UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA DANILO GOMES FERREIRA EXISTENCIALISMO E MARXISMO: A INTERLOCUÇÃO ENTRE SARTRE E LEFEBVRE Uberlândia 2014 DANILO GOMES FERREIRA EXISTENCIALISMO E MARXISMO: A INTERLOCUÇÃO ENTRE SARTRE E LEFEBVRE Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial à obtenção do tÃtulo de Mestre em Filosofia. Ãrea de concentração: Filosofia Moderna e Contemporânea Linha de pesquisa: Ética e Conhecimento Orientador: Prof. Dr. Simeão Donizeti Sass Uberlândia 2014 Danilo Gomes Ferreira Existencialismo e marxismo: A interlocução entre Sartre e Lefebvre Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial à obtenção do tÃtulo de Mestre em Filosofia. Ãrea de concentração: Filosofia Moderna e Contemporânea Linha de pesquisa: Ética e Conhecimento Uberlândia, 31 de março de 2014 Banca Examinadora ________________________________________________________________ Prof. Dr. Simeão Donizeti Sass – IFILO / UFU ________________________________________________________________ Prof. Dr. José Carlos Souza Araújo – FACED/ UFU ________________________________________________________________ Prof. Dr. Malcom Guimarães Rodrigues – DCHF/UEFS Dedico este trabalho a toda a minha famÃlia, principalmente à minha mãe, Luiza Gomes Ferreira, que sempre me apoiou e me deu todas as possibilidades de concretizá-lo com êxito. AGRADECIMENTOS Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), que me apoiou financeiramente, custeando minha pesquisa e a todo o Instituto de Filosofia. Gratidão pelas aulas que tive no mestrado que foram de imensa importância para a realização desta dissertação e para minha vida, aos professores que foram de suma relevância para que este trabalho fosse executado, pois minha formação acadêmica e humana não se resume a este texto e sim como uma totalidade de minhas ações e convivência. Os professores: Dr. Alcino Eduardo Bonella, que sempre me ajudou e nunca se negou em sanar as minhas dúvidas, mesmo que não pertencesse à sua área, o Dr. Bento Itamar Borges, que tive o prazer de ter aulas com ele, me demonstrou uma visão diferente de se entender o marxismo e a teoria crÃtica, o Dr. Jairo Dias Carvalho, que participou de minha banca do TCC e enriqueceu muito meu trabalho, o Dr. Jakob Hans Josef Schneider, que sempre de maneira informal me apoiou e ensinou várias interpretações filosóficas, principalmente Hegel e Hobbes, o Dr. José Benedito de Almeida Jr., com sua irreverência e inteligência me apresentou ao caminho da docência, a eles meu muito obrigado. Agradecimento especial ao meu orientador, o Professor Doutor Simeão Donizeti Sass. Sua paciência e presteza foram sublimes, sendo de necessária importância para minhas pesquisas e solução das dúvidas pertinentes a um trabalho deste porte. De modo sumário, sem sua orientação este trabalho simplesmente não existiria. Por fim, agradeço aos meus pais, que desde sempre fizeram o possÃvel para que minha formação como ser humano fosse a melhor possÃvel, o trabalho deles foi feito, mas meus atos passam a ser de minha responsabilidade e não deles. Sem o empenho de minha mãe, no propósito de me transformar em um homem, eu não seria o que sou hoje. Sem ela, eu não existiria, tanto biologicamente, quanto moralmente. “O real não é imóvel, dado de uma só vez, pronto e acabado. Trata-se de um devir; portanto, de uma possibilidadeâ€. (LEFEBVRE, 2011) “A liberdade é total e infinita, o que não significa que não tenha limites, mas sim que jamais os encontraâ€. (SARTRE, 2002) RESUMO Pensar a filosofia sartreana faz com que sempre lembremo-nos da máxima “a existência precede a essênciaâ€. Sartre tem uma concepção de homem totalmente diferente de filósofos idealistas e, principalmente, cristãos, pois ele inverte as noções de existência e essência, veremos isso em Existencialismo é um humanismo. Se para pensadores cristãos a essência, nossa forma de ser, o ser humano definido, precede a existência do homem no mundo, para ele esta ordem está invertida. Isto por que ele defende um ateÃsmo teórico, no qual é o próprio ser humano que define sua essência, através de seus atos. O homem é o que faz ao longo de sua vida. Por isso, temas como a liberdade, que é situada e concreta; a escolha, exercÃcio da liberdade na vida; a responsabilidade, inerente à s escolhas que devemos fazer constantemente; a angústia, pois somos nós mesmos que somos os criadores de nossos “destinosâ€, e, consequentemente, responsáveis por eles; e, por fim, a má-fé, que nada mais é do que a negação desta autenticidade livre e responsável do homem, são de extrema importância em Sartre. A relevância de Henri Lefebvre em seu Marxismo, recai no fato de que ele é extremamente neutro em relação ao marxismo. O pensador expõe seu marxismo de modo prático e eficiente, rejeita ideias abstratas e a prioristas, e afirma que somente levando em conta a realidade humana e uma metodologia dialética como substrato, teremos uma verdade válida. Tal realidade é contraditória e inóspita, e para termos conhecimento ou moral devemos partir dela. Sartre em Questões de Método não se opõe a Marx e sim a alguns marxistas, que tentam tornar as verdades históricas, concretas e práticas em Verdades eternas. Se notarmos bem, Marx, Sartre e Lefebvre rejeitam tal posição, pois o conhecimento (Saber) é a totalização dos saberes de pessoas (Ser) de um dado tempo, que vale e se remete a este tempo, que não é eterno. E a moral deve ser concreta e uma superação da alienação e ou dificuldades, de forma coerente e racional. Palavras-chave: Existencialismo. Marxismo. Conhecimento. Moral. ABSTRACT Think about Sartre’s philosophy remind us the aphorism “existence precedes essenceâ€. Sartre had a totally different conception about men when compared to idealistic philosophers and mainly the christians ones. Because he inverts the notions of existence and essence and we can see this in Existentialism is a humanism. If for christian thinkers the essence, our way of being, the defined human being, precedes the existence of men in the world, for him this order is inverted. He defended a theoretical atheism, in which is the human being itself is who defines his existence through his acts. A man is what he does along his life. Therefore themes like freedom, which is situaded and concrete, the choice, exercise of liberty in life, the responsibilityinherit choices we must make constantly; the anguish for being ourselves makers of our “destiny†and consenquently responsible for them; and finally bad-faith which is nothing short of denying over free authenticity and responsibility of men, are very important in Sartre’s literature. The importance of Henri Lefebvre in his Marxism remains in the fact that he’s extremely neutral upon marxism. The thinker expose his maximum on pratical and efficient way, rejects abstract and to priori thinkers, he afirms that only considering human reality and dialectical methodology as susbtrate we will have a valid truth. Such reality is contradictory and inhospitable, and in order to reach knowledge and moral we should assume from it. Sartre in Search for a Method do not object to Marx but to some marxists, who try to turn historical truths, pratical and concrete into eternal truths. If we notice carefully Marx, Sartre and Lefebvre reject such position, because knowledge (Know) is the totalization of people knowledge (Being) from a period, which values and remits to this period which is not eternal. Moral should be concrete and an alienation and difficulties overcoming in racional and consistentway. Keywords: Existentialism. Marxism. Knowledge. Moral. SUMÃRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9 1 O EXISTENCIALISMO HUMANISTA ........................................................................... 16 1.1 CrÃticas ............................................................................................................................ 16 1.2 Teoria humanista existencial ........................................................................................ 20 1.3 Subjetividade, moral e liberdade ................................................................................. 29 2 O MARXISMO DE HENRI LEFEBVRE ......................................................................... 44 2.1 CrÃticas e concepção de mundo .................................................................................... 44 2.2 Materialismo Dialético .................................................................................................. 51 2.3 Alienação e moral .......................................................................................................... 59 3 ANÃLISE SARTREANA DO MARXISMO .................................................................... 73 3.1 Antecedentes................................................................................................................... 73 3.2 Marxismo e Existencialismo ......................................................................................... 83 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 97 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS ............................................................................... 103 9 INTRODUÇÃO De modo geral, este trabalho visa apresentar as teorias: existencialista, contida no Existencialismo é um humanismo de Jean Paul Sartre 1 e marxista, pesquisada no Marxismo de Henri Lefebvre 2 . Depois, o entendimento de Sartre sobre o marxismo e seu embate com alguns marxistas ortodoxos – aqueles que colocam os conceitos marxistas como verdades absolutas –, dentre eles Lukács, abordado em Questões de método. Busca ainda, demonstrar e explicar as principais ideias, conceitos e argumentos contidos nestas obras. Para isto, é preciso considerar, inicialmente, que para Sartre não há como fundamentar pensamentos filosóficos desvencilhados da realidade. Para o pensador, ou a filosofia dá conta dos problemas do homem, a partir de seu próprio mundo, ou ela torna-se uma retórica falaciosa. Isto é, a filosofia tem de compreender que a realidade humana está inserida nela própria. Não há um âmbito para a filosofia e outro para a convivência humana, os dois estão no mesmo campo do concreto. Assim, no primeiro capÃtulo, intitulado de Existencialismo Humanista, abordamos a teoria humanista existencial de Sartre. Na qual o pensador trabalha vários de seus principais conceitos e tenta se defender de inúmeras crÃticas, principalmente, as marxistas e cristãs. Os marxistas o reduz a um defensor de um humanismo que isola o homem em si, sem deixar sequer uma brecha para a socialização humana. Tal crÃtica é derivada do fato que Sartre, assim como Husserl, parte de uma subjetividade consciente. A consciência se intenciona para entender ou conhecer algo, ou alguém. Mas, veremos que a subjetividade que Sartre usa não é pautada somente no cartesianismo, o cogito, é uma subjetividade relacional, que precisa da vivência para ser. O existencialista francês parte de uma subjetividade que define o homem como totalidade de suas realizações, um querer e fazer-se a si próprio ao longo de sua existência. Este homem não pode ser confundido com qualquer outro objeto, há uma diferenciação ontológica. Um objeto não possui consciência reflexiva de si próprio, do mundo e dos outros, somente as pessoas humanas. Já a crÃtica cristã recrimina Sartre por ele ser ateu, o que supostamente resulta no fato de que toda e qualquer ação, por mais cruel e injusta que seja não pode ser taxada de imoral, 1 Jean-Paul Charles Aymard Sartre, mais conhecido por Sartre, nasceu em 21 de Junho de 1905, na cidade de Paris e faleceu em 15 de Abril de 1980. Foi além de um grande filósofo, um inconfundÃvel escritor e um coerente crÃtico. Defendia e fundamentava seu existencialismo de forma concisa e racional. 2 Henri Lefebvre nasceu em 16 de junho de 1901 na cidade de Hagetmau, França e faleceu em 29 de junho de 1991em Navarrenx, cidade francesa. Foi filósofo marxista e sociólogo. Sartre o destaca por sua neutralidade perante a teoria marxista. 10 visto que, não existe Deus para criar os valores e virtudes que guiem os passos humanos. Tudo está liberado para se fazer o que quiser. Não há regras para manter a ordem e a civilidade das pessoas. Observaremos que não é bem assim, o existencialista francês apenas muda a responsabilidade perante os valores. Se para a Igreja Deus é responsável pelos valores, para ele os homens é que são. A “existência precede a essênciaâ€, em primeiro lugar o homem existe, nasce, aparece no mundo e toma consciência de si, e depois é que se define (essência). Diante deste princÃpio do existencialismo sartreano o homem passa a ser responsável por sua ética, moral e ações. Não existe Deus, o homem está só no mundo, onde tem que viver, trabalhar e ser, com todas suas dúvidas e conflitos. Com isso, cabe a ele, somente a ele e a nada mais e a ninguém, se definir enquanto existente e ser humano. Tudo que ele escolher fazer é de plena e inteira responsabilidade dele. Isto se deve ao fato de que, nas palavras de Sartre, o homem está condenado a ser livre. O homem nasce em liberdade e é assim que ele realiza todas as suas ações em sociedade. Suas escolhas são providas dele, em todo seu abandono divino, tudo o que ele escolher vai gerar certas consequências, que nem sempre são boas. O ser humano é responsável por si, por suas escolhas e pelos seus próximos. Nesta perspectiva, a escolha é então a aplicação prática da liberdade, que é situada e concreta, e não um conceito abstrato e metafÃsico. Daà se torna inerente uma concisa responsabilidade que deve ser abrangida ao máximo possÃvel. Perante todo este quadro conflitante aparece no ser humano a angústia, que é um sentimento posterior a todo este processo de liberdade responsável. A angústia não pode ser encarada como algo causal da escolha e sim como consequência. Ela não pode ser uma parede que nos separa da ação. Mesmo que pareça que todo o peso do mundo recai sobre nossos ombros, nunca podemos deixar de realizar nossas ações, nossos projetos e nosso ser. Por mais que estejamos angustiados, as escolhas estão sempre aÃ, para “serem escolhidasâ€. Quando recusamos a escolha é o mesmo que “escolher não escolherâ€. O projeto do homem é outro conceito relevante em Sartre. O homem se projeta, conscientemente, elaborando com toda atenção seus passos que serão dados em determinado tempo posterior. Isto é uma transcendência consciente e subjetiva do ser humano num futuro, que ele antes planejou. Não é um salto incerto, pelo mesmo ter uma noção daquilo que ele deverá fazer. A negação ou distorção de todos estes conceitos sartreanos é uma rejeição de seu 11 próprio ser. Recusar a liberdade, com a escolha, a responsabilidade e a angústia é, sem dúvidas, a negação da própria existência humana. Quem faz isso está agindo de má-fé 3 e se recusando ser o que é. Um ser humano que se compromete em suas ações, de modo coerente e moral, não cai neste erro. Por conseguinte, a discussão proveniente das crÃticas, uma das quais Sartre é interpelado por Naville, serão postas em notas de rodapé visando reforçar o entendimento de sua teoria, fazendo, a partir disto, uma reflexão sobre os aspectos diversos abordados por Sartre, para tentar elucidar de forma clara as questões pertinentes, amplas e complexas sobre a existência do homem em seu âmbito filosófico. No segundo capÃtulo, Marxismo de Henri Lefebvre, abordaremos a visão do marxista francês sobre o próprio marxismo. Tal perspectiva é considerada por Sartre uma das mais neutras, nela é tratado o marxismo na sua forma mais pura, sem corrupções teóricas. O marxismo de Marx, aquele que realmente tem fundamentações práticas e que defende um conhecimento provindo da práxis. Em primeiro lugar Lefebvre distingue filosofia de concepção de mundo, a primeira está e faz parte da segunda, que é uma visão totalizadora da sociedade de determinado tempo. É uma ação e não uma “atitude filosóficaâ€. A ação é algo que independe de uma conceituação teórica. Depois, ele apresenta as únicas três concepções de mundo existentes, segundo ele 4 . A primeira é a cristã, estabelecida de forma mais crÃtica pelos teólogos católicos, que coloca os interesses de polÃticos ou governos como dogmas, ou seja, os sacerdotes defendem aquilo que é conveniente aos que dominam. A segunda é a concepção individualista, que se inicia no fim século XVI, da qual Montaigne é o principal expoente, esta é a posição do liberalismo. Aqui o indivÃduo se torna a razão, o que é de extrema importância nesta vertente, pois ela se apresenta como um liame entre os interesses individuais e gerais em todos os aspectos. O indivÃduo se torna o foco nesta vertente. A terceira, e mais importante, é o marxismo, a concepção de mundo na qual Lefebvre se inclui e é defensor. Ele recusa as duas posições anteriores. Não recorre a explicações 3 Cf. (SASS, 2011, p. 47) O professor Simeão Donizeti Sass expressa de forma precisa este termo: “Ao abordar o comportamento da má-fé, Sartre procura demonstrar que o ser humano também é capaz de agir negativamente em relação a si mesmo. Esse posicionamento de Sartre é importante para revelar que todo ato de negação só se viabilizará se estiver esclarecido o modo como o homem pode suportar tal possibilidadeâ€. 4 Trataremos apenas deste posicionamento de Lefebvre, que pode vir a ser influenciado por Lucien Goldmann, nascido em Bucareste, Romênia em 1913 e faleceu em Paris em 1970, que foi um marxista que também abordou o termo visão de mundo. Para ele são quatro: cristã, liberal, positivista, que tem por Ãcone Comte, na primeira metade do século XIX e por fim a marxista. 12 fundadas em uma hierarquia de superioridade provinda de seres supremos e acima dos homens (metafÃsica) e nem em uma explicação na qual o indivÃduo e sua consciência se apresentam como o fim de si mesmo e de uma concepção de mundo. Seguindo isto, Lefebvre vai explicar a teoria materialista dialética, que se fundamenta nas contradições contidas na práxis e sob o solo denso e firme da metodologia dialética e da razão dialética. Apresenta também a alienação, conceito de extrema relevância em Marx, que é situação opressora a qual o proletariado se encontra, a de ser explorado e não ter valor moral, nem na participação do capital. Ele participa da produção das riquezas, mas não tem uma justa recompensa e ainda, não se reconhece em seu produto. A Moral seria a superação desta repressão selvagem e descomedida. A alienação, que estipula até denotações do tipo, humano e desumano, é o obstáculo a ser ultrapassado. As morais antes postas, por inúmeros pensadores, sempre defendiam ou princÃpios abstratos como valores a serem seguidos, ou ideologias que servem de instrumentos de dominação dos burgueses; e tais doutrinas devem ser repensadas, afirma Lefebvre. O terceiro e derradeiro capÃtulo, A análise sartreana do marxismo, resulta da pesquisa feita em Questões de método. Obra em que Sartre, além de abordar seu entendimento sobre a teoria marxista, se defende de algumas interpelações, esclarece e critica a algumas posições de “certos†marxistas. Nesta obra vemos que Sartre considera positivamente o pensamento de Lefebvre. Para ele não existe “a Filosofiaâ€, nos moldes de ciência eterna e axiomática, na qual seus princÃpios são absolutos. Existem filosofias, que são situadas, históricas e uma totalização dos conhecimentos de um tempo. Assim, o filósofo se apresenta como um elemento ativo de transformação da realidade, com isto, ele transcende sua teoria, pois propõe saÃdas para aqueles que as querem e caminhos diferentes para os que necessitam, e tudo isso de forma racional e metódica. Antes de adentrar no terreno do marxismo, propriamente dito, ele traça um caminho de algumas teorias que o antecedeu. Estas defendem posições diferentes ou menos completas em relação ao materialismo dialético, que segundo ele, é a filosofia insuperável de seu tempo – na medida em que as situações que o engendraram ainda não foram superadas. Destaque para o idealismo hegeliano (Georg Wilhelm Friedrich Hegel, 1770, Stuttgart - 1831, Berlim, Alemanha), que dá ao Conhecimento um movimento histórico e uma objetividade para o Ser, mas tende muito para um abstratismo conceitual, isto é, os conceitos se tornam ideias eternizadas. O espÃrito absoluto é o repouso de todos os conceitos presentes numa determinada sociedade, os quais se tornam separados e acima dela. 13 Já a teologia de Søren Aabye Kierkegaard (1813-1855, Copenhague, Dinamarca) dá uma concretude ao ser e ao conhecimento, mas remete e subordina tudo ao metafÃsico, não há superação humana por ele próprio. Os conceitos dependem das sensações, só se sabe o que é o amor amando, porém, também é relativo a Deus. A noção de mediação é rejeitada pelo dinamarquês. Jaspers (Karl Theodor Jaspers, 1883 Oldemburgo, Alemanha - 1969, Basileia, SuÃça), outro filósofo citado por Sartre, tenta retomar um existencialismo subjetivista abstrato. Assim, ele o joga para um âmbito muito subjetivo e quase sempre sem representatividade ou relacionamento com o real. Diante disto, parece ser necessário que encontremos uma teoria que resolva o problema, e esta pode ser o marxismo, se for tratado como fez Lefebvre. É uma teoria que realmente nos fornece uma luz no fim do túnel para a questão do conhecimento e o estatuto do ser. O problema é que nem todos pensam como o marxista francês. Alguns marxistas “ortodoxos†separam o Ser do Conhecimento. Eles colocam de um lado a práxis e de outro o Saber. Em outras palavras, transformam os conceitos em coisas meramente abstratas e a vivência em coisa somente concreta. E isto nos parece ser um erro. Se tanto para Sartre, como para Marx, a filosofia só pode ser devinda do real, o conhecimento também deve ser. O erro aparece no momento em que estes marxistas dogmáticos fazem com que os seus conceitos, relativos à história em que foram produzidos, tornem-se conceitos eternos e absolutos. Não remetem ao concreto para averiguar a aplicabilidade de tais conceitos e os tomam como universais. Entretanto, Lefebvre retoma o marxismo “puroâ€, sem os preconceitos adquiridos ao longo dos tempos. Ele reescreve e relembra esta teoria da práxis, abordando o método dialético e a importância das contradições no mundo em que os homens se encontram. Sartre refere-se e elogia a Lefebvre por esta sua imparcialidade perante a teoria marxista. Pontuados os passos que serão dados ao longo deste texto podemos, a partir disso, demonstrar algumas outras ponderações. Para Sartre, assim como para Lefebvre, estes conceitos têm o intuito de defender que o ser humano não deve ficar procurando em coisas que estão além de si respostas para sua vida e anseios. Com isso, só pode haver uma espécie de moral, aquela fundada na concretude da vivência humana. Os princÃpios metafÃsicos podem até serem produtores de ações, mas a moral praticada é o ser humano que a inventa, a faz. Este tema foi escolhido porque, especialmente quando se estuda Sartre, observa- se 14 que em sua obra existe a possibilidade de se encontrar respostas fundadas na razão referente a perguntas alusivas ao homem. Essa teoria é uma das vertentes que busca explicar conflitos existenciais, muitas vezes experienciados pelos seres humanos ao longo de suas vidas, respostas dadas à s dúvidas inquietantes sobre a essência e a existência do homem em relação aos outros seres humanos. Sendo assim, deve haver uma explicação coerente sobre os homens em seu sentido existencial, não desmerecendo outras teorias que norteiam-se por aspectos não tão racionais e lógicos quanto a teoria de Sartre. É por isso que Sartre pode ser considerado um dos filósofos mais importantes da filosofia contemporânea, pois ele problematiza teorias que muitos consideravam corretas, dando aos homens escolhas em suas existências e suas vidas. Nesta perspectiva, Sartre demonstra ser um autor de grande capacidade filosófica e realidade teórica, com uma profunda preocupação humanista, tornando-se um filósofo sublime no quadro histórico da filosofia, visto que, ele descreve e tenta entender de forma fundamental os conflitos existenciais dos homens. Deste modo, nota-se que o humanismo existencial pode ser considerado uma corrente filosófica inovadora, no tocante à sua capacidade de modificar vários paradigmas, que antes eram considerados concretos e irrefutáveis, e que muito contribuiu para as reflexões sobre o homem em um contexto contemporâneo. Este trabalho é uma construção de tempos de pesquisa e esforço acadêmico. Ao longo de tal processo apareceram várias indagações, a principal é a seguinte: como duas teorias, a marxista e a existencialista, que fixam seus conceitos na práxis ou que são situados, podem vir a ser, à s vezes opostas? Pretende-se neste texto entender e demonstrar como Lefebvre está presente no pensamento de Sartre. Empregaremos um esforço para apontar uma possibilidade de relação entre os dois filósofos, que abordam as relações humanas e a noção de conhecimento numa perspectiva situada e prática. Isto é, como numa visão sartreana e lefebvriana podemos encontrar um entendimento concreto da coexistência humana (Ser e moral) e do conhecimento (Saber), visto que, não existe nenhum Deus que estabeleça Verdades, nem um homem perfeito (Ideal), muito menos valores fixos num céu ou conceitos abstratos. Dito de outro modo, como Sartre apresenta o existencialismo numa visão humanista e tendo a presença de Henri Lefebvre, um marxista que defende uma teoria de Marx, sem preconceitos. Este existencialismo seria uma espécie de idealismo contra o idealismo, pois visa tratar do Saber de forma concreta sem deixar de lado, a história, a subjetividade, as contradições e a dialética no mundo. 15 Em suma, tentaremos pensar e apresentar uma possibilidade de pensar a moral que tanto para Sartre 5 , como para Lefebvre deve vir da concretude situada da vida humana. O mesmo se aplica ao conhecimento, que não é mais aceito como princÃpio metafÃsico, tendencioso ou verdade eterna. O Ser e o Saber devem vir da realidade e não de conceitos abstratos e metafÃsicos para definir a práxis. Especificamente esta dissertação de mestrado, pretende entender o por que acontece a querela entre Sartre e estes preconceituosos marxistas, e, principalmente como é estabelecido o entendimento do filósofo existencialista em relação ao pensamento de Marx na perspectiva de Lefebvre. Desejamos, em suma, investigar de que forma ocorre a congruência entre as teorias de Sartre e Lefebvre. 5 Cf. (SARTRE, 1985, p. 7) “O homem, que detém o poder da consciência, na longa jornada que se estende de Hegel a Sartre, transpõe, sem maiores tropeços, a rampa de todos os anti ou pós-humanismos. O processo determinativo da consciência, conforme o seu inconfundÃvel corte sartreano – consciência-no-mundo, ‘situada’ – , preserva a conhecida altivezâ€. 16 1 O EXISTENCIALISMO HUMANISTA Se notarmos bem, o texto O Existencialismo é um Humanismo se apresenta como um instrumento utilizado por Sartre para, além de esclarecer de modo acessÃvel e racional sua teoria existencialista ateia, também e principalmente, defender-se de algumas crÃticas. Neste sentido, Maciel se torna importante em nosso trabalho porque explana de forma simples a importância desta obra sartreana. Maciel afirma: A conferência de Sartre O existencialismo é um Humanismo é a exposição mais conhecida do existencialismo. Sua repercussão foi imensa. Sua fórmula “a existência precede a essência†é usada em quase todos os novos manuais de filosofia para definir o existencialismo (MACIEL, 1967, p. 122). Por esta razão, Sartre aborda alguns dos principais conceitos contidos em seu pensamento filosófico. Seguindo tal percurso, ele acaba demonstrando que determinados atos podem proporcionar aos homens um relacionamento menos conflituoso na vida social. O filósofo francês tenta fundar sua filosofia nos conflitos e no cotidiano humano, ou seja, na concretude da existência humana. Por isso, ele intitula a sua teoria um “existencialismo humanistaâ€. 