complexas que as interrogações, diante das contradições estabelecidas entre o tempo presente e o tempo histórico materializado pelas intervenções nos espaços escolhidos para a construção de Palmas. Diante do perfil das intervenções que foram utilizadas para a construção, pode-se dizer que a dialética se realizou na ausência do tempo histórico, mediante a concomitância entre os espaços transformados e o tempo vivido. Através da História, a filosofia e as ciências sociais podem auxiliar no entendimento de criação de “coisasâ€, como obras, ideias e ideologias. Por outro lado, no momento em que são transformadas em produtos, emerge a necessidade de definição da metodologia a ser trabalhadas para possibilitar a compreensão de como o passado pode intervir no presente ou como o presente pode desfigurar o passado. Nessa direção, foi importante conhecer a história das lutas separatistas do norte de Goiás, para se entender melhor os objetivos direcionados para criação do Estado do Tocantins a partir das intervenções efetivadas para consolidá-lo como espaço de poder e desenvolvimento. Assim, pode-se dizer que a perda de importância do passado surgiu a partir da opção em se construir uma cidade direcionada para legitimar e contrapor os grupos de interesses que se formaram antes e depois da criação do Estado Tocantins. Nesse contexto, Palmas funcionou como objeto de validação e de distensão desses interesses. No sentido histórico, Palmas foi utilizada para construir uma cultura de esquecimento da história da população que vivia na região Norte e, ao mesmo tempo, construir uma nova cultura na população que migrou nos primeiros anos de existência da cidade. O perfil das intervenções induziu ao esquecimento do passado histórico, por meio da massificação de uma realidade construÃda por meio de uma vontade determinada por interesses privados. Neste aspecto, entre as intervenções que foram processadas para a 226 consolidação do Estado do Tocantins, inicialmente a criação e a construção de Palmas foi a mais significativa do ponto de vista social, cultural e polÃtico. Nessa direção, o governo promovia campanhas publicitárias evidenciando o passado ruim vivido pela população, colocando a ausência do Estado para justificar o atraso na região sem, contudo, evidenciar a relação entre capital e trabalho no circuito da produção. Em relação ao tempo presente, essas questões, segundo as observações do governo, Palmas representaria o momento de superação da história de atraso no Estado. Por outro lado, a urbanização que não agrega modos de produção, não garante a transformação dos espaços e nem da economia. Neste sentido, as cidades planejadas representam mais a ousadia dos seus idealizadores ou construtores do que a modernização e a evolução econômicas dos espaços na região em que se situa. De acordo com um dos entrevistados, a região norte e todos os estados que foram criados, incluindo o Tocantins, são realidades que surgiram com a redivisão territorial: Então, na verdade, nós demos um salto em mobilidade, temos uma estrada asfaltada nos ligando com o Amazonas, com a Venezuela e com a Guiana. Portanto, se nós olharmos o exemplo de Roraima já bastaria, mas temos exemplo de Tocantins. Tocantins quando era o norte de Goiás, era uma região abandonada que respondia por apenas 4% da arrecadação do estado de Goiás. Hoje o Tocantins é um estado dinâmico, desenvolvido e Goiás cresceu mais ainda porque não precisou gastar mais com a área do Tocantins (18ª entrevista analisada). Voltando ao passado, a cidade como materialização da urbanização e espaço da própria história de consolidação da autonomia e da cultura, no Brasil, foi uma condição emergente nos anos 1930, mais especificamente no perÃodo Vargas, com o processo de industrialização das principais cidades da região Centro-Sul. A partir daà começaram as grandes mudanças nas cidades. Assim, a urbanização se explica a partir das transformações e por meio das relações entre as cidades. Exemplo: não se deve pensar a metropolização a partir de São Paulo, mas a partir da relação que os setores de produção foram estabelecendo com a cidade de São Paulo dentro da logÃstica de transportes para fazer chegar a produção ao litoral paulista. Assim, o sistema de produção de café estabeleceu uma conexão entre São Paulo, a zona cafeeira e o Porto de Santos, estimulada pelas estruturas de transportes e armazenamento disponÃveis. Com isso, a cidade de São Paulo funcionou como meio para a distribuição, circulação e consumo da produção local e dos produtos que eram trazidos pelos cargueiros que levavam café para a Europa e América do Norte. 227 Em termos de Palmas, há indicativos de que a produção entre as regiões Norte, Sul, Nordeste, Centro-Oeste e Centro Sul, passarão pelos sistemas de transportes existentes e em expansão no Tocantins, colocando Palmas no centro dessa logÃstica funcionando como entreposto da produção das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Em termos lógicos, a ascensão de Palmas como centro econômico poderá ocorrer com a criação de novos estados na região amazônica. Para isso, o Estado do Tocantins terá de consolidar a infraestrutura adaptando o ordenamento territorial de Palmas e das cidades do seu entorno, a uma logÃstica de transportes e mobilidade para atender o crescimento das demandas futuras a serem implementadas com a Ferrovia Norte Sul e a Plataforma Multimodal que está sendo construÃda na orla esquerda do lago. Conforme Brito: Esta plataforma possibilitará uma inserção de Palmas como localidade central no Sudeste da Amazônia Oriental. Os discursos giraram em torno da viabilidade da ferrovia, e quando pensaram Palmas, planejaram uma cidade grande que daria suporte para todos os grandes investimentos. Ela está situada em uma localidade estratégica para a economia nacional. Em suma, todo este projeto fortalece ainda mais a cidade de Palmas, expandindo sua área de abrangência regional e ampliando seu mercado. Em Palmas, a plataforma não será apenas um local de embarque de grãos, mais um local de produção de força de trabalho e mercadoria de valor agregado. (BRITO, 2009, p. 109). Porém, para consolidação do que produz e reproduz na economia, o Tocantins terá de consolidar as relações entre transformação, circulação de mercadorias, serviços privados e públicos. As primeiras alterações no ordenamento territorial de Palmas acima das alterações existentes virão com o aumento da circulação de veÃculos e produtos produzidos em outras regiões, para atender à s necessidades da expansão urbana da região Norte, diante da divisão territorial que vem sendo discutida em BrasÃlia, sinalizando a proposta de criação de novos estados. Contudo, a que vem ganhando peso é a divisão do Pará para a criação dos estados de Carajás e Tapajós. Nesse contexto, e diante da posição geográfica do Tocantins, todas as divisões indicadas no Mapa 06, a partir do Paralelo 13, direta ou indiretamente favorecerão a economia da região e do Estado do Tocantins. Então, Palmas com a infraestrutura que vem conquistando na área de abastecimento, logÃstica de transportes, educação, serviços especializados em diversas áreas da saúde: 228 MAPA 06 – Mapa dos estados limÃtrofes ao Estado do Tocantins e as propostas de divisão territorial e de criação de novas unidades federativas. 229 Tem toda essa caracterÃstica, logÃstica, todos os problemas, a situação geográfica está em nÃvel de Brasil e ali com seus estados vizinhos. Então Palmas é hoje, eu não tenho dúvida para te falar sobre isso, pela avaliação que nós temos no Brasil é a cidade que vai crescer mais do que os percentuais atuais e eu vou te falar uma coisa aqui algumas pessoas não tem essa visão e eu tive essa experiência, agora recentemente foi aprovado a realização de um plebiscito para a criação do estado do Carajás e do Tapajós, para a divisão dos estados do Pará e do Maranhão há estudos que apontam que Palmas vai crescer mais com essas divisões. (8ª entrevista analisada). Assim, mesmo depois que as possibilidades de divisão territorial do Pará foram postergadas pela população, ao votarem não para a criação dos estados de Tapajós e Carajás, os interesses internos e externos próprios a toda divisão territorial, permaneceram. Da mesma forma que ocorreu com o Tocantins e o Mato Grosso do Sul, as lideranças polÃticas ligadas aos interesses regionais do norte buscarão outros meios para recolocarem a divisão na ordem do dia, introduzindo argumentos atuais e históricos, reais e sensÃveis para sensibilizar socialmente, politicamente e economicamente toda a população do Estado do Pará, como analisa um dos entrevistados: É preciso que se entenda isso, um estado grande, como é o caso do Amazonas, que é maior que os sete estados do sul e sudeste, o Pará que é igual o tamanho dos sete estados de sul e sudeste, são estados de latifúndios de difÃcil governança e portanto as populações mais distantes ficam desassistidas principalmente desses itens básicos que são saúde, educação, segurança, oportunidade de emprego, desenvolvimento. Então o que a gente precisa ter é uma noção de brasilidade e não de regionalismo. Nós temos que ter uma noção de quê? A região amazônica só tem a ganhar, não é politicamente só, mas politicamente também. A representação polÃtica de São Paulo sozinha na Câmara dos Deputados é maior do que as do sete estados do estado do norte, os sete estados do norte tem menos deputado federal do que São Paulo. Com isso São Paulo que já é a locomotiva econômica, passa a ser a locomotiva polÃtica. Nós temos que fazer um trabalho de eliminar desigualdades através de uma redivisão territorial equilibrada (18ª entrevista analisada). Para se beneficiar da expansão da urbanização no Estado do Pará, o Tocantins terá que melhorar e ampliar a sua mobilidade e acessibilidade em todos os setores vinculados a infraestrutura. Em alguns casos, essa inserção já vem acontecendo em relação aos serviços especializados de saúde, ensino superior e no setor de transportes aéreo, rodoviário e 230 hidroviário. Assim, para que a cidade se transforme em um polo econômico, o governo deverá adaptar a alÃquota do ICMS para facilitar o trânsito de mercadorias entre os estados limÃtrofes, considerando a posição que o Estado ocupa no mapa e em relação ao processo de divisão territorial da região Norte. 4.6 Narrativas sobre a divisão territorial, construção dos espaços de poder e da expansão urbana do Tocantins. Diante da estrutura teórico-metodológica da pesquisa e considerando as soluções e os problemas de ocupação e expansão do ordenamento territorial da cidade em relação ao processo de consolidação dos aspectos territoriais e espaciais do Estado do Tocantins. Como especifica Ferreira (2006), os aspectos territorial, urbano, rural e regional são recortes do espaço total, “levando-se em conta que o espaço tem um papel ativo sobre a sociedade, a ação das polÃticas em cada um desses recortes†(FERREIRA, 2006, p. 11). Assim, as entrevistas passaram a ser transcritas e analisadas de acordo com as temáticas propostas para o desenvolvimento da pesquisa, ou seja, de acordo com a evolução da redação dos capÃtulos, itens e subitens da tese. A primeira entrevista a ser transcrita e analisada foi a realizada com o Arquiteto Walfredo Antunes Filho. A entrevista foi importante e elucidativa para a pesquisa diante da firmeza como abordou as fases antes, durante e após a construção da última capital planejada do Século XX, sobretudo os acontecimentos que levaram o governador Siqueira Campos, a escolher uma área à margem direita do rio Tocantins apresentadas pelos técnicos: IncluÃmos essa área nas propostas que estávamos elaborando para esse estudo de localização, que na realidade nós fizemos por eliminação entre oito, dez ou doze itens pela potencialidade de água, acessibilidade, possibilidade de irrigação ao sistema nacional de comunicação, então nós fomos atribuindo peso a eles. Bom esse estudo deve estar arquivado na Assembleia até hoje. Fizemos um estudo de localização e esse estudo na realidade chegou a quatro áreas. Era uma área na beira, ao longo na chamada reta das cutias nessa estrada que vinha de TocantÃnia até Rio Sono. Uma outra área que hoje avista da capital é do contrapostos do morro da Santa Luzia, uma área que tem um planalto muito grande, encima daquela formação de montanhas, um planalto na realidade. Esta 231 área aqui que na realidade eram duas áreas, porque nós dividimos a área chamada: área mangues, do lado oeste do rio; e a área canela do lado leste. Mas, a configuração de topografia, de acessibilidade à s condições das áreas eram praticamente as mesmas, com a diferença de que essa área aparecia melhor, era mais bonita. O fato da serra esta praticamente emoldurando a área, fez com que a área fosse de nossa preferência. Depois da escolha da área o processo foi muito rápido, o entrevistado afirma que no pensamento do governador esta coisa de construir uma nova capital, ele ainda se debatia com a escolha de uma das cidades existente como capital. A base dos arquitetos era um escritório na Rua 100 em Goiânia. O entrevistado por ter feito mestrado nessa área fora do paÃs, conheceu como os franceses faziam para criar e construir uma nova cidade. Explica que mesmo sendo uma boa ideia, o governador tinha ressalvas e ficava mais preocupado quando se deparava com os custos consumidos na construção de uma cidade, vinha na memória dele os acontecimentos da construção de BrasÃlia, que consumiu muito dinheiro. Passada essa resistência inicial o governador Siqueira Campos se atirou com muita iniciativa como é tÃpico dele a comandar esse processo de fazer realmente a mudança da capital. Antes de qualquer iniciativa mais prática, se empenhou no convencimento dos lÃderes polÃticos das cidades de AraguaÃna, Porto Nacional, Gurupi e até mesmo ParaÃso do Tocantins, todas esperavam ser a capital. Já na escolha de Miracema para ser a capital provisória já estavam presentes as condicionantes no bojo da Constituição. No caso de Palmas haviam elaborado um estudo para estabelecer uma centralidade geográfica em relação à s regiões do Estado. Nós já conhecÃamos a proposta da existência do lago, calculada na cota 212, integrante do Plano Nacional de Energia e, portanto,tivemos que levar isso em consideração. Em seguida foram feitas análises geológicas e análises agronômicas, para o entrevistado, não tinha sentido colocar a cidade em terras férteis. Ao sul de Palmas as terras eram mais férteis do que ao norte. No municÃpio de Porto Nacional as terras são férteis, por isso, até hoje são ocupadas com plantio de espécimes agrÃcolas. Foi estudada a permeabilidade das terras, quanto ao lago já estavam especificadas, bastava sobrevoar analisar a vegetação da época na área de inundação ou na área que sofria influência da permeabilidade provocada pelos platôs. A massa de água do lago não altera fundamentalmente coisa alguma na área de construção que foi escolhida para Palmas. Pode trazer pequenas variações no lençol freático nas proximidades do lago, nas áreas que já eram alagadas, essa faixa foi reservada para baixo uso, uso de baixa intensidade e poucas construções no Plano original. 