1.1 CrÃticas As crÃticas endereçadas ao existencialismo partem de várias frentes, principalmente cristãs e marxistas. Os comunistas basicamente censuram Sartre por sua teoria levar as pessoas a um “imobilismo do desesperoâ€, de ser uma filosofia contemplativa e burguesa. Sendo assim, o existencialismo seria um ato meramente soberbo, pois, segundo eles, neste campo, as ações humanas não seriam possÃveis e estariam fechadas, necessariamente, todas as portas. Recriminações são elencadas devido ao fato de o existencialismo evidenciar uma espécie de maldade humana, ou seja, tratar apenas do lado sórdido de sua existência. Alguns o repreendem por ele, além de não confirmar, negar uma “solidariedade humanaâ€, admitindo o isolamento do homem em si próprio. Assim, o homem se bastaria enquanto realização de seu ser, não precisando de nada e ninguém. Isto ocorreria porque, segundo os marxistas, esta teoria sartreana partiria da subjetividade pura, encontrada no cogito de Descartes, isto é, com o eu penso cartesiano o homem atingiria a si próprio, ficando isolado do mundo exterior, impossibilitado de 17 relacionar-se solidariamente com os outros que existem no mundo, pois, no interior do cogito são incapazes de serem alcançados. Os cristãos censuram Sartre por despertar um sentimento de gratuidade pura nas ações humanas, pois não existindo Deus, o homem estaria livre de qualquer ordenamento moral ou valores a priori de conduta, visto que Deus é a origem primeira de todos eles. Sendo assim, imperaria uma enorme desordem (pandemônio) moral, na qual todos fariam qualquer ato, não podendo, por conseguinte, homem algum subjugar atos de outros tendo como paralelo os seus próprios. Para responder a estas acusações Sartre tenta descrever uma relação concreta de convivência humana, partindo das próprias pessoas. Toda e qualquer ação humana seria exercida necessariamente por um homem em seu cotidiano, ou seja, uma ação seria condicionada pela subjetividade. Sendo assim, vejamos como o próprio Sartre define este existencialismo numa visão humanista: Em todo o caso, o que desde já podemos dizer é que entendemos por existencialismo uma doutrina que torna a vida possÃvel e que, por outro lado, declara que toda a verdade e toda a acção implicam um meio e uma subjetividade humana (SARTRE, 1973, pp. 9-10). Contudo, a principal crÃtica enfrentada pelo existencialismo sartreano é, sem dúvida, a de enfatizar o lado negativo da humanidade, ou seja, não mostrar o lado bom do homem, somente sua maldade, aliando-o a uma feiura, sendo que, para Sartre, o existencialismo espanta, causa indignação, repercute mais do que o próprio naturalismo. Porém, os crÃticos, que chamam o existencialismo de pessimista, proferem frases que traduzem um enorme sentimento de tristeza, e eles são os mesmos que acham atos baixos e repugnantes muito humanos. Assim, censuram o existencialismo não por um pessimismo, mas sim por um otimismo duro. Logo, por que ocorre este temor do existencialismo? Seria porque Sartre aborda uma posição onde é o próprio homem quem escolhe suas possibilidades? São estas questões e crÃticas pertinentes ao existencialismo que Sartre se propõe a responder ao longo de sua obra, e para isto, se vale de um posicionamento lógico e concreto. Assim, devemos nos ater ao fato de que o existencialismo humanista, em algumas vezes, pode ser mal interpretado ou tendenciosamente compreendido. Este texto seria também uma forma de esclarecer de maneira simples esta teoria. A filosofia sartreana tem como objetivo abranger o máximo de pessoas possÃvel, visto que, uma filosofia que tenta entender sua época e ser uma visão de mundo, deve ser totalizadora. 18 Uma grande dificuldade encontrada na definição do existencialismo é que ele se vulgarizou 6 e se transformou num modismo, ou seja, as pessoas utilizavam algumas frases, que as definiam como existencialistas, mas na verdade, não sabiam realmente o que significavam ou se tais frases se adequavam ao que realmente era. Segundo Sartre, esta é uma teoria fundamental, muito rigorosa e é própria para os filósofos, porém, não é de difÃcil definição. O que dificulta a definição do existencialismo é que existem duas formas fundamentais desta teoria. Uma é definida como existencialismo cristão e a outra, o existencialismo ateu. Esta última é a que Sartre assume, nesta forma admite-se que a “existência precede a essência†e parte-se da subjetividade. Para entender melhor este posicionamento teórico de Sartre em relação à existência e à essência, é preciso observar o que ele entende por visão técnica do mundo, que é: a produção, um misto de conceitos e modo de se produzir algo, precedendo a existência, a coisa fabricada. Isto é, para um artesão fabricar um objeto especÃfico, como uma bola de futebol, ele terá de inspirar-se em conceitos e teorias para a fabricação de bolas e produzi-la sob uma técnica referente a este conceito, na qual procedimentos somados formariam uma espécie de “fórmula†para se fazer bolas. Então, produzir uma bola é produzi-la sob um modelo de produção, para que ela tenha uma serventia (praticar um esporte) definida. Com isso, a essência – técnicas, conceitos e finalidade para se produzir algo – precede a existência do objeto (bola) propriamente. Tal visão seria uma espécie de visão funcionalista do mundo, no qual tudo que é fabricado, é antes um esboço que possui determinada função. Do mesmo modo, quando se concebe um Deus criador, anterior a tudo e a todos, o homem se vê como uma criação Dele, igualmente. Este “Artesão supremo†teria em sua onipotência, o conceito, as técnicas e a finalidade para a fabricação de homens e, com sua onipresença, determinaria e saberia o que criou, toda e qualquer ação, vontade e desejo dos homens, seriam a consolidação destes conceitos. Esta visão era adotada, por exemplo, por 6 Cf. (SARTRE, 1987a, pp. 22-23). Questão posta a Sartre: “Não sei se o desejo que você tem de ser compreendido o tornará mais claro ou mais obscuro, mas acho que o artigo de divulgação publicado no Ação induz o leitor a um mau entendimentoâ€. Resposta: “Sinceramente, acho que é possÃvel que, no Ação, minhas teses tenham ficado um pouco enfraquecidas; acontece, freqüentemente, que pessoas não qualificadas venham fazer-me perguntas. Encontro-me, então, diante de duas soluções possÃveis: recusar-me a responder ou aceitar a discussão ao nÃvel da vulgarização. Escolhi a segunda porque, no fundo, quando expomos teorias no colégio, numa aula de filosofia, aceitamos enfraquecer uma idéia para torná-la inteligÃvel, e não é tão ruim assim. Se a teoria é uma teoria do engajamento, temos de engajar-nos até o fim. Se, realmente, a filosofia existencialista é uma filosofia que diz: ‘a existência precede a essência’, ela deve ser vivida para ser verdadeiramente sincera. Viver como existencialista é aceitar pagar por essa doutrina e não impô-la através de livros. Quem deseja que essa filosofia seja um engajamento de verdade, deve justificá-la perante aqueles que a discutem no plano polÃtico ou moralâ€. 19 filósofos do século XVII. Segundo Sartre, o existencialismo ateu que defende é mais coeso nesta relação entre existência e essência, porque não existindo um Deus superior e criador, deveria existir um ser originário, que não é produzido como essência e cuja essência lhe é posterior. Isto é o que define o existencialismo ateu, “[...] se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que esse ser é o homem [...]†(SARTRE, 1978, p. 216). A “existência precede a essência†no sentido de que, primeiro o homem existe, nasce, aparece no mundo e toma consciência de si, para depois se definir (essência). Para o filósofo francês, o homem não se define imediatamente após sua existência, mas apenas depois que ele for se realizando a si próprio no decorrer de sua vida. Com isto, não haveria previamente uma natureza humana 7 estabelecida por um Deus, visto que ele não existe para realizá-la, Sartre afirma que O homem é tão-somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princÃpio do existencialismo (SARTRE, 1987a, p. 6). Sartre parte da subjetividade que define o homem como totalidade de realizações, um querer a si próprio ao longo de sua existência. Sendo este homem uma diferenciação existencial de qualquer outro objeto, pois não existe nenhum objeto que tenha uma consciência reflexiva de si próprio. Esta existência subjetiva do homem, com o intuito de se definir, é projetada para um futuro. Este projeto do homem, que é consciente de si próprio, é anterior a tudo, ou seja, o homem é um projeto subjetivo que ele próprio estabelece. Postas as crÃticas e estas primeiras considerações, veremos como Sartre apresenta e fundamenta sua teoria humanista existencial e rebate aos crÃticos. 7 Cf.(SARTRE, 1987a, p. 24) Sartre: “O homem apresenta-se como uma escolha a ser feita. Muito bem. Ele é, antes de mais nada, a sua existência no momento presente e está fora do determinismo natural; ele não se define anteriormente a si mesmo, mas em função do seu presente individual. Não existe natureza humana superior ao homem, mas uma existência especÃfica lhe é dada em determinado momentoâ€. 20 1.2 Teoria humanista existencial Tentaremos explicar agora, de forma esclarecedora e compreensÃvel, os conceitos que norteiam a proposta de Sartre, para entender um pouco melhor algumas questões relativas ao tema. Para iniciar a abordagem, devemos salientar que Sartre introduz a noção de responsabilidade. Se, como vimos antes, no homem “a existência precede a essênciaâ€, ele é responsável por si próprio, não existe Deus como seu criador. Cada homem deseja posicionar o outro no âmbito de sua existência e conferir-lhe plena responsabilidade pelo que é, não apenas para com ele mesmo individualmente, mas para com toda humanidade. Para Sartre, existem dois sentidos para o termo subjetividade – tais sentidos serão tratados de maneira pormenorizada mais adiante – o primeiro é aquele no qual o homem se encontra incapacitado de ultrapassar o alcance da subjetividade humana, pois suas escolhas são individuais e pessoais. O segundo é a escolha individual do homem relacionada a todos os outros, quer dizer, quando cada homem escolhe a si próprio ele o faz com o intuito de escolher por toda humanidade. Todo e qualquer ato humano é feito visando definir algo, a maneira como cada um quer ser. Com isto, se desenvolve, igualmente, uma imagem de homem, que é admitida como aquilo que deve ser. O ser humano se define e cria uma imagem para a humanidade quando escolhe um valor. Sartre esclarece esta ação do homem que condiciona a humanidade advertindo: Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o valor do que estamos escolhendo, pois não podemos nunca escolher o mal; o que escolhemos é sempre o bem e nada pode ser bom para nós sem o ser para todos. Se por outro lado, a existência precede a essência, e se nós queremos existir ao mesmo tempo que moldamos nossa imagem, essa imagem é válida para todos e para toda nossa época (SARTRE, 1987a, pp. 6-7). Sartre quer atribuir à escolha um caráter de comprometimento, pois ela envolve um valor ético, é auto-valorativa no sentido de que afeta necessariamente todos os homens. Deste modo, o ser humano levando em conta as consequências de seus atos, nunca deseja o mal, pois ele sempre busca o bem que lhe parece mais viável e agradável. E a imagem moral que o homem constrói ao longo de sua vida é válida não somente para todos, mas também para o presente tempo de sua existência. Então a escolha é concreta, diferente de sonhar ou desejar fazer algo: “É preciso observar, contudo, que a escolha, não sendo idêntica ao fazer, pressupõe um começo de realização, de modo a se distinguir do sonho e do desejo†(SARTRE, 2002, p. 595). Intenção 21 se confunde com ação, pois assim como nossas palavras expressam nossas ideias, nossas ações demonstram nossas intenções. Neste quadro conceitual, a responsabilidade atribuÃda ao homem é bem mais abrangente, pois ela envolve a humanidade inteira. Não há ação nenhuma, de ser humano algum, que não envolva a humanidade e que não seja de inteira responsabilidade da pessoa que a fez. Decorrente disto, o homem cria certa imagem de si que é válida para todos os homens. Sendo, por conseguinte, responsável plenamente por esta imagem, isto é, escolhendo-se, ele escolhe o homem. Com isto, pode-se entender melhor termos como a angústia 8 , que Sartre define deste modo: O existencialista declara freqüentemente que o homem é angústia. Tal afirmação significa o seguinte: o homem que se engaja e que se dá conta de que ele não é apenas aquele que escolheu ser, mas também um legislador que escolhe simultaneamente a si mesmo e a humanidade inteira, não consegue escapar ao sentimento de sua total e profunda responsabilidade (SARTRE, 1987a, p. 7). O homem se define como angústia. Isto significa que toda e qualquer escolha humana, por mais particular que seja, envolve não apenas a ele somente, mas a todos os seres humanos; com isto, não há meio de se esquivar desta constante responsabilidade plena. Porém, o autor de uma determinada ação pode tentar mascarar a ansiedade, para si próprio, achando que suas ações envolvem apenas ele mesmo. Mas, tal ação maléfica é de extrema ineficiência ou tolice. Sartre afirma: A conseqüência essencial de nossas observações anteriores é a de que o homem, estando condenado a ser livre, carrega nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser. Tomamos a palavra “responsabilidade†em seu sentido corriqueiro de “consciência (de) ser o autor incontestável de um acontecimento ou de um objeto†(SARTRE, 2002, p. 678). Com o intuito “covarde†de escapar desta responsabilidade alguns indivÃduos dizem que nem todos fazem tais atos. Contudo, deve-se pensar o oposto. Pergunta Sartre: como seria se todos os homens fizessem o mesmo? Ou seja, se todos os homens tentassem escapar desta responsabilidade como ficaria a humanidade? 8 (Cf. SARTRE, 1987a, p. 22) Indagação a Sartre: “As palavras ‘desespero’, ‘desamparo’, têm uma ressonância muito mais forte num texto existencialista. Parece-me que, para você, o desespero ou a angústia são mais fundamentais do que, simplesmente, a decisão do homem que se sente só e é obrigado a decidir. É uma tomada de consciência da condição humana que não acontece a todo momento. Que nós escolhemos a toda hora, é ponto pacÃfico, mas a angústia e o desespero não se produzem constantementeâ€. Resposta: “Não quero evidentemente dizer que, ao escolher entre um mil - folhas e uma bomba de chocolate, escolho com angústia. A angústia só é constante no sentido em que minha escolha original é uma escolha constante. De fato, na minha opinião, a angústia é a ausência total de justificativas e simultaneamente, a responsabilidade perante todosâ€. 22 Quem tenta fugir destas questões e da responsabilidade está agindo de má-fé. Estas pessoas, Sartre caracteriza como: Quem mente e se desculpa declarando: nem toda a gente faz assim, é alguém que não está à vontade com a sua consciência; porque o facto de mentir implica um valor universal atribuÃdo à mentira. Ainda quando a disfarçamos, a angústia aparece (SARTRE, 1978, p. 222). Sartre afirma que quem não vive numa angústia ansiosa, vive disfarçado, convicto de que suas ações não interferem na humanidade, mas afeta apenas a si, não admitindo esta responsabilidade para com todos. Tentam esconder-se covardemente em uma atitude de má-fé. Estas pessoas que agem de má-fé, que mentem para si, não estão tranquilas com suas próprias consciências. Esta angústia é semelhante a que Kierkegaard define como angústia de Abraão, na qual um anjo manda que ele mate seu próprio filho. Aqui Sartre nos apresenta Abraão como um Ãcone da angústia, pois todos devem se colocar em seu lugar perante os seres humanos. Mas, parece quase inerente a todos a inquietante dúvida a respeito da autoridade e veracidade deste anjo. Se o Abraão que ele comanda para exercer tal ato é realmente este Abraão, quer dizer, além da dúvida que ele pode ter sobre sua fé, Abraão pode se perguntar: será que fui eu o eleito para inscrever na humanidade o que eu entendo por homem e que a minha própria escolha é realmente um ideal a ser seguido? Com todas estas dúvidas, é o próprio homem, mesmo não tendo prova alguma de quem ele é, que escolhe se existe anjo ou não, se tal ação é certa ou errada. Ele deve agir sempre de forma exemplar, como se todos se espelhassem em cada ação para nortear seus atos, ou melhor, cada homem deve afirmar para si próprio: serei eu que operarei de tal forma, que regularei as ações da humanidade inteira. Isto significa que o ser humano necessita agir de forma mais adequada o possÃvel (moral), como se fosse um regulador das ações da humanidade, como se todos fossem norteados pelos seus atos. Cada um deve agir como um exemplo de homem correto a ser seguido, como um espelho de conduta para a humanidade inteira. Cada ser humano deve ser um parâmetro de homem a ser adotado por todos. Sendo assim, a angústia é constituinte condicional de sua ação. A angústia faz parte da ação, da decisão consciente e subjetiva de uma pessoa, pois quando se escolhe uma ação em uma multiplicidade de possibilidades, essa escolha tem valor por si própria, ela se torna auto-valorativa na medida em que a ação escolhida foi eleita perante um enorme número de ações possÃveis. A angústia não é algo que nos afasta da escolha, ela surge desta imensa sensação de 23 responsabilidade para com a humanidade. Ela é também um elemento participativo da escolha: Esta espécie de angústia, que é a que descreve o existencialismo, veremos que se explica, além do mais, por uma responsabilidade direta frente aos homens que ela envolve. Não é ela uma cortina que nos separa da ação, mas faz parte da própria ação (SARTRE, 1973, p. 14). Sartre, ao afirmar a inexistência de Deus, busca demonstrar um total desamparo (solidão) humano, visto que, não existe Deus nem qualquer valor moral último, como honestidade ou bondade, anterior e acima do homem. Os valores humanos não estão prescritos num céu inteligÃvel. Esta posição sartreana é oposta à moral laica e ao racionalismo francês, que aderem à ideia da não existência de Deus, mas defendem a existência prévia de valores humanos abstratos e idealistas, que lhes são anteriores e superiores. O existencialismo sartreano afirma que é até desconfortável a não existência de Deus, pois, assim sendo, não haveria nenhum ponto de apoio ético em que os homens principiariam suas condutas. Não existindo Deus, como consciência perfeita e infinita para pensar os valores e o bem, não haveria valores a priori e céu superior inteligÃvel aos seres humanos, ou seja, não existiria nenhuma norma que declararia ao ser humano o que ele deve fazer ou não. É neste ponto que surge a frase de Dostoiewsky, afirmando que “se Deus não existisse tudo seria permitidoâ€. É esta liberdade plena nas ações humanas que Sartre toma como ponto de partida de sua teoria humanista existencial, pois não existindo Deus, o homem ficaria abandonado e não teria onde se apoiar, a não ser em si mesmo e nunca em outras coisas. Segundo Sartre, “o homem é liberdadeâ€, pois se no ser humano a “existência precede a essênciaâ€, não haveria uma natureza humana criada, concebida e imutável, não haveria algo que o comandasse. Sem a existência de Deus, não teriam as pessoas valores impostos para legalizar suas condutas, não ocorreriam desculpas e justificações. Com isto, o ser humano, por não se criar a si próprio, está condenado a ser solitariamente livre – solitário, no sentido de não existência de um Deus superior a humanidade. Contudo, mesmo tendo esta liberdade completa, ninguém pode escapar da plena e abrangente responsabilidade vinculada aos outros homens: Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz (SARTRE, 1987a, p. 9). Sartre não aceita o argumento de que as paixões humanas (anseios e sensações) sejam 24 fundamento para os atos das pessoas, já que elas não podem ser usadas como desculpas para os erros de alguém, são frutos da responsabilidade do homem e não a causa primeira. Nem os sinais manifestados na terra podem servir de desculpas, pois eles podem ser interpretados da maneira mais benéfica para cada ser humano. Podem se tornar tendenciosos e parciais. A partir disto, Sartre define que o homem está só e sem auxÃlio, deve se inventar constantemente, a cada instante de sua vida. Em outras palavras, qualquer pessoa no mundo tem de realizar seu futuro, mas não um futuro previamente destinado, concebido e conhecido por Deus e sim um futuro projetado pelo homem, à espera dele, intocado. Neste contexto o ser humano se encontra desamparado e abandonado. Para melhor compreensão deste abandono, Sartre nos apresenta o exemplo de um jovem que tem de escolher entre ajudar sua mãe, que vivia sozinha, que foi deixada pelo marido, amargurada e que possuÃa apenas ele como filho, pois o outro tinha sido morto na guerra; ou, escolher ir para a guerra numa espécie de vingança de seu irmão morto em combate. O jovem, apoiando sua mãe – que sem sua ajuda poderia vir até morrer, devido ao desgosto pelo seu desaparecimento ou morte na guerra – e ficando com ela adota uma ação que pode até ser justificável, visto que, ele é importante para a vida de sua mãe. Em contrapartida, se o jovem escolher ir para guerra por vingança, esta atitude está arriscada a se tornar ambÃgua, pois ela pode até concretizar sua ação de vingança, mas há também, a possibilidade de ele ser nomeado secretário administrativo no comando de guerra, em atividade meramente burocrática, com isso, não praticaria a ação antes pretendida. Como se observa, há para o jovem dois tipos de ação, totalmente divergentes: ajudando a sua mãe, ele faria uma ação mais concreta, eficiente, mas que diria respeito apenas a uma restrita pessoa. Porém, escolhendo ir para a guerra, ele ampliaria seu ato, atingindo mais pessoas, mas sendo indefinido, pois com sua morte ou sua impossibilidade de ação, devido a uma designação burocrática, esta ação se tornaria inútil. Do mesmo modo, o jovem se depararia com duas formas de moral, uma fundada na afeição e atenção individual e outra abrangente e de resultados incertos. Mas, afinal, o que ou quem poderia auxiliar o jovem nesta complexa escolha? Uma opção é a teoria cristã, que prega: amai ao próximo no sacrifÃcio e escolhei o caminho mais duro. Todavia, segundo Sartre, não é a teoria apropriada para solucionar este dilema do jovem, pois apresenta algumas inconveniências como: qual o caminho mais duro dentre os dois, quem seria o irmão a ser amado, a mãe ou os soldados da guerra? O que seria mais útil? Ajudar alguém a viver ou lutar em uma guerra? 25 Sartre define que ninguém pode decidir a priori sobre o que fazer e que não há nenhuma moral, previamente proposta, não há condições de afirmar com certeza e precisão qual é a melhor escolha. A moral de Kant propõe que não se deve tratar ninguém como meio e sim como fim. Mas, se o jovem escolher ficar com sua mãe, pode estar tratando-a como fim e os soldados da guerra como um meio, escolhendo ir para a guerra significa tratar os soldados como fim e sua mãe como meio. Poder-se-ia então levar em conta uma terceira posição, como os instintos, para determinar as ações de alguém, pois, como vimos, os valores além de amplos são incertos, como os deterministas defendem. Contudo, não há como derivar valores de sentimentos, dado que, somente é entendido o que se sente em determinada ação no momento em que ela for praticada, não há como prever o que se sentirá numa ação futura antes que ela ocorra. Os sentimentos são definidos pelos atos praticados e não o inverso, isto é, tentar derivar valores de sentimentos pode se transformar em um cÃrculo vicioso, pois somente se sente algo se isto tiver sido feito. Segundo Sartre, é quase impossÃvel separar o sentimento da ação (vivência), ou seja, dizer que se ama alguém é o mesmo que exercer uma ação que demonstre, de alguma forma, este amor. O sentimento deriva da ação, com isso, não se pode partir dele como princÃpio de uma conduta. Porém, poder-se-ia cogitar a ideia de alguém que estaria apto a aconselhar outro em uma determinada ação. Independente de quem seja o conselheiro, mesmo quando alguém escolha a sugestão de certas pessoas, há necessariamente o comprometimento consigo mesmo. Isto significa que, quando se decide procurar algum conselho, se sabe mais ou menos, qual será a direção apontada pelo conselheiro. Neste ponto, Sartre é taxativo: seja livre 9 , faça sua própria escolha, invente. Não existe uma moral abstrata e pré-estabelecida, por meio de um princÃpio de virtude a priori, que apresente ao ser humano a solução antecipada e precisa de sua conduta, sobre o que é preciso fazer a respeito de algo. O mesmo se aplica aos sinais que a Igreja católica afirma existirem no mundo. Alguém por infortúnio e fracasso que sofre na vida, como desamores, dificuldades 9 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 31). Naville: “Você deu um exemplo, longamente desenvolvido, o do jovem que o procurouâ€. Sartre: “Não estava ele no plano da liberdade?†Naville: “Você devia ter-lhe dado uma resposta. Se eu tivesse no seu lugar, teria tentado informar-me do que ele era capaz, qual a sua idade, quais as suas possibilidades financeiras, teria tentado examinar as relações que ele tinha com a mãe. É possÃvel que eu tivesse emitido uma opinião provável, mas teria certamente tentado definir um ponto de vista preciso, que talvez até se revelasse falso ao nÃvel da ação, mas eu o teria com certeza levado a se engajar, de alguma formaâ€. Sartre: “Se ele veio pedir-lhe um conselho, é porque já escolheu a resposta. Em termos práticos, é claro que eu poderia ter- lhe dado um conselho; mas, já que ele procurava a liberdade, quis deixá-lo decidir sozinho. Aliás, eu já sabia o que ele ia fazer, e foi o que ele fezâ€. 26 econômicas, dentre outras coisas, vê-se inclinado a atribuir tais acontecimentos a aparentes sinas sob a terra. Para estas pessoas, o rumo de suas vidas está necessariamente ligado a estes sinais, como se suas vidas fossem definidas por eles. Mas, para Sartre, a vida de cada homem é como ele escolheu ser e de responsabilidade exclusiva dele próprio, assim como as interpretações destes sinais são, consequentemente, de sua inteira responsabilidade. Temos, assim, um sentimento de imenso desamparo. Tal noção é paralela à de angústia, no qual esta confere ao próprio ser humano a escolha da definição em seu ser. É o próprio homem que se define enquanto ser humano. Sobre o desespero, Sartre define que para a conclusão de uma ação o homem pode contar apenas com o que está condicionado por sua vontade ou por um grupo de possibilidades, as quais não são produzidas pelos seus atos, uma vez que, para as pessoas há um determinado número de elementos possÃveis, a partir do qual sua vontade deve ser exercida. O ser humano tem que desejar algo dentro deste grupo delimitado de possÃveis. Sartre quer dizer com isto que não adianta ninguém querer realizar uma ação num âmbito independente destes limites dos possÃveis, pois nenhuma pessoa vai conseguir adaptar o mundo à s suas vontades e a suas ações. Com isso, todas as escolhas e o que fazer em dada circunstância, devem ser realizados de acordo com suas possibilidades. O homem é limitado assim como suas ações, dentro de um restrito grupo de prováveis realizações. Ninguém pode buscar escolher algo além de seu limitado campo de atuação. Sartre explicita esta limitação das escolhas possÃveis da seguinte forma: A partir do momento em que as possibilidades que considero não são rigorosamente determinadas pela minha acção, devo desinteressar-me, porque nenhum Deus, nenhum desÃgnio pode adaptar o mundo e seus possÃveis à minha vontade (SARTRE, 1978, pp. 237-238). Contrariamente a isto, alguns marxistas, dogmáticos, bem como Lukács, dentre outros, dizem que o homem deve contar com os outros e que as ações humanas somente são limitadas pela morte. Neste sentido, qualquer homem deve contar, invariavelmente, com outros seres humanos e de qualquer parte do mundo, onde todos farão o possÃvel para auxiliá-lo e mesmo após sua morte, continuarão seus propósitos. Se esta confiança não for estabelecida, segundo estes marxistas, o homem não estará agindo de forma ética. Mas, para Sartre, os únicos “companheiros†são aqueles que estão comprometidos, “engajados†num objetivo concreto e comum. Sendo assim, este homem está contando com uma possibilidade dentro de um grupo de possÃveis, no qual são cabÃveis decisões mais prováveis. Aqui é possÃvel saber mais ou menos os rumos que serão tomados, visto que, o número de participantes se torna menor e 27 mais conhecido. Contudo, é impossÃvel alguém contar com pessoas que ele nem conhece, se valendo de uma possÃvel “bondade humana†ou se apoiando numa inclinação humana para um bem-estar social, pois, como vimos, o homem é livre e não existe uma natureza humana a priori, na qual através dela seja possÃvel conhecer plenamente uma pessoa, saber se ela é boa ou má e se é possÃvel contar com ela na defesa de uma causa, por exemplo. Para Sartre, um ser humano deve confiar apenas no que ele vê e percebe hoje, não há como ter certeza de que seus projetos serão retomados e realizados após sua morte, os homens são livres para decidirem o que será do homem amanhã, e, a decisão tomada pode ser totalmente oposta ao que foi antes projetado. Não há como determinar o indeterminado, o que hoje é estritamente errôneo, no futuro, pode vir a ser um acerto. O existencialismo sartreano sempre opera entre o determinado e o indeterminado. Aqui, todos os homens devem se comprometer com seus ideais projetados e agir independente de esperança 10 , porque para se prender a um propósito não é necessário ter esperança em nada. Mesmo que um projeto não seja realizado de forma precisa, como se desejava, o ser humano deve ater-se ao fato de que ele fez todo o possÃvel para sua perfeita realização (comprometimento). Não há como conhecer, de forma indubitável, os resultados futuros de uma ação proposta. Os homens devem agir independentes de uma esperança qualquer, sendo isto a única coisa em que alguém pode confiar. Como se observa, o pensador francês desenvolve sua teoria no âmbito da prática, contida nas ações humanas, estado em que o homem é a realização de seus propósitos, ou seja, Sartre define o homem como ação, ele somente é (existe) na medida em que realiza todas as suas ações projetadas com comprometimento total. A vida de um homem é definida por seus atos e dentro de seus limites ele pode agir de inúmeras formas. Com isso, Sartre tenta demonstrar que sua teoria é um duro otimismo e não uma metafÃsica imobilista: A doutrina que vos apresento é justamente a oposta ao quietismo, visto que ela declara: só há realidade na ação; e vai aliás mais longe, visto que acrescenta: o homem não é senão o seu projeto, só existe na medida em que se realiza, não é, portanto, nada mais que o conjunto de seus atos, nada mais que sua vida (SARTRE, 1973, p. 19). Eis aqui um ponto que pode ser crucial para algumas pessoas 11 , que não interpretam esta teoria de modo correto, por terem aversão ao existencialismo. Elas tentam, na maior parte 10 Posição que foi alterada ao longo do tempo. Cf. a entrevista A Esperança agora, proferida no ano de sua morte. 11 Emmanuel Mounier, Jackes Maritain, Pierre Naville e Roger Garaudy. 28 das vezes, se justificarem argumentando que as circunstâncias em determinada ação lhes foram adversas, julgaram que poderiam ser melhores do que eram, afirmaram que não encontraram amizades e amores sinceros, por não terem achado as pessoas corretas para preencher tais desejos. Não tiveram uma vida intelectual produtiva devido à falta de tempo livre, se não tiveram filhos foi por causa de não terem encontrado a pessoa certa que compartilhasse seus anseios. Com isto, tentam afirmar que estão nelas, cristalizados potencialmente, valores superiores aos que os seus atos lhes conferem. De outro modo, justificam seus erros ou inatividade com possibilidades que podem ser desenvolvidas, se desculpam afirmando que seus verdadeiros valores estão em atuações potenciais e não em suas ações realizadas. Estas pessoas, que agem desta forma, estão de inteira má-fé. Se a teoria humanista existencial sartreana é concreta e ativa, “o homem é o que ele fazâ€, o amor é construÃdo, não existe um amor em potencial, ele só existe na medida em que vai sendo realizado por meio de uma subjetividade humana, não existe o sentimento de amor a priori. Alguém só pode ser considerado como um intelectual, se exercer sua capacidade intelectiva, um filósofo o é por ter expressado suas teorias em obras filosóficas, a vida de um escritor é a totalidade de suas obras. Não se pode levar em conta obras que poderiam vir a ser escritas, prejulgando que elas estariam de maneira potencial em alguém. O homem se define na sua própria vida, isto é, ele esboça uma figura dele mesmo e não existe nada além dessa figura. O ser humano só pode se definir em sua realidade e não através de sonhos e esperanças. Isso o levaria a uma definição negativa e parcial, que é a pessoa acreditar que somente se define em seus fracassos e languidez adquiridos em sua vida, pois não é só um aspecto que define o homem e sim a totalidade de sua vida. De modo sumário, não são somente as obras de um filósofo que o define como tal, sem sombra de dúvidas, são uma parte importante de seu ser, mas não todo ele, há inúmeras outras atividades e realizações que o compõe da forma como ele é. É a definição positiva do homem: “O que queremos dizer é que um homem nada mais é do que uma série de empreendimentos, que ele é a soma, a organização, o conjunto das relações que constituem estes empreendimentos†(SARTRE, 1987a, p. 14). É, principalmente, neste ponto que acusam o existencialismo de ser uma teoria pessimista, pois quando ela expõe um fraco ou medroso, ela o faz não baseada apenas numa imposição do meio, por um convÃvio social ou uma delimitação psicológica e biológica, mas pautada no princÃpio de que todo homem é responsável por sua definição. Quer dizer que o fraco é responsável por sua fraqueza e o mesmo se aplica ao medroso. Mesmo estando em uma dada circunstância o ser humano pode se inventar e não meramente se conformar com 29 sua situação. Segundo Sartre, isto não pode ser caracterizado como um pessimismo e sim como um otimismo duro, pois aqui o próprio homem é o responsável por si. Exemplificando, uma pessoa é covarde não por implicações temperamentais ou por ter o organismo covarde. Existem temperamentos nervosos e não covardes, a covardia é fruto de seus atos e não de uma constituição fisiológica covarde. Uma pessoa é covarde porque se construiu assim ao longo de sua vida, através de suas ações. Porém, existe a possibilidade de ele deixar de ser o que é, basta que se comprometa totalmente em todas as suas ações e que elas sejam exercidas com o intuito de se tornar corajoso perante os outros, em ato concreto. Neste ponto, Sartre acredita ter respondido a algumas das crÃticas iniciais referentes à teoria humanista existencial, visto que, ela não pode ser considerada como uma teoria que leva o ser humano a um imobilismo, pois ela define o homem por ação, totalidade dos atos. Não pode ser também pessimista em relação ao homem, pois para ela é o próprio homem que determina seu “destinoâ€. Mas, como ela pode ser definida como uma teoria que desencoraja as ações do ser humano? Para ela não existe fundamento na esperança, salvo na ação que é a única coisa que é admitida e faz sentido na vida do homem. Neste sentido, parece que Sartre está diante de uma conduta humana fundada na ação e no compromisso. 1.3 Subjetividade, moral e liberdade A crÃtica feita ao subjetivismo, que isola o homem em si, prendendo-o num individualismo, se dá devido a uma interpretação errônea da teoria sartreana. A subjetividade como ponto de partida do humanismo existencial é entendida no sentido fenomenológico, que, em sÃntese, define a existência do reconhecimento reflexivo da consciência por ela própria (consciência de si) e também pela relação com o outro e o mundo, consciência irrefletida (consciência do externo). Sartre admite a existência não só da consciência, mas do mundo como um polo que se dá somente na sua correlação com o outro. Neste sentido, ele tenta incorporar o cogito cartesiano na realidade mundana 12 , não sendo mais apenas a coisa pensante (res cogita) isolada em si. Com isto, a fenomenologia deve dar conta da dialética entre o homem, seus 12 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 28) Sartre descreve: “Mas onde começa e onde termina esse mundo cuja definição, aliás, é inteiramente arbitrária e que não se ajusta de forma alguma aos dados cientÃficos modernos? Em nossa opinião, não começa nem termina em parte alguma, pois a segregação a que o existencialismo pretende submetê- lo relativamente à natureza, ou melhor, à condição humana, é irreal. Existe apenas um mundo, um único mundo diante de nós, e a totalidade desse mundo – homens e coisas, se você faz questão dessa distinção – pode ser afetada, em certas condições variáveis, pelo signo da objetividadeâ€. 30 semelhantes e o mundo. Neste sentido, Sartre parte não de uma subjetividade isolada em si, mas de uma postura que propicia a verdade: Como ponto de partida, não pode existir outra verdade senão esta: penso, logo existo; é uma verdade absoluta da consciência que apreende a si mesma. Qualquer teoria que considera o homem fora deste momento em que ele se apreende a si mesmo é, de partida, uma teoria que suprime a verdade pois, fora do cogito cartesiano, todos os objetos são apenas prováveis e uma teoria de probabilidades que não esteja ancorada numa verdade desmorona no nada; para definir o provável, temos de possuir o verdadeiro (SARTRE, 1987a, p. 15). A verdade absoluta (independente de qualquer coisa) só pode ser encontrada no penso, logo existo cartesiano, ela é o reconhecimento da consciência de si própria. Fora desta consciência tudo é provável e não imediatamente verdadeiro. Qualquer teoria de possibilidade que pretenda definir seu objeto tem, necessariamente, que se fundar na verdade, do contrário, ela se torna meramente provável. Afirma Sartre: Em um objeto particular podemos sempre distinguir qualidades como cor, odor, etc. E a partir delas, sempre pode-se determinar uma essência por elas compreendida, como o signo implica a significação. O conjunto “objeto- essência†constitui um todo organizado: a essência não está no objeto, mas é o sentido do objeto, a razão da série de aparições que o revelam (SARTRE, 2002, p. 19). O cogito 13 cumpre esse papel de desvendar a verdade absoluta. Em sÃntese, é necessária a verdade absoluta – totalizadora, a consciência é necessária para que se tenha qualquer tipo conhecimento – para que se encontre qualquer outra espécie de verdade. A partir disto, se torna notória a diferença entre sujeito e objeto, consciência e matéria. A atitude natural materialista trata o homem equivalente a um objeto, no qual este segue determinado padrão e suas reações são definidas dentro de um conjunto delimitado, não havendo diferença 13 Cf. (SARTRE, 1987a, pp. 29-30) Resposta de Sartre a crÃtica em relação ao cogito subjetivo: “Você declarou que é em nome da dignidade humana que o homem se recusa a tratar o homem como objeto. Está errado. É por uma razão de ordem filosófica e lógica: se você postular um universo de objetos, a verdade desaparece. O mundo do objeto é o mundo do provável. Você tem de admitir que toda teoria, quer seja cientÃfica ou filosófica, é provável. A prova disso está em que as teses cientÃficas, históricas variam e que elas se formulam sob forma de hipótese. Se admitirmos que o mundo do objeto, o mundo do provável, é único, não teremos mais do que um mundo de probabilidades, e assim, como é necessário que a probabilidade dependa de certo número de verdades adquiridas, de onde provém a certeza? [...] Se você não define a verdade, como podemos conceber a teoria de Marx de outra forma que não seja a de uma doutrina que surge, desaparece, se modifica e que tem apenas o valor de uma teoria? Como fazer uma dialética da história se não se começar por estabelecer certo número de regras? Encontramo-las no cogito cartesiano; não podemos encontrá-la senão situando-nos no terreno da subjetividade. Nós jamais discutimos o fato de que, constantemente, o homem é um objeto para o homem, mas reciprocamente é necessário, para apreender o objeto enquanto tal, que haja um sujeito que se apreenda como sujeitoâ€. 31 entre as ações humanas e as dos objetos, tudo se define em fenômenos. Confundem e colocam no mesmo patamar consciência e objeto. Porém, o humanismo existencial atribui ao homem uma excelência que o diferencia dos objetos, pois o ser humano é o único, que, como vimos, consegue se reconhecer conscientemente (ter consciência reflexiva). Com isto, se tornam diferentes os valores humanos e os valores dos objetos não humanos. Existe, sem dúvidas, uma correlação entre sujeito e objeto, o primeiro percebe ativamente e subjetivamente o segundo, que é passivo e não possui subjetividade. Devido a esta aceitação filosófica da existência do outro, que também possui uma consciência de si e do mundo, no cogito encontramos não apenas nós mesmos, mas também o outro, pois assim como eu tenho consciência dele ele tem de mim, ele se torna tão verdadeiro para mim como eu mesmo. Sendo assim, diferentemente de Descartes, o outro é uma condição para a minha existência, visto que, me torno outro para a consciência dele e passo a existir para ele. Tenho, portanto, a minha existência duplamente comprovada: por mim (consciência reflexiva) e pelo outro que tem consciência de mim. É neste sentido que Sartre entende a subjetividade. Diante disto, o outro se torna importantÃssimo, pois é pelo seu juÃzo que se dá minha definição de forma imparcial. Uma pessoa só saberá se é boa se atendo também na consideração do outro. Em outras palavras, alguém só pode alcançar uma verdade total a seu respeito se levar em conta a análise do outro. Ele se torna necessário para minha existência e para meu próprio reconhecimento. Neste ponto, a minha reflexão me revela a liberdade do outro como um obstáculo para mim, que age contra ou a meu favor. Com isso, há a descoberta do campo da intersubjetividade. Neste contexto, o homem vislumbra seu ser na relação com os outros, quer dizer, o ser humano determina simultaneamente o que ele é e o que os outros são. Posta esta importância ontológica do outro, Sartre demonstra algumas peculiaridades desta relação eu-outro. Os dois estão no mesmo patamar de valor. Há uma igualdade no valor, tanto moral, quanto de existência. Tudo que se refere a mim se refere igualmente ao outro. É uma relação de equivalência. Mesmo assim, tal relação é fundada no conflito: Tudo que vale para mim vale para o outro. Enquanto tento livrar-me do domÃnio do outro, o outro tenta livrar-se do meu; enquanto procuro subjugar o outro, o outro procura me subjugar. Não se trata aqui, de modo algum, de relações unilaterais com um objeto Em-si, mas sim de reações recÃprocas e moventes. As descrições que se seguem devem ser encaradas, portanto, pela perspectiva do conflito (SARTRE, 2002, p. 454). 32 Se não é possÃvel encontrar uma natureza humana universal presente em cada homem singular, há, ao menos, uma universalidade da condição humana 14 . Condição é uma espécie de conjunto dos limites a priori que apresenta sua situação fundamental no universo, isto é, são determinações impostas ao homem sem a possibilidade de seu assentimento, por exemplo, nascer homem ou mulher, em determinado local não está em meu dominio. As circunstâncias históricas mudam para o ser humano. É possÃvel alguém nascer escravo ou livre, por exemplo, mas não muda a necessidade de que sua presença no mundo seja real e situada, de exercer atividades relacionadas ao trabalho, de convivência com os outros e da vivência, da mortalidade. Estes limites não são nem subjetivos e nem objetivos. Na verdade, eles são o resultado dos dois aspectos. Objetivos: quando são abrangentes e reconhecÃveis globalmente. Subjetivos: na medida em que são vividos, isto é, só existem limites subjetivos se o ser humano, livremente, se definir condicionado por eles. A unidade universal no projeto humano, que tem por principal anseio ultrapassar precisamente os limites da condição humana, seria a compreensão racional, possÃvel a todos os seres humanos, do projeto dos outros. Existem vários projetos, de vários homens e de vários grupos humanos, mas qualquer um pode projetar seus limites com o intuito de reconhecer exatamente o que são. Podendo, assim, até refazer, com base nestes projetos, o seu 14 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 25) Sartre diz: “Se considerarmos as condições humanas como condições que se definem por um X, que é o X do sujeito, mas não pelo contexto natural dessas mesmas condições nem por sua determinação positiva, estamos perante outra forma de natureza humana: trata-se de uma natureza-condição, se você quiser, ou seja: a natureza humana não se define simplesmente como tipo abstrato de natureza mas revela- se por meio de algo que é muito mais difÃcil de formular – por razões que, na minha opinião, são históricas. [...] E, efetivamente, quando o existencialismo fala de condição humana, está falando de uma condição que ainda se encontra verdadeiramente engajada naquilo que o existencialismo chama de projeto e que, conseqüentemente, é uma pré-condição. Trata-se de um pré-engajamento e não de um engajamento nem de uma verdadeira condição. De modo que também não é por acaso que tal condição se define, antes de mais nada, por seu caráter de humanismo geral. Aliás, quando, no passado, alguém falava de natureza humana, estava se referindo a algo mais delimitado do que uma condição em geral; pois a natureza já é outra coisa, é mais do que uma condição, em certo sentidoâ€. E Também: Cf. (SARTRE, 1987a, pp. 25-26) “Aliás, seria necessário ampliar esta discussão relativa à natureza humana, pois é preciso introduzir também o ponto de vista histórico. A realidade primeira é a realidade natural, da qual a realidade humana é apenas uma função. Mas, para isso, temos de admitir a verdade da história, e o existencialismo, de modo geral, não admite a verdade da história nem da história natural em geral, nem mesmo da história humana; e, no entanto, é a história que faz os indivÃduos; é a sua própria história, a partir do momento em que são concebidos, que faz com que os indivÃduos não nasçam e não apareçam num mundo que lhes confere uma condição abstrata, mas surjam num mundo do qual sempre fizeram parte, para o qual estão condicionados, e que eles próprios contribuem para condicionar – do mesmo modo que a mãe condiciona seu filho e que esse filho a condiciona desde a gestação. É somente desse ponto de vista que temos direito de falar da condição humana como de uma realidade primeira. Seria mais correto dizer que a realidade primeira é uma condição natural e não uma condição humana. Estou apenas repetindo, aqui, opiniões correntes e banais mas que não me pareceram de modo algum refutadas pela exposição do existencialismo. Em suma, se é verdade que não existe uma natureza humana abstrata, uma essência do homem independente ou anterior à sua existência, é certo também que não existe uma condição humana em geral, mesmo que, por condição, você entender certo número de circunstâncias ou situações concretas – visto que, em sua opinião, elas não estão articuladas. De qualquer modo, o marxismo tem, a esse respeito, idéias diferentes: a da natureza no homem e do homem na natureza, o qual não está forçosamente definido de um ponto de vista individualâ€. 33 próprio. O projeto não define o homem, mas através dele é possÃvel reconhecer a condição humana. A partir disto, há sempre um modo de compreender algum projeto, mas com o necessário esclarecimento. É aqui que vislumbra-se uma universalidade do homem, que é continuamente construÃda e não dada. Para construir este universal, o homem deve escolher- se, baseado em seu entendimento do projeto do outro, afirma Sartre: É neste sentido que podemos dizer que cada um de nós é absoluto respirando, comendo, dormindo ou agindo de um modo qualquer. Não existe diferença alguma entre ser livremente, ser como projeto, como existência que escolhe sua essência, e ser absoluto; não existe nenhuma diferença entre ser um absoluto temporariamente situado, ou seja, que se localizou na história, e ser universalmente compreensÃvel (SARTRE, 1987a, p. 17). Todavia, parece não estar resolvida a oposição ao subjetivismo, pois esta aparece de várias formas. A primeira atribui ao humanismo a ideia de que o homem pode fazer o que quiser, caracterizando-o como anarquista, prescrevendo que não se pode julgar os outros e também dizendo que na escolha tudo seria gratuito. Observando melhor, estas crÃticas não são tão relevantes. No que diz respeito à primeira, não está correto dizer que se possa escolher o que bem entender, em certo sentido é possÃvel a escolha, o que é impossÃvel é deixar de escolher, logo, mesmo que um homem não escolha, ele escolheu abdicar dela. Isso tem um aspecto muito relevante, pois restringe a fantasia e o capricho. Sendo verdade que em uma determinada circunstância o ser humano tem por obrigação escolher uma ação – implicada uma responsabilidade –, que unida a um compromisso 15 engloba a humanidade inteira. Para Sartre, o homem sempre está em uma circunstância organizada, comprometendo-se e comprometendo a humanidade inteira, através de sua escolha. O existencialista francês vê alguns problemas nas morais universalistas e abstratas e afirma o seguinte: a forma é universal e sua aplicabilidade parecer ser variável. Kant acerta ao dizer: a liberdade quer-se a si própria assim como a dos outros. Porém, erra ao afirmar que a forma idealista e universalista é a totalidade de uma moral. Sartre nota que os princÃpios 15 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 28) Palavras de Sartre: “É por isso mesmo que, para o homem existencialista, o universo objetivo não passa de uma fonte de aborrecimentos, sem influência, no fundo indiferente, um provável perpétuo, ou seja, exatamente o contrário do que ele é para o materialismo marxista. É por todas essas razões e outras mais que você não concebe o engajamento da filosofia senão como uma decisão arbitrária que você qualifica de livre. Ao dizer que Marx definiu uma filosofia você está desvirtuando a própria história de Marx, já que ele a engajou. Não, muito pelo contrário, o engajamento, ou, melhor, as atividades social e polÃtica foram determinantes para seu pensamento mais geralâ€. 34 muito abstratos são falhos para se determinar uma ação, pois em uma decisão prática não há como julgar se o que foi feito poderia ocorrer de uma forma totalmente diversa, as especificidades da ação nunca são expostas em um âmbito abstrato e universalista. A aplicação é sempre concreta e suas consequências não são totalmente previsÃveis. Neste ponto, o coerente é inventar, levando em conta se a invenção foi exercida em consenso com a liberdade. A escolha moral 16 é comparável à construção de uma obra de arte. Na arte, um pintor, por exemplo, não tem um quadro definido antes de ser feito, não existem, pré- estabelecidas, regras a priori para a inspiração. Não existem valores estéticos a priori, mas eles são vistos na coesão do quadro, no relacionamento entre a vontade de criar e o produto. Não se pode avaliar um quadro sem que ele esteja pronto. Segundo Sartre, o homem está na mesma situação criadora, nesta relação entre moral e arte, um quadro de determinado pintor nunca é o resultado de uma gratuidade. Compreende-se que o pintor é o que ele faz no momento que pinta. E a soma de suas obras faz parte de sua vida. O mesmo ocorre na moral, ela é semelhante à arte de um pintor, por exemplo, pois tanto na arte quanto na moral existem criação e invenção, por isso não podemos decidir a priori sobre o que fazer. O homem pode se pautar por uma espécie de moral abstrata, mas quem escolhe o que fazer é ele próprio. Neste sentido, ele escolhe sua moral. Devido à imposição presente nas situações, é necessário que se faça uma escolha entre um caminho e outro, o homem está impossibilitado, contudo, de não escolher uma moral. O ser humano não se realiza imediatamente no começo, ele é definido em relacionamento com um compromisso. Sendo, portanto, um absurdo, dizer que na escolha há gratuidade: O homem faz-se; não está realizado logo de inÃcio, faz-se escolhendo a sua moral, e a pressão das circunstâncias é tal que não pode deixar de escolher 16 Cf. (SARTRE, 1987a, pp. 23-24) Indagação a Sartre: “A escolha original de Marx é uma escolha revolucionáriaâ€. Resposta: “Aquele que for capaz de dizer que ele se escolheu primeiro revolucionário e em seguida filósofo ou primeiro filósofo e depois revolucionário, pode considerar-se um espertalhão. Ele é filósofo e revolucionário: é um todo. O que significa dizer que sua escolha original foi ser revolucionário?†Afirma o questionador: “O Manifesto Comunista não me parece uma vulgarização mas uma arma de combate. Não posso crer que não seja um ato de engajamento. Uma vez que o Marx filósofo chegou à conclusão de que a revolução era necessária, seu primeiro ato foi o Manifesto Comunista, que é um ato polÃtico. O Manifesto Comunista constitui a ligação entre a filosofia de Marx e o comunismo. Qualquer que seja a moral que você tenha, a relação lógica entre essa moral e a sua filosofia não é tão sensÃvel quanto a que existe entre Manifesto Comunista e a filosofia de Marxâ€. Resposta de Sartre: “Trata-se de uma moral da liberdade. Se não existir contradição alguma entre essa moral e a nossa filosofia, nada mais se pode exigir. Os tipos de engajamento diferem em função das épocas. Numa época em que engajar-se era fazer a revolução, era preciso escrever o Manifesto. Numa época como a nossa, em que existem vários partidos que se dizem revolucionários, o engajamento não consiste em aderir a algum deles, mas em procurar esclarecer os conceitos, para definir com mais rigor a posição de cada um desses diversos partidos revolucionários e, simultaneamente, tentar agir sobre elesâ€. 35 uma. Não definimos o homem senão em relação a um compromisso. É portanto absurdo acusarem-nos de gratuidade na escolha (SARTRE, 1978, p. 258). Dando continuidade ao que foi dito acima, quando alguém argumenta que é impossÃvel para o homem julgar os outros, em certo sentido pode-se dizer que é verdade, pois nenhuma pessoa deixará de escolher o seu projeto – independentemente de qual seja ele –, que teve um enorme comprometimento; para escolher um projeto de outro homem, visto que, a escolha comprometida e de seu projeto foi feita de maneira racional e autêntica. Porém, como vimos, há uma interdependência nas escolhas humanas, com isto, o homem pode julgar logicamente (juÃzo lógico) os outros, pois é pela face deles que nós escolhemos. Vejamos o que Sartre diz sobre o ato de julgar os outros: Pode-se julgar um homem dizendo que ele está de má-fé. Se definirmos a situação do homem como uma escolha livre, sem desculpas e sem auxÃlio, todo o homem que se refugia na desculpa que inventa um determinismo é um homem de má-fé (SARTRE, 1973, p. 25). Nesta acepção de má-fé as pessoas que afirmam a existência de valores pré- estabelecidos, que tentam justificar suas ações, estão se contradizendo, pois a escolha em determinada circunstância não pode ser previamente definida, ela é exercida na própria ação e toda ação que se assume enquanto tal é um modo de boa fé e não de má-fé. A tentativa de agir de forma prejudicial, inautêntica, já implica uma ação de inteira má-fé. Isso quer dizer que, a má-fé é uma ação consciente. Assim, quem a pratica quer esconder algo para si mesmo, seja uma “verdade desagradável†ou um “erro agradávelâ€. É a própria consciência que se infecta de má-fé, não é um estado. Sartre precisa assim a má-fé: A má-fé tem na aparência, portanto, a estrutura da mentira. Só que – e isso muda tudo – na má-fé eu mesmo escondo a verdade de mim mesmo. Assim, não existe neste caso a dualidade do enganador e do enganado. A má-fé implica por essência, ao contrário, a unidade de uma consciência (SARTRE, 2002, p. 94). Luiz C. Maciel destaca que existe para a má-fé duas estruturas fundamentais, na qual nos dois momentos a principal finalidade desejada é a transferência da responsabilidade. A primeira define-se em: livrar-se da necessidade de escolher em uma dada circunstância, transferindo-a para outro, ou seja, aqui o agente da má-fé se esquiva de decidir a respeito de alguma ação, fazendo com que outra pessoa decida por ele. A segunda estrutura ocorre no momento em que um ser consciente apenas encena o papel de ser um objeto, deixa sua subjetividade de lado e se apresenta apenas como um ser 36 que os outros desejam que ele seja. Neste sentido, ele se vê apenas “pelos olhos dos outrosâ€, passa a ser uma coisa determinada por outro, não sendo autêntico consigo mesmo. Maciel relembra também que o existencialismo sugere que a essência dos seres humanos é construÃda através de seus atos, pois sendo livre, o homem é apenas o que ele faz de si mesmo. Isto implica que a essência do homem é desenvolvida com a realização de seu projeto e das escolhas exercidas ao longo da sua existência. Nota-se, assim, que tal obra tem por principal foco a exposição de um posicionamento ético do existencialismo, visto que, sendo livre, o homem, é responsável por todas as suas ações e, escolhendo-se, ele escolhe, de maneira implÃcita, todos os outros. Em outras palavras, se alguém se define de tal modo especÃfico, estabelece, ao mesmo tempo, o que é o humano em sua concepção universal. Nesta perspectiva, cada um inventa a humanidade, partindo de seu projeto e escolhas e se tornando responsável por elas. Se, para Sartre, a essência humana se define através de ações, quer dizer, tudo está em ato e não em potência, o ser humano é forçado a agir, fazendo, consequentemente, da moral existencialista uma moral da ação e não do quietismo. Posto que a liberdade é o fundamento de todos os valores éticos, todo homem deve assumi-la e afirmá- la, do contrário, ele pode ser acusado de má-fé. Este assumir e afirmar a liberdade não deve ficar restrito apenas a um indivÃduo, deve ser estendido a uma universalidade, pois se não há natureza humana há, todavia, uma condição humana, que por sua vez é comum a todos, isto implica uma universalidade de todos os projetos humanos. Com isto, tanto a afirmação da liberdade quanto a acusação de má-fé devem ocorrer no âmbito universal. Perdigão salienta que da liberdade procedem duas espécies de angústia, uma temporal e outra ética. As duas derivam da impossibilidade de o homem se preparar de maneira absoluta em relação ao procedimento que cada escolha feita soma para a realização de seu ser e que uma nova escolha a ser feita também, potencialmente, realizará seu ser. Sobre a angústia temporal, ele destaca a independência entre passado, presente e futuro. Em outras palavras, o ser humano é o presente, suas escolhas do passado não interferem, necessariamente, em seu presente, do mesmo modo, suas escolhas de hoje não definirão, inevitavelmente, o que ele será no futuro. Com isto, cada escolha não tem por obrigação ser definitiva, ou seja, o ser humano está em plena mudança (devir), ele nunca é imutável e absoluto. Isto implica que, tudo que se escolhe não é uma escolha acabada em si; sendo assim, as escolhas correm um imenso risco de não permanecerem como tais, pois não se conhece o futuro. 