232 Em seguida, foram relatadas as estratégias do processo de desapropriação de terras rurais para serem urbanizadas e transformadas em moeda para o pagamento de despesas com a construção dos prédios públicos para sediar os poderes do Estado. O primeiro entrevistado, além de pioneiro, permanece atuante nas discussões relativas ao Plano Diretor e à s suas implicações com o desenvolvimento da cidade. Diante das suas posições em relação à expansão urbana e ao processo de ocupação da cidade, a sua participação em eventos é muito requisitada, principalmente quando se trata de interesses envolvendo o ordenamento territorial a partir da expansão urbana de Palmas. A segunda entrevista a ser transcrita e analisada foi a concedida por Odir Rocha. Relata que na época essas questões eram complexas diante dos enfrentamentos entre o poder público e a população mais pobre. Havia dificuldades para administrar os assuntos sociais no municÃpio em razão das precárias condições dos espaços e dos fortes Ãndices de migração proporcionados pela campanha de cooptação do governo estadual, veiculada nos grandes centros do paÃs. Por isso, a situação da pasta era muito complicada, havia tumultos por toda parte. Quando pensávamos que a situação estava calma, da noite para o dia as áreas mais próximas do centro da região norte de Palmas foram totalmente invadidas, por um contingente de mais de dez mil pessoas. Diante disso, como realizar a ação social para as pessoas que não tinham para onde ir, não tinham emprego, pois o Estado estava com a maioria das obras paralisadas, a economia da cidade estava em baixa. Diante disso, os migrantes não tinham o que comer e nem onde morar, em muitos casos era preciso pagar passagem de volta para terra de origem do migrante: Então a ideia do pioneirismo, implantada no inÃcio de Palmas foi uma loucura, pois falavam em cidade, mas o que havia era uma grande extensão de cerrado devastado para ser construÃdo o Plano Diretor. Nesse espaço, a população convivia com muita poeira exalada por máquinas pesadas: trator, moto niveladora, caminhões e veÃculos de passeio. A situação se agravava mais pelo fato de Palmas ter sido construÃda e ocupada ao mesmo tempo, faltava água potável, energia, hotéis, restaurantes. Nessas condições, tÃnhamos que desempenhar ações sociais. O municÃpio de Palmas foi criado em um espaço desmembrado do território de Taquaruçu; portanto, tinha de ter prefeito e vereadores desde o ato da sua criação, mas essa 233 questão só foi resolvida a partir da transferência dos poderes de Miracema do Tocantins, onde funcionou a capital provisória. Inicialmente, o governo tentou resolver a questão por meio de nomeação de um correligionário de confiança do governador, para ele continuar intervindo direta e indiretamente na construção, ocupação e consolidação da cidade. Quando essa intenção foi questionada na justiça, o governo passou a procurar alternativas. Não podendo ter um prefeito nomeado e, diante da inelegibilidade do filho que estava sendo preparado para ser o primeiro prefeito eleito da cidade, a solução encontrada foi transferir os poderes do municÃpio de Taquaruçu para Palmas e transformar Taquaruçu em distrito. Para manter a tutela sobre a prefeitura da capital, Siqueira Campos aprovou uma lei estadual confiscando 75% do FPM do municÃpio para os cofres do Estado. Contudo, com o fim do mandato tampão do primeiro governo, Moisés Avelino, adversário de Siqueira, elegeu-se para exercer o segundo mandato de governador. Com isso, a medida se transformou em armadilha para as pretensões do grupo do ex-governador Siqueira Campos, depois da eleição do seu filho como o primeiro prefeito eleito de Palmas. Assim, a medida criada para retirar a autonomia de Fenelon Barbosa, que tinha sido eleito para governar Taquaruçu, governou Palmas sem autonomia e com apenas 25% dos repasses do FPM. A lei criada para tutelar Fenelon se transformou em armadilha na gestão de Eduardo Siqueira Campos. Depois de uma rápida experiência como Deputado Federal, o entrevistado retornou ao Estado, após Siqueira Campos se eleger para o segundo mandato de governador, desta vez para ser Secretário da Administração. Contudo, o diálogo entre a polÃtica do governo municipal estava atritando com os interesses de parte do secretariado do governo do Estado diante da sobreposição de poderes. Visando a institucionalização do diálogo, o governo estadual criou uma Secretaria Extraordinária para Assuntos Metropolitanos de Palmas. Essa secretaria objetivava a otimização das relações entre a equipe de governo do pai (Siqueira Campos) com a equipe de governo do filho (Eduardo Siqueira Campos). Nas eleições de 1996, o entrevistado foi eleito prefeito de Palmas para governar de 1º de janeiro de 1977 a 31 de dezembro de 2000, apoiado por Siqueira Campos e Eduardo Siqueira Campos. A terceira entrevista transcrita e analisada foi gravada com o empresário João Batista Dias Pereira do setor de turismo e imobiliária e ex-proprietário da fazenda Triângulo, desapropriada para a construção de Palmas. Quando surgiu a notÃcia que a capital do Estado do Tocantins seria criada na área de abrangência do povoado Canela, houve uma corrida de especuladores para adquirir terras na região. Para evitar que particulares comprassem as 234 terras, antes da divulgação do local, o governador Siqueira Campos havia desapropriado todas as terras do entorno. Com essa medida, a especulação pretendida pela iniciativa privada foi barrada pelo poder público. O entrevistado argumenta que, no geral, as desapropriações não foram justas, principalmente em relação aos que não tiveram habilidade polÃtica para negociar com o governo. Diante disso, muitos proprietários não receberam a quantia justa pelas terras; por isso, até hoje ações tramitam em tribunais superiores, algumas com decisões definitivas contra o Estado. Na visão de parte dos antigos proprietários, era difÃcil entender ou aceitar a troca de uma fazenda de 200 ou 300 alqueires, por 20, 30 ou até 50 lotes onde seria erguida uma cidade. Para complicar, no inÃcio, os lotes não valiam muito ou quase nada, exceto para o governo, que praticava as vendas através de editais acoplados a um marketing bem estruturado, abordando a maquete da cidade e as riquezas naturais da região. Assim, ocorreu uma espécie de encilhamento dos terrenos, pelo fato destes serem utilizados para pagar, permutar e doar de acordo com os interesses e das necessidades polÃticas e financeiras do governo. Na fase inicial, os imóveis tinham um baixo valor; com isso, os que puderam segurar os imóveis recebidos em pagamento se deram bem, os que não tiveram essa condição perderam tudo ou quase tudo com a criação de Palmas. Na sua visão, todos esses desgastes poderiam ter sido evitados se o governo fosse imparcial e mais receptivo ao diálogo. Outro problema apontado em sua fala é a forma de tratamento dado à história da população da margem direita do rio Tocantins. Em seu caso, a casa da fazenda Triângulo perdeu a identidade quando passou a ser denominada de casa Suçuapara e não Triângulo como deveria ser. Suçuapara era o nome da fazenda que existia onde hoje está o Palacinho; a Fazenda Triângulo ficava no local onde é hoje o Parque Cesamar. Contudo, pode-se dizer que a escolha da região para a construção da capital foi uma medida acertada, pois antes existia muita miséria, faltava de tudo para uma pessoa poder viver com mais dignidade. A quarta entrevista a ser transcrita e analisada foi gravada com o empresário Wilson Charles. Os argumentos focaram o desenvolvimento econômico e polÃtico da região. No seu relato, a corrida para ocupar espaços em Palmas foi algo impressionante como se aqui fosse uma zona de garimpo de metais preciosos. Por isso, Palmas se tornou um espaço para aventureiros em todas as áreas de serviço, comércio, indústria e poder público. Essa forma de migração trouxe muitos prejuÃzos para a população e para a cidade. Diante da falta de estrutura, acesso e mobilidade, as mercadorias eram repassadas aos consumidores com 235 uma margem de preço maior do que a praticada em outros centros urbanos. Outro fator que provocava alteração no preço era o volume de perdas e da depreciação muito rápida das mercadorias proporcionada pelo clima, pela poeira provocada pelos fortes ventos. Outro elemento importante era o despreparo das pessoas que venderam tudo nas suas cidades de origem para investir na abertura de negócios em Palmas. Enfim, tudo isso desequilibrava e inflacionava os custos das mercadorias. Diante dessa situação, a população rejeitava o comércio local para comprar em outras localidades onde existiam melhores preços e maiores opções de atendimento e formas de pagamento. Assim, a economia era bastante dependente da massa de assalariado e das obras financiadas pelo poder público. Essa situação só começou a ser alterada a partir dos anos 2000, depois de ocorrer uma espécie de decantação do empresariado local e com a chegada das redes nacionais. Porém, a seleção foi significativa nas diversas categorias empresariais e também dos trabalhadores. A seleção dos empregados ocorreu a partir do momento em que o poder público passou a realizar concursos públicos direcionados à seleção das pessoas mais capazes para desempenhar as diferentes funções nas estruturas do Estado, quando o empresariado passou a atuar de acordo com as necessidades de desenvolvimento da economia e da população. Nos primeiros anos de criação do Estado do Tocantins e de Palmas, a migração era motivada pelos fartos empregos disponÃveis nas esferas do Estado, sem as barreiras restritivas; por outro lado, os concursos não eram feitos para selecionar, mas para legitimar quem já estava no serviço público. Tudo isso prejudicou muito o desenvolvimento da cidade e das empresas para selecionar o seu pessoal, diante das dificuldades para se encontrar pessoas capacitadas e interessadas nos empregos oferecidos pela iniciativa privada. Tudo girava em torno dos empregos nas três esferas públicas: União, Estado e MunicÃpio. Essa situação era corroborada pelos polÃticos e pelas pessoas que não tinham aptidão e se tornaram empresários; mas as expectativas estavam sintonizadas com algum cargo comissionado ou eletivo. Por isso, as empresas sofriam muito para formar seus quadros de pessoal. Porém, os problemas relacionados com a mão de obra qualificada permanecem em muitos setores de atividades. Os empresários argumentam que os problemas de pessoas capacitadas ainda são um reflexo da polÃtica de atração para migrantes nos anos iniciais de estruturação dos poderes do Estado e da sazonalidade econômica produzida pelas grandes obras realizadas como a construção do Plano Diretor, lago de Lajeado e da Ponte ligando Palmas à cidade de ParaÃso do Tocantins. 236 Em relação aos poderes públicos, na visão empresarial, Palmas atraiu um contingente de funcionários e polÃticos que não deram certo em outros estados; com a criação do Tocantins, vieram para essa capital. Segundo os órgãos classistas, essa situação permanece representativa na iniciativa privada, na polÃtica e em grande parte das funções públicas do Estado e dos municÃpios. Assim, a ausência de processos seletivos sérios e concordantes com as exigências legais estimulou a migração de oportunistas que se empregavam e se empregam por meio de contratos precários de prestação de serviços públicos. Na iniciativa privada não foi diferente: parte pensava mais em se arrumar no governo ou na polÃtica, ser empresário era “bicoâ€. Esses contingentes continuam impactando na economia do Estado e de Palmas. Contudo, a cidade teve muitos empresários pioneiros que deram certo e continuam crescendo em seus respectivos ramos. Em termos econômicos, Palmas ainda é uma cidade que depende do poder público para se sustentar, mas essa dependência tem diminuÃdo nos últimos anos com a chegada das grandes redes de supermercado e “atacarejoâ€, das inúmeras concessionárias de carros nacionais e importados. As feiras e os eventos cada vez mais perenes têm movimentado de forma positiva a economia da capital. Há a prestação de serviços especializados em educação, saúde, lazer e entretenimento. Por fim, todas as mudanças nos últimos anos vêm estimulando a expansão da tecnologia em todos os setores de atividades, exigindo mudanças cada vez mais ousadas de gestores públicos e da iniciativa privada. A quinta amostra analisada foi a entrevista realizada com a Senhora Maria Graça Batista, ex-esposa do proprietário da fazenda Suçuapara antes de ser desapropriada para a construção de Palmas. No diálogo, ficou caracterizado a sua mágoa com a forma pela qual a fazenda havia sido desapropriada pelo governo, depois pela modalidade de pagamento, efetivada em lotes, aumentando as dificuldades de mobilidade dos proprietários, que tiveram que esperar o repasse dos lotes, depois esperar as terras se valorizarem. Considerando que a fazenda possuÃa cerca de 300 alqueires, hoje a área localiza-se a partir do Palácio de Madeira – “O Palacinho, que é uma réplica do Catetinho de BrasÃlia. O Palacinho hoje funciona como museu da história do Tocantins e de Palmas. Próximo ao espaço do Palacinho estava a sede provisória da fazendaâ€. A fazenda era denominada de Suçuapara em alusão ao córrego Suçuapara que corta parte das terras e passava próxima à casa sede da propriedade. A desapropriação desorganizou a cabeça de parte das pessoas que tinham terras na região: além de não ficarem satisfeitas com a desapropriação, tiveram enormes dificuldades para receber os lotes em pagamento. Depois de receberem os lotes, o dilema: o que fazer 237 com os mesmos, na época sem valor de troca, diante facilidade de acesso que servidores, polÃticos e empresários tiveram no inÃcio da cidade. Tudo isso aumentava as dificuldades de negociação dos imóveis por terceiros. A fazenda foi comprada em meados de 1985; na época, o local poderia ser denominado de “sertão†pelo fato de não ter quase nada. Não possuÃa uma árvore frutÃfera plantada, a vizinhança era distante e dispersa; no entorno apenas se via cerrado. Neste local, conseguiram derrubar parte dos 300 alqueires para plantar arroz; todo ano a área plantada era expandida. Em pouco tempo, formaram um pomar com muitas árvores frutÃferas, fizeram várias benfeitorias em currais, “investimos nossa vida lá. Como eram de outra região, de imediato foi difÃcil nos adaptarmos aos costumes locais, por isso, buscávamos funcionários em outros estadosâ€. Aos poucos, as pessoas da região foram assimilando os novos métodos de trabalho e de gestão trazidos pelos migrantes; a partir daà começaram a realizar parcerias para a plantação de roças e trocas de animais. Em paralelo à plantação de arroz, criavam galinha, porco, cultivavam milho, mandioca; tudo isso começou do zero porque não havia absolutamente nada nos espaços da fazenda: Quando tudo estava no ponto para produzir, para dar lucro, veio a notÃcia que o governador Siqueira Campos havia desapropriado a fazenda para a construção de Palmas. Essa informação caiu como se fosse uma bomba sobre nossas cabeças, ficamos sem chão, sem teto, tudo parecia mover em nossa volta. O resultado de tudo isso, foi o fim da nossa famÃlia, depois de idas e vindas vim para Uberlândia onde vivo e trabalho, meus filhos que na época eram crianças e tomavam banho e brincavam no córrego Suçuapara hoje adultos, lembram pouco do que passamos por lá. Esse lugar, naquela época, diante do nosso caráter empreendedor era muito importante para nós. A sexta entrevista a ser transcrita e analisada foi realizada com o Engenheiro Jeferson Cassoli, Assessor Técnico Institucional do CREA – TO. Assim, antes de perguntarmos sobre o ordenamento territorial, perguntamos sobre os motivos que o trouxe para uma cidade com as caracterÃsticas de Palmas. O motivo da sua migração foi na mesma direção da maioria dos migrantes inquiridos: a busca de uma vida melhor, de ascensão social e profissional. No seu caso, a construção de cidades no Brasil sempre foi um objeto gerador 238 de expectativas de mudanças de vida; por isso, a opção por Palmas pelo seu Ãndice de crescimento na área da construção ser maior que nas outras capitais. Diante dessa demanda, havia deficiência de profissionais na área das engenharias, esse foi um dos motivos da sua migração. Em Palmas, trabalha e compartilha do desenvolvimento da cidade. Contudo, diz que se assustou com as paisagens iniciais: uma entrada muito bonita, edificada, bem arborizada, florida, depois que adentrou foi se deparando com muito cerrado. Foi então que descobriu que os vazios eram produzidos pela especulação imobiliária. O susto maior veio quando foi informado que a maioria das especulações era praticada pelo poder público ou por prestadores de serviços na área de construção civil. Em relação ao governo, a especulação se dava pelo fato de o Estado ser o proprietário de todas as terras do municÃpio de Palmas; em função disso, as vendas eram praticadas por meio de editais publicados online. Com esse mecanismo, os maiores investidores eram de fora e não conheciam a realidade local, compravam os lotes como investimento, não para serem usados. Essa situação começou a partir do momento que o governo passou a pagar as grandes empreiteiras com terrenos urbanos. Conhecedoras da realidade urbana e das perspectivas de valorização do solo, essas empresas procuram segurar o patrimônio sem ocupá-lo, gerando, consequentemente, enormes vazios em diversos espaços da cidade: “Sobre a questão da edificação hoje, nós temos uma capital projetada, por isso a fiscalização vem atuando mais no centro da cidade e menos nas periferiasâ€. Então, os olhos e as atenções se voltam para o centro, como se os problemas com as construções de uma cidade fosse algo ideológico e não social. Em relação ao trânsito, argumentou que uma das soluções seria a criação de vias expressas para o transporte de massa. A cidade tem o eixo norte/sul, que no momento não teria muito para alterar. Palmas foi bem planejada, mas o planejamento está sendo ignorado pelos gestores. Para melhorar o fluxo, a prefeitura deveria abrir mais duas ou três avenidas norte/sul para desafogar o trânsito do eixo Teotônio Segurado. Sem essas interligações não adianta alterar muito na logÃstica do Trânsito. Nas últimas décadas, as cidades vêm passando por modificações bruscas, tanto em relação ao centro quanto nas periferias. Então, a população e os técnicos devem se preocupar com a cidade do amanhã, para o que é importante a atuação dos conselhos classistas na institucionalização das necessidades de serviços essenciais de captação de água, esgoto sanitário e galerias pluviais. Pelo que se observa na estrutura das cidades, há uma preocupação superficial dos gestores com o embelezamento do centro e de áreas 239 privilegiadas pelo perfil de moradores. Por isso, os maiores problemas se concentram nas regiões sul e norte, onde estão os estratos mais populares da cidade. Portanto, os vazios urbanos indicam os contrastes de uma cidade nova e planejada, mas com um crescimento desordenado, com