37 Por exemplo, o rapaz que tem de decidir entre ir para a guerra ou cuidar da mãe, escolhe uma das ações, porém, isto não o impede de que ele, no meio do caminho, opte pela outra alternativa, visto que é livre para agir de uma dada maneira e excluir outra ou vice- versa. A angústia de cunho ético é bem definida nas palavras de Perdigão: No caso da angústia ética, constatada nossa liberdade, advém a incerteza de que os valores morais têm como único fundamento possÃvel a nossa decisão de criá-los. A vida é permanente escolha, e, com cada uma de nossas escolhas, escolhemos o que somos, definimos a nós mesmos, por nós mesmos. A cada instante temos de optar por um valor, uma regra de conduta. O que nos angustia é saber que não temos a que recorrer para orientar a nossas escolhas (PERDIGÃO, 1995, p. 113). Como visto anteriormente, os valores morais não são postos e dados a priori aos homens. Não se encontra uma moral universal em um “céu inteligÃvel†que conduza com precisão os seres humanos, não existe uma regra moral geral que aponte ao homem como ele deve agir ou o que ele pode fazer em uma determinada circunstância. Todas as regras gerais são na maioria das vezes abstratas. Do mesmo modo, não existem virtudes em si como bondade e honestidade – ditas fundamentais para a conduta humana. Sendo assim, os valores existenciais são subjetivos, são escolhas que se transformam em valores objetivos devido ao ato de exercer tal escolha. Nota-se desta maneira que não há nada que certifique a uma pessoa que ela deva tomar tal decisão ao invés de outra qualquer e também nada pode justificar a posição de ter decidido por A e não por B. Se, conforme Sartre, somente a liberdade pode ser aceita como fundante da moral, pois sou eu, enquanto ser consciente quem estabelece os valores, é o próprio ser humano quem cria sua ética, ao homem não há imposições morais e é ele que impõe, constrói e determina os valores que serão seguidos. Isto se explica devido ao fato de que são os próprios seres humanos que dão significados à s coisas e julgam suas próprias ações, se algo está correto ou não. Os valores são o que são por causa da decisão que os homens tomam. Para existir o certo ou o errado é necessária a intencionalidade de uma consciência que os tomem como tais, isto é, os valores são julgados e têm sentido para uma consciência que os designam serem assim. Não existe um método para fazer valores, eles são feitos no próprio ato de escolher uma ação, valor e escolha se confundem, pois para o existencialismo humanista não existem valores eternos para predicar o que se deve fazer. Então, cabe a nós escolhê-los. Devemos salientar que a liberdade que Sartre explica nesta obra deve ser diferenciada daquela entendida pelo senso comum. Ser livre aqui está estreitamente e diretamente ligado 38 ao que se entende por comprometimento. Se não levarmos isso em conta, a própria noção de liberdade perde sentido. Assim, somos livres na medida em que somos comprometidos em nossas ações. Vejamos: É necessário, além disso, sublinhar com clareza, contra o senso comum, que a fórmula “ser livre†não significa “obter o que se quisâ€, mas sim “determinar-se por si mesmo a querer (no sentido lato de escolher)â€. Em outros termos, o êxito não importa em absoluto à liberdade (SARTRE, 2002, p. 595). Ser livre não é meramente conseguir o que se deseja, mas ter a possibilidade de se determinar enquanto ser humano e aà sim poder escolher o que se deseja. A liberdade não é um conceito metafÃsico, algo em si, é a “autonomia da escolhaâ€. Com isso, não se pode dizer que um indivÃduo preso é sempre livre para sair do presÃdio, ou satisfazer seu desejo de libertação, todavia ele tem a liberdade para tentar escapar da prisão ou se tornar livre. Reafirmando Sartre, Perdigão diz que a liberdade é a intenção da consciência de transpor os limites impostos pelo corpo – que nos confere a obrigação de agir entre os objetos presentes no mundo, que podem nos apresentar adversidades ou proveitos –, projetando-se para um possÃvel futuro. Apenas o homem se coloca no âmbito da liberdade consciente 17 , toda a natureza, ao contrário, se encontra governada pelo determinismo. A liberdade dá prova de sua existência, de maneira concreta, em ato, isto é, ela se apresenta no ato de escolher, de tomar decisões. Em outras palavras, a liberdade é exercida na forma de escolhas, que são requeridas a todo o momento. Isto é a manifestação de nossa finitude e individualidade, visto que, só podemos escolher uma ação diante de um determinado grupo de atuações possÃveis. Não é possÃvel escolher tudo em todas as circunstâncias que implique uma escolha apenas. Por exemplo, um agente ambientalista não poderia escolher, ao mesmo tempo, ir para a mata e ficar em um escritório despachando panfletos de conscientização ambiental. Se isso fosse possÃvel não serÃamos livres, visto que, apenas “não passarÃamos de um desenrolar em série infinita de todos os possÃveis e desaparecerÃamos como individualidade†(PERDIGÃO, 17 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 27) Sartre esclarece: “Não é verdade que o homem tenha liberdade de escolha no sentido em que, através da escolha, ele confere à sua atividade um significado que ela não teria de outro modo. Não basta dizer que homens podem lutar pela liberdade sem saber que estão lutando pela liberdade; ou então, se atribuirmos um sentido pleno a tal reconhecimento, isso significa que homens podem engajar-se e lutar por uma causa que os domina, ou seja, podem agir num quadro que os ultrapassa e não apenas em função de si mesmos. Pois, afinal de contas, se um homem luta pela liberdade sem o saber, sem formular para si mesmo, lucidamente, os meios que utiliza e os objetivos que pretende atingir, isso significa que os seus atos vão determinar uma série de conseqüências que se insinuam numa trama casual cujo princÃpio e fim ele não capta, mas que, apesar de tudo, encerra sua ação e lhe confere um sentido, em função da atividade dos outros; e não apenas dos outros homens mas do meio natural em que esses homens agemâ€. 39 1995, p. 87). Neste sentido, a liberdade humana é exercida em sua própria realidade, ela não é pura abstração e transcendência, ela é situada no mundo, como vimos, o ser humano não é somente consciência, mas ele tem, do mesmo modo, um corpo que o liga com a realidade dos objetos (facticidade). Sendo assim, a liberdade do ser humano é exercida perante as adversidades mundanas. Não existe um âmbito para a liberdade e outro para a facticidade. O homem executa a sua liberdade na sua própria realidade, onde estão as oposições e pressões que são partes integrantes de sua vida. Se não existissem os obstáculos postos aos homens, suas vidas seriam apenas um cumprir de tarefas já postas, não haveria a necessidade de escolher, pois tudo já estaria previamente determinado, a liberdade seria tão limitada quanto as escolhas. Dito isto, para se ter liberdade é preciso aceitar as adversidades. Perdigão explicita a necessidade da ação e da circunstância para se ter a liberdade da seguinte forma: A situação e a ação mostram-se tão indispensáveis à liberdade quanto, no tocante à temporalidade, a permanência é necessária à mudança. Assim como a mudança temporal não pode ser absoluta, mas exige uma relação com algo que permanece, também a liberdade exige alguma coisa que a contrarie. Em outros termos: a liberdade precisa de um campo de resistência do mundo. Sem obstáculo não há liberdade (PERDIGÃO, 1995, p. 87). Aceitando que a liberdade é o fundamento de todos os valores morais existencialistas, pois é em liberdade que o homem exerce todas as suas ações objetivas, deve ser aceito também que é com ela que se estabelecem todos os valores humanos e em total abandono, ou seja, a conduta moral do homem, só existe em sua liberdade, nas ações dos seres humanos e não de forma abstrata – como ideal a ser perseguido e nunca alcançado – e independente desta realidade. Partindo disto, todos os atos de homens de boa fé são executados com o intuito de salvaguardar a liberdade em ato e em cada situação particular de sua vida: Além disso, posso fazer um juÃzo moral. Quando declaro que a liberdade, através de cada circunstância concreta, não pode ter outro objetivo senão o de querer-se a si própria, quero dizer que, se alguma vez o homem reconhecer que está estabelecendo valores, em seu desamparo, ele não poderá mais desejar outra coisa a não ser a liberdade como fundamento de todos os valores. Isto não significa que ele a deseja abstratamente. Mas, simplesmente, que os atos dos homens de boa fé possuem como derradeiro significado a procura da liberdade enquanto tal (SARTRE, 1987a, p. 19). Um ser humano, quando executa uma ação determinada, pretende chegar a uma finalidade concreta, mesmo que isto condicione um desejo abstrato de liberdade, tal anseio é 40 apenas um meio para se conseguir uma finalidade, que é a conclusão da ação proposta. É por isto que se almeja a liberdade em cada momento caracterÃstico. Quando um ser humano procura sua liberdade, descobre que ela está condicionada por todos os outros homens e necessariamente a liberdade dos outros condiciona a sua. Quando há a relação de compromisso, o ser humano é forçado a querer tanto a sua liberdade quanto a dos outros. É somente em liberdade que há a relação humana de conduta e de existência. Neste sentido, a liberdade de um indivÃduo só será considerada como um fim se ele considerar a de todos como fim igualmente. Esta “escolha universalâ€, que vincula a humanidade inteira, não é exercida em forma de imposição, isto é, não é por causa de determinada decisão de uma pessoa que todos têm por obrigação agir como ela. É oferecido um possÃvel modelo de boa conduta e não a imposição de agir como tal. O que Perdigão quer reforçar é que o homem, ao inventar sua vida, estabelece também a imagem que ele entende ser o melhor para a conduta da humanidade, ou como o indivÃduo deve ser. Neste sentido, o ato de um implica a todos, pois ele decide a seu ver o que é mais conveniente para a humanidade em relação aos valores. De modo sumário, cada um age como se fosse o regulador das ações humanas (legislador universal). É angústia moral devido ao fato de que somos inevitavelmente livres, e, cabe a cada um de nós saber o que fazer desta “assombrosa liberdadeâ€. A angústia, então, decorre da dependência dos valores em relação ao nosso modo de ser livre, que é exercido com a intenção de agirmos de determinada forma. Os valores são inventados frente a uma coerência de cada um consigo mesmo, não sendo gratuitos, no qual todos assumem as consequências de suas decisões. O que pode ocorrer é o arrependimento em face de uma ação executada, que depois há a possibilidade de ser modificada, colocando em dúvida os valores antes tidos como corretos, mudando também, se necessário, o projeto de quem a realizou. Isto demonstra que o homem é totalmente responsável, não somente por seus atos, mas também pelo sentido do mundo, que tem seus valores atribuÃdos por uma consciência humana. Esta imensa responsabilidade provém desta dependência entre significado do mundo em relação à humanidade, desta forma, o mundo se apresenta a mim (consciência) e sou eu que lhe confiro sentido. O “meu mundo†é o reflexo da imagem das minhas escolhas livres e conscientes. Assim sendo, em um plano de autenticidade (aceitação de sua condição de ser, no qual é o próprio homem que se define enquanto tal) total, o homem é reconhecido como um ser que a “existência precede a essênciaâ€, é livre porque deseja a sua liberdade e necessariamente a dos outros. Para realizar seu o projeto o homem deve comprometer-se em suas ações e 41 perpassar todas as adversidades impostas ao longo do percurso. Neste ponto é que se manifesta a liberdade, mesmo que as forças opositoras sejam muito fortes e incisivas, se ele crê realmente em seu projeto, terá uma imensa chance de realizá-lo. O homem é livre no sentido de que pode agir sempre considerando as resistências. Devido a esta relação recÃproca entre as liberdades, entre os homens, Sartre afirma que pode formar um juÃzo acerca das pessoas que buscam esconder de si próprias a inteira gratuidade da sua existência e a sua plena liberdade. Em outras palavras, para negar sua liberdade e suas consequências, o agente de má-fé tem obrigatoriamente que ser livre, pois somente em liberdade é possÃvel executar uma ação qualquer. A liberdade é ilimitada e se houvesse limites somente ela os colocaria a si própria: A liberdade só encontra no mundo os limites que ela mesma colocou. É ela que estabelece os obstáculos com os quais por ventura irá se defrontar. Somente ela opõe limites a si própria. Se limites externos existem, são postos pela liberdade mesma: a consciência não padece, mas, ao contrário elege tais limites. Em outras palavras: apenas a liberdade pode limitar a liberdade (PERDIGÃO, 1995, p. 104). Aos que mascaram para si próprios, com desculpas, a sua total liberdade, Sartre os nomeia de covardes; aos que tentam provar que as suas existências são necessárias na terra como seres absolutos, quando elas não passam de contingentes e temporárias, são os safados, mas, como o próprio filósofo francês afirma, esses nomes só podem ser atribuÃdos a eles num âmbito de total autenticidade. Perdigão destaca a tendência dos seres humanos de recusar a liberdade: Por sermos livres, somos angústia. Para mascará-la, precisamos disfarçar a liberdade que somos, e, neste sentido, usamos cotidianamente diversos expedientes e truques. Mentimos a nós mesmos para acreditar que não somos livres ou responsáveis por nossos atos. Pode-se dizer, de modo geral, que há uma tendência do homem de se negar como liberdade (PERDIGÃO, 1995, p. 116). Todas as justificações e desculpas, bem como religiosas, psicológicas, teóricas, cientÃficas e ideológicas são o empenho dos indivÃduos em recusar, tanto sua liberdade quanto suas responsabilidades em relação a seus atos. Existem algumas doutrinas que pregam que os seres humanos são seres acabados, nos quais estão intrÃnsecos de modo a priori arquétipos, que são o que propulsiona as ações humanas. Em outras palavras, existe uma “essência imutável†a todos que fixa a personalidade e determina o futuro dos homens (destino). Os seres humanos são assim por terem nascido assim e não há nada que possam fazer para mudar suas essências preestabelecidas. Todavia, como vimos, todos podem mudar seus “destinosâ€, 42 pois, diferentemente de um objeto, o homem é dotado de consciência – liberdade de escolha – e não tem seu ser pronto e acabado, ele está sempre por se fazer, somente é definida a essência do ser humano quando ele deixa de existir. No que diz respeito à objeção de que a escolha no existencialismo humanista é licenciosa, sem implicações e consequências, não é completamente verdadeira e nem totalmente falsa, visto que, num âmbito de comprometimento total e livre, contido num campo de possibilidades, pode-se escolher qualquer coisa, dentre as alternativas dadas. Em relação ao fato de que na escolha não há uma reciprocidade, dado que sempre se espera uma ação, mas se exerce outra; Sartre defende que os valores parecem não ser tão sérios, pois o homem escolhe um ou outro valor para sua conduta, porém esta volatilidade tem uma utilidade em suprir a ideia de Deus como criador de fins. É tirar dos homens essa dependência metafÃsica para sua existência e essência. É forçoso que o homem invente os seus próprios valores e enfrente a concretude das coisas em sua própria realidade. A partir desta relação valorativa, na qual o homem cria seus valores, podendo formar uma “comunidade humana†ou vivência coerente entre si, [...] dizer que nós inventamos os valores não significa outra coisa senão que a vida não tem sentido a priori. Antes de alguém viver, a vida, em si mesma, não é nada; é quem a vive que deve dar-lhe um sentido; e o valor nada mais é que esse sentido escolhido (SARTRE, 1987a, p. 21). Sobre a definição do existencialismo como um humanismo, Sartre, para explicar como isto é possÃvel, aponta que existem dois tipos de humanismo 18 . Um que toma o homem como fim e valor supremo, ou seja, mesmo que um ser humano não tenha executado um ato de grandeza, ele, na qualidade de homem, seria responsável por atos particulares. Nesta vertente é possÃvel identificar que os valores humanos são definidos por atos mais altos e nobres de indivÃduos. Este humanismo é incoerente, pois, relembrando, ninguém pode predicar um juÃzo valorativo ao homem tomando-o como um fim necessário a todos. Não se pode tomar um 18 Cf. (SARTRE, 1987a, pp. 26-27) Sartre explica os possÃveis tipos de humanismo: “Humanismo é infelizmente hoje em dia um termo que serve para designar diversas correntes filosóficas, desdobrando-se não somente em dois sentidos, mas em três, quatro, cinco, seis. Todo mundo é humanista, em nossos dias, mesmo certos marxistas, que descobriram ser racionalistas clássicos, são humanistas no sentido insÃpido do termo, derivado das idéias liberais do século passado: o sentido de um liberalismo refratado por toda a crise atual. E assim como os marxistas podem pretender ser humanistas, as diversas religiões – a cristã, a hindu e muitas outras – também pretendem ser, antes de mais nada, humanistas; e, por sua vez, o existencialismo, e também, de modo geral, todas as filosofias. Do mesmo modo, muitas das correntes polÃticas atuais afirmam sua filiação humanista. Tudo isso converge para uma espécie de tentativa de estabelecimento de uma filosofia que, no fundo e apesar de sua pretensão, recusa engajar-se, e recusa engajar-se não apenas ao nÃvel polÃtico e social mas também num sentido filosófico profundoâ€. 43 homem por ideal, pois ele está sempre num constante devir, ele está sempre se fazendo. Isto o levaria a um humanismo fechado em si mesmo, individualistas. Se os homens tivessem seus ideais pré-definidos não precisariam de uma relação concreta entre si para a definição dos valores. O outro tipo de humanismo, o existencial, é mais coerente: [...] o homem está constantemente fora de si mesmo, é projetando-se e perdendo-se fora de si que ele faz existir o homem e, por outro lado, é perseguindo fins transcendentes que ele pode existir; sendo o homem esta superação e não se apoderando de objetos senão em referência a esta superação, ele vive no coração e no centro desta superação. Não há outro universo senão o universo humano, o universo da subjetividade humana (SARTRE, 1978, pp. 268-269). O homem é a superação feita com o ato de projetar-se para fora de si próprio, buscando fins transcendentes com o intuito de se fazer existir. O ser humano vive no ato da superação, que está fundada no universo da subjetividade humana em relação com o outro. O Humanismo existencial provém da relação de transcendência, que instiga o homem e a subjetividade. Ele intenciona sua subjetividade em busca do outro, visando definir-se na própria humanidade, isto é, transcender os limites da sua própria subjetividade para adquirir um caráter de escolha universal por se comprometer e se responsabilizar pela própria humanidade. 44 2 O MARXISMO DE HENRI LEFEBVRE 2.1 CrÃticas e concepção de mundo Na obra Marxismo de Henri Lefebvre, temos uma tentativa de defesa e de exposição do marxismo, o materialismo histórico, por parte do autor. Ele apresenta algumas ideias básicas da teoria. Na obra há um destaque para a crÃtica cristã ao marxismo, que o taxa de “sistema totalitárioâ€. E também a crÃtica de alguns oponentes mais “encarniçadosâ€, como ele próprio afirma. Para o autor, o marxismo é sim uma concepção de mundo, mas como “uma visão conjunta da natureza e do homem, uma doutrina completa†(LEFEBVRE, 2011, pp. 9- 10). Assim, pode-se dizer que uma filosofia seria o mesmo que uma visão de mundo de seu tempo. Todavia, Lefebvre afirma que a segunda é mais ampla e abrangente que a primeira. Isso porque: Em primeiro lugar toda concepção de mundo implica uma ação, isto é, alguma coisa mais do que uma “atitude filosóficaâ€. Mesmo que tal ação não seja formulada e incluÃda expressamente na doutrina, mesmo que seu elo permaneça sem ser formulado e que a ação implicada não dê lugar a um programa, nem por isso deixa de existir (LEFEBVRE, 2011, p. 10). Com isso, vemos que para ele a ação é diferente e se sobrepõe à noção de atitude. A ação é algo que independe de uma conceituação teórica, doutrina ou tese. Mesmo que ela não faça parte de uma doutrina ou teoria filosófica, ela existe como tal. Ela é concreta e situada. Elaborar uma concepção de mundo é exercer uma ação que leve a este fim. Já a concepção de mundo dos cristãos repousa na autoridade de seus “sacerdotesâ€. A ação não é racional e sim polÃtica. As decisões são tomadas conforme os anseios daqueles que mandam na igreja, não tendo assim uma lógica como ponto de partida ou fundante da ação. Neste sentido, a ação está diretamente ligada a uma parcialidade proveniente de interesses. Para o marxismo a ação tem um sentido mais amplo. Ou seja, a ação está pautada na racionalidade e leva em conta um conjunto de teorias, para aà sim, de forma imparcial, propor um “programa polÃticoâ€. Em outras palavras, a ação, para o marxismo, não depende de caprichos e/ou de vontades de autoridades tendenciosas da Igreja. A polÃtica seria um construto racional e sem preconceitos. Em seguida, ele afirma: Em segundo lugar, uma concepção de mundo não é forçosamente a obra deste ou daquele “pensadorâ€. Ela é acima de tudo a obra e expressão de uma época. Para atingir e formular uma concepção de mundo, é necessário estudar as obras daqueles que a formularam, mas deixar de lado as nuances e 45 detalhes; é preciso esforçar-se para atingir o conjunto (LEFEBVRE, 2011, p. 10). Uma filosofia ou doutrina é fruto de seu tempo. O filósofo é um gênio de seu tempo e suas ideias não perduram eternamente, ad infinitum. Cada filosofia está situada e representa as ideias de sua época. Para entender ou se construir uma concepção de mundo é necessário levar em conta as teorias dos pensadores que a realizaram, as concepções anteriores e ainda analisar as obras por completo, não se importando com especificidades deste ou daquele pensador. Deve-se buscar o todo da teoria. Com isso, Lefebvre atenta para o fato de que não devemos estudar a filosofia em si, as teorias e ou a história da filosofia em si mesmas, pois se assim fizermos, serão enfatizadas cada vez mais as especificidades divergentes ou convergentes entre os filósofos ou pensadores. Destaca-se mais a pessoalidade do autor do que seu pensamento. Devemos ter uma visão mais abrangente, nos atendo à concepção de mundo de determinado tempo e espaço, para, de forma concisa, entendermos uma determinada época. Entendida esta parte, o autor destaca três grandes concepções de mundo e afirma existir somente estas três. A primeira é a cristã, estabelecida de forma mais crÃtica pelos teólogos católicos. A segunda é a concepção individualista, que se inicia no fim século XVI, da qual Montaigne é o principal expoente. A terceira é o marxismo, teoria na qual Lefebvre se inclui e a defende. A concepção cristã se fundamenta, essencialmente, na noção de hierarquia. É uma concepção medieval, formulada com um grande rigor teórico, próprio desta época, descrita, principalmente, por São Tomás de Aquino. Aqui temos uma hierarquização estática dos seres e coisas como um todo. Deus, o Ser supremo é perfeição pura, é o cume. Esta é uma posição que busca enfatizar uma visão de conjunto de universo. Para alguns, se apresenta como válida até hoje. Na concepção individualista de mundo observamos uma inversão de papéis, o indivÃduo se torna a realidade essencial, possuindo em si mesmo a razão – que é a junção entre o individual e universal – e a hierarquia antes posta pela concepção cristã, que é deixada de lado. A razão é de extrema importância nesta vertente, pois ela se apresenta como um liame entre os interesses individuais e gerais, em todos os aspectos. Esta é uma posição do liberalismo, da burguesia, isto é, substitui-se o fundamento pessimista (hierárquico e metafÃsico) por um otimista (harmonia natural dos homens e uma funcionalidade sistêmica humana). A burguesia se volta mais para um aspecto pessimista, hierárquico e autoritário do que o otimista, devido ao seu declÃnio atual, ou seja, parece mais 46 fácil se explicar os fracassos pelo além, do que pelas ações realizadas. Terceira e última concepção, a marxista. Vejamos a definição de Lefebvre: Por fim, vem a concepção marxista do mundo. O marxismo se recusa a aceitar uma hierarquia exterior aos indivÃduos (metafÃsica); mas, por outro lado, não se deixa encerrar, como o individualismo, na consciência do indivÃduo e no exame isolado dessa consciência. É ciente de realidades que escapam ao exame da consciência individualista: são as realidades naturais (da natureza, do mundo exterior), práticas (trabalho e ação), sociais e históricas (estrutura econômica da sociedade, classes sociais etc.) (LEFEBVRE, 2011, p. 12). Em outras palavras, o marxismo nega as duas concepções anteriores. Não aceita explicações pautadas em uma hierarquia de superioridade provinda de seres supremos e acima dos homens (metafÃsica), nem em uma explicação na qual o indivÃduo e sua consciência se apresentam como o fim de si mesmo e de uma concepção de mundo. Para ele, nem todas as realidades podem ser apreendidas pela consciência individualista – realidades como as naturais, práticas, sociais e históricas. O marxismo rejeita de forma veemente uma possÃvel submissão a priori e natural de um homem pelo outro, isto se aplica a uma perspectiva social e objetiva, ou seja, não é porque uma sociedade ou pessoa se julgam superiores por querências subjetivas ou possuem mais bens materiais que outros que podem se sobrepor aos demais. Do mesmo modo, não aceita uma harmonia espontânea entre os seres humanos, ao contrário, notam-se contradições, e muitas, entre os desejos individuais e os gerais, que se chocam quase sempre. Para Lefebvre há uma dicotomia entre os anseios individuais das pessoas, grupos ou classes sociais e a Razão, conhecimento e ciência. De forma alguma existe uma concordância espontânea e harmônica. A harmonia entre natureza e homem é uma crença infundada, tal relação é conflituosa. O homem deve lutar com o intuito de dominar e transformar a natureza, isso só é possÃvel pelo trabalho e utilizando-se do conhecimento cientÃfico. Assim, transformando a natureza o ser humano pode transformar a si mesmo. Neste sentido, quando se trata de contradições, deve-se ater a problemas e soluções. Luta e ação são dois caminhos que juntos podem levar ao progresso. Devido a esta posição o marxismo se esquiva tanto do pessimismo metafÃsico cristão, operando com a ação e as relações sociais, quanto do otimismo individualista, por não aceitar a consciência solipsista como fundamento da realidade totalizadora. O marxismo desvendou que a tomada de consciência do mundo real, com todas suas contradições, é posterior à realidade natural histórica e à lógica destas contradições. Lefebvre afirma isso para destacar a luta incessante do homem com a natureza, que não é fácil nem 47 ingênua. Para ele, o marxismo é a teoria que enfatiza as contradições da realidade social, a saber, o sistema capitalista, que deixa bem claro o papel dos seres humanos em suas sociedades, onde uns possuem o domÃnio do capital (burgueses) e outros, a maioria, são dominados por não deterem o “poderâ€, e são obrigados a vender sua mão-de-obra (proletariados). Lefebvre explica o surgimento do marxismo junto à sociedade “moderna†trazendo suas contradições e tentando ser uma resposta válida: Assim, o marxismo apareceu junto com a sociedade “modernaâ€, com as grandes indústrias e com o proletariado industrial. Apresentou-se como a concepção de mundo que exprime o mundo moderno – suas contradições, seus problemas – trazendo soluções racionais para esses problemas (LEFEBVRE, 2011, p. 14). Se para ele, como vimos, só existem três concepções de mundo, toda e qualquer teoria deve, inevitavelmente, “encaixar-se†em uma delas. Assim, segundo ele, o existencialismo é um individualismo, que defende que consciência e liberdade do individuo é um absoluto (tal posição será debatida de forma pormenorizada e racional mais à frente em nosso estudo). Desta forma, o existencialismo, para Lefebvre, somente renova a essência do individualismo clássico. Acaba por tratar da consciência individual e a descrição da existência como verdade absoluta. Na opinião do marxista francês: Por exemplo, o existencialismo, tão em moda hoje em dia, coloca no centro de suas preocupações a consciência e a liberdade do indivÃduo tomadas como um absoluto. O existencialismo, visto sob esse ângulo, não é mais do que um substituto tardio e degenerado do individualismo clássico. Sabemos que ele repudia o otimismo fácil; também sabemos que ocasionalmente, para se “modernizar†e difundir como sendo novas algumas temáticas já envelhecidas, ele se recobre de uma tintura de marxismo. Mas isso não muda em nada o essencial, isto é, o esforço para obter uma pretensa verdade absoluta a partir de uma descrição da “existência†e da consciência individuais (LEFEBVRE, 2011, p. 14). O problema do individualismo é que ele tenta fundamentar a verdade pela consciência individual – por exemplo, pelo cogito cartesiano –, se tornando assim algo universal, que por sua vez se impõe sobre o individual, como o Estado para os hegelianos de direita. Não há uma reciprocidade entre individual e universal e nem coerência entre os individualistas. É por isso que para ele as concepções individualistas estão fadadas ao fracasso. Já o catolicismo é uma doutrina polÃtica, que não possui uma fundamentação lógica e racional. Conceitos religiosos como alma, além e morte parecem não se adequar à s noções postas pelo Estado e pela estrutura social, ou seja, a ligação entre uma realidade metafÃsica e a 48 vivência humana não podem ser explicadas pela razão. A verdade repousa num além abstrato, que é o topo da hierarquia das “substânciasâ€. Nessa concepção de mundo, a ligação entre polÃtica e princÃpios metafÃsicos é fraca. Por mais que um Estado respeite as leis divinas, ele não deve criar as suas se baseando somente nelas, mesmo porque, as teorias cristãs, principalmente, justificam uma hierarquização de dominação sistemática. Pode dizer-se que há uma aplicação da teoria à prática, uma comprovação irracional para a estrutura social capitalista. Do contrário, as teorias metafÃsicas cairiam no ostracismo teórico. A finalidade da concepção de mundo cristã é atualmente polÃtica. Mas quando a teoria se parece com a prática polÃtica, ela está no âmbito da teologia, uma força religiosa sobrepondo-se ao Estado. Nesta vertente não há como estabelecer, de forma racional e crÃtica, uma relação entre a teoria e a prática. Pelo contrário, desta forma, abre-se um grande campo licencioso para se realizar manobras e acordos nem sempre morais ou coerentes. E o marxismo? É a teoria que surge para resolver racionalmente tais contradições e erros. Como Lefebvre o define? Como o marxismo trata a relação de ação com teoria de modo diferente das que vimos até então, a saber, cristã e individualista? Vejamos a definição nas suas próprias palavras: O marxismo aparece de inÃcio como expressão da vida social, prática e real em seu conjunto, em seu movimento histórico, com seus problemas com suas contradições, portanto nele está compreendida a possibilidade de ultrapassar sua estrutura atual. As propostas concernentes à ação polÃtica se encaixam aberta e racionalmente com suas preposições gerais. São teoremas polÃticos subordinados a um conhecimento racional da realidade social; portanto, subordinados a uma ciência. O marxismo se apresenta, pois, sob esse ângulo, como uma sociologia cientÃfica com consequências polÃticas, enquanto que a concepção de mundo que se opõe a ele é uma polÃtica abstratamente justificada por uma metafÃsica (LEFEBVRE, 2011, p. 18). O marxismo, então, seria a única teoria que demonstra de forma “nua e crua†a realidade humana, com todas as suas contradições e problemas, sem se pautar por misticismos ou idealismos. Ele é fundado sob o solo rÃgido do conhecimento cientifico. É a única vertente capaz de proporcionar ao homem a superação de seu sistema opressor. A polÃtica aqui é posterior, consequência deste processo racional e não fundada numa metafÃsica tendenciosa e manipuladora. Não se pode tentar definir o marxismo como uma doutrina que justifica a polÃtica em um patamar secundário, como interpretação de mundo, isto é, a polÃtica é consequência relacional de várias deduções racionais, que levaram à sua definição ou sua realização. Ao aceitarmos o marxismo como uma concepção de mundo, como visão de sua época 49 (moderna) conflituosa e não harmônica, devemos nos ater ao fato de quer o “marxismo†não se reduz à s obras e textos de Karl Marx. Não se deve limitar o marxismo, taxando-o como uma teoria provinda exclusivamente do pensamento ou filosofia de Marx. A noção de concepção de mundo deve ser elevada a um patamar, o mais abrangente possÃvel, não se apegando a detalhes e sim, ao todo. Se remetermos a Marx, nenhuma época histórica ou teoria filosófica, por exemplo, aparecem do nada, como uma cisão independente de sua história anterior. Essa visão mais racional – bem como o próprio marxismo – dos dados da experiência e do pensamento moderno não foi criada somente por Marx. Primeiro, porque algumas teorias que o antecederam, como as dos grandes economistas (Perry, Smith e Ricardo), já tratavam do trabalho como relação ativa do ser humano com a natureza. Segundo, pois alguns filósofos materialistas do século XVIII e XIX pesquisavam a natureza colocando-a como origem do homem e realidade objetiva. Terceiro, os filósofos franceses do século XIX já estudavam os grupos, classes e lutas sociais. Quarta posição, a cisão de mundo entendido como relação harmoniosa, da metade para o final do século XVIII – destaque para Hegel, que abordou a complexidade das contradições humanas, tanto na história, quanto na natureza. Quinta asserção, os socialistas franceses do século XIX analisaram problemas novos, referentes à economia, classes e polÃticas operárias e problemas humanos de toda espécie. A sexta e mais importante influência ou antecessora, recai no valor de Friedrich Engels para as obras marxistas, que salientou as questões referentes à economia e à situação de opressão vivida pelos proletariados. Aqui temos a imensa importância de Engels nos escritos de Marx. Todos estes elementos destacados culminaram na formação do marxismo. Mas Marx, segundo Lefebvre, contribuiu de forma mais original e somatória. Vejamos como o marxismo pode ser considerado uma teoria que sintetiza e atualiza todas estas, postas anteriormente. Para Marx tudo se relaciona, não há nada isolado, nem fatos, nem ideias. Para ele, é uma teoria que possibilita o progresso, uma realidade e um raciocÃnio mais elevados, mais abrangentes, por fim, mais complexos e mais detalhados. Lefebvre reafirma sobre a obra de Marx o seguinte: Também lhes devemos a compreensão nÃtida e clara da importância dos fenômenos econômicos e a afirmação nÃtida e clara de que tais fenômenos econômicos devem ser realçados através de um estudo cientÃfico, racional e metodicamente orientado, embasados em fatos objetivos e determináveis. É isso que chamamos de materialismo histórico, o alicerce de uma sociologia cientÃfica (a bem dizer, os dois termos são equivalentes e designam dois aspectos de uma mesma pesquisa) (LEFEBVRE, 2011, p. 22). 50 Deste modo, Marx tenta fundamentar sua teoria como ciência metódica e racional, analisando fatos objetivos e previsÃveis. Assim, materialismo histórico e sociologia cientÃfica se misturam. Para ele, os fenômenos econômicos devem ser analisados numa roupagem objetiva, racional e crÃtica. Outro fato que deve ser atribuÃdo a Marx é a contradição inerente ao próprio capitalismo, isto é, na sociedade capitalista o proletariado vende sua força de trabalho para que seu patrão (burguês) obtenha os lucros provenientes deste trabalho, o trabalhador produz o capital, mas não participa dele de modo justo e equivalente. Recebe um mÃsero salário e produz para seu algoz – que o oprime e o explora – a mais-valia. O marxismo desvenda a posição histórica do proletariado e vislumbra a possibilidade de fazer polÃtica e transformar politicamente as relações sociais. Pode-se dizer que a teoria marxista dá chance de os oprimidos se “livrarem†das amarras de seus opressores, por meio da ação racional e crÃtica. Vejamos o que Lefebvre, de modo similar a Marx, define acerca de tal conhecimento cientÃfico e racional: Em todo conhecimento racional, a demonstração dos resultados atingidos modifica e, algumas vezes, inverte a ordem segundo a qual tais resultados foram obtidos. Ainda que os resultados (os conhecimentos efetivamente alcançados) não possam separar do processo de pensamento que os obteve, não é menos verdadeiro que o essencial se encontra no final desses (sic) processos. As etapas intermediárias não têm outra importância que a de haverem servido para preparar o resultado final. Elas permitem compreender melhor o caminho seguido pelo pensamento, mas a exposição pode dispensá- las porque os conhecimentos atingidos já as ultrapassaram (LEFEBVRE, 2011, p. 24). Em outras palavras, mesmo que o materialismo dialético, por se tornar o que é, perpasse e utilize algumas premissas de outras teorias, ele as ultrapassa. O marxismo é a concepção de mundo de seu tempo e o resultado totalizante de outras teorias anteriores a ela. Lefebvre quer demonstrar que o marxismo é a teoria insuperável, tentando se tornar ciência de validade. Para demonstrar isso ele vai aprofundar a discussão de conceitos e noções do marxismo. 51 2.2 Materialismo Dialético O marxismo, sendo tratado como filosofia 19 , apresenta duas feições principais. Uma, a mais importante e fundamental para a filosofia marxista, é a parte metodológica. É o momento lógico e racional, desenvolvido desde Hegel, fazendo uso da Razão de forma metódica. Marx retoma e aprofunda a lógica hegeliana e desenvolve o método dialético. Marx utiliza o conceito hegeliano de história geral da Consciência Humana descrito na obra Fenomenologia do espÃrito, para poder transformar a fenomenologia hegeliana em uma teoria concreta, a saber, a alienação, que é a outra parte da teoria marxista. O conceito de alienação marxista, deste modo, é criado sob um fundamento metodológico. Por isso, Lefebvre chama a atenção para a importância deste aspecto (metodológico) do marxismo, pois somente com ele pode-se conceber o conceito de alienação numa perspectiva racional e cientÃfica. Neste sentido, para se entender melhor como se estabelece a filosofia marxista, sendo uma doutrina baseada na racionalidade e logicidade, Lefebvre, explicará de forma breve, mas eficiente, o que são: o método dialético, propriamente dito; e o significado do conceito de alienação. Toda a história da filosofia e toda disputa relativa a conceitos parecem estar estabelecidos sob o campo do confronto de teorias opostas. Isso se apresenta como um ponto coerente e aceitável da filosofia. O problema das teses filosóficas que se enfrentam recai nos pensadores que fundamentam suas teorias em erros e reflexões fracas, insuficientes para tornar suas teorias coesas. Se os filósofos fossem empenhados, tivessem a capacidade de superar os erros de suas teorias e possuÃssem em si mesmos os dons (intuição ou gênio) notariam, logo de inÃcio, a verdade e não cairiam nestas longas e cansativas disputas. Assim sendo, generalizar, dizendo que o pensamento humano é incompleto, não é necessariamente verdadeiro. Quem faz isso pode estar caindo em um erro indutivista, ou seja, considera que as contradições encontradas em um pensamento são premissas para postular que o pensamento humano é parcial e contraditório. Lefebvre diz: Essa teoria, adotada por muitos filósofos e também pelo julgamento da maioria, atribui, portanto, as contradições do pensamento exclusivamente à s deficiências desse pensamento, ao fato de que todo pensamento humano permanece incompleto (LEFEBVRE, 2011, p. 27). 19 Cf. (LEFEBVRE, 2011, p. 26) “Isto é, até o ponto que responde aos problemas que costumam ser denominados como filosóficosâ€. 52 Porém não devemos desprezar categoricamente tal afirmação. Se pensarmos bem, podemos analisar as contradições contidas em uma teoria e tentar saná-las, de forma coerente e lógica, estabelecendo com isso um acordo. Todavia, teorias que se pautam por essa máxima são insuficientes para resolver problemas por não levarem em conta dois aspectos cruciais. O primeiro, nas palavras de Lefebvre: Inicialmente, as teses que se enfrentam não são apenas diferentes ou divergentes. São opostas e, algumas vezes, contraditórias. É por esse motivo que se enfrentam. Para tomar um exemplo mais simples: se um diz “branco†e o outro diz “negroâ€, eles se compreendem, porque estão discutindo sobre a mesma coisa, ou seja, a cor de um objeto. Certamente uma inspeção mais cuidadosa desse objeto permite discernir se é branco ou negro; ainda assim, nem sempre é fácil, porque pode ser cinzento, ou mostrar sombra ou mudar de nuance etc. Além disso, para que a discussão seja possÃvel, é necessário que haja objetos dessa classe que sejam negros e outros brancos! Em conseqüência, as teses contraditórias presentes não têm sua origem única e exclusiva no pensamento daqueles que discutem (em sua consciência “subjetiva†como dizem os filósofos) (LEFEBVRE, 2011, pp. 27-28). Isto é, o objeto a ser analisado por duas ou mais teorias que defendem posições diferentes, é o mesmo, o que possibilita o entendimento linguÃstico e racional acerca dele. O que muda é sua significação e/ou conceituação. Outro bom exemplo que podemos citar é em relação à s perspectivas de leituras de uma mesma obra. Pensadores podem descrever um mesmo conceito de maneiras diferentes. Confrontar teses não pode ser considerado algo irrelevante. Para um entendimento verdadeiro de determinado assunto ou objeto, analisar teorias opostas pode propiciar caminhos que solucionem as dicotomias contidas em tais doutrinas. Ficar pensando abstratamente na existência de um ser puro, que possui uma consciência essencialista das coisas, é um sonho ou uma idealização da verdade. Lefebvre afirma que todo e qualquer ser humano, inclusive e principalmente os filósofos, tem por obrigação buscar a verdade (teleologia). Para que isso seja possÃvel, devemos confrontar as teorias que temos até então, os conhecimentos postos e as hipóteses, com todas as suas contradições. Seguindo tal caminho podemos evoluir, gradativamente, até a verdade de fato. Então, poderemos concluir: As contradições no pensamento humano (que se manifestam em todas as partes e a cada instante) apresentam um problema essencial. Elas têm origem, pelo menos parcialmente, nas deficiências do pensamento humano, que não pode captar de uma só vez todos os aspectos de uma coisa e precisa quebrar (analisar) o conjunto em suas partes constituintes antes de poder compreendê-lo. Mas essa unilateralidade de todo processo não basta para explicar as contradições; é preciso admitir que as contradições têm um 53 fundamento nas próprias coisas e que estas são o ponto de partida. Em outros termos, as contradições do pensamento e das consciências subjetivas dos homens apresentam um fundamento objetivo e real. Se existem “pró e contraâ€, “sim e nãoâ€, é porque as realidades apresentam não somente aspectos múltiplos, mas facetas imutáveis e contraditórias. Desse modo, o pensamento humano, que não consegue captar de uma só vez, se vê obrigado a tatear e caminhar através de suas próprias dificuldades e contradições até atingir as realidades movediças e instáveis e as contradições reais (LEFEBVRE, 2011, pp. 28-29). Neste trecho vemos o problema principal contido nas contradições presentes no pensamento humano. Elas existem porque o próprio pensamento humano é deficitário, pois ele não tem a capacidade de perceber e entender um objeto como uma unidade (todo). O pensamento humano deve decompor uma coisa em partes, para aà sim estabelecer um entendimento. Além disso, as contradições estão também nas próprias coisas. Com isso, o esclarecimento das contradições, em geral, deve passar não somente pelo pensamento, mas, pelas coisas, pela concretude, que são o ponto de partida. As discussões ou conflitos teóricos só existem porque as coisas não são imutáveis e imóveis. Estão sempre mudando suas qualidades e aspectos. Por isso, é difÃcil estabelecer um conhecimento indubitável sobre algo em pleno movimento. O ser humano (pensamento) que nota as coisas, levando em conta apenas suas partes constituintes e não o todo, acaba caindo em realidades parciais e incertas. Lefebvre quer aferir à s contradições, tanto do pensamento, quanto das coisas, um fundamento objetivo e real. É na realidade objetiva que tudo ocorre, conhecimento, filosofia, ciência e vivência humana (moral). Não há lugar para imaginações metafÃsicas que fundamentem tal realidade. Então, como prosseguir diante de tal problema? A saber, se as contradições existem e objetivamos a verdade, somos obrigados a buscá-la. O que fazer? Podemos ignorar todas as contradições taxando-as de incoerentes, equivocadas e de um extremo absurdo. Sendo indiferentes a elas, condenando-as de parciais e levianas, cujo fundamento nada mais é do que um erro ou falha da intelectualidade humana e imperfeição ou limitação, posto que não podemos apreender a verdade como um todo, apenas suas partes. Mas isso não poderia ser um pouco perigoso? Aceitando tal posição excludente, poderÃamos cair numa metafÃsica. Ora, aqui a verdade teria um viés abstrato e idealista, pois ela existiria por si e em si mesma, a priori e externa ao ser humano e a sua realidade. Ou seja, seria uma verdade eterna, imutável e imóvel – bem como Aristóteles definia –, e para acessá-la, deverÃamos ser afetados por uma intuição ou revelação de seres superiores a nós. Essa atitude metafÃsica intenciona negar o empenho humano em buscar o 54 conhecimento. Em resumo, não leva em conta “as condições concretas do esforço humano em direção ao conhecimento†(LEFEBVRE, 2011, p. 29). Parece que esta não é a melhor opção. É confusa e misteriosa (mÃstica), e foge do campo da concretude da vida humana. Em contrapartida, podemos assentir que as contradições têm relevância na busca pela verdade. O pensamento humano, se valendo das contradições para alcançar a verdade, na qual elas próprias estão no âmbito da objetividade, teria um fundamento na realidade e não na metafÃsica. Seguindo tal premissa, deixarÃamos de recusar as contradições, proeminentes em nossa realidade, e passarÃamos a analisá-las em seus fundamentos objetivos. Lefebvre propõe que a razão dialética é a investigação densa dos métodos tradicionais. Devemos definir a verdade e a objetividade de forma racional, mas não sob qualquer razão e sim sobre a mais radical e profunda, a razão dialética. Isso nos remete a uma dicotomia, aceitar “ou isso, ou aquilo†como resposta e não “a Resposta†– axiomas ou a Verdade idealista. A razão dialética é um caminho que nos leva à verdade por meio do estudo que se empenha em entender, segundo Lefebvre (2011, p. 30), “as condições concretas da pesquisa e os caracteres concretos do realâ€. Ela tenta entender a realidade, por ela e nela mesma, com suas condições e dados do próprio real. Para Lefebvre, Marx foi o primeiro a utilizar o método dialético. Ele investigou a realidade com todas as suas contradições e aspectos de uma existência que possui uma objetividade determinada. Marx estava comprometido com a tarefa de encontrar a verdade nesse devir humano, sem um imobilismo metafÃsico. Tal resolução parte do seguinte pressuposto: “Após ter distinguido os aspectos ou os elementos contraditórios, sem negligenciar seus liames, sem esquecer que se trata de uma única realidade, ele a refaz em sua unidade, isto é, no conjunto de seu movimento†(LEFEBVRE, 2011, p. 29). Isso significa que encontrar e entender as contradições contidas em nossa realidade é de suma importância no trajeto rumo à verdade. Que, por sua vez, é uma unidade de uma multiplicidade. Este devir na realidade humana é fundamento para uma verdade, realmente válida, visto que, é retirada do mundo real e concreto do ser humano. Marx salienta que o primordial, no tocante à metodologia, é tentar decifrar como se dão as mudanças e desenvolvimentos nos fenômenos pesquisados, se existem regras recorrentes nos dados, mas isso não só em determinadas ocasiões. Tenta estabelecer leis universalizáveis que possibilitam um conhecimento válido cientificamente. Neste sentido, é prudente diferenciar “método de pesquisa†de “método de demonstraçãoâ€. O primeiro se apresenta da seguinte maneira: é estudar o objeto em questão, 55 de forma pormenorizada, tentando compreender seus componentes internos, ou seja, tentar estabelecer um entendimento que contemple o objeto como um todo, com todas suas relações interiores. Vejamos nas palavras do próprio Lefebvre tal procedimento: O método da análise deve convir ao objeto estudado. É necessário evitar o emprego em economia polÃtica dos métodos que permitiram a descoberta das leis fÃsicas ou quÃmicas. Mais ainda: cada perÃodo histórico possui suas próprias leis. A análise dos fatos sociais demonstra que entre os organismos sociais há diferenças tão profundas como as existentes entre os organismos vegetais e animais, e que um fenômeno está submetido a leis diferentes de acordo com o conjunto dentro do qual figura (LEFEBVRE, 2011, p. 30). Posta esta explicação sobre o que vem a ser a análise, passemos para a exposição. Se ela for bem dirigida, tanto a existência da coisa, como a sua evolução, serão refletidas nas ideias expostas. Assim, expor algo é: aquilo que é exposto pode ser vislumbrado numa ideia ou num conceito e não o oposto, que é “crer†que a coisa só é ela mesma pelo seu significado, que o sentido é a posteriori em relação à coisa como tal. Devemos conhecer primeiro para depois demonstrar. Muitos pensadores, ao longo da história da filosofia, já propuseram regras ou leis para analisar, de forma objetiva e lógica, o conhecimento com bases cientÃficas, Descartes, Kant e Auguste Comte, são alguns exemplos. Mas Marx se destacou no seguinte sentido: de inÃcio, quanto mais se radicaliza a investigação, mais se observa que as contradições estão presentes em nossa realidade. Sendo assim, Marx traz como novidade o fato de que ao pesquisar a realidade de modo crÃtico, atingem-se aspectos contraditórios. Hegel já tinha observado isso. Contudo, Marx desenvolveu as hipóteses que ele havia elencado no estudo das realidades (econômicas, sociais e polÃticas) para chegar à verdade profunda – radical e racional presente na vida concreta –, que só pode vir das contradições intrÃnsecas à sociedade humana. Reiterando, a inovação apresentada por Marx recai no fato de que pesquisar a realidade, de maneira crÃtica, nos leva a descobertas de dimensões contraditórias da existência. Outro ponto importante é, relembrando: a metodologia é de suma importância no pensamento marxista, para ele, sua teoria se esforça bem mais em entender um dado primordial do que aquelas que o antecederam. A realidade está sempre em movimento. Isso quer dizer que, para se chegar a ela, devemos nos valer da análise, que representa a parte lógica do assunto e da exposição, que é o lado que possibilita remontá-la. A análise marxista pode romper com este movimento da realidade. Com o intuito de chegar a seus elementos, ela pode encontrar, como diz Lefebvre (2011, p. 32) “um conjunto 56 de abstraçãoâ€. Por exemplo, do mesmo modo que um médico isola um determinado órgão para estudá-lo e recuperá-lo, a análise marxista faz o mesmo com a realidade, pois ela possibilita a remontagem não somente do todo, mas também do movimento. Mas como fazer tal procedimento? Lefebvre explica que, [...] o método marxista afirma que é possÃvel a reconstituição não só do todo como também do movimento. É claro que ela apenas pode ser atingida pela abstração prévia dos elementos; para chegar a esse resultado, eles tem de ser primeiro separados e isolados. Entretanto, desde que a análise tenha sido bem conduzida, ela apenas separa os elementos para descobrir quais são as conexões existentes entre eles, as relações internas que compõe o todo. De maneira semelhante, ela apenas compara e descobre as analogias para discernir melhor as diferenças. Assim, a reconstituição do conjunto, isto é, do todo em movimento, não é incompatÃvel com a análise, ou seja, a dissecação anatômica com o todo. Ao contrário (LEFEBVRE, 2011, p. 32). Vemos aqui que Marx propõe algo que tem a finalidade de alcançar o todo da realidade e seu movimento. Para que isso seja possÃvel devemos primeiro descrever os elementos que compõe a realidade, isolando-os e separando-os. Após este passo, pode-se desvendar como eles se relacionam entre si e com o todo. Devemos separar bem os elementos para que possamos conhecer como se dão suas desigualdades. A partir disso, pode-se remontar ao todo, pois suas partes são conhecidas. Última consideração: o marxismo supera as outras teorias no sentido de que ele dá mais ênfase à originalidade (qualidade) dos objetos analisados e também de cada um dos objetos, de forma individual. Visto que, para Lefebvre, cada coisa contém em si qualidades e diferenças especÃficas. Um bom e coerente pesquisador deve encontrar a lei particular dessa coisa: “seu devir, sua forma de autotransformaçãoâ€. Ao realçar as peculiaridades da alteridade, das diferenças, Marx afirma que nunca devemos nos desvencilhar do movimento da realidade e mantermos sempre o trato conectivo com o objeto, um trato prático com ele: “Nada substitui o contato com o próprio objeto, com sua análise, com a captura de sua realidade, de sua matéria†(LEFEBVRE, 2011, p. 33). Nesta perspectiva, Marx define o peso do método e valora a realidade e suas contradições. Afirma o método como um guia, um orientador na busca pelo conhecimento do todo da realidade: De cada realidade é preciso capturar as suas contradições particulares, o seu movimento individual (interno), a sua qualidade e as suas transformações bruscas. A forma (lógica) do método deve, então, subordinar-se ao conteúdo, ao objeto, à matéria estudada; ela permite abordar de forma eficaz seu estudo, captando os aspectos mais gerais dessa realidade, mas não substitui jamais a pesquisa cientÃfica por uma construção abstrata (LEFEBVRE, 2011, 57 p. 34). Segundo ele, o resultado obtido, e exposto, de uma reconstrução subjetiva apresenta-se como superficial, uma “aparênciaâ€, reflexos do mundo surgidos a partir da análise, da pesquisa. Mas, a face abstrata sucumbe perante a pesquisa na prática, a qual gera edificações baseadas no contato com o mundo real: Assim, as idéias que se tem sobre as coisas – o mundo das idéias – não são mais do que o mundo real, material, expresso e refletido na cabeça das pessoas, isto é, são edificadas a partir da prática e do contato ativo com o mundo exterior por meio de um processo complexo de que participa toda a cultura (LEFEBVRE, 2011, p. 34). Karl Marx ascende à sociologia cientÃfica, a investigação da concretude, focalizando um contexto, uma realidade especÃfica, não se confundindo com o que nos é apresentada em uma simples dedução ou descrição, que não expõe uma totalidade histórica com sua constituição. Ela não possui em si o entendimento racional daquilo que ela descreve, ou seja, somente a análise consegue fundamentar um conhecimento. O destaque dado à análise é legÃtimo e bem sustentado, pois é ela que fará emergir os detalhes e as diferenças que definem os traços das tão ressaltadas classes sociais: A análise encontra por toda parte, então, elementos ao mesmo tempo contraditórios e indissolúveis (produção e consumo, conjunto social e classes sociais etc.) e precisa de estabelecer as distinções entre eles sem deixar escapar seus liames. Além, disso, ela atinge conceitos cada vez mais simples, mas que são, por assim dizer, engajados e incorporados na contextualidade complexa da realidade social, da qual são, portanto, os elementos reais: valor e preço, divisão do trabalho etc. (LEFEBVRE, 2011, p. 35). Em outras palavras, a análise seria uma espécie de conjectura conceitual, ela tem a capacidade de unificar vários aspectos, até contraditórios, da realidade. Economistas e sociólogos pecaram ao se limitarem aos dados, não realçando as relações dialéticas existentes, harmônicas ou conflituosas, dentro de um contexto. Não captaram algo inseparável de um movimento social. A burguesia e o proletariado se relacionavam distintamente. As lutas e os conflitos são o fomento à s transformações da realidade. Além disso, eles se alicerçavam e se satisfaziam com traços e conceitos abstratos, não visualizando e nem se conectando ao concreto, assim descrito por Lefebvre: Não compreendiam que sua análise não era mais do que a primeira parte de uma pesquisa cientÃfica e que, a seguir, era necessário, sem arbitrariedades, sem reconstruções fantasiosas da realidade, refazer o caminho em sentido contrário e recobrar o todo, o concreto, somente agora analisado e compreendido (LEFEBVRE, 2011, p. 36). 