muitas edificações sem projetos, sem orientação técnica. As construções realizadas, sem respeitar o uso do solo, sem respeitar o plano diretor trarão consequências para o ordenamento territorial. Como especifica Milton Santos (2009), os vazios e as cidades espraiadas são caracterÃsticas de uma urbanização corporativa que transforma o solo urbano em objeto, em valor de troca, abandonando a perenidade do valor de uso. Então, conforme Serra (1987), a expansão, sucessão, centralização, descentralização significam ao mesmo tempo organização e desorganização dos espaços públicos. Assim, a mobilidade, antes tida como fator positivo, atualmente é vista como objeto negativo diante das transformações efetivadas no ordenamento urbano. A sétima entrevista trabalhada foi a realizada com o professor Zezuca Pereira Silva. Relatou que, em Porto Nacional, ainda quando criança, presenciou conversas entre os avós paternos reclamando da falta de apoio polÃtico para a região norte. Os mais antigos diziam que se o abandono permanecesse, a criação de um estado, era uma questão de tempo. Para isso, faltava, à s lideranças, união em torno da questão e dos movimentos então existentes. Em Porto, algumas pessoas ilustres encabeçaram movimentos nesse sentido, como o juiz de direito Feliciano Machado, que organizou um grupo de intelectuais, professores e empresários para discussão de estratégias para proclamar a autonomia da região. Além do juiz, participava o farmacêutico Osvaldo da Silva, o Professor Fábio Cesar Freire, entre outros, organizadores de uma entidade chamada Associação Tocantinense de Imprensa (ATI). Sob a liderança do juiz, o grupo instituiu o dia 20 de maio como o dia de luta pró-criação do estado do Tocantins. Em todas as comemorações festivas, havia desfile cÃvico na cidade, com estudantes portando bandeirolas com dizeres a favor da criação do Estado do Tocantins. Entre os dizeres, ficou celebrizada a frase: “nasci goiano, mas sou tocantinense de coraçãoâ€. Outros que se destacaram nessa luta foram os então padres e professores Rui Rodrigues da Silva e LuÃs Maia. Nos anos 1950, as discussões sobre a criação do estado evoluÃram com a criação de uma entidade estudantil denominada Casa do Estudante do Norte Goiano (CENOG), fundada por professores e estudantes de Pedro Afonso e Porto Nacional. Por intermédio da CENOG, Rui Rodrigues foi nomeado Secretário de Educação do governo de Mauro Borges, filho de Pedro Ludovico, o fundador de Goiânia. Contudo, a separação do norte de Goiás 240 não era unanimidade entre os principais lÃderes polÃticos do sul e do norte. Assim, Pedro Ludovico, os Caiados, Ãris Rezende, João de Abreu, lÃder de Arraias, eram contra a divisão de Goiás. Em seguida, foi criada a Comissão de Estudos dos Problemas do Norte Goiano (Conorte) para reivindicar investimentos públicos e privados, com o propósito de promover o desenvolvimento da população da região norte. A partir de 1970, o deputado federal Siqueira Campos abraçou a bandeira da divisão de Goiás apresentando diversos projetos para a criação do Estado do Tocantins. Em 1988, a Constituinte aprovou a divisão de Goiás para a implantação do Estado do Tocantins. A oitava entrevistada transcrita e analisada foi realizada com o Vereador Fernando Rezende. Na entrevista, procuramos saber, em primeiro plano, sobre o processo de criação, construção e consolidação de Palmas. Depois, a relação entre a especulação imobiliária, a expansão e o ordenamento territorial da capital. Como Vereador, entende que a escolha do local para a construção da cidade foi sábia do ponto de vista econômico e geopolÃtico, diante das condições que existiam na margem direita do rio Tocantins em relação à s estruturas das cidades das margens da rodovia Belém-BrasÃlia. Neste local, a capital foi projetada para abrigar inicialmente uma população estimada em um milhão e meio de habitantes. A sua experiência como um dos fundadores do CRECI, da Câmara de Valores Mobiliários, do Sindicato de Habitação e vice- presidente da Federação, o possibilita a ter acesso a todas as informações do setor imobiliário e à s necessidades de expansão das cidades. Por isso, a sua contribuição numa pesquisa que versa sobre o ordenamento de territorial de Palmas é imprescindÃvel. Mesmo diante das inúmeras atividades, o entrevistado foi receptivo e interessado pelos objetivos da pesquisa. Para ele, Palmas convive com muitos espaços vazios; por isso, há a necessidade de constantes atualizações no Plano Diretor para dar maior mobilidade ao sistema de ocupação da cidade. Porém, no momento, a maior preocupação com o ordenamento territorial está no processo de ocupação da margem esquerda do lago de Lajeado, diante da falta de critérios para a expansão de loteamentos em todos os espaços da margem pertencentes ao municÃpio de Porto Nacional. A preocupação maior é com a proximidade dessas ocupações com o Plano Diretor e as resultantes na estrutura urbana da cidade. Contudo, as preocupações com essa expansão precisam ser estruturadas antes da inauguração das estruturas previstas para entrarem em operação, nos próximos anos na orla esquerda do lago. Diante desses loteamentos, em breve, Palmas terá de disponibilizar o dobro da capacidade de serviços 241 públicos nas áreas de saúde, segurança, trânsito, comércio, serviços, mobilidade e acessibilidade. Uma das estruturas que provavelmente transformará a logÃstica de ocupação da orla esquerda será a Ferrovia Norte/Sul,cerca de 20 km da ponte construÃda sobre o Lago. Com a ferrovia, naturalmente, haverá uma ocupação urbanÃstica descontrolada e sem um plano de ocupação definido pelo municÃpio de Porto nacional. Lá será implantado um entreposto da Petrobrás para atender ao fluxo de consumo de combustÃveis do pólo multimodal e de toda a rede urbana da região Norte e de parte do Nordeste. Diante desses fatores e da falta de uma ação mais exequÃvel do poder público local, o entrevistado diz que o melhor para essa população que está se formando e para Palmas seria a criação de um municÃpio abarcando a região denominada de Luzimangues. Mesmo criando um municÃpio na região, o ônus ficará com a capital, que já recebe o ônus de parte da população de Mato Grosso, Pará, Maranhão e PiauÃ. Com a ocupação da expansão urbana na orla esquerda, inicialmente, Palmas terá um fluxo diário estimado em mais de cem mil habitantes, mais a sua população. Esses são os maiores desafios para o ordenamento territorial de Palmas para os próximos 10 anos, sem contar com o crescimento normal da capital e das outras cidades que compõem a rede urbana de Palmas, conforme os percentuais divulgados no último censo do IBGE. A nona entrevista transcrita e analisada foi realizada com o escritor, e procurador, Mário Ribeiro Martins. O entrevistado diz que Joaquim Teotônio Segurado, ao optar pela região, passou a idealizar a separação de Goiás, o tempo foi passando e veio aquele juiz de Direito de Porto Nacional, o Feliciano Machado Braga, que colocava em suas sentenças a expressão “Porto Nacional, Estado do Tocantinsâ€. Então todos esses nomes, inclusive vários jornalistas e escritores já pensavam em autonomia polÃtica para a região, embora Lysias Rodrigues, que escreveu dois livros interessantes sobre o assunto, ele pensava na transformação da região em território federal do Tocantins e não no estado propriamente dito. Por exemplo, João de Abreu lÃder de Arraias não pensava na possibilidade de criação do Estado do Tocantins, ele pensava na possibilidade de melhorar as condições de vida no norte de Goiás, depois vieram as iniciativas de Siqueira Campos que trabalhou para realizar a divisão do Estado de Goiás. Para o entrevistado, o medo esboçado por parte da população do norte de Goiás, contra a criação do Tocantins, devia a falta de estrutura na região, por isso, tinham medo que a criação de um estado pudesse agravar mais a situação com a criação de um estado. Em relação ao Estado e à capital, muitas pessoas que batalharam pela criação do Estado do 242 Tocantins não aparecem ou não apareceram convenientemente nos monumentos e nas estruturas que foram construÃdas para simbolizar a história das lutas em prol da divisão de Goiás, posteriormente para a consolidação do Estado e de Palmas. O entrevistado relata que conheceu Palmas em 1995, quando a cidade contava com poucas estruturas, a maioria das instituições ainda não tinha sido instalada. Em 1995, a maioria das instituições e entidades que tem hoje, não existia, por isso voltou para morar, em 1998, quando a situação já tinha mudado, havia muitas coisas estruturadas, instituições, muitos edifÃcios etc.: Em 1995 quando eu estive aqui, por exemplo, só havia o conjunto comercial Wilson Vaz. Quando eu voltei em 1998 já para residir, então já tinha muita coisa aqui, já tinha o Palmas Shopping e uma série de outras coisas. Então a evolução de 1998, por exemplo, pra cá, tem sido grande, extraordinária. Por exemplo, em termos de estradas, hoje nós temos asfalto saindo de Palmas para todas as cidades, para todos os lugares. Quer dizer, é um fenômeno realmente impressionante tudo que tem acontecido aqui. Inicialmente, a Unitins, Universidade do Tocantins, era a única instituição pública, depois veio a Escola Técnica, hoje Instituto Federal de Ensino Tecnológico, a Universidade Federal do Tocantins, que foi crescendo, foi se transformando numa verdadeira beleza. Hoje, por exemplo, a Universidade Federal do Tocantins tem uma biblioteca que é digna dos melhores encômios, uma biblioteca informatizada, formidavelmente instalada. A Ulbra, por exemplo, que é outra universidade, que tem uma biblioteca muito bonita, informatizada, é outro exemplo desse crescimento da cidade. Então Palmas hoje realmente é um centro extraordinário para se morar, para se residir e para se contemplar o crescimento dela. Todos os meus amigos que vem a Palmas, eles ficam encantados com Palmas e com o seu crescimento. Em relação à construção da identidade urbana de Palmas, o entrevistado diz que a questão não teve um tratamento relevante à s devidas proporções históricas do Estado, pelo fato de boa parte dos secretários que se constituÃram no poder, nos governos do Estado do Tocantins, ter sido formada praticamente de pessoas que vieram de muito longe do Tocantins, trazendo novas percepções de cultura: Então essas pessoas não têm, vamos dizer a concepção e a percepção histórica do que aconteceu aqui no norte do Goiás e do que acontece no estado do Tocantins. Então há muitos grupos que se tornaram grupos dominantes aqui no Tocantins, mas que não tinham aquele conhecimento 243 geral do que tinha acontecido anteriormente. Então em virtude disso eles não dão muita importância aos fatos históricos que ocorreram nesse perÃodo. A décima entrevista transcrita e analisada foi realizada com a Professora PatrÃcia Orfila Reis. Começou explicando que a disponibilidade do espaço existente invalida qualquer proposta de expansão do Plano Diretor. A produção de espaços vazios desvirtuou o planejamento nos primeiros anos, quando ocorreu a expansão Sul, na qual foram criados os setores Aurenys e Taquaralto. Essa expansão proporcionou o espalhamento precoce da cidade. Para o urbanismo, o espalhamento urbano funciona como um veneno letal para o desenvolvimento adequado das questões sociais de uma cidade. Uma cidade espalhada encarece o custo de urbanização pelo fato da infraestrutura ter de passar por espaços sem habitantes. Essa polÃtica de ocupação favorece a segregação não espontânea das camadas mais pobres. Diante disso, considera que o projeto de expansão dos espaços urbanos de Palmas, que vem sendo discutido pela Câmara de Vereadores, além de inoportuno do ponto de vista do urbanismo, se aprovada aumentará a exclusão promovida pela especulação imobiliária. O Plano Diretor atual foi aprovado em 2007 quando o perÃmetro urbano foi diminuÃdo, nas discussões atuais, a Câmara de vereadores propõe uma expansão. Então, a urbanização se torna extremamente onerosa e prejudicial para todos os habitantes. Tanto aqueles que estão no Plano Diretor, quanto dos que estão fora dele. Para evitar isso, existem instrumentos do Estatuto da Cidade, como, por exemplo, a escolha de ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) são áreas podem ser transformadas com o respaldo do governo sem, necessariamente, ter de expandir a cidade. A “especulação imobiliária hoje está tão aviltada que existem lotes que chegam a ser oferecidos pelo dobro do custo de um apartamento na beira da praia de Copacabanaâ€. Para a entrevistada, os vazios existentes corroboram a especulação imobiliária do solo urbano. Diante da situação, perguntamos sobre quais as expansões foram mais prejudiciais para o ordenamento territorial da cidade: a sul ou a norte? Na sua visão, foi a sul. Primeiro, pela distância que os bairros Taquaralto e os Aurenys foram criados. A ocupação da região norte, além de ficar ao lado da Praça dos Girassóis, foi um produto das necessidades e dos enfrentamentos das pessoas que não possuÃam habitação no inÃcio de 1992, enquanto a 244 expansão sul foi projetada pelo governo estadual, no inÃcio de 1990, para abrigar os migrantes das classes média-baixa. A forma de ocupação da região norte acirraram as discussões entre o governo municipal e estadual. Na época, o prefeito de Palmas era Eduardo Siqueira Campos; Moisés Avelino, opositor de Siqueira Campos, governava o Estado. O seu modo de governar e as suas posições céticas em relação a Palmas renderam-lhe fortes Ãndices de rejeição. Esses desgastes polÃticos favoreceram a população que ocupou a região norte, quando o governo decidiu não solicitar a desocupação da área. Com isso, melhorava o seu relacionamento com parte da população; por outro, provocava embaraços para o grupo de Siqueira Campos, que era contrário à ocupação. A parte da região norte que foi ocupada, antes de ser regularizada, foi denominada de Vila União. A ocupação gerou uma urbanização adensada com muitas facilidades de acesso e mobilidade para o centro. De forma contrária, os bairros Aurenys e Taquaralto foram criados distantes do Plano, proporcionando segregação da população. Então o estilo de ocupação da Vila União foi importante para urbanização da região norte e para os custos de implantação da infraestrutura do Plano Diretor. Além dos vazios, a professora aponta outros problemas que desestruturam o ordenamento territorial da cidade. A população, em relação à proximidade da linha do Equador, convive com duas estações: seca e chuvosa. Assim, quando chove os espaços alagam por inteiro porque o planejamento não lidou com a infraestrutura urbana do esgotamento das águas pluviais, transformando a cidade em manancial. Então, pergunta-se que planejamento é esse, que planeja só o solo, o subsolo não? O solo é aquela parte que todo mundo está vendo, então você planta árvores, você abre avenidas, você constrói palácios. Isso o povo enxerga. Essas obras deveriam ser as primeiras, antes do planejamento da cidade, deveria ser as primeiras obras, depois viria o asfalto. Agora estão quebrando o asfalto para colocar o esgoto. O mesmo fizeram com as árvores, devastaram tudo para construir a cidade, depois replantaram com espécies de outros climas aumentando o custo de manutenção e reposição das espécies. Outro problema proporcionado pelo planejamento é que alguns das áreas mais movimentadas do centro da cidade perdem a vida a noite; transformam-se em espaços fantasmas diante da ausência de sociabilidade urbana. Então, onde existe sociabilidade 245 urbana na cidade? Na feira da 304 Sul, na feira do Bosque, onde as pessoas costumam se reunir aos domingos, na Praça dos Girassóis, que vem sendo transformada em espaço para as caminhadas noturnas. Fora desses espaços, só os subcentros planejados, ou seja, os shoppings centers ou os movimentados bares das quadras das regiões sul e norte, onde não há separação dos espaços de residência e comércios. A décima primeira entrevista transcrita e analisada foi realizada com o empresário Jânio Assunção. A sua contribuição foi importante para as discussões dos problemas urbanos relacionados ao ordenamento territorial de Palmas. Em relação a isso, o entrevistado disse que é importante a revisão do Plano Diretor de qualquer cidade que passa por um processo crescimento como o que vem acontecendo em Palmas. A revisão é uma tentativa para o poder público, população e empresas evitarem grandes problemas urbanos. Um dos pontos importantes é o quesito moradia, que pode ser resolvido pelo mercado ou pela intervenção do poder público. Por esses motivos, justifica-se o projeto de expansão urbana, que vem sendo discutido pela Câmara de vereadores de Palmas. Nesse aspecto, especifica que sempre que se fala em expansão urbana em uma cidade planejada, a situação sempre é mais delicada. Considerando que Palmas foi planejada inicialmente para um milhão e meio de habitantes, no Censo de 2010 o IBGE contabilizou menos de duzentos e trinta mil habitantes. Diante disso, como justificar essa expansão pretendida pelos vereadores? O perÃmetro urbano continua o mesmo, mas nas audiências públicas realizadas apontaram que a cidade conta no momento com mais de 40 loteamentos irregulares. Sobre a contenda dos vazios, o entrevistado afirmou que na cidade não há imóveis para serem vendidos. Não há lotes disponÃveis para a venda em todas as quadras do Plano Diretor, por isso, a tendência são os valores subirem: “Comprar terreno para esperar a valorização é uma situação normal dentro do sistema capitalista, ninguém pode obrigar uma pessoa vender ou construir. Portanto, em sua opinião, em Palmas existem espaços não ocupados, vazios não existemâ€. Essa interpretação parte do que está disponÃvel para venda e não em relação aos imóveis ocupados. Exemplifica que “o maior espaço vazio de Palmas é composto por cerca de 32 quadras no plano diretor situadas entre o quartel da Marinha e a Ulbraâ€. Aquelas áreas não estão liberadas para venda, todas estão embargadas desde 1989 pela justiça, através de ações movidas pelos antigos proprietários contra a desapropriação realizada pelo governo. A outra parte dos vazios é produzida pelas quadras de propriedade da Empresa Sul Americana de 246 MontagensS/A (EMSA), recebidas do Estado em pagamento por obras realizadas no Plano Diretor, na fase de construção da cidade. Depois que o Ministério das Cidades passou a ter força para exigir a aprovação e a aplicação do IPTU Progressivo nas cidades, a prefeitura começou a notificar os proprietários de terrenos vazios. A partir de 2011, a prefeitura notificou mais de 1500 proprietários de lotes vagos. Depois disso, a EMSA, que detém a maior área desabitada, colocou na Arso 52, hoje 505 Norte, ao Valor de R$ 500,00 o metro quadrado que, segundo consta, nesse valor está incluÃda toda a infraestrutura urbanÃstico da área. Então, em termos sociais, isso não vai resolver o problema das residências populares; no seu entendimento, só vai ser minimizada com a expansão urbana. Voltando à legislação, o entrevistado não acredita que o IPTU progressivo venha a funcionar plenamente como todas as outras leis criadas para garantir o funcionamento pleno do urbanismo na capital. Para isso, o poder público precisaria estabelecer ações para que as leis sejam cumpridas. Caso contrário, a lei se transforma em privilégio para quem não as cumpre e punição para quem cumpre. Sobre a polÃtica desenvolvida pelo primeiro governador para consolidar a capital, o entrevistado argumentou que se o governo não tivesse feito um marketing pesado para atrair migrantes, quem teria vindo para cá? Quem viria para trabalhar nas grandes obras, nas instâncias dos poderes públicos e se arriscar investindo em negócios em uma cidade em fase de construção. Tudo isso precisa ser visto como algo importante para o desenvolvimento econômico e social do Estado. No caso dos imóveis, o governo sozinho não daria conta de realizar todas as transações envolvendo os espaços em uma cidade em fase ocupação. Diante disso, o trabalho realizado pelos corretores de imóveis foi importante para a consolidação da urbanização, lógico, de acordo com a perspectiva capitalista burguesa que é o sistema em que vivemos. Conforme especifica Habermas (1984), a democratização liberal ocorre no momento em que a burguesia endinheirada começa a ter acesso aos espaços da cidade, comprando casas, castelos e terrenos para serem disponibilizados para a sociedade por meio de venda, locação e troca. Esse movimento alterou o perfil das cidades, do desenvolvimento por meio da transformação dos imóveis em mercadoria. Assim, os espaços que antes eram de uso exclusivo da nobreza passam a ser disponibilizados para todos os que poderiam arcar com os custos impostos pela democracia do mercado. Inquiri como os corretores de imóveis viam a ocupação dos espaços reservados para a construção de equipamentos urbanos, junto à s quadras ocupados por igrejas ou outra instituição. Para o entrevistado, não seria uma ocupação, mas doações. Em 2007, a 247 prefeitura e o governo estadual distribuÃram inúmeras áreas para igrejas e instituições afins, nos pontos estratégicos, planejados para democratizar o acesso da população ao lazer e entretenimento. Nessa mesma condição estão centenas de áreas em todos os espaços da cidade. Essas atitudes vulgarizam o planejamento da cidade e depõe contra as instituições; os gestores usaram desse expediente como troca por apoio polÃtico. Veja o que aconteceu com as áreas planejadas para o setor industrial: a maioria foi distribuÃda entre os cabos eleitorais dos polÃticos; não houve critério técnico para selecionar as empresas, particulares ou coisa parecida. Veja o exemplo das quadras Arnes 55 e 65, hoje 605 e 705 sul: quem passar por lá pode observar como a ocupação dos espaços foram feitas. O governo Marcelo Miranda fez um loteamento ali para ser área industrial, porque a área antiga destinada tinha sido ocupada indevidamente por outros segmentos. Assim, mesmo o governo criando uma área para compensar a que tinha sido ocupada por particulares, parte também foi ocupada por particulares sem afinidade com a destinação da área. Essas são as grandes causas da desordem urbana que temos atualmente em Palmas. Nos últimos anos, as secretarias ligadas ao desenvolvimento urbano da capital em parceria com o Ministério Público, e contando com as denúncias de moradores e da imprensa, têm coibido essas práticas. Assim, as quadras residenciais de Palmas foram planejadas para funcionarem como uma pequena cidade, com igrejas, área de lazer, posto de saúde, escola, comércio, serviço, posto policial, enfim, uma cidadezinha pequena dentro de uma cidade grande. A quadra que não tem esses equipamentos é porque ainda não os teve construÃdos pelo poder público ou porque as áreas foram repassadas a particulares. A décima segunda entrevista transcrita e analisada foi concedia pelo Professor Júnio Batista do Nascimento. Entre os relatos do entrevistado, a criação do Estado do Tocantins naquele momento gerou embaraços constitucionais em relação ao processo de criação da capital e aos interesses das lideranças das maiores cidades do Estado em colocar a capital em uma dessas cidades. Esse processo ficou mais acirrado quando a Constituição aprovou que o Tocantins teria uma capital provisória e esta seria escolhida pelo Presidente da República. Essa prerrogativa fortaleceu as esperanças de algumas cidades, que também passaram a reivindicar essa condição junto aos poderes da República. Contudo, a habilidade de Siqueira Campos foi mais eficiente, ao solicitar que o presidente escolhesse para ser a capital provisória uma cidade neutra em detrimento à s que reivindicavam a sede dos poderes do Estado. Assim, Miracema do Tocantins se transformou na primeira capital do Estado do Tocantins até o momento em que Prefeito passou a reivindicar a permanência da capital na 248 cidade; após isso, o governo transferiu os poderes abruptamente para Palmas antes das principais obras terem sido concluÃdas. A vinda para Palmas também foi turbulenta do ponto de vista jurÃdico e polÃtico diante dos interesses que o novo solo despertava nos polÃticos, empresários e investidores. Considerando que os espaços escolhidos para a construção de Palmas era denominada de região do Canela, entre a Serra do Lajeado e o futuro lago da hidrelétrica, tinha-se quatro córregos cortando a cidade: Taquaruçu Grande, o Brejo Comprido, a Ãgua Fria e o Suçuapara. Em 1989, já tinha o discurso da Eco 92; então o Siqueira começou a vender a ideia de uma capital ecológica, uma capital modelo interligada pelas Serras do Carmo e do Lajeado, posteriormente pelo Lago da Usina Hidrelétrica de Lajeado. Para manter a gestão de Palmas sobre o seu controle, o governador Siqueira Campos instituiu leis que conflitavam com a Constituição, fez o municÃpio de Taquaruçu voltar à condição de distrito, para que Palmas não sofresse interrupção. Assim, depois de acertar a mudança da sede do municÃpio de Taquaruçu para Palmas, saiu a publicação de um decreto determinando a mudança de todos os órgãos do poder executivo para Palmas; a mudança foi processada na tarde do dia 1º de janeiro de 1990, para uma cidade do nada, no meio do mato, pois tudo ainda estava sendo construÃdo. Em relação aos movimentos separatistas, cita o livro do jornalista Laurentino Costa, que faz um apanhado das condições polÃticas à s vésperas de 1822, quando o Brasil sofria levantes contra a Coroa Portuguesa em várias capitanias, só não citou o Tocantins. Mas cita os estados limÃtrofes, Bahia e Maranhão, que eram as capitanias mais antigas e com maior poder econômico. E no norte goiano, o Tocantins também se levantou contra Portugal, só não foi adiante porque Teotônio, como bom monarca, permaneceu defendendo as causas da monarquia na região. Diante disso, a intenção dele na verdade não era separatista. Nos seus discursos, dizia para a população não se preocupar porque a partir da conquista da autonomia, a região teria soldados, empregos públicos, sal, entrada, gado, ferramentas e isenção de impostos para os pecuaristas, que depois do ciclo da mineração representavam o poder econômico na região. Um dos efeitos positivos para a região norte de Goiás se deu quando o Rei de Portugal criou a Cabeça de Julgado de São João de Duas Barras. O local determinado hoje é a cidade de Marabá, inclusive lá tem o Memorial São João das Duas Barras. A intenção da Coroa Portuguesa era reforçar a segurança do Pará contra as invasões estrangeiras. Só que Teotônio era um nobre aburguesado, acostumado com as noitadas regadas com bons vinhos e na região do norte havia constituÃdo boas relações sociais e polÃticas; por isso, procurou 249 convencer o Rei para transferir Duas Barras para o norte de Goiás. O pedido foi aceito pelo Rei seis anos após Teotônio ter formulado o pedido de transferência de São João para a cidade de Paranã. Com o fortalecimento do Ouvidor, o grupo mais radical denominado de lusófobos, que lutava pela divisão e pela independência de Portugal, perdeu força; no entanto, o grupo que reivindicava a autonomia da região se fortaleceu e se manteve o mesmo após a queda do Império. De outro lado, o movimento liderado pelo juiz Feliciano, apesar de ter sido criado por um intelectual, não pode ser dito que foi um movimento feito em gabinete, porque ele ganhou as ruas, a população participava do movimento. Chegou a realizar uma passeata com participação de 500 pessoas; o número não é significativo, é pequeno, mas a população também não era assim tão grande. Ele conseguiu convencer pessoas importantes, a partir do momento em que o Bispo Dom Alano começou a introduzir a causa nos sermões; os jovens que foram estudar em Goiânia criaram a CENOG, que foi um movimento estudantil denominado Casa de Estudante do Norte de Goiás. Depois veio a Belém-BrasÃlia. Relata as diferenças entre as cidades tradicionais e as cidades que surgiram à s margens do Belém-BrasÃlia em termos de cultura, polÃtica e economia; por isso, havia certo distanciamento entre as populações. Essas diferenças foram parar nos movimentos CENOG e Comissão de Estudos dos Problemas do Norte (CONORTE). A maioria das pessoas que compunham a CENOG era de Pedro Afonso, Porto, Tocantinópolis, Natividade, Arraias. A CONORTE de Colinas e AraguaÃna, enfim, a maioria das pessoas era das cidades situadas à s margens da Rodovia Belém-BrasÃlia. Por exemplo, o pessoal mais antigo da CENOG e CONORTE que participaram junto com Siqueira Campos é revoltado porque eles achavam que dividindo o Estado, todos seriam as cabeças de frente. Após a divisão, o Siqueira buscou as pessoas em Goiânia, mas fora dos dois movimentos que assumiram a luta autonomista no lugar das lutas separatistas. Com essas escolhas, Siqueira tinha tudo à mão: dinheiro, mÃdia e voto. No poder, Siqueira procurou recriar a história importando outras identidades culturais para o Estado. Sobre a ocupação de Palmas diz que a diferença entre Palmas e BrasÃlia se refere ao fato de BrasÃlia ter sido previamente estruturada como se fosse um aniversário: arruma-se a casa para comemorar um aniversário, tudo fica organizado. Quando tudo está arrumado, abre-se o portão para os convidados entrarem, foi assim com BrasÃlia. Palmas não, na medida em que era construÃda, foi-se habitando, por isso surgiram muitos impasses com a ocupação de Taquaralto e os Aurenys. Houve confusão durante a divisão sobre quem 250 habitaria as quadras centrais. Primeiro, foram abertas as quadras mais distantes. As áreas das Arnos, por serem próximas ao palácio, tinham sido doadas pelo governo para as pessoas ricas, foi uma aberração. Na troca de governo, ocorreu a invasão das Arnos, o Moisés Avelino vendo isso deixou a população lá, não moveu uma palha para retirá-los. Outra diferença apresentada é que Juscelino teve cinco anos, Siqueira só teve dois anos. A marca dele também era do mesmo jeito, eram 20 anos em cinco. O primeiro logotipo do Siqueira era 20 anos em dois, sabendo que na época não existia reeleição. O Brasil estava em crise e piorou com o Plano Collor. Com isso, a população das grandes cidades buscava formas de sobrevivência ou expectativas para melhorar sua situação, considerando que o Plano Collor havia confiscado todos os ativos da população. Nesse momento, o Tocantins, depois Palmas, passou a ser das melhores opções para a migração, onde havia expectativa real de emprego nas esferas públicas e privadas, possuindo espaços para investir ou iniciar qualquer empreendimento. A décima terceira entrevista a ser transcrita e analisada foi realizada com o engenheiro mecânico LuÃs Cláudio Tose. As suas abordagens sobre Palmas foram balizadas na sua experiência como migrante e empresário do ramo de atacado. Sobre as campanhas publicitárias sobre Palmas e o Estado, diz que os governos estadual e municipal sempre fizeram propaganda para atrair empresários. Na realidade, foi muita propaganda, se forem contabilizadas as pessoas que vieram em relação as que foram embora talvez se tenha um número mais abrangente das que foram embora de Palmas ou retornaram para os lugares de origem. As pessoas que vinham para Palmas achavam que estavam chegando a uma espécie de eldorado. À primeira vista, as pessoas pensavam em montar uma empresa, outros investiam na melhoria para conquistar os espaços existentes. Logo, percebiam que Palmas era uma praça de pouco consumo e custos elevados. Aluguel muito acima da média, custo operacional e logÃstico de difÃcil acesso e mobilidade; dependendo do produto, o clima passava a ser uma variável importante para os custos. A economia girava em torno dos cargos comissionados atrelados aos polÃticos. No inÃcio, para viabilizar a cidade, o governo investiu muito na mudança e na criação de órgãos públicos nas três esferas: Estado, MunicÃpio e União. Nesse universo, a iniciativa privada ficava em segundo plano. Em diversos pontos da cidade pode-se observar um cemitério de empresas falidas, principalmente nas principais artérias da cidade. 