58 A complexidade do concreto gera atritos teóricos. Hegel admitiu a diversidade de aspectos e elementos, acreditando alcançar a totalidade desta através apenas da consciência, analisando o pensamento desconecto da realidade. O pensamento teria em si a força e o movimento necessário para ser passÃvel de conhecimento totalizador, isolando-se do todo poder-se-ia conhecê-lo de modo indubitável. Assim, Hegel erra em tentar fazer uma análise somente abstrata e daÃ, consequentemente, obtém-se somente uma sÃntese abstrata. Em contrapartida, Marx apega-se à concretude da realidade: “A exposição do todo concreto a partir de seus elementos é, segundo Marx, o único método cientÃfico†(LEFEBVRE, 2011, p. 36). “É somente o segundo método que permite reproduzir o real (sua estrutura e seus movimentos) no pensamento†(LEFEBVRE, 2011, p. 36). O método marxista passa a compreender que o subjetivismo dos elementos possuem qualidade, um sentido e uma existência concreta, assume que dentro do desenvolvimento histórico os traços “reaisâ€, o trabalho, o capital, a produção, são os pilares da formação econômica social, até hoje. O movimento histórico, a amplitude da realidade, demonstra o peso da concretude de um contexto, de um simples comércio, de “humildes†mercadores à “magnatas†de um capitalismo elaboradÃssimo. Somente uma pesquisa de traços abstratos não é suficiente para investigar tal transformação. O aprofundamento e o “contato†com o concreto, à sua complexidade, realça os detalhes que molduram tal mudança dentro da história e complementa a definição do nosso contexto social atual. O destaque à análise “prática†é vista nos dizeres de Lefebvre: A análise permite assim reencontrar o movimento real em seu conjunto, portanto o expõe e compreende a totalidade concreta vigente na atualidade, isto é, a estrutura econômica e social atual. O conhecimento dessa totalidade, através de seus movimentos históricos e de seu devir, é um resultado do pensamento, mas não se trata absolutamente de uma reconstrução abstrata obtida por um pensamento que acumularia conceitos externos aos fatos, à s experiências e aos documentos (LEFEBVRE, 2011, p. 38). Dentro de todo este emaranhado envolvendo o marxismo e seu método, cabe lembrar sempre do cerne de toda discussão: o Homem. Desde a antiguidade discute-se o contexto envolto ao homem e a sua realidade, mas o que mais gera debates são as tentativas de se realçar a complexidade do ser humano, a saber, todas as contradições e conflitos aos quais ele está vivenciando. Lefebvre diz: O humano é um fato: o pensamento, o conhecimento, a razão e também 59 certos sentimentos, tais como a amizade, o amor, a coragem, o sentimento de responsabilidade, o sentimento da dignidade do homem ou a veracidade merecem, sem contestação possÃvel, esse atributo. Eles se distinguem das impressões fisiológicas dos animais, e mesmo que se admita a existência de seres subumanos, é inteiramente necessário conceder ao ser humano o seu domÃnio próprio (LEFEBVRE, 2011, p. 38). 2.3 Alienação e moral Lefebvre analisa também a noção ou conceito de alienação do homem. Investigar a face humana do homem faz expor-se uma contradição de longa data, o embate contra o desumano. A palavra desumano nos remete a algo ruim: injustiça, opressão, crueldade, etc., mas tais noções necessitam de maior esclarecimento. A relação entre humano e desumano já se apresentou turva. Adentrando em alicerces metafÃsicos, a razão é vista como mediadora, como o corte que segrega os traços humanos dos desumanos, o que gerava confusão entre as duas faces opostas, depreciavam a paixão e o prazer, por exemplo. Platão apontava a vida e a natureza como o lado “negativo†do Conhecimento. Buscaram embasar-se, mas moldaram-se limitados. O cristianismo sempre mostrou-se cauteloso, diferenciando veementemente as virtudes dos vÃcios e pecados. Aqui, evapora-se a complexidade do homem, não há como “esquematizar-se†ou determinar com precisão o que é humano e o que é desumano. O marxista francês expõe o seguinte: É uma profunda contradição que a teologia não tem condições de resolver. O humano e o desumano não se distinguem: o homem completo é afetado por uma imundÃcie fundamental. Tanto a ciência como a injustiça, tanto a revolta como a violência opressiva são colocadas entre as consequências do pecado original. O humano e o desumano aparecem como uma alienação da verdade eterna, como uma queda da condição divina (LEFEBVRE, 2011, p. 39). O embrião histórico do homem, aos olhos clericais, dita a nossa alienação perante a verdade, perante a Deus, afirma a nossa “obrigação†virtuosa de princÃpios, a nossa responsabilidade de manter a conduta “corretaâ€. Para os metafÃsicos o homem, não sábio, apegando-se a algo que não seja o Conhecimento, está se alienando, tornando-se um absurdo, tornando-se desumano. Hegel reflete sobre a alienação, mas é Marx que lhe dá um sentido prático, dialético. Marx visualiza tal tensão entre o humano e o desumano, destacando que apenas uma punição moral não dá cabo da negação do desumano, ele afirma a necessidade de solucionar tal 60 dilema: Isso prova unicamente que o conflito entre o humano e o desumano (sua contradição) entra num perÃodo de tensão extrema, o que significa que se aproxima de sua solução, porque ingressa na consciência, e a consciência pressiona, reclama e exige essa solução (LEFEBVRE, 2011, p. 40). Uma pessoa não poderia evoluir somente acreditando numa vivência harmônica, não possuiria novas habilidades se valendo apenas de suas vontades e anseios. O humano desenvolveu-se através da história e o desumano também, ambos se refinaram. O homem nunca progrediu pacificamente, ele não é apenas humano. Sempre houve e sempre haverá tensões: A desumanidade é um fato e o humano também o é. A história mostra-os indiscernivelmente misturados, até a reivindicação fundamental da consciência moderna. Essa constatação vem a ser explicada pela dialética, que a eleva à posição de verdade racional. O homem só poderia ter se desenvolvido através de contradições; portanto, o humano só poderia ter se formado em oposição ao desumano, inicialmente misturado com ele, para enfim ser discernido através de um conflito e dominá-lo pela resolução desse conflito (LEFEBVRE, 2011, p. 41). Vemos aqui que a contradição é inerente à própria noção de realização de ser do homem, ou seja, o ser humano só se faz, se realiza perante os conflitos de sua existência. As relações humanas são fundadas sobre o terreno áspero das contradições, não há harmonia e sim um enorme embate tanto interior, como exterior. Neste sentido o ser possui duas partes: uma se encontra no humano e a outra no desumano. Cada um se esforça em suprir suas necessidades, mesmo que de modos diferentes. A solução deste embate começa a se constituir ao se afirmar o “negativismo†da alienação e a sua complexidade dentro do contexto cotidiano do homem: O humano é o elemento positivo. A história é a história da humanidade, de seu crescimento e de desenvolvimento. O desumano não é mais do que seu elemento negativo: é a alienação (aliás, inevitável) do humano. É por isso que o homem finalmente humano pode e deve dominá-lo, por meio do controle de sua alienação (LEFEBVRE, 2011, p. 41). Então o humano é a parte positiva da realidade. O desumano é seu oposto. Os dois são situados em um tempo e espaço. A alienação só pode ser exaurida pela superação do desumano. A história é o que pode fundamentar este conflito dualista. Isto significa que, para progredirmos e nos tornarmos humanos, devemos ultrapassar essa negação de nós mesmos (desumanos). Marx pretende desembaraçar a vasta alienação do homem dentro de sua realidade, 61 dentro da vida social 20 . Destaca a alienação do trabalho, a distinção das classes sociais, a dominação do Estado, a contradição envolta à riqueza: a pobreza da maioria frente à minoria “esbanjadoraâ€. Teoricamente falando, a alienação é algo abstrato, mas nas mãos de uma minoria que almeja privilégios a “todo custoâ€, ela se torna concreta. O homem como molde de sua própria atividade. Segundo Lefebvre (2011, p. 43): “O abstrato torna-se assim, abusivamente, um concreto ilusório e, todavia, demasiado real, que oprime o concreto verdadeiro: o humanoâ€. Aqui, temos uma enganação por parte do abstrato, isto é, o ideal é algo metafÃsico que se concretiza na medida em que se impõe ao real. Por fim, o que é alienação? Como Lefebvre a define? Como algo concreto e real: A alienação do homem se descobre assim em sua extensão terrÃvel e em sua real profundeza. Longe de ser somente teórica (metafÃsica, religiosa e moral, em resumo, ideológica), ela é também, e acima de tudo, prática, econômica, social e polÃtica (LEFEBVRE, 2011, p. 43). Sob um prisma filosófico, a história da humanidade se desenvolve em um constante devir: “Inicialmente, é incontestável que existe a história da humanidade, isto é, desenvolvimento, formação ativa, crescimento em direção a um desabrochar†(LEFEBVRE, 2011, p. 43). A “eclosão†do homem destaca a possibilidade deste agir frente à natureza e não se rebaixar perante a ela, um âmbito de atitude e consciência que garante a transformação social, a qual deve ser o fio condutor de uma investigação histórica sobre o embate homem- natureza: Quaisquer que sejam os resultados dessa pesquisa, um fato já está estabelecido: o homem (a espécie humana), que luta contra a natureza e a subjuga no decorrer de seu próprio devir, não pode separar-se dela. A própria luta é um relacionamento e um liame, o mais Ãntimo de todos (LEFEBVRE, 2011, p. 44). O homem se relaciona com algo que está em si mesmo, com a natureza. Através de seu trabalho criativo o homem intensificou sua relação com a natureza, renovando, refinando e desenvolvendo este conflito dentro da história. Os laços dialéticos do homem com a natureza demonstram a consolidação de um mundo humano: 20 Cf. (LEFEBVRE, 2011, p. 42) “Ele demonstra que a alienação do homem não se define religiosa, metafÃsica ou moralmente. Ao contrário, os metafÃsicos, as religiões e as morais contribuem para alienar o homem, para arrancá-lo de si mesmo, para afastá-lo de sua natureza real e de seus verdadeiros problemas. A alienação do homem não é teórica e ideal, ou seja, algo que se represente exclusivamente no plano das idéias e dos sentimentos; ela também é, acima de tudo, prática e se encontra em todos os domÃnios da vida prática. O trabalho é alienado, escravizado, explorado, tornado exaustivo e esmagador. A vida social, a comunidade humana, tornou-se dissociada pelas classes sociais, arrancada de si mesma, deformada, transformada em vida polÃt ica, enganada e empregada como um meio de dominação do Estadoâ€. 62 Suas atividades somente se exercem e progridem ao fazer surgir no centro da natureza um mundo humano. É o mundo dos objetos, dos produtos das mãos e do pensamento humano. Tais produtos não são o ser humano, mas somente seus “bens†e seus “meiosâ€. Existem somente por ele e para ele: não são nada sem ele, porque são exclusivamente a obra da atividade humana. Reciprocamente, o ser humano não é nada sem os objetos que o rodeiam e o servem. No transcurso de seu desenvolvimento, ele se exprime e cria a si mesmo, através desse “outro†de si mesmo, formado pelas coisas inumeráveis que o próprio homem confeccionou (LEFEBVRE, 2011, p. 44). Neste contexto de desenvolvimento, o homem passa a crer em uma existência “independenteâ€, na qual “comanda†a conjuntura a seu redor. Em sua atividade criadora, ele gera bens e produtos que o auxilia dentro de sua realidade, em seu cotidiano, fato que desenha a instalação do desejo, do fetiche dentro da vida humana. A emersão da moeda é um dos pontos cruciais da “ambição†humana. O homem se torna “parcialmente servo†de seus próprios produtos e do dinheiro. Os bens produzidos no “reino humano†são um prisma protagonista em um enredo de exploração: a privação e a monopolização destes dão mostras de um “domÃnio elitistaâ€, o que fomenta a exploração e a opressão, ressaltando traços condutores da alienação do trabalho. A alienação para Marx não surge da relação entre homem e bens, mas sim no relacionamento homem e fetiche, pregando a ruÃna do fetichismo como a derrota da alienação, conforme descreve Lefebvre: Em conseqüência, o relacionamento do ser humano com seus fetiches difere de seu relacionamento com seus bens. A relação dialética do homem com os bens se resolve normalmente e a todo momento, mediante uma tomada de consciência do homem de que tem uma vida própria e de que pode usufruir apropriadamente dessa vida, tomada como um poder sobre a natureza exterior e sua própria natureza interior. Mas o relacionamento do homem com os fetiches se manifesta como um desarraigamento de si e uma perda de si mesmo: é esse relacionamento que o marxismo denomina de alienação (LEFEBVRE, 2011, pp. 45-46). Mas o fluxo histórico destaca uma complexidade Ãmpar, a relação homem e natureza realça detalhes de sinergia, de simbiose. O homem evolui a partir de uma ativa tensão com a natureza. Ambos coexistem e são indissolúveis. O homem, mesmo caminhando ao SEU esplendor, com sua consciência em processo frenético de amadurecimento, não possui uma “existência a parteâ€, ele está inserido na natureza e ela nele: A história humana surge agora em sua complexidade. É um processo natural, no qual o homem não se separa da natureza e dentro do qual cresce como um ente dessa natureza. Mas é o processo de um ser que luta contra a natureza e conquista – por meio desse conflito e através de uma luta incessante, 63 batalhando com contradições, obstáculos, crises e saltos sucessivos – graus cada vez mais elevados de pujança e de consciência. [...] O homem só se torna humano criando um mundo humano. É dentro de sua obra e por meio dela que ele se torna ele mesmo, mas sem confundir-se com ela, embora não se separe dela (LEFEBVRE, 2011, p. 46). No interior do processo de desenvolvimento do “reino humanoâ€, o homem passa a demonstrar uma capacidade racional e consciente de organizar suas ações. A vida social ganha força e o homem acelera o seu caminhar histórico. Mas o refinamento da sociedade é paralelo ao encorporamento da “face desumana†do homem, assim dito por Lefebvre: Em conseqüência, a história humana mostra a interpenetração e a interação incessantes de três aspectos ou elementos: o elemento espontâneo (biológico, fisiológico, natural), o elemento refletido (o nascimento da consciência, mal concebida inicialmente, todavia, desde o começo, real e eficaz) e o elemento aparente ou ilusório (o desumano da alienação e dos fetiches) (LEFEBVRE, 2011, pp. 46-47). Manifesta-se assim, o “esquema alienatórioâ€, a junção de prismas que coexistem e se interagem. Neste, o homem se vê inserido em uma conjuntura melindrosa: em seu tenso embate frente à natureza, ele avista o seu desenvolvimento racional e social, mas traz em conjunto o aflorar da alienação. Dentro da jornada humana, a ilusão, a alienação, afirma-se “anexa†ao refinamento da vida humana. O lado humano desenvolve-se, mas o desumano também. O “poder dominante†ganha prestÃgio paralelamente a “evolução†da história humana. Apenas uma análise dialética pode auxiliar a elucidar tal embate dentro da História. A trÃade conflituosa entre os traços naturais, espontâneos, os conscientes, subjetivos e os ilusórios podem ajudar a expressar a vasta abrangência da alienação e a tentar superá-la, de acordo com Lefebvre: O mesmo processo complexo de aspecto triplo – em que o elemento consciente sempre vem, no momento decisivo, dominar o elemento espontâneo e criticar o elemento ilusório – poderia mostrar-se em todas estas realidades práticas, históricas e sociais: a nação, a democracia, a ciência, a individualidade etc. (LEFEBVRE, 2011, p. 48). Expõe-se agora um dos marcos do marxismo, a sociologia cientÃfica. Marx afirma e destaca a “fragilidade†da filosofia que, segundo ele, se “sustenta†em prismas abstratos e delimitados, não se atentando a traços que assegurariam uma análise cientÃfica da amplitude do homem: Esse momento é aquele em que as múltiplas ilusões ideológicas devem ser criticadas, denunciadas e ultrapassadas. E, juntamente com elas, todos os 64 fetichismos, todas as formas das atividades humanas que se acham alienadas e voltadas contra o próprio homem (LEFEBVRE, 2011, p. 49). Apontando para um método “correto e aceitável†ao se investigar a jornada histórica da humanidade, Lefebvre, apoiando-se em Marx, afirma: “O comunismo cientÃfico se determina pelo inteiro movimento da história – pelo devir do homem considerado em sua totalidade†(LEFEBVRE, 2011, p. 48). Destaca-se então, a primazia do comunismo como o “sistema†que abarca, coerentemente, a “realâ€, concreta e complexa história humana, e que a justifica, a legitima, a expressa e a elucida. Seguindo tal linha “metodológicaâ€, o âmbito racional do homem ganha uma ênfase maior e se exprime como um marco histórico: O conhecimento e a razão nascem inicialmente incertos, frágeis, sem energia; depois, vão se afirmando, confirmando, estendendo o setor que dominam, acabando por formular-se. Finalmente, chega um momento decisivo, um ponto crÃtico, cheio de problemas complexos: trata-se do momento em que a razão deve e pode dominar a totalidade das atividades humanas a fim de organizá-las de forma racional (LEFEBVRE, 2011, p. 49). Este momento histórico, o realce à razão, é inegável e descrito por Marx, que demonstra e descreve o “comunismo†como o cume da jornada histórica humana. Ele afirma o relacionamento consciente do homem com a natureza, onde a razão comanda seus passos, controla suas atividades, a expansão da sua vitalidade, mas com um poder limitado frente a um mundo “toscoâ€. Inserido em uma realidade de desenvolvimento do homem, a expressão da alienação se apresenta multifacetada, econômica, social, polÃtica ou ideológica, podendo ser superada, para Marx, através do comunismo, sistema que, segundo o próprio, “minimiza†as “diferenças†sociais do homem, que “capilariza†a riqueza produzida, minando as desigualdades e “nivelando†os homens em condições mais equilibradas. A superação da alienação, segundo o marxismo, depende da delimitação dos “desejosâ€: “A ultrapassagem da alienação implica a ultrapassagem progressiva e a supressão do mercado, do capital e do próprio dinheiro, em sua condição de fetiches que praticamente reinam sobre o humano†(LEFEBVRE, 2011, p. 50). Para o marxismo, um dos “pontos chaves†contra a alienação é direcionar a riqueza produzida ao interesse da sociedade, do comum, suprimindo a propriedade particular e a posse privada dos meios de produção, afirmando que somente assim o homem se desenvolverá de forma “humanaâ€: 65 A propriedade privada dos meios de produção entra, efetivamente, em conflito com a apropriação da natureza pelo homem social. O conflito se resolve por meio de uma organização racional da produção, que retire dos indivÃduos ou da classe monstruosamente privilegiada a posse dos meios de produção (LEFEBVRE, 2011, p. 50). O materialismo dialético, o marxismo, apresenta, neste ponto, um de seus traços mais célebres, a possÃvel queda da burguesia. Afirma e ressalta a necessidade histórica da derrota da noção de classes, a saber, a dominação de uma pela outra de qualquer maneira: econômica, social e moral. Isto é preciso para que a alienação seja arruinada e a sociedade avance e se desenvolva, de forma mais justa e igualitária, ficando aqui apenas uma pequena menção do materialismo dialético. Após essa digressão, Lefebvre dedica algumas páginas à moral. E desenvolve aquilo que ele entende pelo assunto em viés marxista. Em todo este universo social do homem analisado e apresentado pelo marxismo passa a ser debatida a questão da moral. Assim, como para Sartre, o marxismo, na voz de Lefebvre, também critica as morais antecedentes, principalmente as fundadas em princÃpios abstratos (ideologias). Dita anteriormente como algo inerente à condição humana, como uma existência dada, a moral neste sentido seria uma espécie de posição reguladora dos desejos humanos, visto que, o seu poder de transformação da natureza e de si mesmo é muito limitado. Este processo regulador é consciente, mas possui infringências, no caso de o homem desobedecer à s normas para partir ao extremo. Em outras palavras, do comedimento, ou moderação, o ser humano passaria ao excesso. Esta moral normatizadora é descrita assim por Lefebvre: Era necessário, portanto, dar a esse fato – a medida, o limite infligido aos indivÃduos pelas condições da existência e pelo seu nÃvel de desenvolvimento – o valor de uma regra e o sentido de uma disciplina social. Os indivÃduos que infringiam as regras eram ora os menos dotados, os mais violentos e os mais brutais, ora os mais bem dotados. Criminosos e gênios recaÃram sempre, portanto, sobre a mesma reprovação moral, que expressava o meio social: estavam fora do nÃvel de desenvolvimento “médio†atingido (material e espiritualmente) pela sociedade considerada como um todo (LEFEBVRE, 2011, p. 51). Diante disto, notamos que pessoas consideradas de boa Ãndole ou não, erram da mesma forma frente à decisão moral, e isto é um problema. No tocante a essa incerteza a qual as morais vigentes nos remete, a alienação parece ser uma parede entre ser bom ou ser moral, isto é, a própria noção de dominação do burguês sob o trabalhador castra qualquer intenção de ser ético por parte do dominado. 66 Vemos que Lefebvre critica veementemente as morais fundadas em princÃpios irracionais, abstratos e metafÃsicos. Aqueles que seguem tais valores eram bem vistos e bem quistos pela sociedade e aos olhos de Deus, do contrário, os que abdicam de seguÃ-las seriam marginalizados. A sociedade deveria seguir regras normativas fundadas sob um solo instável de fundo ideológico e metafÃsico. O marxista francês descreve assim tal argumentação: Quanto à s ações que a ela não se conformavam, foram igualmente avaliadas segundo uma escala de valores de origem obscura e receberam, desse modo, os nomes bizarros de pecado, falha, imundÃcie – entidades difÃceis de definir com clareza, ao mesmo tempo materiais (brutalmente materiais) e mÃsticas (LEFEBVRE, 2011, p. 52). Essas morais que se orientam por tais procedimentos Lefebvre as denominam de alienação moral. Inicialmente, aquilo que não se adequava aos padrões morais destas teorias éticas antigas instigava o homem a um imobilismo social. Os valores eram prescritos 21 e quem os inovasse era discriminado, qualquer iniciativa inédita ou diferente das estabelecidas era prontamente desprezada e também represada, e, isso abarcava a toda a sociedade. A rejeição moral dos que não se adequavam iniciou-se com os homens que buscaram a inovação, procurando destruir o núcleo de tal ineditismo, almejando que o indivÃduo e seus seguidores fossem extremamente coibidos, como maneira de manter a harmonia moral dada. E o exemplo pode ser averiguado ao longo da jornada histórica do homem. Todos os gênios de seu tempo (ou “criminososâ€), a princÃpio, foram radicalmente interpelados, meramente por aquilo que fizeram. Seguindo a crÃtica, tais morais estabeleceram uma consciência ilusória, mistificando as ações e os pensamentos de seus seguidores. A ordem e a obediência eram imensamente prezadas e difundidas, a inércia social e moral eram divulgadas como virtudes inevitáveis e extremamente valoradas. Para se chegar a uma moral plena (teleologia moral) parece ser necessário algo semelhante a um “sacrifÃcioâ€, por meio do qual é reconhecida a limitação humana. O ato de se romper com a moral estabelecida gerava um desconforto social paralelo a uma impossibilidade de reconhecimento geral. Vejamos: A expressão “grandeza moral†é enganadora, porque a moral não faz mais do que codificar e legalizar – e isso no interior do indivÃduo, sob a forma de 21 Cf. (LEFEBVRE, 2011, pp. 52-53): “Diante da moral, as iniciativas criminosas ou criadoras se confundiam necessariamente, e essa confusão perdura até hoje. A reprovação moral começou sempre por ferir ao indivÃduo audacioso, buscando atingir muitas vezes o coração de seu pensamento, lançando sobre ele os escrúpulos, as dúvidas e a consciência pesada. Tanto a história das ações humanas como a de seus pensamentos são nossas testemunhasâ€. 67 consciência moral; e no exterior sob a forma de punição e de prédica – a prática social mediana em um momento (LEFEBVRE, 2011, p. 52). O contrário à moral vigente, era atacado imediatamente, mas o avanço humano se esforçou em superar tais amarras morais. Se as morais são uma espécie de conjuntos normativos a serem seguidos, como princÃpios virtuosos e superiores, como progredir frente a esta verdade posta? Parece que é prudente uma teoria (ou pensador) tentar adequar os valores já seguidos a novas situações presentes em nossa realidade. Esse é o grande desafio de pensadores que visam entender a moral ou fazê-la tendo como base a realidade concreta do homem. Por fim, a derradeira crÃtica lefebvriana à s morais antigas recai sobre a usurpação da moral em proveitos individuais: “Em outros termos, as morais foram sempre ou sempre se transformaram em instrumentos de dominação de uma casta ou de uma classe social†(LEFEBVRE, 2011, p. 52). Aqui temos a moral como ferramenta justificadora da exploração. Marx afirma que nunca houve, em toda a história humana, uma moral que abrangesse de forma igualitária aos anseios tanto de dominados quanto de dominantes. Sempre prevaleceu a soberania das morais elitistas, que embasavam tal exploração, que se refinou e melhorou com o passar do tempo em moldes legais e religiosos. Os valores daqueles que possuÃam a força de exploração foram sendo meticulosamente implantados no dia-a-dia do homem trabalhador, se transformando em hábito e virtude moral desta classe. A “veneração†ao trabalho foi entremeada aos costumes sociais, se apresentando como providencial e sutil forma de validar a dominação. O trabalho foi ressaltado como algo digno, como uma forma ativa de participação social e econômica, do mesmo modo que foi idealizado como um meio de ascensão social. Lefebvre, assim como Marx, é rigoroso ao criticar as morais antecessoras, que segundo os autores, não eram nada mais do que artifÃcios de manipulação de homens inescrupulosos, intelectuais e de posses, em proveito de si mesmos das regras morais. Transformando o que entendemos por moral propriamente dita, em imoralidade, visto que, se a “moral†predica o bem comum, a convivência mais harmônica possÃvel, se valer dela para o bem próprio, individual e egoÃsta, não pode ser entendido como moral. O marxista francês é taxativo nesta crÃtica a esta forma de utilização irresponsável da moral: Foi a moral que criou a imoralidade desde o princÃpio, reduzindo ao domÃnio do imoral todo o ato excepcional e obrigando-o a esconder-se nas sombras, na zona maldita do anormal – e logo, porque junto as classes dominantes 68 transmitiram sempre muito bem os valores que elas concebiam para o uso dos oprimidos (LEFEBVRE, 2011, p. 54). Até então, toda forma de moral se inclinou a ser tendenciosa à s classes dominantes que possuem influência econômica e polÃtica. Nesta perspectiva, a moral é uma arma histórica, ideológica, jurÃdica e religiosa. Então, poderÃamos aferir ao marxismo a definição de uma teoria que detenha uma posição meramente crÃtica? O marxismo tenta demonstrar que o erro moral – se basear em morais abstratas e ideológicas para fins não morais – se constitui num processo contÃnuo, pois uma moral nasce na sua antecessora. E a crÃtica dialética propõe um esclarecimento deste erro constante e irracional. O materialismo dialético não se posiciona de forma cÃnica perante o problema dessas morais já estabelecidas, apenas as recusa e não assente tais normas. Lefebvre propõe o seguinte: O marxismo afirma que é necessário criar hoje em dia uma nova ética, libertada de toda a alienação moral e de toda a ilusão ideológica – recusando-se a apresentar valores por fora da realidade e buscando, em conseqüência, a fundamentação das avaliações morais dentro do próprio seio do real (LEFEBVRE, 2011, p. 55). Percebemos aqui, que o marxista francês defende uma ética provinda da realidade concreta do ser humano. Isto quer dizer que, toda ética em seu sentido lato da palavra, aquela que é ou pretende ser universal e indiferente a toda e qualquer hierarquização socioeconômica, deve vir, primordialmente, de um núcleo real, não de uma imagem ideológica mistificada ao bel prazer de alguma teoria tendenciosa, funcional. E de onde poderia emergir tal “nova éticaâ€? Em uma sociedade onde o sistema capitalista definiu e estabeleceu apenas duas classes, uma ética válida (racional) só poderia vir de uma classe que detém uma posição extremamente privilegiada. Mas, as éticas anteriores já surgiram de uma classe de tal molde? Segundo Lefebvre, a classe excepcional é o proletariado, pois somente ela pode ultrapassar esta alienação moral imposta por seus dominadores, visto que, ela é quem sofre e convive com a opressão e a exploração. Lefebvre é enfático: Inicialmente, na sociedade moderna dividida em duas classes, uma dessas classes goza de um papel privilegiado no sentido profundo da palavra. Essa classe é o proletariado. Somente ele, através de suas ações pode dar fim à alienação humana, porque é ele que vive e sofre completamente seus efeitos. Somente ele pode liberar a sociedade e os seres humanos em geral, ao libertar-se a si mesmo, porque junto é ele que sofre todo o peso da exploração. Em sua condição de classe oprimida, o proletariado aceitou os valores morais que lhe eram impostos e os recebia em seu rebaixamento: 69 resignação, humildade, aceitação passiva etc. Enquanto fazia parte da classe escravizada, o indivÃduo proletário encontrava na moral uma compensação fictÃcia e uma recompensa ilusória: era um pobre “merecedorâ€, um “bravo e honesto trabalhadorâ€, desde que se dispusesse a aceitar sem protesto os limites estreitos de sua atividade. Finalmente, enquanto fazia parte da classe oprimida, o proletariado não chegava a criar