251 Argumenta que o Plano Diretor possui uma estrutura muito fechada, o poder público mata a empresa antes de ela começar a ter vida própria, além dos impostos, o custo alto com aluguel, a demora de abertura de uma empresa é espantosa. Em Palmas, não se abre uma empresa com menos de seis meses, a prefeitura é burocrática e não tem estrutura para agilizar a documentação, as regras são muito fechadas, principalmente em relação ao plano diretor. Há dificuldades de mobilidade dentro e fora das quadras. A concentração de trânsito no centro acaba trazendo dificuldades para o comércio diante da forte concentração em alguns pontos e a desconcentração em outros. O entrevistado diz que no inÃcio achou que Palmas era uma praça acessÃvel ao seu projeto, cheguei aqui cheio de ilusão, montei um negócio maior mais evoluÃdo que o Estado suportava. Resultado: eu também quebrei, aà tive que começar de baixo, devagarzinho, bem pequenininho e acompanhando o crescimento do Estado. Então hoje eu tenho essa consciência, não adianta eu dar o passo maior do que o Estado absorve. Porém, nos últimos anos a cidade vem evoluindo, tem chegado pessoas com um poder aquisitivo melhor, a chegada de diversas revendedoras de automóveis, redes de lojas, de atacadistas: o Atacadão, o Macro, AssaÃ, Extra. A cidade vem melhorando, os consumidores estão se modernizando, o empresariado também vem sendo obrigado a se modernizar. Quem não evolui acaba indo a falência esse tem sido os desafios de Palmas. Antes dessas mudanças, as pessoas viajavam para comprar até gêneros alimentÃcios fora diante da falta de opção e dos preços elevados, hoje não compensa mais fazer isso. O comércio oferece de tudo e a preços competitivos. De 2010 para cá os governos federal e estadual vêm criando sistemas para dificultar a sonegação de impostos. Diante disso, os comerciantes que utilizavam esse artifÃcio para comprar ou vender mercadorias sem notas, tiveram de se adaptar à nova sistemática de arrecadação. Esse processo vem gerando uma nova seleção entre os empresários perante as margens de lucro possÃveis de serem aplicadas. Então o Estado e Palmas estão evoluindo, principalmente de 2010 pra cá. Os empresários que se modernizaram estão satisfeitos com tudo que vem acontecendo. Mas há problemas que o governo precisa alterar, um deles é o circuito de arrecadação do ICMS. 252 Pois, da forma como foi implantado, o sistema não favorece o comércio local, mas aumenta o volume de transporte de mercadorias sem gerar uma receita compatÃvel à s despesas geradas com os desgastes das estradas, com a segurança e a fiscalização, sem a necessidade de geração de emprego. O que fica de imposto é a diferença de 1% que o Estado vem ganhando em relação à s alÃquotas praticadas por outros estados. Contudo, essa questão só será resolvida com uma profunda reforma fiscal que diminua ou acabe com a guerra fiscal entre os estados produtores e não produtores. Sobre a economia de Palmas, o entrevistado argumenta que há dois anos a circulação de carros nas avenidas de Palmas antes das oito horas até oito e quinze, depois, de dez para o meio-dia, até meio-dia e quinze. Depois de dez para as duas até duas e dez, por fim, das dez para as seis as seis e vinte. Das sete horas da manhã ou nove da noite, não se tinha carro rodando na cidade. Hoje é diferente, antes das sete horas já tem carro rodando em quase todas as ruas, depois das onze horas da noite você vê movimento em Palmas. Isso é efeito da economia que não é só do circuito público. Essa condição pode ser testada com a demissão de quase vinte mil comissionados do governo estadual e Palmas continuou do mesmo jeito, funcionando, os supermercados vendendo, exceto os restaurantes que tiveram uma queda de cerca de 20 a 25%. Tudo isso é porque o poder aquisitivo da população vem aumentando, mas Palmas ainda não tem uma definição econômica clara. O entrevistado diz que Palmas deveria investir na atração de aposentados, diante do clima, da geografia e das caracterÃsticas urbanas da cidade. Por outro lado, os empresários estão entusiasmados com a expansão urbana do Pará, mais especificamente em relação à s cidades de Marabá e Imperatriz, que possuem uma economia mais independente do funcionalismo público, por serem cidades pólos; o movimento de pessoas e dinheiro é mais intensa nessas cidades. Em Palmas, o impacto das folhas de pagamentos de servidores públicos era muito significativo na economia do Estado. Essa dependência vem diminuindo nos últimos anos. Em sua opinião, o pólo multimodal da Ferrovia Norte Sul, a base de abastecimento da Petrobrás, e outros projetos, como a instalação de uma fábrica de rodas de vagão pela Vale, nas proximidades de Palmas. Todos esses investimentos trarão benefÃcios econômicos e transtornos para a população, principalmente em relação ao ordenamento territorial da cidade, com o aumento da especulação imobiliária. Sobre a especulação, existe lote em Palmas que tem cerca de 20 escrituras, quase a idade de criação da cidade. Tudo cascata gerada por uma especulação imobiliária fictÃcia. 253 Segundo o entrevistado, o maior problema da cidade permanece sendo os polÃticos. Porém, dessa condição, exclui o Siqueira campos. Outro fator importante para o desenvolvimento de Palmas é a criação do que chama de cursos interessantes: medicina, engenharia e direito que atraem pessoas de fora do Estado. Em sua opinião, ainda falta investimentos nessas áreas. Mas, para ele, cabe ao poder público buscar as alternativas mais viáveis para Palmas. O poder público tem que ter isso claro, e as universidades tinham que discutir mais essas questões: Eu vi o reitor da UFT querendo ser candidato a prefeito, levantando uma proposta para o futuro, sobre o planejamento urbano de Palmas. Mas isso já tinha sido iniciado pelo Jornal do Tocantins quando iniciaram as discussões sobre os objetivos do Plano Diretor de Palmas. Por isso, acha que o tema não é relevante em relação ao momento presente da cidade. Na sua visão, as organizações deveriam ser mais atuantes em relação à economia; para isso, deveria discutir a aceleração da abertura de firmas, uma melhor forma de ocupação dos espaços vazios, enfim, tornar a cidade mais competitiva comercialmente. Mesmo com esses entraves, Palmas atrai um número significativo de aventureiros em todas as áreas. As transformações de Palmas enquanto cidade passam por uma revolução em todos os setores, do público ao privado, do autônomo ao legalizado; em outras palavras, há uma decantação em todas as áreas, todos os segmentos produtivos e de consumidores. Por isso, nada é definitivo, tudo está em movimento, em transformação, logo, um campo fértil mais duvidoso diante do que pode vir pela frente. A décima quarta entrevista transcrita e analisada foi gravada com Bismarque Roberto de Souza Miranda. Nas suas abordagens, afirma que Palmas, em função da especulação imobiliária e da forma utilizada pelo governo do Estado para vender, permutar ou ceder os imóveis do Plano Diretor, proporcionou a formação de latifúndios urbanos. Diz que a forma como os seus pares na Câmara vêm discutindo a expansão urbana da capital vai favorecer e acelerar a especulação do solo urbano. Por isso, posiciona-se contra o projeto de expansão iniciado em 2011. Defende que o debate deve acontecer em torno da regularização fundiária de ocupações consolidadas, e não da ampliação do perÃmetro urbano da Capital. A não regularização de setores como o Santo Amaro pode ocasionar o retorno de recursos do Governo Federal, destinados para a construção de infraestrutura básica nestes bairros como pavimentação asfáltica, escolas e rede de energia elétrica. Como Vereador, defende a 254 aplicação de instrumentos como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), para desapropriar áreas vazias no centro da Capital e destiná-las à construção de habitação popular e à criação de áreas de urbanização especÃfica para regularizar áreas ocupadas onde vive grande número de famÃlias, como nos setores Ãgua Fria, Lago Norte, Setor Universitário, Irmã Dulce, entre outros. Há uma legislação especÃfica que determina que toda terra urbana precisa cumprir a sua função social. A aplicação desta lei não tem sido cumprida em Palmas. Diante disso, o Estado diz que não possui área pública para a construção de casas populares para a população que não tem casa e nem condições financeiras para adquirir os imóveis vazios existentes, pelo fato de estes estarem à disposição da especulação, com a conivência do poder público municipal e estadual. Nessa direção, afirma que o Estado segrega os mais pobres e privilegia os mais ricos. Como exemplo, há a venda simbólica de áreas de preservação ambiental para serem ocupadas por organizações empresariais poderosas economicamente. Em relação a isso, cabe à população se organizar para enfrentar o poder público para exigir a ampliação dos espaços para as famÃlias menos favorecidas; caso isso não ocorra, as pessoas vão morar em algum lugar vazio, seja ele público ou privado, área de preservação ou não; as pessoas sem teto têm o direito de procurar espaços de qualquer forma, pois ninguém sobrevive sem um lugar para morar. Diante disso, os governos geralmente utilizam a força para reprimir as ocupações denominadas de “irregularesâ€, mas não toma a iniciativa para solucionar o problema antes da sua eclosão. Em Palmas, essa questão é mais significativa diante das grandes distâncias entre as periferias e o centro da cidade, provocando discrepâncias na distribuição dos recursos destinados à infraestrutura e aos custos provocados pelas enormes áreas vazias vendidas pelo Estado e não ocupadas pelos respectivos donos. Enfim, relata que Palmas tem todas as condições para ser uma cidade sustentável e com uma infraestrutura mais significativa, se o solo urbano não fosse tratado só como mercadoria. Faz questão de reafirmar a sua posição contrária à expansão do Plano Diretor. Apontou vÃcios no processo que está voltado para a especulação imobiliária e para ampliar os espaços para pessoas privilegiadas. Pontuou que caso a expansão do perÃmetro urbano seja aprovada na Câmara Municipal, os movimentos sociais recorrerão à justiça. O entendimento jurÃdico atual é pacÃfico quanto à prerrogativa de projetos que visem à ampliação do Plano Diretor, pela necessidade de realização de estudos técnicos e dotação orçamentária especÃfica, que caracteriza a expansão como objeto exclusivo do Poder Executivo. 255 A décima quinta entrevista transcrita e analisada foi realizada com o professor, escritor e pesquisador Wolfgang Teske. Como pioneiro, implantou a primeira instituição de ensino superior de Palmas; desde a sua chegada, participa efetivamente do processo de desenvolvimento do Estado e da capital. Quando chegou, no final do mês de setembro de 1992, encontrou a cidade no inÃcio. Na época, havia apenas duas avenidas parcialmente asfaltadas. O que mais chamou a sua atenção foi a devastação desnecessária que fizeram para a construção dos primeiros espaços do Plano Diretor. Nesses espaços, tiraram praticamente toda a cobertura arbórea, limparam tudo. Em se tratando de uma cidade planejada, construÃda na bacia do rio Tocantins, o projeto deveria ser mais criterioso com a preservação da rica e perene vegetação da área. Assim, com a devastação, o fluxo de veÃculos de passeio, das máquinas pesadas e os fortes ventos, a cidade se transformava em uma densa nuvem de poeira. Não havia infraestrutura, não havia iluminação pública, não havia distribuição de água e nem água tratada, esgoto e coleta de lixo regular. A população pegava água direto nos córregos que cortavam a cidade. Depois de instaladas, as pessoas procuravam resolver o problema de abastecimento abrindo poços ou cisternas. Não havia disponibilidade de residência, hotéis e nem kitinete: as pessoas construÃam ou moravam nas cidades mais próximas. Para construir, o material vinha de fora porque em Palmas não contava com comércio regular para fornecer materiais de construção. Aos poucos, o comércio local foi se estruturando, mas muitas coisas eram compradas em Belém, Goiânia, São Paulo, Minas Gerais, enfim, onde ofereciam as melhores condições para entrega diante das dificuldades de acesso e da distância de Palmas em relação aos outros centros urbanos. Apesar de ser uma cidade planejada, parte do solo urbano de Palmas estava sub judice, ora pelas ações impetradas pelos antigos donos, ora pela duplicidade de donos e escrituras dos imóveis. Não havia muita explicação para esses casos pela Companhia de Desenvolvimento do Estado do Tocantins (CODETINS), responsável pela organização fundiária da cidade e do Estado. Essa questão gerava conflitos e desconfianças da população em relação aos poderes públicos. Naquela época, as invasões eram constantes. Muitos desses problemas aconteciam pela forma de gestão empreendida pelo governo, que detinha todas as terras; a população mais pobre ou ficava sem lugar para morar ou era segregada em bairros distantes do centro. Assim, surgiu a Vila União, após a invasão das quadras denominadas de Arnos (Ãrea Residência Norte), que estavam loteadas para serem vendidas, permutadas ou doadas a extratos sociais privilegiados, diante da sua proximidade com o Palácio Araguaia. 256 Outra constatação é que no começo a economia girava em torno do governo, quer dizer, o governo era o grande patrocinador da economia. Então não havia, digamos, empresas independentes, indústrias que pudessem acelerar a economia no setor privado. Diante disso, o governo se aproveitava da situação para controlar tudo ao seu modo e dentro do seu interesse. Essas estratégias reproduziam na integra as famosas frases do folclore dos polÃticos durante o coronelismo, dizia o seguinte: “aos amigos, as benesses, aos outros, os rigores da leiâ€. Como a cidade carecia de infraestrutura, na época a Ulbra além de ser a única instituição de ensino superior, era a única que tinha um auditório para a realização dos grandes eventos da capital; isso perdurou por muito tempo até o Estado e as outras instituições se estruturarem. Entre 1995 e 1996, a ULBRA sediou e encabeçou as discussões alternativas direcionadas para o desenvolvimento regional. Dessa pauta, saiu o primeiro Simpósio sobre o Plano Diretor. Grandes e produtivas discussões ocorreram de forma acalorada, com a participação de profissionais locais, técnicos e especialistas de outros estados, mesmo diante das condições ideológicas que o governo tratava a questão. Enfim, foi o primeiro evento dessa natureza em Palmas, organizado pela Universidade. Durante o encontro, o representante do Ministério de Ciências e Tecnologia que participou das discussões sobre o Plano Diretor, na época, ressaltou sobre as necessidades de mudanças em diversos aspectos. Um dos pontos abordados foi a questão das ciclovias, os especialistas não entendiam como uma cidade planejada não contava com ciclovias. Para os debatedores, isso era uma coisa inconcebÃvel para um projeto novo como o de Palmas. As ciclovias só foram iniciadas 20 anos depois, de forma inadequada em relação ao trânsito e à sustentabilidade urbana. No momento, fala-se na expansão urbana de Palmas, sem solucionar os problemas causados pelos vazios. Por isso, entende que expandir sem ocupar os espaços vazios é um equÃvoco diante dos problemas e dos custos que isso pode trazer para a população, principalmente para quem utiliza o solo urbano, só como habitat. Assim, a dispersão urbana, de forma inadequada, provoca alterações desnecessárias nos custos urbanos. Outro equÃvoco com a sustentabilidade da cidade foi quando iniciaram a arborização da cidade com espécies de outros biomas, a exemplo das palmeiras imperiais e outras espécies importadas, diante do clima de Palmas, a maioria está morrendo. Pesquisadores haviam falado que as espécies não eram do tipo arbóreo adequado ao clima da região. Até hoje, não se sabe porque essas questões não foram devidamente planejadas. 257 Entre as questões não resolvidas está o trânsito e a destinação de resÃduos sólidos. Assim, o sistema de transporte coletivo, diante da dispersão provocada pelos vazios e pela ausência de uma logÃstica adequada ao fluxo diário, do centro aos bairros das regiões norte e sul. A cidade não possui um aterro sanitário concordante com os padrões exigidos para receber os resÃduos sólidos; por isso, há indÃcios de contaminação do lençol freático de Palmas por falta de manejo adequado dos resÃduos. Palmas já foi uma cidade expediente; no inÃcio, funcionava parcialmente. Durante o governo Moisés Avelino, os servidores depois do expediente retornavam à s cidades de origem; era comum ver frotas de ônibus em volta das repartições públicas esperando os servidores para serem levados de volta para as suas cidades, tudo custeado pelo governo. Diante disso, o expediente era normal de terça a quinta-feira. Isso durou até o governo tomar a iniciativa de construir casas para os servidores com o propósito de fixá-los na cidade. Diante dessa situação, o ex-governador acusava o governo de ter montado uma estrutura para inviabilizar a consolidação da capital, considerando as divergências polÃticas entre o primeiro e o segundo governador. A distensão sobre a capital permaneceu até que o segundo governador entendeu que Palmas era um projeto irreversÃvel do ponto de vista polÃtico, social e econômico. A décima sexta entrevista a ser transcrita e analisada foi gravada com o senhor LuÃs de Barros, responsável pela implantação do programa de orçamento participativo da Prefeitura de Palmas. A experiência de Palmas foi trazida da Prefeitura de Porto Alegre, na gestão do Partido dos Trabalhadores. Com este mecanismo, segundo as afirmações do entrevistado, a decisão sobre a aplicação da verba destinada a uma determinada região é da comunidade. Para os crÃticos, essa modalidade nasceu de estudos realizados por pesquisadores em economia vinculados à universidade de Harvard com o objetivo de disfarçar o controle exercido pelo poder público na aplicação do orçamento através da participação da população nas fases de planejamento, destinação e fiscalização de verbas públicas em regiões, setores, vilas e outros. Contudo, gestor afirma que a experiência de Palmas foi mais racional, em termos do montante destinado, da extensão territorial e do plano de execução e a forma de acesso que os moradores tiveram para evitar desvios na aplicação do montante destinado a cada região. O entrevistado afirma que mesmo diante das crÃticas sobre cooptação de lideranças de bairro com finalidade polÃtico-eleitoral, Na sua gestão, o programa não teve conotação eleitoral. Uma das razoes para isso não ter ocorrido, em sua opinião foi a autonomia conquistada pelo programa a partir da competência dos técnicos, a isenção polÃtica e a 258 participação direta dos moradores e das lideranças dos bairros. Nessa direção, o entrevistado faz distinção entre o projeto do orçamento participativo e o planejamento participativo. Na sua avaliação, a conotação polÃtica pode ser percebida no formato dado ao planejamento participativo e não em relação ao orçamento participativo que atribuÃa o máximo de responsabilidade ao morador. Isso além de fortalecer a participação popular, dissipava os possÃveis vÃcios que poderiam resultar de manobras de outros poderes do municÃpio e das próprias lideranças de bairros. Em relação ao poder público, a população ficava confusa em relação as atribuições do planejamento e do orçamento participativo. O que se sabe é que o extrato mais privilegiado da sociedade não participava das assembleias para decidir a aplicação de verbas, essas frações realizavam as negociações em gabinetes. Diante disso, surgiram dúvidas sobre a representação da sociedade na participação das decisões do orçamento participativo de Palmas. Uma das crÃticas apresentadas pelo entrevistado é a falta de espÃrito societário das camadas mais esclarecidas ou de maior poder econômico. Essa divisão aconteceu porque o poder público só colocava parte das verbas disponÃveis para serem aplicadas de acordo com a vontade popular. O fracionamento do orçamento reproduziu divisões sociais e polÃticas entre os interesses dos moradores, a partir do momento em que os gestores públicos flexibilizaram a aplicação dos recursos entre as frações com maior poder polÃtico-econômico. Aos outros, sobram à s decisões das assembleias de moradores e o ato discricionário do gestor para atender ou não as pautas aprovadas nas assembleias. De outro lado, as assembleias, diante da ausência de parâmetros legais para forçar a execução das decisões das assembleias, estas podem ainda ser manipuladas por polÃticos, empresários ou especuladores do solo urbano. Enfim, na maioria das vezes o prefeito não delega aos contribuintes o poder de decidir sobre a aplicação do erário para não perder o seu poder de barganha junto aos estratos mais significativos da sociedade. Existem quadras que foram loteadas e vendidas por particulares com o custo de infraestrutura embutido nos valores dos imóveis. Contudo, algumas empresas não cumpriram o estabelecido no contrato de venda do imóvel. Nesse aspecto, a prefeitura ao deixar de exercer o seu poder de fiscalização no cumprimento das cláusulas contratuais, pode ser acionada pelos moradores para construir os equipamentos urbanos necessários. Por outro lado, o desenvolvimento econômico da cidade cria problemas para o ordenamento territorial e para a autonomia do orçamento participativo a partir do momento que o poder público para atrair organizações empresariais de médio e grande porte, termina tendo que 259 doar terras e construir a infraestrutura necessária a cada segmento. Considerando que a prefeitura de Palmas não detém terras, pois todas, desde o processo de desapropriação ficaram sob o domÃnio do Estado, as doações são realizadas pelo governo estadual. Diante disso, o municÃpio de Palmas não tem terrenos para construir cemitério, aterro sanitário, colégios e outros equipamentos urbanos. Por exemplo, o entrevistado afirma que a prefeitura pretende construir um centro administrativo para abrigar todas as secretarias, a área escolhida está próxima a Arse 51 - Ãrea Residencial Sudeste. Com isso a prefeitura pretende economizar com alugueis, dispersão dos órgãos e dos serviços prestados pela municipalidade e, consecutivamente contribuir para a diminuição do trânsito nas artérias com maior fluxo de veÃculos e pessoas. Essas dificuldades existem, primeiro porque o planejamento da cidade foi totalmente seguido pelos gestores do municÃpio e do estado que é o proprietário das terras do municÃpio, diante desse fato, o governo estadual se preocupou com a construção dos prédios do poder público estadual, deixando de lado as estruturas necessárias aos poderes da prefeitura. Nesse aspecto, os prédios do municÃpio, em relação aos do poder estadual, podem ser caracterizados como puxadinhos, diante da dispersão, estrutura fÃsica e funcionalidade, porque não houve um planejamento técnico adequado para o municÃpio. Outro problema, por exemplo, são os estacionamentos, os técnicos da prefeitura encontram dificuldades para propor um redimensionamento no trânsito nas áreas centrais, por falta de espaços, por isso, uma das soluções será a construção de um Anel Viário desviar o fluxo de caminhões do centro. Nessa direção, existe uma proposta de fazer os veÃculos pesados passarem pelo lado direito da rodovia TO – 050. Os problemas com veÃculos de passeio e cargas se acentuaram na TO-050, principalmente dos veÃculos procedentes de BrasÃlia, depois da construção da ponte dobre o lago, ligando Palmas a BR-153 e da ponte sobre o rio Tocantins, ligando Palmas à cidade de Miranorte, encurtou cerca de 150 km entre Anápolis e a cidade de ParaÃso do Tocantins. Assim, o crescimento de Palmas vem trazendo problemas para o ordenamento territorial da cidade? Sim. Nós estamos com problemas gravÃssimos e tudo isso por causa do crescimento. O crescimento está altamente acelerado, interesses muito grandes estão aà com a perspectiva de virem para cá, altos investimentos como, por exemplo, a Valec com os minérios de ferro aqui do nosso municÃpio, acreditamos que em cinco anos eles estarão aà com um potencial muito forte. Há um planejamento sim, mas eu acredito que esse planejamento não está acompanhando a velocidade da demanda. A demanda esta muito grande em Palmas e nós temos discutido o assunto em 260 relação à mobilidade do trânsito e precisamos duplicar mais avenidas pra poder desafogar o trânsito do centro e também direcionar órgãos públicos pra outra região que não seja próximo ao centro. Tais questões preocupam a população e parte das autoridades constituÃdas diante da possibilidade de Palmas se transformar numa cidade com os mesmos problemas de outras e de forma precoce, diante da ausência de um planejamento vinculado ao crescimento da cidade, associado aos problemas sociais, ambientais e estruturais: Palmas foi planejada inicialmente, mas não houve uma previsão para prever a evolução do crescimento da cidade Palmas por ser um pólo comercial importante de distribuição e abastecimento para as regiões do Norte e Nordeste. Nesse ritmo Palmas vai substituir Goiânia, nesse sentido, em parte esta substituição já vem ocorrendo com a instalação dos grandes atacados e da infraestrutura de transportes. Por isso, os problemas da cidade precisam ser vistos pelos gestores para que em breve, a última capital planejada do século XX não se transforme o direito de ir e vir em um caos maior que o existente nas grandes metrópoles. Retornando ao orçamento participativo, o entrevistado diz que havendo um plano de ação efetivo, o governo abre espaços para a participação popular mais ampliada, considerando a experiência do entrevistado com outros paÃses, diante da sua condição de imigrante: Então nós precisamos realmente lutar contra isso e continuar uma caminhada difÃcil e pesada, para que futuramente todos possam opinar e todos possam ajudar a decidir. Como eu disse, o orçamento participativo seria um caminho interessante, implantado em 253 paÃses. Agora mesmo em Portugal, Lisboa por meio de um planejamento associado ao orçamento participativo foi a campeã de obras, de conquistas, de ações urbanas. Se isso foi bom em cidades da Europa, porque que nós não deveremos continuar as discussões sobre o orçamento participativo? A décima sétima a entrevista transcrita e analisada foi gravada com Francisco Mozarildo Cavalcanti, Senador da República por Roraima, médico e um dos defensores da polÃtica de redivisão territorial da Amazônia. O Senador inicia dizendo que o termo separatista não era um termo muito bem visto pelos portugueses por representar na época a separação de Portugal com o propósito de criação de outra nação. Por isso, a ideia de autonomia, principalmente em algumas partes do 261 território era uma situação mais bem aceita pela Coroa Portuguesa, como objeto de solução para minimizar os conflitos e manter os interesses lusitanos em determinadas regiões. No Primeiro Império surgem os autonomistas acoplados a ideia de redivisão territorial: O norte de Goiás, em meio à s crises do Segundo Império, surge das ideias autonomistas de Teotônio Segurado, no final do século XX, foram tomadas como objeto para legitimar a divisão de Goiás. Portanto, pode-se deduzir que inicialmente ocorreram as divisões territoriais para possibilitar a posse dos espaços pelos portugueses, o separatismo visava a criação de territórios independentes, por isso, estrategicamente a Coroa Portuguesa promovia a gestão dos conflitos regionais, aceitando a autonomia de alguns espaços. Assim, a condição unitária do Brasil era mantida, sem grandes problemas de divisão. Porém, deve-se ressaltar que só 30 anos depois da descoberta os portugueses, resolveram criar as capitanias hereditárias. Assim, a primeira divisão do Brasil se deu com as capitanias hereditárias, portanto, de donos, depois vieram as provÃncias. No Império, foram criadas novas provÃncias por um capricho ou por outro, por razões geográficas ou não: É bom lembrar que, por exemplo, no inÃcio a provÃncia do Maranhão se estendia até o Pará, abrangia praticamente toda a Amazônia. Aos poucos foram criando novas provÃncias, depois novos estados. Cita como exemplo o seu estado, Roraima, fazia parte do Amazonas e foi redividido por Getúlio Vargas em 1943 quando foram criados três territórios federais Roraima, Amapá e Rondônia. Então na verdade o que está se falando não é em divisão, mas em redivisão e nem em separatismo porque a ideia de separatismo reporta aos movimentos que foram criados na época do Império para separar pedaços do Brasil para criar novas nações. Nós não estamos falando nisso, nós estamos falando em redivisão, isto é, criação de novos espaços que permitam levar o cidadão maior assistência do estado como educação, saúde, segurança, por condições de emprego. Este foi o caso de Roraima que é o menor Estado da Federação, que era um municÃpio do Amazonas, foi elevado à condição de Estado pela Constituinte de 1988. Diante da questão, o entrevistado começou a discutir o tema redivisão territorial durante o Congresso Constituinte de 1988. Com a criação do Estado, veio uma universidade federal, um instituto federal de educação e ciências e tecnologia, uma universidade estadual, somando a outras seis 262 instituições de curso superior. Então, na verdade, em termos de progresso, a população teve um salto de qualidade, com a construção de estradas ligando o território com o Amazonas, com a Venezuela e com a Guiana. Portanto, se olharmos o exemplo de Roraima já bastaria, mas temos exemplo de Tocantins: O Tocantins enquanto norte de Goiás era uma região abandonada que respondia por apenas 4% da arrecadação do estado de Goiás. Hoje o Tocantins é um estado dinâmico, desenvolvido e Goiás cresceu mais ainda porque não precisou gastar mais com a área do Tocantins. Então é preciso que se entenda isso. O Amazonas, que é maior que os sete estados do sul e sudeste, o Pará que é igual o tamanho dos sete estados de sul e sudeste, são estados de latifúndios de difÃcil governança. Portanto, as populações mais distantes ficam desassistidas principalmente dos itens básicos que são saúde, educação, segurança, oportunidade de emprego e desenvolvimento. Então o que se necessita ter é uma noção de brasilidade e não de regionalismo. Assim, a redivisão da região amazônica trará benefÃcios, não só economicamente, mas também polÃticos. A representação polÃtica de São Paulo sozinha na Câmara dos Deputados é maior do que as do sete estados da região norte. Os sete estados do norte têm menos deputados federais do que São Paulo. Com isso, São Paulo, que já é a locomotiva econômica, passa a ser a locomotiva polÃtica. Tem-se que fazer um trabalho de eliminar as desigualdades, por isso defende-se uma redivisão territorial equilibrada. Contudo, o congressista acha que o desenvolvimento provocado pela redivisão territorial da Amazônia não trará problemas de sustentabilidade. Primeiro discorda dos que dizem que a urbanização representa um entrave a qualquer coisa. Pelo contrário, afirma que a prioridade não é a urbanização, a prioridade é garantir a presença do Estado onde está o ribeirinho, em locais distantes em que as pessoas, por exemplo, no oeste do Pará, no oeste do Amazonas, receba os benefÃcios públicos, que as intervenções públicas cheguem até eles. Essa questão de sustentabilidade não está ligada, por exemplo, ao que é urbanizado. Lamentavelmente, os exemplos que se tem no grande Estado do Pará, seja no que tange à violência no campo, os crimes ambientais, ocorrem pela ausência do Estado. Então quanto mais o estado for menor, mais fiscalização haverá melhor aplicação dos recursos e melhor controle de cidadania para todos que moram lá. Nessa direção, citou o exemplo de Roraima, do Amapá e de Rondônia, que foram criados por intermédio de mecanismos de redivisão territorial. No caso dos três, a decisão de 263 criá-los foi de Getúlio Vargas. O Tocantins, por exemplo, foi uma decisão da Constituinte como foi o caso de Amapá e Roraima que foram transformados em estados. O que acontece é que nós não estamos vendo que essa redivisão só beneficia a Amazônia. A Amazônia é 61% do território nacional. Existem estados que pertencem a duas regiões diferentes: o Mato Grosso é ao mesmo da Amazônia e da região Centro-Oeste, o Maranhão faz parte da Amazônia, mas é do nordeste, portanto, com a redivisão territorial, os dois lados são beneficiados. Por isso, temos que pensar Amazônia de maneira brasileira, não ocupá-la a qualquer custo, mas desenvolvê-la, levando esse desenvolvimento para as pessoas. Esse é o foco. A décima oitava entrevista a ser transcrita e analisada foi gravada com o senhor Antônio Jose de Oliveira, conhecido como Antônio do Taxi. O espÃrito aventureiro do entrevistado depois de residir em diversos lugares decidiu migrar e fixar residência em Palmas. Afirma que sempre teve vontade de morar em um lugar que estivesse começando. Motivado pelo novo caracterizado pela criação do Estado do Tocantins e pela construção de Palmas, formaram os objetivos da sua migração. Desde que chegou, gostou da cidade, por isso, permanece até hoje. Afirma que não troca Palmas por nenhuma outra cidade, “hoje eu arrisco falar que eu não troco essa cidade por nenhuma outra, aqui é bom de se viver, graças a Deusâ€.O entrevistado diz que no começo foi morar na periferia, Fui morar no Aureny. Então gente como eu que chegou na fase inicial, a gente tinha que procurar se situar num lugar. Então essa evolução de Palmas desde os primeiros anos eu achei que ela cresceu muito rápido, depois ela ficou um pouco estável, porque aqui é bom de se morar, mas tem uma coisa muito séria, os meios polÃticos tem hora que eles judiam disso aqui..., da cidade e do povo. No meio polÃtico eu falo que é duro de se conviver, já foi tudo assim... Ainda é muitas vezes, porque o povo da área pública só enxerga o lado deles. Em sua opinião, em relação à s melhorias, eles (os polÃticos) fazem alguma coisa e depois estacionam. Afirma que temos o problema dessas águas acumuladas na cidade quando chove muito, porque não fizeram na época certa, poderiam ter feito uma estrutura adequada pra resolver essa situação. Na sua visão, há poucas diferenças entre os governantes: Eu senti inclusive no governo de Moisés Avelino era um governo muito aberto. Então a pessoa chegava aqui e fazia o que queria na época. Se 264 continuasse daquele jeito nós não tÃnhamos plano diretor. Embora o nosso governo que entrou depois que é o atual (Siqueira Campos), o que está no governo hoje, as pessoas falam que o velho bate duro, mas precisava disso, precisava dessa linha dura para se ter um projeto bom como foi na fase inicial do projeto de Palmas. Veja: Quando eu cheguei em Palmas, no inÃcio de 1992, eu vi essa transição de governo pra outro, eu vi que a coisa mudou da água pro vinho porque isso aqui, se nós tivéssemos continuado do jeito que era, no segundo governo do Estado, nós estávamos cheios de favelas, nós estarÃamos cheios de pit-dog de madeira em cima das calçadas, nós já tÃnhamos uma quantidade de insetos, ratos, baratas, tomando conta da cidade. Por exemplo, mudança de endereço, mudança das vias, a falta de intervenção no transito, pra organizar melhor o trânsito, a falta de sinalização. Isto porque se tem placas que não refletem, elas não são feitas com aquela tinta que reflete, são feitas com tinta comum, porque, talvez, se você for vê ali na estação, a estação foi feita com tinta, aquela cara fosforescente, mas a maioria das placas de Palmas não reflete à noite. Para o entrevistado, a expansão feita pelo primeiro governador foi importante e necessária. Acha que tinha que ter sido feita, isso porque, na época não existia estrutura em lugar nenhum, nem no centro de Palmas, esses bairros foram criados, eles trouxeram vida pra capital, por isso a gente não pode pensar que isso foi uma discriminação, eu acho mais um acerto do que uma discriminação. O entrevistado acredita que a ocupação dos bairros criados no inÃcio de Palmas tinha de tudo, classe baixa e tinha média. Eu acredito que, por exemplo, quem se situou nos bairros e fez uma estrutura, acreditou, ficou lá mesmo. No meu caso, por exemplo, o meu setor de trabalho era no centro, eu tinha minha casa lá, eu fui fazer uma pesquisa comigo mesmo, a média de despesa que eu tinha pra ir e vir trabalhar, porque meu serviço já era táxi. Então