seus valores próprios e menos ainda a admitir que os tivesse. O trabalho, e sobretudo o trabalho braçal, permanecia desprezado. De forma semelhante, em um plano analógico, se bem que um pouco diferente, as mulheres permaneciam em condição servil ou eram exploradas, a maternidade nunca era plenamente reconhecida com uma função e um valor social, e muito menos o trabalho doméstico era reconhecido como um trabalho social (LEFEBVRE, 2011, pp. 55-56). Só o trabalhador tem o poder de “desamarrar†aos seus semelhantes e se libertar, pois é ele que sente na pele a repreensão e a dominação. Ao longo de sua vida o sujeito oprimido suportou todas as espécies de valores morais, colocando-se em seu lugar, a saber, o mais baixo possÃvel. Todavia, essa moral imposta lhe dava algum conformismo, no qual ele entendia, de modo passivo, sua “importância†na sociedade, isto é, trabalhar para produzir capital. Neste terreno inóspito, o famigerado trabalhador não tinha a noção de que tinham valores para si ou que simplesmente poderia inventá-los. E também notamos uma hierarquização de importância do trabalho. Trabalhos tidos como menos importantes, ou seja, que não careciam de muita reflexão ou mecanização, eram inferiorizados pela sociedade da época. Isso se aplica também à s mulheres, que se fossem “meramente†donas de casa iriam para a base da hierarquia, quase sem relevância social. Mesmo diante de toda esta recriminação, os proletariados – Lefebvre e Marx já destacavam isto –, através de uma racionalidade, se superaram, romperam com os valores imagéticos que lhes eram determinados. Criaram seus próprios princÃpios morais adequados à sua realidade. Porém, explorados, dominados, tinham que ter cautela, serem comedidos, frente a tal momento desfavorável. Lefebvre destaca o papel emancipador do trabalhador: Mas, ao torna-se um indivÃduo consciente de sua classe, ou seja, do papel histórico dessa classe, esse indivÃduo tem necessidade de coragem, de um senso de responsabilidade, de entusiasmo: ele deve adquirir conhecimentos múltiplos e considerar a lucidez da ação e a inteligência das situações como valores (LEFEBVRE, 2011, p. 56). Assim como Sartre, o filósofo marxista francês defende uma moral fundada na ação, na responsabilidade, no raciocÃnio consequencialista e por fim, na concretude da vida humana. A contradição para este adestramento do indivÃduo dominado, cujo consentimento é uma 70 virtude, recai no fato de que ele se movimenta, é a partir destas relações humanas que ele reconhece o que é verdadeiramente o valor. Tais valores devem ser conquistados e neste momento ele ultrapassa sua condição inerte e passa a ser um indivÃduo ativo, na construção de uma nova ética, com isso ele auxilia a sua classe em prol da conscientização de que a alienação é algo danoso. Este procedimento do proletariado pode levar a uma resolução da dicotomia entre o individual e o social, isto é, tal dualidade é sanada quando o sujeito passa a levar em conta não só os seus anseios, mas os de todos da sociedade e passa a se preocupar com questões de cunho social (comunitário). A importância de Lefebvre incide na noção de que, como afirmava Marx, em certos momentos novos valores são mais relevantes do que a alimentação corriqueira, isto porque, o idealismo prioriza o ideal sobre o real. Os valores humanos se sobrepõem à s ações humanas. Estão no âmbito metafÃsico e ilusório. Relembrando a práxis das relações humanas, o concreto não é imóvel. O que é entendido por real está sempre em movimento, aquilo que hoje é tido como aceito, como o caso, é o embrião de um futuro próspero ao homem, mas isso se a alienação for superada por ação e não por ideologia. Se isso for possÃvel, a imobilidade como virtude cairá por terra. A atividade humana sobre a natureza mostra-se cada vez mais forte e renegar este fato, se escondendo em uma inércia criativa, parece se apresentar como um absurdo sem sentido. Lefebvre rejeita um marxismo humanista assistencialista: O marxismo não nos traz um humanismo sentimental e chorão. Marx não se inclinou para o proletariado oprimido para lamentar sua opressão. Ele demonstrou como e por que o proletariado pode libertar-se da opressão e abrir o caminho para todas as possibilidades humanas. O marxismo não se interessa pelo proletariado porque este é fraco, mas porque ele é uma força – não porque é ignorante, mas porque deve assimilar e enriquecer o conhecimento – não porque é rejeitado pela burguesia para o desumano, mas porque traz dentro de si o futuro do homem e rejeita como desumanas as vaidades burguesas. Em uma palavra, o marxismo vê no proletariado o seu devir e o seu possÃvel (LEFEBVRE, 2011, pp. 57-58). O marxismo não parte de um princÃpio de “penaâ€, mas de uma possibilidade real e racional. Vislumbra-se a potencialidade adormecida do proletariado, que é o único que possui em si o ensejo de mudar a realidade. Aqui vemos novamente uma congruência entre Sartre e Lefebvre, pois ambos tratam moral e conhecimento como movimento humano e possibilidade dentro de uma sociedade posta. Esta ética inédita fundada no devir concreto, na qual o homem desenvolve-se de forma 71 plena, possui duas facetas, uma de cunho cientÃfico e outra parte superativa. O primeiro se baseia na objetividade cientÃfica, que se sustenta em leis universalizáveis, que são encontradas nas ciências naturais. Na ciência social o fato humano interage com o direito, em seu devir, que não pode se contradizer com o outro. Em outras palavras, o valor não deve ser oposto pela regra técnica, que foi construÃda sobre um empirismo. O outro, dialeticamente falando, refere-se à noção de superação, que é observar as teorias morais já existentes, de forma lógica, racional e não preconceituosa e reconstruir, de maneira dialética e relacional, sua própria noção de ética. O francês marxista trata assim a ultrapassagem e superação: Ultrapassar-se é seguir em direção ao devir para alcançar o homem total. Significa, portanto, participar cada vez mais amplamente desse devir e dessas possibilidades em todos os seus domÃnios. A superação implica portanto, um imperativo de conhecimento, ação e realização crescentes. Concebido dessa maneira, o imperativo não intervém na vida e no real. Ele sai deles; torna-se a expressão ética do devir. Torna-se, desse modo, um ideal sem ilusões ideológicas ou idealistas (LEFEBVRE, 2011, p. 59). O sujeito deve tentar se superar num sentido real, por esforço em buscar a solução dos problemas não somente de si, mas de todos seus semelhantes, assim, ele se torna um indivÃduo pleno. Ora, ultrapassar é estar em um movimento e compartilhar as possibilidades que lhe são oferecidas. Já superar é evoluir em seu meio de vivência, tornar-se exemplo real, para seu tempo. Tudo isso sempre se pautando por um viés prático. Mesmo admitido a individualidade, o homem difere em cada época, nas palavras de Sartre: o homem é situado em seu tempo e espaço. Isto implica que não há uma consciência pura, eterna e atemporal, para o ser humano existente e presente no seu tempo. O individual não perdura ad infinitum. O homem é um ser social, reafirma Lefebvre. Esta sociabilização humana pode ser posta em três distintos tipos: um biológico, a vida organizadamente dada, toda forma de estrutura a qual o ser humano é padronizado, espécie, raça, etnia, etc.; um consciente, no qual está presente toda forma de relação social, moral e cultural; por fim, temos um tipo imagético, que abarca todas as distorções de identidade, de ética e aspectos da mente (consciência). Este último, relembrando Descartes, é extremamente enganador, pois é o âmbito que vem reforçar todos os hábitos errôneos do ser humano em relação à moral. Todos seguiam valores postos de forma metafÃsica e já aceitos pela mera convenção social. Não ir contra “a moral e os bons costumes de sua épocaâ€. Lefebvre defende que até então, temos morais, ao mesmo tempo, individualista e 72 tendenciosa: Em particular, o individualismo de origem burguesa, a ilusão ideológica, moral, metafÃsica e religiosa tomou proporções assustadoras. Ainda que nunca tenha passado da situação de um esboço incerto, o indivÃduo se acreditava realizado. A sociedade individualista (burguesa) exalta o indivÃduo e a sua liberdade (LEFEBVRE, 2011, p. 60). O marxista francês é implacável contra o individualismo, que para ele era uma ferramenta do sistema capitalista de sua época. Nada mais é do que uma ideologia mistificadora. A burguesia se vale do individualismo para segregar toda e qualquer forma de organização contrária a seus interesses. O pavor que mais a assola é o proletariado, que sempre foi dominado, mas que vislumbra ao fim do horizonte uma possibilidade de romper com essa conjuntura alienatória. Para Marx, a liberdade de um indivÃduo só pode ser aceita ou pensada se toda a sociedade também for livre. Neste ponto Lefebvre e Sartre também estão na mesma sintonia, para ambos, liberdade só pode ser conquistada individualmente se toda a sociedade humana também a possuir. Mas, em Marx, a liberdade está num comunismo (socialismo), Sartre a propõe na convivência humana atual. Notamos que Lefebvre, apoiado em Marx, critica as morais anteriores a ele e defende uma emancipadora. A moral não é idealista, ela é sim, concreta. As relações humanas no conflito diário são de suma importância para se entender e ou fazer uma moral. Assim como o conhecimento, segundo Lefebvre, no embate mundano, a moral também é conflituosa. O marxista francês nega toda e qualquer harmonia social, moral, prática e racional. A ideologia prega uma imobilidade conceitual, na qual a verdade é eterna e imutável, mas nem sempre encontramos tais predicações na concretude real da vida humana, que está num devir permanente. Os conceitos devem seguir e se adequar à realidade e não o contrário, a realidade se encaixar no conceito. 73 3 ANÃLISE SARTREANA DO MARXISMO 3.1 Antecedentes Se, como vimos em Lefebvre, a filosofia faz parte de uma concepção de mundo, qual seria então a posição de Sartre? A filosofia é algo estruturado, na qual os sistemas filosóficos se iniciam e se acabam? Como se fosse um edifÃcio, que, sem uma boa base cai? Seria como uma atitude, que depende de nós nos engajarmos ou não? Seria uma parte da cultura? Ou, como define Sartre, em Questões de Método, ela não existe, pois existem as filosofias: A nosso ver, a Filosofia não existe; sob qualquer forma que a considerarmos, esta sombra da ciência, esta eminência parda da humanidade, não passa de uma abstração hipostasiada. De fato o que há são filosofias. Ou melhor – pois não encontrareis nunca, em um momento dado, mais do que uma que seja viva –, em certas circunstâncias bem definidas, uma filosofia se constitui para dar expressão ao movimento geral da sociedade; e, enquanto vive, é ela que serve de meio cultural aos contemporâneos (SARTRE, 1987a, p. 113). Tentar reduzir a filosofia à ciência parece um pouco perigoso. Se a filosofia é histórica e pertencente a seu tempo, ela não pode ser dominada pela ciência, pois ela é a visão totalizadora (conhecimentos) de uma determinada sociedade e em uma determinada época. Para Sartre, as filosofias são situadas, elas são o pensamento coletivo de uma sociedade em determinado tempo. É através das filosofias que o homem toma consciência de si, enquanto ser humano situado em um tempo e espaço, e pertencente a uma determinada sociedade. É uma “visão de mundo†de dada época. Aqui há a ruptura com a noção de filosofia eterna, na qual seus princÃpios perdurem de forma atemporal. Neste sentido, o conhecimento filosófico, para ser assentido como verdadeiro, precisa ser a totalização do Saber de seu tempo. O filósofo deve ser um agente unificador dos conhecimentos de seu momento histórico. Para isso, ele necessita se pautar em métodos e técnicas presentes em seu meio. Se não conseguir encontrar uma “verdade indubitávelâ€, o filósofo necessita dar um estatuto mais próximo possÃvel da Verdade para aquela unidade. Assim sendo, mesmo que cada elemento constituinte deste Saber seja refutado, a unidade continuará existindo, pois foi realizada por princÃpios, que são os liames destes elementos, ou seja, alguns elementos podem ser destruÃdos, mas a unidade que se funda em princÃpios racionalmente estabelecidos, não. Os princÃpios, de toda e qualquer teoria, seriam como conexões, que normatizam as filosofias (Kant). Sem um ponto de partida parece não haver meio de se estruturar uma teoria 74 filosófica. Mas assim, parece que Sartre estaria tomando partido das “doutrinas†abstratas e idealistas. Sartre defende um princÃpio situado, concreto e prático: É que uma filosofia, quando está em plena virulência, não se apresenta nunca como uma coisa inerte, como uma unidade passiva e já terminada do Saber; nascida do movimento social, ela própria é movimento e morde o futuro: esta totalização concreta é, ao mesmo tempo, o projeto abstrato de prosseguir a unificação até seus últimos limites; sob este aspecto a filosofia se caracteriza como um método de investigação e de explicação; a confiança que tem em si mesma e no seu desenvolvimento futuro apenas reproduz as certezas da classe que a sustenta. Toda filosofia é prática, mesmo aquela que parece, de inÃcio, a mais contemplativa; o método é uma arma social e polÃtica (SARTRE, 1972, p. 10). Uma filosofia, por mais que a imaginemos como abstrata e metafÃsica, é histórica. Ela está inserida em sua realidade concreta. Deve ser a unificação do saber existente em sua era. E isso pode ser pensado em um duplo sentido: abstrata, no sentido de operar com a razão, para conjecturar as partes do conhecimento; e concreta, pois é criada a partir da realidade na qual está presente, não há como desvencilhá-la de tal âmbito. Neste sentido, a filosofia desempenha seu papel formidavelmente, visto que, se situa na práxis que a gerou e esclarece os conhecimentos de sua realidade. Porém, uma filosofia pode superar sua era. Isso se torna possÃvel quando ela fornece substrato para a ação de uma sociedade, que pode se livrar das amarras de seus opressores ou de outra sociedade que a domina. Possibilita uma mudança de rumo, no tocante a valores e a relações sociais. Sartre define essa possibilidade do seguinte modo: Assim, a Filosofia permanece eficaz enquanto vive a práxis que a engendrou, que a sustém e é por ela iluminada. Mas se transforma, perde sua singularidade, despoja-se de seu conteúdo original e datado, na medida mesma em que impregna pouco a pouco as massas, para tornar-se nelas, e por elas, um instrumento coletivo de emancipação (SARTRE, 1987a, p. 114). Então, a filosofia deve ser uma ação totalizadora, totalização do saber, método racional e princÃpios normativos, ferramenta de luta para a “salvação dos oprimidosâ€, “visão de mundo†de toda uma sociedade. Nesse processo de totalização, três momentos são destacados por Sartre, o primeiro é o de Descartes e Locke, o segundo de Kant e Hegel e o terceiro de Marx. Cada uma destas filosofias é uma junção das ideias particulares e da visão de cultura de sua época. Deste modo, são insuperáveis, pois no perÃodo da história em que estão situadas são a representação da concepção de mundo de sua sociedade, e enquanto não forem 75 superadas, cada uma delas é, a seu modo, a filosofia de seu tempo. Seguindo este delineamento, o marxismo é a filosofia insuperável de nosso tempo. E toda argumentação que tente refutar essa tese sempre se mostra inconsistente. Todavia, pode-se pensar o seguinte: a filosofia não existe mais. Não existe o movimento propulsor da própria filosofia. Então temos duas vias, a filosofia acabou ou está “em criseâ€, devemos enterrar todo e qualquer sistema filosófico, tratando-o como erro grotesco (a filosofia está morta), ou, estando em crise, a filosofia deve ser revisada, mas não por intelectuais doutos, aclamados por aqueles que vislumbram uma posição abstrata e irreal. É o próprio movimento das relações entre os homens, da sociedade, a ação dos seres humanos, que podem romper com este imobilismo criativo da filosofia, caminhando a passos largos para o desenvolvimento, tanto filosófico, como humano: Se este movimento da filosofia não existe mais, das duas uma, ou está morta ou está “em criseâ€. No primeiro caso não se trata de revisar mas lançar por terra um edifÃcio apodrecido; no segundo caso, a “crise filosófica†é a expressão particular de uma crise social e seu imobilismo é condicionado pelas contradições que laceram a sociedade: uma pretensa “revisão†efetuada por “especialistas†não passaria, pois de uma mistificação idealista e sem alcance real; é o próprio movimento da História, é a luta dos homens em todos os planos e em todos os nÃveis da atividade humana que libertarão o pensamento cativo e lhe permitirão atingir seu pleno desenvolvimento (SARTRE, 1972, p. 12). Vemos que, para o existencialista francês, deve-se fixar essa reflexão em um chão firme, a saber, a realidade humana, a sociedade concreta. Os ideólogos são pessoas que se esforçam em estabelecer sistemas teóricos, para poderem atingir com métodos novos campos que eles não conhecem. Tentam atribuir à s teorias conotações de cunho prático, transformando-as em ferramentas que podem tanto aniquilar, como edificar temas. Mesmo assim, não criaram suas teorias do nada, foram fundamentadas sob o terreno sólido de pensamentos que perduram das teorias que se foram. Tais pensamentos, que compõem sua cultura e seu futuro, são a base para aquilo que pesquisam e de suas concepções. Observamos que não há ruptura histórica entres as teorias filosóficas. Isto é, nenhum pensador produziu sua teoria independente de sua época. E onde se encaixa o existencialismo sartreano? Sartre (1987a, p. 114) afirma: “E, já que devo falar do existencialismo, compreender-se-á que o considero como uma ideologia: é um sistema parasitário que vive à margem do Saber, a que de inÃcio se opôs e a que, hoje, tenta integrar-seâ€. O seu existencialismo não pretende ser “A Filosofiaâ€, como aquela que retém em si a “Verdadeâ€, eterna, imutável e imóvel. Pelo contrário. Acredita no devir das 76 coisas e dos seres humanos. O existencialismo tenta descobrir o conhecimento como algo implÃcito à realidade, que perpassa a consciência do homem. É objetivo, pois tem suas bases fixadas na concretude da vida subjetiva, visto que, é necessária uma consciência que desvele tal conhecimento. Sartre demonstra a importância de Hegel: A mais ampla totalização filosófica é o hegelianismo. Nele o Saber é alçado à sua dignidade mais eminente: ele não se limita a visar o ser de fora, mas o incorpora a si e o dissolve em si mesmo: o espÃrito se objetiva, se aliena e se retoma incessantemente, se realiza através de sua própria história. O homem se exterioriza e se perde nas coisas, mas toda alienação é superada pelo saber absoluto do filósofo (SARTRE, 1972, p. 13). Hegel conseguiu aferir ao saber um estatuto elevado, pois o liga a seu próprio tempo. E nesta totalização filosófica o saber está sempre em movimento. Assim, o filósofo pode construir um saber absoluto, que expressa a percepção englobante da sociedade de sua era, propiciando com isso a superação da alienação humana. O filósofo se apresenta como um agente transformador de uma realidade através de sua filosofia. Neste sentido, nossos problemas e inquietações são situações que se apresentam para serem superadas. Somos seres dotados de consciência reflexiva (sapientes), consciência de si e também, somos (sabidos) afetados pelo saber que se relaciona com os seres humanos, deste modo, somos “integrados vivos†fincados na “totalização supremaâ€. Assim, quando nos deparamos com uma experiência desagradável que pode nos levar a morte, o puro vivido “é absorvido pelo sistema como uma determinação relativamente abstrata que deve ser mediatizada, como uma passagem que conduz ao absoluto, único concreto verdadeiro 22 23†22 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 115) na nota de rodapé (3): “É certo que se pode puxar Hegel para o lado do existencialismo e Hyppolite se esforçou neste sentido, não sem êxito, em seu Études sur Marx et Hegel. Não foi Hegel que primeiro mostrou ‘que há uma realidade da aparência enquanto tal’? E seu panlogicismo não se acompanha de um pantragicismo? Não se pode escrever com razão, que para Hegel, ‘as existências se encadeiam na história que fazem e que, como universalidade concreta, é o que as julga e as transcende’? Podemos fazê-lo facilmente, mas a questão não está aÃ: o que opõe Kierkegaard e Hegel é que, para o último, o trágico de uma vida é sempre superado. O vivido se dissolve no saber: Hegel nos fala do escravo e de seu medo da morte. Mas, este, que foi sentido, torna-se o simples objeto do conhecimento e o momento de uma transformação ela própria superada. Para, Kierkegaard, pouco importa que Hegel fale de “liberdade para morrer†ou que descreva corretamente alguns aspectos da fé, o que ele critica no hegelianismo é o fato de negligenciar a insuperável opacidade da experiência vivida. Não é somente, nem sobretudo no nÃvel dos conceitos que está o desacordo, mas antes no da crÃtica do saber e delimitação do seu alcance. Por exemplo, é perfeitamente exato que Hegel marca profundamente a unidade e a oposição entre a vida e a consciência. Mas é verdade também que são parcialidades já reconhecidas como tais do ponto de vista da totalidade. Ou, para falar a linguagem da semiologia moderna: para Hegel, o Significante (a um momento qualquer da história) é um movimento do espÃrito (que se constituirá como significante-significado e significado-significante, isto é, absoluto-sujeito); o significado é o homem vivo e sua objetivação; para Kierkegaard o homem é o Significante: ele próprio produz as significações e nenhuma significação o visa de fora (Abraão não sabe se ele é Abraão); ele não é jamais o significado (mesmo por Deus)â€. 77 (SARTRE, 1987a, p. 115). Kierkegaard, que recusa o tÃtulo de filósofo, se torna importante na medida em que se opõe à Hegel. Para ele, o ser humano concreto não pode ser subsumido por um sistema idealista, pois o homem existente, por mais que tenha a capacidade de conceituar e pensar sobre sentimentos (sofrimento), quando sente aquilo que quer teorizar, no caso o sofrimento, não se limita ao saber, ou seja, aqui o sofrimento é sentido, em si e para si mesmo, o saber não consegue transformá-lo. Sartre expressa as palavras de Kierkegaard em relação a sua aversão a Hegel: O homem existente não pode ser assimilado por um sistema de idéias; por mais que se possa dizer e pensar sobre o sofrimento, ele escapa ao saber, na medida em que é sofrido em si mesmo, para si mesmo, onde o saber permanece incapaz de transformá-lo (SARTRE, 1987a, p. 116). Notamos que Kierkegaard quer defender a Igreja, o cristianismo. Para ele, Deus, o Todo Poderoso, está infinitamente distante dos homens, que não podem conhecê-lo por meio de uma objetividade racional e sim pela fé subjetiva. Isto é, Ele não pode ser conhecido pelo saber humano como objeto do conhecimento, não se enquadra em teorizações cientÃficas, que tendem a validar seus resultados numa objetivação empÃrica. O mesmo se aplica à Fé. Ela não pode ser padronizada ou racionalizada objetivamente com o intuito de transformá-la num conceito cientÃfico. Ela é espontânea e subjetiva, não pode ser, segundo Kierkegaard, “superada ou classificada†como um conhecimento. Com isso, ele opõe, categoricamente, a “pura subjetividade singular†à objetividade universal da “evidência cientÃficaâ€. Pode-se dizer que ele apresenta o dilema entre a subjetividade da fé e a “universalidade objetiva da essênciaâ€. Para Sartre, o filósofo dinamarquês pretende de toda forma romper com a noção de mediação, mas acaba caindo em problemas. Hegel via esses erros como contradições próprias do desenvolvimento histórico. Definindo-as como “ideias truncadasâ€. De forma alguma Kierkegaard quer assentir uma relação absolutamente racional entre o homem e Deus, não poderia existir tal possibilidade: De fato, a vida subjetiva, na medida mesmo em que é vivida, não pode jamais ser objeto de um saber; ela escapa por princÃpio ao conhecimento e a relação do crente com a transcendência não pode ser concebida como forma de superação. Esta interioridade que pretende afirmar-se contra toda a filosofia, na sua estreiteza e profundidade infinita, esta subjetividade 23 Cf. (SARTRE, 1985, p. 55) palavras de Hyppolite: “Não tenho muita coisa a acrescentar à intervenção de meu amigo Sartre, mas creio que 'um dos méritos do marxismo é colocar radicalmente as questões, pesquisar o porquê concreto da própria questãoâ€. 78 reencontrada para além da linguagem como aventura pessoal de cada um em face dos outros e de Deus, eis o que Kierkegaard chamou de existência (SARTRE, 1972, p. 14). Então, existência para Kierkegaard é a vida subjetiva e consciente que tende a se opor à filosofia ou conhecimento metódico. Esta vivência subjetiva não pode ser abarcada pelas normas do conhecimento cientÃfico e racional. E não há superação no fato de transcender a Deus. Quem acredita em Deus, se fundamenta na fé, e buscá-lo não pode ser encarado como ultrapassagem de uma condição humana. Se pensarmos bem, o filósofo dinamarquês não se separa tanto assim de Hegel, pois esta repulsa ao sistema parece estar ligada a noção de “campo culturalâ€, apresentada pelo hegelianismo. A história e os conceitos se impõem a Kierkegaard a todo o momento, o deixando intimidado, e ele tenta se defender através de uma metafÃsica cristã frente a um racionalismo humanista da fé. Se não levarmos em conta a época de Kierkegaard poder-se-ia excluir seu pensamento facilmente, nomeando sua teoria de subjetivismo em face da dialética hegeliana, mas devemos situá-lo. Segundo Sartre os dois tem razão: Hegel tem razão: em lugar de obstinar-se, como o filósofo dinamarquês, em paradoxos cristalizados e pobres reenviam finalmente a uma subjetividade vazia, é ao concreto e verdadeiro que o filósofo de Viena visa por seus conceitos e a mediação apresenta-se sempre como um enriquecimento. Kierkegaard tem razão: a dor, a necessidade, a paixão, o sofrimento dos homens, são realidades brutas que não podem ser superadas nem modificadas pelo saber; é que seu subjetivismo religioso pode passar com razão pelo cúmulo do idealismo, mas em relação a Hegel ele marca um progresso em direção ao realismo, já que insiste, antes de tudo, na irredutibilidade de um certo real e no seu primado (SARTRE, 1987a, p. 116). Hegel está certo em criticar Kierkegaard, pois se pautando em contradições sem coesão, o filósofo dinamarquês acaba recaindo em uma “subjetividade vaziaâ€, sem nexo com o “concreto e verdadeiroâ€, que é o que os conceitos e a mediação de Hegel propõem. Os conceitos assim são postos pelo filósofo alemão, como referentes racionais do real. Em contrapartida, Kierkegaard também acertou quando explica que os sentimentos humanos: dores, sofrimentos, paixões, etc., não podem ser restringidos a conceitos, são “realidades brutasâ€. O saber não pode ultrapassar ou mudar tais realidades. Seguindo esta posição, a existência definida por Kierkegaard é o trabalho realizado pela nossa vida interior, nossos anseios, lutas cotidianas. Mas este trabalho é oposto ao “conhecimento intelectualâ€. Foi Kierkegaard o pioneiro a apontar a “incomensurabilidade entre o real e o saberâ€, e ela pode ter origem num “irracionalismo conservadorâ€. Aqui, a distância entre real e saber parece 79 ser insuperável. Este trabalho, operação subjetiva, é a forma de Kierkegaard tentar sair da objetividade da vida humana do âmbito concreto pensado racionalmente. Esse irracionalismo metafÃsico pode ser um caminho para se entender a filosofia desse ideólogo. Ele também poderia decretar a morte do idealismo absoluto, pois para se superar ou modificar um sentimento humano não se deve levar em conta somente as ideias ou conceitos. É necessário viver as sensações para modificá-las. As ideias são mudadas ou superadas pela vivência delas próprias, por exemplo, só poderÃamos mudar um sofrimento sentindo-o na pele, aà sim terÃamos condições de saber o que fazer para solucioná-lo. O conceito não expressa a vivência de seu objeto determinado. Vejamos o que a teoria de Kierkegaard faz ao idealismo, nas palavras de Sartre: Mas ela pode ser compreendida também como a morte do idealismo absoluto: não são as idéias que modificam os homens, não basta conhecer uma paixão pela sua causa para suprimi-la, é preciso vivê-la, opor-lhe outras paixões, combatê-la com tenacidade, enfim trabalhar-se (SARTRE, 1972, p. 16). Neste panorama, Marx também repreende Hegel. Mesmo que de modo diferente de Kierkegaard, ele o critica no tocante a confundir objetivação, “exteriorização do homem no universoâ€, com alienação, aquilo que volta contra o ser humano neste movimento de exteriorização. A objetivação seria uma espécie de eclosão, que daria ao homem uma possibilidade de “produzir e reproduzir†constantemente a sua vida, modificando-a, transformando a natureza. De outro modo, a objetivação seria: o homem próprio poder contemplar-se dentro do mundo que ele realizou. Já a alienação não pode ser derivada de uma formulação meramente conceitual. Ela só pode ser realizada a partir de uma “História realâ€. O homem só pode vislumbrar o sentido de alienação num contexto real e concreto e não através de conceitos abstratos. Sartre reproduz as palavras de Marx: Na produção social de sua existência os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a um grau de desenvolvimento dado de suas forças produtivas materiais; o conjunto destas relações de produção constitui a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurÃdica e polÃtica e à qual correspondem formas de consciência social determinadas (SARTRE, 1987a, p. 117). A consciência social do indivÃduo é produto de várias relações sociais – postas, necessárias e que não dependem de suas ambições – vividas ao longo de sua existência. Estas 80 relações sociais são os fundamentos da justiça e da polÃtica. Aqui a consciência que temos (intencional ou subjetiva) é consciência social, tudo que pensamos, escrevemos é fundado pela consciência de nosso grupo ou classe social. Mas parece que hoje as forças produtivas e as relações de produção estão em guerra. O trabalho que o homem faz é alienado e ele não se reconhece no produto de seu esforço. Seu trabalho é extenuante e se apresenta sempre como seu opositor. Vemos assim, que o homem produz algo, que ele não reconhece como seu produto e que nesse processo ele se encontra oprimido e alienado. Diante disto, não há como reduzir a alienação a uma ideia, a alienação é concreta e ocorre neste conflito contido nas relações de trabalho (produção e não reconhecimento). O homem estranha sua própria “criaâ€. Ora, para os homens se livrarem desta opressão e se verem em seu trabalho, objetivando-se a si mesmos em seus produtos, eles não precisam só de uma consciência reflexiva de si mesma (cogito), necessitam de trabalho e práxis que mudem – revolucionem – a realidade que aà está posta. Deste modo, Marx explica que: não se pode predicar um juÃzo sobre uma pessoa se atendo apenas à ideia que ela tem de si mesma, o mesmo se aplica a uma sociedade, não é prudente fazer um juÃzo sobre uma época, sobre um perÃodo e sobre uma inadequação revolucionária levando em conta somente a consciência que tal sociedade tem de si. Aqui, Marx quer deixar bem clara a sobreposição da ação (Trabalho, e práxis social) ao conhecimento (saber): Afirma ele, também, que o fato humano é irredutÃvel ao conhecimento, que ele deve ser vivido e ser produzido; apenas não vai confundi-lo com a subjetividade vazia de uma pequena burguesia puritana e mistificada: dele faz o tema imediato da totalização filosófica e é o homem concreto que ele coloca no centro de suas pesquisas, este homem que se define simultaneamente pelas suas necessidades, pelas condições materiais de sua existência e pela natureza de seu trabalho, isto é, de sua luta contra as coisas e contra os homens (SARTRE, 1972, p. 16). Reforçando a posição de Marx, as ações e relações humanas não podem ser enquadradas somente em um conceito do saber. Todo sentimento deve ser sentido para que se possa assentir qualquer conhecimento acerca dele. Não é uma reflexão contemplativa que irá definir um sofrimento ou paixão, é a sua experimentação que proporcionará sua conceitualização. No fundo, Marx quer se esquivar de uma subjetividade vazia. A totalização da filosofia se dá no concreto e o homem se coloca no núcleo destas investigações marxistas, pois o ser humano se realiza em suas necessidades, condições materiais e pelo trabalho. É nessa conflituosa realidade que o ser humano vive um embate 81 contra os objetos mundanos e contra os outros. Rivaliza com tudo e contra todos. Parece assim que Marx pode estar certo, tanto contra Kierkegaard quanto contra Hegel: Assim, Marx tem razão ao mesmo tempo contra Kierkegaard e contra Hegel, já que afirma, com o primeiro, a especificidade da existência humana, e já que toma, com o segundo, o homem concreto na sua realidade objetiva. Pareceria natural, nestas condições, que o existencialismo, neste protesto idealista contra o idealismo, tivesse perdido toda sua utilidade, e não tivesse sobrevivido ao declÃnio do hegelianismo (SARTRE, 1987a, p. 117). Notamos que Marx vê em Kierkegaard a especificidade da existência dos seres humanos e em Hegel, utiliza “o homem concreto na sua realidade objetiva.