eu andava por mês, eu rodava 1200 km de graça, eu ia e voltava só pra dormir e voltava pra trabalhar no centro. Então eu fui fazer um levantamento, eu tava tomando prejuÃzo nisso. Eu aluguei minha casa e vim morar no centro, aluguei outra aqui, fiquei uns dias morando aluguel até que um dia comprei uma casa, vendi a minha de lá e vim pra cá definitivo. E aqui estou, mas eu acredito que essa parte de lá do setor dos bairros tenha sido discriminação, foi mais um acerto do governo. Existem muitos problemas, por exemplo: a mudança de endereço, mudança de vias, a falta de intervenção no transito, pra organizar melhor o transito, a falta de sinalização. Veja bem, os problemas de Palmas, que eu vejo, nós temos placas aÃ, que não refletem, elas não são feitas com aquela tinha que reflete, são feitas com tinha comum, porque talvez, se você 265 for vê ali a estação, a estação foi feita com tinta aquela cara fosforescente, mas a maioria das placas de Palmas não reflete a noite: Olha, inclusive, nós já andamos discutindo isso aÃ, já nos reunimos com a parte de trânsito algumas vezes. Por exemplo, aqui no começo as quadras elas tinham um endereço e depois mudaram, aà eles criaram as placas de sinalização, mas eles criaram com material comum, eles não fizeram com material visÃvel. Como trabalho com taxi, por exemplo, já estou aqui há vinte anos, na maioria das vezes, ainda tenho que me basear pelo endereço anterior, o antigo, porque foi mudado duas vezes o endereço. Nas rotatórias, o condutor chega com um número de faixas, no interior da rotatória é outro, na saÃda volta à normalidade. Veja, a parte central da capital ela ta precisando urgentemente ser mudada, tirar os queijos, e colocar cruzamentos, porque nos horários de pico atrapalha a gente. Essas questões foram abordadas com o pessoal do trânsito, por que nos queijinhos você chega com três pistas, dentro circula com duas, sai do queijo com três pistas, isso esta tudo errado. Aà Um dia eu fui discutir com um deputado aà que falaram que ele seria o candidato a prefeito de Palmas, perguntei se ele seria o prefeito de Palmas, se ele era candidato. Falou “não, o candidato é o Marcelo, vai ser o prefeitoâ€, essa é a conversa que tivemos, eu disse isso aqui ta precisando de uma mudança urgente no trânsito de Palmas, pelo menos nos queijos do centro, eles precisas virar cruzamentos. Ele respondeu-me que ia fazer uns viadutos, que o prefeito que entrar vai fazer uns viadutos tipo BrasÃlia ou Goiânia, falei até que eu acharia melhor fazer uns cruzamentos com sinal eletrônico, porque esse problema está muito sério, esse problema ta sério. Eu trabalho no aeroporto e venho para a área central, no horário de pico você tem dificuldade e não é pouca, olha, falta muita coisa no trânsito em Palmas. Aqui nós tivemos um engenheiro de trânsito no inÃcio praticamente nós tivemos um engenheiro de trânsito, ele começou a fazer a coisa certa, então foi embora porque não permitiram que ele desempenhasse o seu trabalho. Ele implantou Goiânia e BrasÃlia, ele entende de trânsito, e eu espero que um dia ele venha aqui e alguém dê um crédito pra ele mudar essa situação. Em relação à especulação imobiliária, o entrevistado acha que os imóveis são muito caros, a especulação imobiliária encarece muito os lotes, as casas, as pessoas fazem o que querem no setor imobiliário, aqui parece coisa de leilão, eu comparo assim. Pela nossa demanda isso aqui devia ser mais acessÃvel o setor imobiliário e a moradia pra nós de Palmas. Quem chega assusta, quando procura uma imobiliária, quando procura a gente pra saber como que é a moradia, qual é o preço do terreno, qual o preço do lote central, 266 periferem os bairros, sobre isso, a gente fala, que a nossa demanda é assustadora, hoje morar em Palmas é muito caro principalmente pra quem ta chegando. Por exemplo, a gente pega um empresário, ele vem atrás de investir, ele vê a Teotônio, você passa pela Ulbra até a altura da Redesat são poucas construções ainda, aà a pessoa fala “esses loteamentos aqui, isso aqui ta pra vender ou tem dono?â€, não, tudo tem dono. Agora, muitos desse pessoal não moram aqui, eles ficam fora esperando o tempo bom pra vender caro mesmo, quer dizer, caro já ta, mas quer vender mais caro ainda. Então já tem uma historia aà que o governo já interviu aà nessa parte, que quer que dê um aperto nesse pessoal dono de lote porque o empresário está vindo e precisa desses lotes. A gente traz conduz muitos empresários e eles gostam da área, essa área pra gente morar e colocar os negócios, mas esses terrenos têm dono muitos que não tem nem sinal de ocupação, que vai fazer alguma coisa. Eu acho que tá atrapalhando, tá atrapalhando o crescimento da cidade na via principal, no pólo principal comercial. Em relação à polÃtica, o entrevistado vê o retorno do Siqueira Campos muito bem vindo, até pelo empresário, que chega aqui acreditando mais do que o que acreditava antes. Algumas coisas que a gente escuta do empresário que a gestão atual da cidade deixa a desejar. A prefeitura não dá diretriz, por exemplo, o velho (Siqueira Campos) dá pra o empresariado que chega pra investir em Palmas. Por exemplo, o empresário quando chega em Palmas, procura a Indústria e Comércio, o primeiro foco que ele vai é a Secretaria de Indústria e Comércio do governo, que tem uma atenção muito grande pra esse povo pra eles investirem, mostram todos os caminhos, mostram, é por aqui, as coisas são assim. A pessoa, nessas condições é muito bem guiado pra se instalar, sinceramente isso não tinha, a gente escutava uma coisa que vou dizer uma coisa, até a gente ficava pensando. A gente que presta serviço autorizado pela prefeitura, a gente tem que respeitar o prefeito, eu acho que Palmas hoje nós temos um prefeito, ele é um prefeito que ele não xinga, ele é um prefeito que ele não difama ninguém, a gente sabe muito bem, ele é um homem respeitador, mas administração dele eu vou dizer, tem muitas pessoas incapacitadas pra tocar o serviço urbano de Palmas mandado pelo prefeito que por uma coisa ou outra a gente vê que são pessoas não capacitadas pra esse tipo de trabalho. O entrevistado argumenta que o prefeito não pode dar atenção somente para quatro ou cinco ruas da capital e o centro, o prefeito tem que olhar a capital inteira, precisa fazer as estruturas que o povo necessita. É muito fácil falar nas campanhas que vai fazer isso, vai fazer aquilo. Por exemplo, o setor Sul da capital, que pertenceu, ao projeto Orla, está 267 esquecido, nós taxistas pegamos clientes em todos os lugares, nesses bairros, quanto mais distante mais abandonado. Voltando ao escoamento de trânsito, nós temos aqui duas três vias que poderiam estar aberta pra desafogar a Teotônio Segurado, o senhor entendeu? E o prefeito não faz, quer dizer, são coisas mÃnimas pra prefeitura. Então o usuário, reclama muito da falta de estrutura, eu acredito que se a prefeitura olhasse direitinho, dava pra fazer tudo isso sem prejudicar ninguém, Mas eu não sei se o prefeito, os administradores dele, eu tenho quase certeza que os administradores dele não estão capacitados para fazer esse tipo de trabalho, porque pelo menos até agora não. Por exemplo, só agora ele tá colocando as manilhas pra desafogar as águas das chuvas, quer dizer, passou sete anos, agora no último ano é que estão fazendo isso, já devia ter feito, o senhor entendeu? A prefeitura precisa fazer muita coisa, por isso, a população precisa de um prefeito que faça e faça obras bonitas e definitivas, não em pedaços, por exemplo, faz um asfalto sem a estrutura em baixo, depois precisa cortar tudo de novo, e tudo gera recursos, tudo gera problema, entendeu. E nós estamos afogados nesse tipo de ação. Vou dizer uma coisa, o problema é o seguinte, nessas gestões anteriores antes do Siqueira Campos, eu estou falando de estado e municÃpio eu queria ir embora mesmo, porque na minha concepção, governo e prefeito têm que trabalhar junto, em conjunto pra fazer o melhor, tanto no estado como no municÃpio. Então veja bem o que acontece: eu via o descaso, exemplo o povo chega, o empresário chega e conversa com a gente, o empresário já vem com aquilo na cabeça que isso aqui já foi, isso que já foi aquilo, escutei muito isso. Aà a gente acreditando que as coisas poderiam mudar, e como de fato está mudando. O entrevistado acha que as mudanças estão ocorrendo agora depois da volta de Siqueira Campos ao governo do Estado, diz não ser partidário, escolhe aquele que poderá realizar mais obras, mesmo sendo eleito um diferente de quem votou, “se fizer pra mim é o bom. Quer dizer, eu tenho esse tipo de cabeça, a gente é conservador, o senhor entendeu? A gente é conservador, por exemplo, se a pessoa tá fazendo, ele não merece ser criticado, ele merece ser apoiadoâ€. A última entrevista transcrita e analisada, a décima nona, foi realizada com o cientista social Edgar Morin. Essa entrevista foi realizada de acordo com os problemas colocados no projeto de tese apresentado na selação do doutorado, considerando que a sua implantação só ocorreu no mês de setembro de 2009. 268 Iniciamos o diálogo com o entrevistado a partir da sua visão sobre as intervenções no Cerrado direcionado a construção de Palmas e quais seriam os reflexos que a cidade poderia trazer no âmbito da urbanidade? Na argumentação, o entrevistado pontuou que o primeiro problema seria desenvolver a cidade de forma democrática e participativa, combinando representatividade e gestão, impulsionadas e favorecidas por processos democráticos que atingiriam problemas diversos que se relacionam com a vida das pessoas que vivem na cidade. Ao sobrevoar a área, percebe-se que Palmas é uma cidade que foi criada no meio de cerrados. No momento fiquei pensando como se deu a criação dessa cidade, quais seriam os reflexos de se implantar uma cidade no meio do cerrado. A construção dessa cidade refletiria uma concepção de cidade? Sem dúvida que sim, reportando à história, a evolução humana está imbricada à criação de cidades... O que é novo em Palmas é a sua recém construção. Sobre a criação de cidades o Brasil tem a experiência internacionalmente conhecida que é BrasÃlia. As cidades, uma vez criadas, têm sua vida e sua autonomia. O que acredito é que o problema de Palmas é o seu caráter extremamente amplo, a visão que se apresenta é a de abundância de espaços a serem ocupados. De resto, podemos ver em relatos de especialistas que há certa proximidade entre as cidades, mas as planejadas, por serem mais artificiais, são mais idênticas. Mas Palmas oferece aquilo que faltava à s cidades modernas, por exemplo, tudo era concentrado demais, não havia espaço verde suficiente, não havia quantidade suficiente de espaços, então, foram feitas cidades para ganhar espaço, mas ao ganhar espaço, perde-se em concentração: Eu vou citar uma situação, quando eu estava em La Gioia, uma cidadezinha ao lado de San Diego, na Califórnia, uma cidade descentralizada, mas havia um centro, o centro era o supermercado e o estacionamento, eu tinha um amigo que era arquiteto que dizia “isso não é bom, é preciso que eu faça um novo modeloâ€. Então, ele fez uma maquete da qual ele se disse: “melhor do que ter ao mesmo tempo o açougue atrás [...] no lugar de ter todos os serviços†[...]. Então ele fez uma casa onde ficava o padeiro, uma casa onde estava o açougueiro, uma casa onde ficava o merceeiro, essas casas eram todas bem próximas umas das outras e o açougueiro e o merceeiro vão morar nesta casa. Ele fez um bloco que se assemelhava exatamente a uma cidade da Idade Média [...] da Europa. Com isso, o entrevistado diz que mesmo os crÃticos quando tentam inovar, reproduzem as plantas de cidades já conhecidas, mesmo considerando pelo que se conhece da história, por exemplo, do Brasil, existem cidades que foram criadas com o objetivo de se 269 conquistar o interior do Brasil, por exemplo, Goiânia, BrasÃlia e, agora, Palmas. É assim que, a cada 25 anos, uma nova cidade foi concebida com o objetivo de ampliar a ocupação dos espaços vazios de pessoas, de desenvolvimento do comércio, serviços e produção industrial. Por outro lado, acredito que o problema é o modelo. Palmas é um modelo brasileiro que faz a sÃntese entre o modelo que tem necessidade de espaços verdes e o modelo que precisa de um centro de convÃvio, de poder entre a concepção de cidade e de urbanidade.Enfim, todos esses problemas são tratados na atualidade, e sua complexidade pela geografia. No meu caso, fico mais próximo dos aspectos ligados ao conceito de território envolvendo geografia, economia, sociologia e comunicação, pelo fato de a geografia não limitar aos problemas fÃsicos. Essa é a vantagem da geografia como ciência: Assim, quando se é geógrafo, estamos mais aptos para lidar com essas questões complexas das relações entre geologia e geografia social e humana.Eu penso também que a Geografia, aliás, como diz o geógrafo francês, Michel Roux que escreveu o livro Geografia e Complexidade, esses temas caminham bem juntos. 270 CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando que a pesquisa foi construÃda a partir dos pressupostos do método lógico-dialético numa perspectiva exploratória, os primeiros resultados saÃram do âmbito da história separatista da região norte de Goiás, trabalhado a partir das teorias ligadas ao pensamento histórico e geográfico brasileiro. A compreensão do processo separatista defendido pelas correntes organizadas por representantes ou descendentes das elites pertencentes à s cidades tradicionais da região Norte era cimentada por uma variedade de tendências culturais, religiosas e polÃticas. Essa miscigenação de ideias dificultava a construção de uma identidade hegemônica entre as principais correntes ligadas ao separatismo do norte goiano. A fragmentação do pensamento separatista do norte dificultava a construção de uma ação mais pragmática voltada para a criação de um Estado na região. Um exemplo dessa fragmentação era a divisão do pensamento separatista entre as lideranças das cidades mais tradicionais e as lideranças das cidades que nasceram à s margens da Rodovia Belém- BrasÃlia, depois BR-153. Além disso, as divergências se estendiam à s lideranças das cidades mais antigas, que nesta tese foram denominadas de tradicionais. Entre as tradicionais, havia as mais influentes da margem direita e as da margem esquerda do rio Tocantins. As divergências entre as lideranças nos municÃpios refletiam na composição dos poderes de decisão em Goiânia e BrasÃlia. Por isso, os grupos que reivindicavam a separação da região Norte do Estado de Goiás caminharam sem uma definição hegemônica até meados dos anos 1960. De 1970 em diante, surgiu uma nova proposta para a criação do Estado do Tocantins, liderada pelas correntes polÃticas localizadas nas cidades que se formaram sob a influência da Rodovia Belém-BrasÃlia. Assim, as frações de migrantes das cidades novas, a partir de 1970, começaram a se eleger para os poderes local, regional e nacional. A partir daÃ, esses grupos passaram a buscar espaços para ampliar as discussões visando à massificação da criação de uma nova unidade federativa no imaginário da população de Goiás, a partir da conquista da autonomia polÃtica da região Norte. Desse processo, nasceu um movimento mais pragmático em termos dos objetivos da criação do Estado do Tocantins. Para isso, elegeram como lema 271 o conceito de autonomia pregado pelo Desembargador, Ouvidor e Deputado da Coroa Portuguesa na região norte de Goiás, durante o Império. Nestes termos, os migrantes das novas cidades, ao chegarem, percebiam os vazios nos espaços de poder. Diante dessas lacunas, imediatamente tratavam de criar as estratégias polÃticas para ocuparem os espaços de poder na região. Assim, essas estratégias nascem sob a liderança do migrante Siqueira Campos, com o propósito de unir todas as tendências existentes junto à s ideias de autonomia difundidas por Teotônio Segurado. Com a introdução do novo grupo, o movimento separatista assume a bandeira autonomista sem se dar conta da perda da sua identidade cultural e polÃtica. A partir dessas estratégias, o movimento autonomista estruturou uma linguagem para enfraquecer o poder das lideranças mais expressivas de Goiás na região e, por outro lado, conquistar a adesão da população, visando à criação do Estado do Tocantins no imaginário das pessoas. Assim, em 1988, a Constituinte aprovou a divisão de Goiás para a implantação do Estado do Tocantins, que começa a ser estruturado em 1989, a partir da eleição do primeiro governador. Nestes termos, o objeto desta pesquisa foi demonstrar que a consolidação do Estado do Tocantins, em termos econômicos, polÃticos e culturais, foi efetivada por meio de uma série de intervenções de natureza pública e privada caracterizada por uma polÃtica de expansão urbana, tendo a criação e construção de Palmas como referência. Em termos epistemológicos, o poder, o desenvolvimento, a evolução cultural e social do homem sempre estiveram ligados à transformação, à dominação e à criação de territórios. Nesta pesquisa, a dominação e as transformações dos territórios foram tratadas como intervenções e as resultantes das intervenções como objeto de ocupação dos espaços, e estes como elementos constituintes das cidades, da urbanização, enfim, da consolidação das estruturas de poder. Desta forma, as teorias de Habermas (1984), Santos (1996, 2007, 2008), Lefebvre (1991), Carlos (2004), Villaça (2001) abrem espaços para o entendimento da cidade como lócus das influências determinantes no desenvolvimento de uma sociedade. Porém, no universo da pesquisa, o objeto desenvolvido foi a cidade constituÃda como capital, como sede do governo, conforme demonstra Penna (2002), como centro diretor da vida polÃtica e, frequentemente, da vida econômica e cultural de uma sociedade. Por isso, a cidade capital ocupa uma posição estratégica diante da sua condição centrÃpeta. Diante da representação dada à capital como o centro de desenvolvimento e atração, a cidade acaba se tornando em objeto de consolidação territorial por meio do poder de liderança exercido por fundadores ou promotores de mudanças dos espaços de poder. No 272 Brasil, a mudança do centro de poder é uma resultante das necessidades de alteração ou consolidação de um perfil de liderança. Assim, a mudança do espaço da capital, na maioria dos casos, resulta na criação e construção de uma nova cidade. A história de construção de cidades planejadas para serem sedes dos poderes regionais foi constituÃda pelas experiências das seguintes capitais: Teresina, capital do Estado do PiauÃ; Aracaju, capital de Sergipe, Belo Horizonte, construÃda para atender à s necessidades urbanas, polÃticas e econômicas dentro da evolução do Estado de Minas Gerais; Salvador, capital da Bahia; Recife, capital do Pernambuco e São LuÃs, capital do Maranhão. Contudo, Goiânia e BrasÃlia foram as capitais que mais ofereceram subsÃdios para as discussões processadas, diante das peculiaridades geográficas e polÃticas destas cidades com a criação e construção de Palmas Tocantins. Goiânia foi construÃda para destruir os poderes das oligarquias mais antigas de Goiás e legitimar o poder de Pedro Ludovico. Com esses objetivos, em 1933, dá-se inÃcio à construção da nova capital, que foi inaugurada em 1937. Portanto, Goiânia foi um projeto estrategicamente pensado de 1930 a 1945, de acordo com as diretrizes do governo de Getúlio Vargas, voltado para um projeto de nacionalidade. Conforme Manso (2001), baseado em três metas programáticas uma nova ordem polÃtico-administrativa, uma nova ordem produtiva e uma nova ordem territorial e urbana. Por estes princÃpios, o governo pretendia criar uma nova ação integrada entre o Estado e a produção de espaços. Dentro dessas diretrizes, Pedro Ludovico criou e construiu uma cidade para ser a capital de Goiás, consolidando seu poder sobre as outras lideranças de Goiás. Nessa perspectiva, as análises indicaram que a construção de Goiânia possibilitou a consolidação de Ludovico como lÃder máximo da polÃtica em Goiás, de 1930 a 1964, quando foi cassado pelo golpe dado pelos militares. De outro lado, projetou a região Centro Oeste como um espaço promissor para a produção, consumo e migração. Em termos, a consolidação parcial da região Centro Oeste foi reproduzida no governo de JK, quanto ao ideário de mudança do centro de poder para o Planalto Central. As necessidades e a determinação da construção de BrasÃlia caminharam na direção de consolidação da figura de Juscelino Kubistchek como polÃtico nacional. Essa necessidade surgiu a partir da sua eleição quando a oposição tentou inviabilizar a posse de JK pelo fato de ele ter sido eleito com menos votos do que o vice-presidente eleito João Goulart, o Jango. Com esse impasse, antes da posse, JK teve que replanejar o seu governo dentro de uma lógica de metas e desenvolvimento voltada para a materialização dos espaços vazios da 273 região Centro Oeste em direção à região Norte, visando à ampliação da economia por meio da expansão urbana e da produção de automóveis. Assim, o ideário de mudança da capital federal para o Planalto Central, iniciado no Império, foi legitimado por JK. Com BrasÃlia, o governo JK saiu de uma condição periférica para uma condição nacional. Essa projeção deu a JK a possibilidade de se candidatar e ser eleito por qualquer Estado Brasileiro. Diante disso, logo após deixar a presidência, JK foi eleito Senador da República por Goiás. As análises das teorias e das amostras sobre os objetivos que levaram o primeiro governador do Estado do Tocantins a criar e construir uma capital em um Estado com as caracterÃsticas do Tocantins demonstram as mesmas necessidades que levaram Pedro Ludovico e JK a construÃrem cidades para serem capitais. Contudo, mesmo que Goiânia, BrasÃlia e Palmas tenham caracterÃsticas próprias, os objetivos são muito próximos se considerarmos os processos geopolÃticos, o perfil das intervenções processadas nos territórios para a produção e a ocupação dos espaços. Todos esses elementos tiveram uma proximidade caracterizada por cada época em que cada situação ocorreu. Em se tratando de geopolÃtica, a construção de Palmas seguiu os mesmos propósitos das outras capitais construÃdas na região Centro Oeste, proporcionando o desenvolvimento social, polÃtico e econômico da região do então norte de Goiás. Assim, a geografia, na sua lógica, totalidade e dialética, caracteriza um processo que conjuga as contradições e necessidades do homem em todas as suas dimensões históricas e espaciais. A geografia é, então, uma atividade polÃtica entranhada na totalidade da organização social independente da evolução econômica e cultural. Considerar a geografia na sua unidade dialética com a sociedade capitalista é considerá-la no processo das relações de classe, enquanto essas são determinadas, em última instância, pelas relações de produção e pelos interesses econômicos cravados no movimento de apropriação de um território com a finalidade de transformá-lo inicialmente em espaços públicos, para em seguida serem privatizados por meio da sua urbanização. Assim, a geografia e sua análise, devem ter como ponto de partida sua presença, conforme Kant (1958) imanente numa totalidade histórica e social. Desta forma, essa totalidade se manifesta nas transformações decorrentes nos espaços com a finalidade de controle da identidade territorial na perspectiva de construção de novos espaços de poder polÃtico-econômico. Essas foram as principais contradições postas nas discussões sobre a criação do Estado do Tocantins e sobre a construção de Palmas. 274 Por fim, com a finalização das análises das fontes primárias e secundárias, passou-se à montagem das conclusões sobre o processo de consolidação territorial, econômica e polÃtica do Estado do Tocantins. Essas conclusões foram estruturadas em 11 estratégias, resultantes das ações desenvolvidas para a criação e consolidação do Estado em uma sucessão de intervenções caracterizadas por uma polÃtica massiva de emancipação de distritos. Por último, a inserção das intervenções voltadas para a criação e construção de Palmas. Desta forma, seguem as estratégias: Estratégia 1: As intervenções montadas pelos migrantes das cidades novas construÃdas à s margens da Rodovia Belém BrasÃlia visa à ocupação dos espaços vazios de poder no norte de Goiás. Ao perceberem os vazios de poder existente na região Norte de Goiás, logo os migrantes se organizaram para institucionalizar as intervenções por meio da massificação da ideia de ocupação e criação de novo território de poder. Estratégia 2: A população da cidade de Colinas de Goiás, depois Colinas do Tocantins, elege para vereador o migrante Siqueira Campos, que utilizou como bandeira a luta pela autonomia polÃtica da região. Estribada nas estratégias de autonomia da região, em 1970, se elege deputado federal. Com o sucesso obtido na primeira eleição, Siqueira Campos reforça as suas convicções de criação do Estado do Tocantins, associando à plataforma polÃtica na eleição de deputado federal, o caráter histórico do abandono provocado pela ausência do Estado de Goiás na região norte, responsabilizando as oligarquias goianas e seus remanescentes. Estratégia 3: Montagem de uma convergência polÃtica entre as correntes separatistas para a posterior formação de uma proposta única para viabilizar a divisão do Estado de Goiás. No primeiro momento, os autonomistas escamotearam a ideologia do grupo para facilitar a aproximação dos grupos separatistas, conquistar a confiança da população e evitar confrontos com a ideologia do regime implantado em 1964. Estratégia 4: Os autonomistas tomaram como objeto de sustentação do grupo, as ideias de Teotônio Segurado. As estratégias direcionadas à autonomia da região norte de Goiás deveriam prevalecer sobre os interesses separatistas discutidos em outras regiões. Com a introdução do conceito de autonomia, iniciado no Segundo Império, Teotônio manteve os seus interesses e os da Coroa Portuguesa, não provocando discordâncias com o Governo Geral da Capitania de Goiás. Seguindo as táticas de Teotônio, os grupos independentes, os separatistas históricos e os remanescentes se uniram em torno 275 do discurso autonomista herdado do Ouvidor português para a montagem e a difusão do conceito de autonomia da região Norte. Estratégia 5: Montagem de uma forte estrutura de marketing apoiada pelos maiores veÃculos de rádio, televisão e jornal com penetração na região Norte com o objetivo de criar simbolicamente o Estado do Tocantins no ideário da população do sul e do norte de Goiás. A intenção dessas campanhas publicitárias era convencer a população de Goiás que a criação do Estado do Tocantins era bom para a população do norte e melhor para a região sul, que se livrava do ônus da manutenção da região diante das diferenças estruturais da economia e da cultura das duas regiões. Estratégia 6: Montagem de uma comissão envolvendo representantes dos três poderes, iniciativa privada, igrejas, movimentos interessados na autonomia polÃtica do Norte. Essa comissão tinha a atribuição de promover seminários, palestras e acompanhar as reações dentro e fora da região e elaborar documentos, artigos, livros, enfim, colocar as discussões da autonomia em todas as camadas e organizações na região, Goiânia e BrasÃlia. Estratégia 7: Montagem e apresentação de uma sequência de projetos de criação do Estado do Tocantins, associado a uma forte comoção estruturada em um discurso de superação do atraso em que vivia a população nortista. Diante da forte comoção criada em torno das propostas de divisão de Goiás e das barganhas entre as bancadas no Congresso Nacional, o grupo liderado pelo Deputado Siqueira Campos teve o seu projeto de criação do Tocantins aprovado, mesmo sabendo que a proposta seria vetada pelo então Presidente José Sarney. Estratégia 8: A partir dos vetos, o grupo reorganiza o último projeto vetado pelo Presidente da República para introduzi-lo na pauta das comissões criadas para discutirem a divisão territorial do paÃs. Das Comissões, o projeto de criação do Tocantins foi incluÃdo na pauta da Assembleia Nacional Constituinte, sendo o único aprovado em 1988. O grupo liderado por Siqueira Campos procurou manter os mesmos propósitos de isenção partidária para não inviabilizar a sua eleição como o primeiro governador do novo Estado. Com esse propósito, Siqueira Campos foi eleito primeiro governador para um mandato tampão de dois anos. Como governador, procurou estruturar o território e os poderes constituÃdos, utilizando estratégias para consolidá-lo politicamente como o criador do Estado do Tocantins. Essas estratégias foram materializadas a partir das experiências da fundação de Goiânia por Pedro Ludovico Teixeira e BrasÃlia por Juscelino, em acordo com uma lógica de progresso e 276 desenvolvimento econômico, tendo como objeto indutor a expansão urbana caracterizada na construção de uma capital administrativa para o Estado. Estratégia 9: A ocupação dos cargos e funções nos aparelhos de Estado e do Plano Diretor da capital foi efetivada em uma perspectiva de consolidação polÃtica da figura do primeiro governador como criador do Estado do Tocantins e construtor de Palmas. Para consolidar o Estado e Palmas, o governo empreende diversas campanhas para atrair migrantes para ocupar os espaços da capital em meio à construção da cidade. Ao processo de ocupação dos espaços urbanos, o governo institui uma polÃtica de construção de uma nova identidade cultural, econômica e polÃtica, construindo alegorias, disseminando fatos e mitos pouco representativos à história da então região norte de Goiás. Estratégia 10: O primeiro governador, ao se distanciar da campanha eleitoral do candidato indicado pelo seu partido para disputar o segundo mandato de governador, deixa entender que a sua opção era eleger um oposicionista para facilitar a sua volta ao governo. O segundo governador, ao optar por uma polÃtica de distensão dos projetos inacabados do primeiro governo, incluindo Palmas e a tentativa frustrada de revisão das privatizações realizadas, fortalece politicamente o primeiro governador, que se reelege para um segundo mandato, colocando como prioridade a consolidação do Estado e da capital. No meio do mandato, foi beneficiado pela aprovação do instituto da reeleição. Nesse meio, Eduardo Siqueira Campos se elege como o primeiro prefeito eleito da capital, considerando que o primeiro prefeito foi objeto de um arranjo polÃtico que resultou na transferência dos poderes executivo e legislativo do municÃpio de Taquaruçu para Palmas. Depois da aprovação da lei instituindo a reeleição para o executivo, Siqueira Campos conquista o seu terceiro mandato de governador utilizando os mesmos argumentos empregados para dividir o Estado de Goiás, desta vez associado a um projeto de modernização da economia do Estado, colocando Palmas como referência. Estratégia 11: Legitimar Palmas como a “cidade das oportunidades e o Tocantins como o Estado do livre iniciativa e da justiça socialâ€. Esse processo teve o impacto da construção da hidrelétrica de Lajeado, ficando o Plano Diretor de Palmas com a maior extensão do seu solo banhado pelas águas do Lago. Em seguida, veio a construção da ponte sobre o Lago ligando Palmas à cidade de ParaÃso, através do municÃpio de Porto Nacional. Com o Lago, Palmas passou a ser tratada nas campanhas do governo, como uma cidade sustentável e agradável para se viver. Embutido na campanha o governo promovia a venda de terrenos urbanos nos grandes centros do paÃs. 277 Enfim, a partir dessas estratégias conclui-se que a criação e a construção de Palmas foi importante para a consolidação do estado em termos polÃtico, econômico e cultural. O projeto da capital do Tocantins foi estruturado em um cenário difuso de interesses culturais, polÃticos e econômicos, corroborados por gestores, projetistas, empresários do ramo de construção civil, concessionárias do ramo de geração e distribuição de energia elétrica e por migrantes pioneiros. Logicamente, todas as categorias, cada uma na sua especificidade foram importantes para a construção e estruturação de Palmas como objeto de consolidação do Estado do Tocantins. Portanto, a tese foi desenvolvida a partir dos pressupostos teórico- metodológicos da lógica-dialética, situando as estratégias separatistas e o ordenamento territorial como problema e a criação de Palmas na consolidação do Estado do Tocantins como objeto empÃrico. 278 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Flávio Gomes de; ALVES, Luiz Antonio Soares (Org.).Ordenamento territorial: coletânea de textos de diferentes abordagens no contexto brasileiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. 288 p. ALMEIDA, Lúcio Flávio Rodrigues de. A ilusão de desenvolvimento: nacionalismo e dominação burguesa nos anos JK. Florianópolis: Editora da UFSC, 2006. AQUINO, Napoleão Araújo de. A construção da Belém-BrasÃlia e a modernidade no Tocantins. 1996. 214 f. Dissertação (Mestrado e História) – Instituto de Ciências Humanas e Letras da UFG, Programa de Pós-Graduação em História, 1996. ASKIN, I. F. O problema do tempo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. 220 p. BARBOSA, Jorge Luiz. 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Entrevista concedida em Palmas no dia 23 de junho de 2012. NASCIMENTO, Júnio Batista do. Entrevista concedida em Palmas no dia 02 de junho de 2011. OLIVEIRA, Antônio Jose de. - Conhecido como Antônio do Taxi. Entrevista concedida em Palmas no dia 07 de junho de 2012. PEREIRA, João Batista Dias. Entrevista concedida em Palmas no dia 24 de novembro de 2011. REIS, PatrÃcia Orfila Barros dos. Entrevista concedida em Palmas no dia 17 de novembro de 2011. REZENDE, Fernando. Entrevista concedida no dia 12 de maio de 2011. 295 ROCHA, Odir. Entrevista concedida em Palmas no dia 12 de abril de 2011. SEIXAS, Wilson Charles S.. Entrevista concedida em Palmas no dia 24 de maio de 2011. SILVA, Zezuca Pereira. Entrevista concedida em Palmas no dia 04 de abril de 2011. TESKE, Wolfgang. Entrevista concedida em Palmas no dia 15 de dezembro de 2011. TOSE, LuÃs Claudio Ceolin. Entrevista concedida em Palmas no dia 15 de maio de 2012. 296 ANEXOS 297 ANEXO 1 ANEXOS DA PESQUISA