â€. Assim sendo, não haveria sentido algum em permanecer na análise do existencialismo, pois se ele é um idealismo que se revolta contra o próprio idealismo, e Marx apresenta esta perspectiva unificadora, o marxismo enfraquece o hegelianismo e leva junto consigo, para o declÃnio, a teoria existencialista. Parece que realmente o idealismo sofreu um obscurecimento neste combate contra o marxismo. Alguns célebres filósofos são fundamento do pensamento da burguesia, Kant, os pós- kantianismos e Descartes, mas ele não se remete à Kierkegaard como participante de sua base. Todavia, parece que ele tomou as dores de tal vertente. Sartre (1972, p. 18) diz: “O dinamarquês reaparecerá no inÃcio do século XX, quando se decidiu combater a dialética opondo-lhe pluralismos, ambiguidades, paradoxos, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, o pensamento burguês é reduzido à defensivaâ€. Como notamos, diante deste estado, Kierkegaard se vê impelido a se defender, atacando a dialética como propulsor da verdade. Nos anos posicionados entre as duas guerras aparece Jaspers 24 , com um existencialismo que busca a recuperação do transcendente. Com a posição kierkegaardiana, seus seguidores passariam a se enclausurar numa subjetividade intensa, na qual poderiam perceber uma imensa infelicidade sem a existência de Deus e tal fechamento poderia ser realizado por um “grande solitárioâ€, que se abdica de se relacionar com os outros e assim, exerce “ações indiretas†para estimular seus semelhantes a fazerem o mesmo. Segundo Sartre, Jaspers não comenta sobre a Revelação relativamente ao hegelianismo, proposta por Kierkegaard como solução para as contradições, ele nos leva a um subjetivismo puro e formal através do descontÃnuo, do pluralismo e impotência, o oposto de um Deus. E em tal subjetividade se encontra a transcendência por meio de suas derrotas. Pode-se dizer então que 24 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 118), na nota de rodapé (5): “O caso de Heidegger é complexo demais para que possa expô-lo aquiâ€. 82 para sentir o transcendente devemos passar pelo fracasso. A vitória seria, neste ponto, a objetivação que proporcionaria ao homem superar-se e ultrapassar suas insatisfações. A contemplação sobre os fracassos e insucessos é adequada a uma burguesia que se desanimou do cristianismo, porém possui saudades da fé, visto que, não está muito “crente†em uma ideologia racional e positivista. Kierkegaard, ao contrário de Jaspers, não acredita em vitória como trampolim da superação, ela “desafia o homem em si mesmoâ€. Já Kafka acredita, parecendo um pouco mais coerente, que nesse nosso mundo de alienação, uma pessoa singular não se reconhece como vencedor. Sempre deve se superar, do contrário, é esmagada por suas próprias exigências e pelas dos outros. Tais cobranças, de sempre ser vencedor em todos seus empreendimentos, agrava cada vez mais a alienação. Sartre descreve realmente o que é relevante para Jaspers: Mas o que importa a Jaspers é retirar daà um pessimismo subjetivo e fazê-lo desembocar num otimismo teológico que não ousa dizer seu nome; o transcendente, com efeito, permanece velado, não se prova senão pela sua ausência; não superamos o pessimismo, pressentimos a reconciliação, permanecendo ao nÃvel de uma contradição insuperável e de um total dilaceramento; esta condenação da dialética, não mais visa Hegel, mas sim Marx. Não é mais a recusa do Saber e sim da práxis (SARTRE, 1972, p. 19). Como se vê, Jaspers quer promover uma rejeição à práxis. Quer substituir um pessimismo subjetivo por um otimismo teológico. E o transcendente que emana desta teologia é tÃmido, não deve ser dito, se prova pela sua não presença. Parece que o pessimismo não está superado, pois com todas as contradições presentes no mundo concreto e real, a censura à dialética parece recair sobre a práxis marxista. O que, então, pode ser extraÃdo deste “conflito de interpretaçõesâ€? Vejamos: Kierkegaard não queria figurar como conceito no sistema hegeliano, Jaspers recusa cooperar como indivÃduo na história que fazem os marxistas. Kierkegaard realiza um progresso em relação a Hegel porque afirma a realidade do vivido, mas Jaspers regride em relação ao movimento histórico, uma vez que foge do movimento real da práxis, em direção a uma subjetividade abstrata, cujo único objetivo é atingir uma qualidade Ãntima (SARTRE, 1987a, p. 118). Diante disso, se Kierkegaard evolui em relação a Hegel, no tocante a propor ao vivido uma realidade, Jaspers deu um passo atrás, visto que, ele quis fugir de toda forma do movimento histórico, da práxis, querendo fundamentar uma subjetividade metafÃsica, num campo desconecto da realidade concreta. Jaspers propõe tal subjetivismo abstrato com a 83 finalidade de se chegar a uma qualidade Ãntima 25 . Assim o existencialismo de Jaspers parece refugiar-se num subjetivismo idealista, o qual não possui justificativas objetivas para ações no concreto. Ele se baseia em conceitos abstratos para fundamentar nossa vivência subjetiva. 3.2 Marxismo e Existencialismo Doravante, nos passos seguintes de Questões de método, Sartre vai começar a situar, explicar e retomar o tipo de existencialismo no qual ele se engaja, aquele que não se opõe ao marxismo, e que se constrói ao seu lado: Por sua presença real, uma filosofia transforma as estruturas do Saber, suscita idéias e, mesmo quando define as perspectivas práticas de uma classe explorada, polariza a cultura das classes dirigentes e modifica-a. Marx escreve que as idéias da classe dominante são as idéias dominantes (SARTRE, 1972, p. 19). Uma filosofia tem o poder de modificar as fundações do conhecimento. Ela proporciona mudança na cultura e no modo de se entender a dominação entre as classes. Isto quer dizer que, conhecer é transformar a realidade, a natureza ou a si mesmo. As ideias de quem domina uma era (detentores do Capital) são as que predominam em seu tempo, são aquelas ideias que determinam e se impõem na sociedade de modo geral. Para Sartre, Marx está certo, no sentido formal, pois por volta de 1925, o conceito de dialética, tanto em Hegel, como em Marx, era extremamente ignorado pelas “academiasâ€, ninguém “aconselhava†ou orientava estudos que tratavam de tal conceito. Com este desconhecimento não havia como dialogar com o materialismo dialético 26 de Marx. Os estudos recaiam sobre os clássicos, como Aristóteles, a lógica era detalhadamente ensinada. Mesmo lendo alguns textos de Marx em sua fase inicial de aproximação do marxismo – principalmente o Capital e a Ideologia Alemã –, Sartre (1987a, p. 118) admite não ser afetado por tais obras, visto que: “Compreender é modificar-se, ir além de si mesmo: esta leitura não me modificavaâ€. O que o modificava eram os movimentos sociais impulsionados pela leitura marxista, isso sim lhe chamou atenção. O marxismo não possuÃa o prestÃgio dos intelectuais. Sobre esse momento do pensamento francês, o existencialista francês diz: 25 Cf. (SARTRE, 1972, p. 19) na nota de rodapé (6): “É esta qualidade ao mesmo tempo imanente (já que se estende através de nossa subjetividade vivida) e transcendente (já que permanece fora de nosso alcance), que Jaspers denomina de existênciaâ€. 26 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 118), na nota de rodapé (7): “É o que explica o fato de que os intelectuais marxistas da minha idade (comunistas ou não) sejam tão maus dialéticos: voltaram, sem sabê-lo, ao materialismo mecanicistaâ€. 84 Mas, quando ele se dava como uma determinação real do proletariado, como sentido profundo – para si mesmo e em si – de seus atos, ele nos atraÃa irresistivelmente sem que soubéssemos e deformava toda a nossa cultura adquirida. Repito-o: não era a idéia que nos perturbava; não era tampouco a condição operária, da qual tÃnhamos um conhecimento abstrato, mas não a experiência. Não: era uma ligada à outra, era, terÃamos dito então em nosso jargão de idealistas com ruptura com o idealismo, o proletariado como encarnação e veÃculo de uma idéia (SARTRE, 1972, p. 21). Para Sartre, o trabalhador poderia enxergar na teoria de Marx uma possibilidade real e concreta de se pensar e agir filosoficamente. Ela dava um norte fundamentando as suas ações. O existencialista francês reafirma Marx, não são somente as análises sobre as condições de trabalhos, que eram entendidas só de forma abstrata sem a vivência real do fato pelas outras teorias. Segundo ele, o marxismo revela um nexo entre a experiência e o conceito abstrato referente aos operários. Nesta cisão de Sartre com o idealismo abstrato, ele afirma que o proletariado se apresenta como incorporação e condução da ideia (objetividade). E ele propõe, como complemento ao que defende Marx, que quando essa massa em movimento toma consciência de si mesma descontenta enormemente à queles intelectuais que recusam uma ação como aplicação de uma ideia, que deveria ficar no âmbito abstrato, sem se corromper no concreto. E é por isso que o existencialista francês não aceita o “idealismo oficialâ€, pois ele desmerece o Trágico da vida 27 . Os operários desprezados por aqueles que os exploravam, que atuavam conscientemente, traziam latentes os conflitos que se negavam a ser solucionados pelos donos do poder. Vejamos nas próprias palavras de Sartre como pode ser pensado este complemento à teoria marxista: E creio que é preciso aqui completar a fórmula de Marx: quando a classe ascendente toma consciência de si mesma, esta tomada de consciência age à distância sobre os intelectuais e desagrada as idéias em suas cabeças. Recusamos o idealismo oficial em nome do trágico da vida. Este proletariado longÃnquo, invisÃvel, inacessÃvel mas consciente e atuante, fornecia-nos a prova – obscuramente para muitos dentre nós – de que não estavam resolvidos todos os problemas (SARTRE, 1987a, p. 119). Sartre destaca que sua geração pautava-se num “humanismo otimistaâ€, tal humanismo burguês destruÃa e desprezava à queles que não se adequavam em “seus valores†e que eram marginalizados para os arredores das cidades. Essa enorme massa, que fugia aos padrões, era 27 Cf. (SARTRE, 1972, p. 21), na nota de rodapé (9): “[...] era uma expressão posta a moda pelo filósofo Miguel Unamuno. Certamente este trágico nada tinha em comum com os verdadeiros conflitos de nossa épocaâ€. 85 tratada de “sub-homens conscientes de sua sub-humanidadeâ€. Esta hierarquização intelectual entre homens e “sub-homensâ€, neste momento, ainda era vista pelo existencialista francês de modo idealista, pois era a teoria exposta e aclamada em sua época. Mas este “espantoso†marxismo, que visava teorizar através da própria concretude da vida, instigou Sartre a tentar entender o homem em sua vivência situada, com seus anseios, decepções e dores reais. Isso culminaria na requisição de uma filosofia que abarcasse a totalidade da realidade, mas ela já estava aà e era ela que provocava essa reivindicação. O idealismo tão difundido pela burguesia, principalmente, agora se via perante um inimigo “concretoâ€. Parece inerente que a ideologia, apenas com conceitos abstratos, não dá conta destes homens concretos, que trabalham, lutam e vivem. O marxismo traz a novidade de destacar as contradições da realidade. Para Sartre o marxismo possibilita a saÃda de um pessimismo burguês: Assim, o marxismo como “filosofia tornada mundo†nos arrancava da cultura defunta de uma burguesia que vegetava sobre seu passado; enveredamos à s cegas na via perigosa de um realismo pluralista que visava o homem e as coisas na sua existência “concretaâ€. Entretanto, permanecÃamos no quadro das “idéias dominantesâ€: o homem que querÃamos conhecer na sua vida real, não tÃnhamos ainda a idéia de considerá-lo, de inÃcio, como um trabalhador que produz as condições de sua vida (SARTRE, 1972, p. 22). Vemos que o marxismo dá ao existencialista francês, neste momento, uma espécie de catarse, o purifica de uma filosofia pautada apenas em ideias, que era a difundida em seu tempo e o “coloca†na realidade múltipla. Mesmo assim, Sartre ainda não havia rompido com suas noções filosóficas (idealistas). O idealismo que o havia impregnado, não lhe dava arcabouço teórico para ver o homem na sua realidade concreta. Não lhe proporcionava conceber o homem como um ser que se faz em sua existência situada. Isto se deve ao fato de que ao longo do tempo foram confundidos, total e individual. Segundo Sartre o pluralismo fez com que a totalização dialética não fosse entendida. Nesta época estavam mais preocupados em tratar de essências (ideais) e coisas tomadas de modo isoladas e conceituais, do que tentar entender o devir de uma verdade originada da realidade e da história. Este idealismo cristalizado nas teorias deste tempo estava prestes a ser confrontado. Mas para isso foi necessário que ocorresse uma guerra, que demonstrasse violentamente que as coisas, sejam elas injustas ou corretas, acontecem no mundo real, não em ideias e conceitos. Perante esta brutalidade irracional era preciso agir e não meramente 86 pensar. Neste sentido, aquilo que pode ser posto como concreto está na história e na ação dialética e não em princÃpios abstratos (ideias). Visto por esse prisma, traçado pelo próprio Sartre, parece que o marxismo resolveu tudo. Que a filosofia da época seria o marxismo sem qualquer necessidade de reavaliação. Mas, Sartre pondera que o existencialismo tinha algo a dizer ao marxismo. Para ele, o existencialismo não se diluiu no marxismo, e ainda poderia reclamar para si uma autonomia. Ele expõe a ideia de Lukács sobre isso: A esta pergunta, Lukács acreditou responder num livrinho intitulado Existencialismo e Marxismo. Segundo ele, os intelectuais burgueses foram constrangidos a “abandonar o método do idealismo, embora salvaguardando seus resultados e seus fundamentos: daà a necessidade histórica de um terceiro caminho†(entre o materialismo e o idealismo) na existência e na consciência burguesa no curso do perÃodo imperialista (SARTRE, 1987a, p. 119). Notamos neste trecho de Sartre comentando Lukács, que o existencialismo surgia como uma terceira via para se entender os conflitos e a realidade humana. Deste modo, o Existencialismo se apresentaria como uma espécie de terceiro aspecto teórico para o qual os pensadores burgueses da época poderia acorrer. Para ele, isso se deve ao fato de que o existencialismo se encontra entre o Materialismo e o idealismo, mas para isto deveria rejeitar o método e os resultados do idealismo, o que para o marxista oficial do Partido seria impossÃvel. Lukács, segundo Sartre, avaliava que o existencialismo seria somente o último respiro da filosofia burguesa e que ele seria definitivamente exterminado pelo marxismo cientÃfico. Mas para Sartre esta resposta pode ser tomada como preconceituosa. Esta posição apressada de Lukács parece não levar em conta o que Sartre entende por existencialismo. Para o filósofo francês o marxismo apresenta-se como entendimento único e válido da história, pois é o mais coerente e completo e o existencialismo, por sua vez, surgiria como o único enfoque da realidade, visto que, estaria fundamentado na ação e escolha humana. Em suma, a filosofia marxista compreenderia a história de maneira coesa e racional e a outra, o existencialismo, trataria da realidade de forma concreta e concisa. Uma auxiliando a outra na tarefa de compreender a realidade e a transformá-la. Vejamos nas próprias palavras de Sartre tal posicionamento das teorias: Observemos simplesmente aqui que Lukács não dá conta absolutamente do fato principal: estávamos convencidos ao mesmo tempo de que o materialismo histórico fornecia a única interpretação válida da história e de que o existencialismo permanecia a única abordagem concreta da realidade. 87 Não pretendo negar as contradições desta atitude: verifico simplesmente que Lukács nem sequer suspeita de sua existência (SARTRE, 1972, p. 23). Sartre não deseja separar ou opor marxismo e existencialismo, ele pretende explanar que as duas teorias podem conviver na mesma época e contribuÃrem para a transformação da sociedade. Mesmo Sartre tendo esta predileção teórica pelo marxismo ele destaca alguns problemas. O marxismo está se distanciando um pouco dos pensadores e do conhecimento, pois parece que ele não se renova, não sacia mais a sede de compreender a nós mesmos em nossa própria realidade. Alguns “pensadoresâ€, como Lukács, paralisaram o marxismo. Tentam estabelecer uma delimitada ruptura entre teoria e prática. Para Sartre parece que estes “marxistas†pretendem bipartir a realidade, numa está a teoria e na outra, a prática. Uma teoria que visa à transformação da realidade voltando-a para a totalização promove essa segregação, isso pode ser tratado como uma contradição. Vejamos nas próprias palavras de Sartre: O marxismo estacionou: precisamente porque esta filosofia quer transformar o mundo, porque visa “ao tornar-se-mundo da filosofiaâ€, porque é e quer ser prática, operou-se nela verdadeira cisão que jogou a teoria de um lado e a práxis do outro (SARTRE, 1987a, p. 120). Tal afirmação pode nos levar a pensar de maneira mais ponderada. Toda teoria que tende ou pretende ser concreta deve se fundamentar na prática da realidade. Deve ser fruto, um construto da vivência humana, em sua época e no seu devir. Assim: “O pensamento concreto deve nascer da práxis e voltar-se sobre ela para iluminá-la: não ao acaso e sem regras, mas – como todas as ciências e todas as técnicas – em conformidade e princÃpios†(SARTRE, 1987a, p. 119). Depois ela deve retornar a esta concretude a qual foi engendrada, com o intuito de tentar entendê-la. Isto é, voltar-se a sua prática formadora, se esforçando em efetuar uma compreensão coesa, fundamentada e racional. Todo esse processo de retorno ao concreto deve ser orientado por uma gama de princÃpios, não de qualquer forma, ao bel prazer dos pensadores ou filósofos, deve-se ter método. Esta ruptura entre teoria e prática teve consequências negativas. A prática se reduziu a empirismo sem princÃpios e a teoria em Saber puro e cristalizado. Em outras palavras, a prática se transformou em experiências sem conceitos ou método de análise, descrição da realidade sem o crivo crÃtico de uma racionalidade reguladora e a teoria se restringiu ao conhecimento dogmático e abstrato, ideologia sem um referente do concreto objetivo, 88 metafÃsica vazia. Sartre elucida que: De outro lado, a planificação, imposta por uma burocracia que não queria reconhecer seus erros, tornava-se por isso mesmo uma violência feita à realidade, e já que se determinava a produção futura de uma nação nos gabinetes, amiúde fora de seu território, esta violência tinha por contrapartida um idealismo absoluto: submetiam-se a priori os homens e as coisas à s idéias; quando a experiência não confirmava as previsões só podia estar em um erro (SARTRE, 1972, p. 24). A planificação, esta tentativa de estabelecer organização da economia de forma sistêmica, se demonstra errônea, pois se torna uma ação violenta contra o concreto na medida em que, baseada em um idealismo absoluto, subsume a realidade à s ideias. Elabora regimentos programáticos perante conceitos idealistas, que não correspondendo à vivência, se demonstram atrofiados e enganados. Ela cria um conceito antes de experimentá-lo na realidade, a priori. Sartre destaca este método apriorÃstico para salientar que alguns marxistas podem estar indo no mesmo caminho do idealismo. Eles à s vezes negam as experiências, fatos e dados em prol de causas polÃticas – como engajamento em partidos. Porém, deviam pensar corretamente os ideais de seus partidos e destes métodos preconceituosos, que são uma violência idealista contra a realidade concreta humana, para aà sim poderem aferir um juÃzo de valor ou conhecimento acerca de determinado assunto. Vejamos: O marxismo, enquanto interpretação do homem e da história, devia necessariamente refletir as opiniões pré-concebidas da planificação: esta imagem fixa do idealismo e da violência exercia sobre os fatos uma violência idealista. Durante anos, o intelectual marxista acreditou que servia a seu partido, violando a experiência, negligenciando os dados e, sobretudo, conceptualizando o acontecimento antes de tê-lo estudado (SARTRE, 1987a, p. 121). Na prática isso pode se transformar em um grande problema 28 . Continuar racionalmente confirmando e/ou fazendo algo incerto é incorreto ou absurdo. Essa 28 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 121): “No dia 4 de novembro, por ocasião da segunda intervenção soviética na Hungria e sem dispor ainda de qualquer informação sob a situação, cada grupo havia tomado partido: trata-se de uma agressão da burocracia russa contra a democracia dos Conselhos operários, de uma revolta das massas contra o sistema burocrático ou de uma tentativa contra-revolucionária que a moderação soviética soubera reprimir. Mais tarde, vieram notÃcias, muitas notÃcias: mas não ouvi dizer que um único marxista tivesse mudado de opinião. Entre as interpretações que acabo de citar, existe uma que mostra o método a nu, aquela que reduz os fatos húngaros a uma ‘agressão soviética contra a democracia dos Conselhos operários’. É ponto pacÃfico que os Conselhos operários são uma instituição democrática, pode-se mesmo afirmar que eles trazem em si o futuro da sociedade socialista. Mas isto não impede que não existissem na Hungria quando da primeira intervenção soviética; e sua aparição, durante a Insurreição, foi breve demais e por demais perturbada para que possa falar de democracia organizada. Não importa: houve Conselhos operários, uma intervenção soviética produziu-seâ€. 89 persistência no duvidoso pode fazer com que os marxistas recaiam naquilo que eles mais criticaram ao longo dos tempos, ou seja, que se torne um idealismo. Neste sentido, o marxismo aparenta ter um duplo esquema. Um deles conceitua as coisas antes de vivenciá-las, partindo de um indutivismo, a priori, isso é a conceptualização, e, não leva em conta de forma atenciosa os fatos e as contradições da experiência real e concreta. Sartre expressa assim tal problematização: A partir daÃ, o idealismo marxista procede as duas operações simultâneas: a conceptualização e a passagem ao limite. Estende-se a noção empÃrica até a perfeição do tipo, o germe até seu desenvolvimento total; ao mesmo tempo rejeitam-se os dados equÃvocos da experiência: eles só podem extraviar (SARTRE, 1972, p. 25). Parece que o filósofo francês quer alertar os marxistas para um fato, tentar tomar conceitos como referentes ideais das experiências sem levá-las em conta parece se tornar um procedimento um pouco impreciso e parcial. Um todo é um composto de vários particulares, em que estes se relacionam e se condicionam entre si. Com isso, quando há a mudança de um elemento o mesmo pode vir a ocorrer com os outros e com o todo. Isto quer dizer que, se as coisas não existem de forma individual, sem se relacionar com os outros de sua unidade constitutiva, uma verdade sobre este todo não deve ser encontrada como uma abordagem especificista de cada elemento, ou seja, estudar cada elemento de modo particular não transmite uma resposta coesa e verdadeira à s perguntas do todo analisado. Ora, não se poderia duvidar de que a fecundidade do marxismo vivo vinha, em parte, de sua maneira de abordar a experiência. Convencido de que os fatos nunca são aparições isoladas, que, se eles se dão em conjunto, é sempre na unidade superior de um todo, que estão ligados entre si por relações internas e que a presença de um modifica o outro na sua natureza profunda (SARTRE, 1987a, p. 122). Seguindo esta perspectiva, toda hipótese conceitual se não for averiguada na experiência é uma previsão teórica daquilo que se quer conhecer. Um conceito só é válido concretamente se for aferido na realidade, do contrário é uma abstração, um esboço do que acontece na existência concreta. O procedimento compositivo de uma hipótese é universalizante, visa entender certas relações e dadas funções, mas não é totalizante, não representa uma totalidade concreta. Uma universalização é a tentativa de abranger ao máximo possÃvel, tornar-se axioma, 90 lei geral. Já a totalização é um conjunto unitário de particulares. O marxismo conseguia tratar da realidade se valendo dos dois aspectos. Aqui a totalização era feita de forma ordenada. A teoria propunha as perspectivas e certas ordens condicionantes. A partir disso, poder-se-ia pesquisar quadros particulares dentro de um conjunto unitário que estava em progresso. Ora: Sem dúvida, a hipótese do fÃsico, antes de ser confirmada pela experimentação, é também um deciframento da experiência; ela rejeita os empirismos simplesmente porque ele é mudo mas o esquema constitutivo desta hipótese é universalizante; não é totalizante; determina uma relação, uma função e não uma totalidade concreta. O marxismo aborda o processo histórico com esquemas universalizantes e totalizadores. E, bem entendido, a totalização não era feita ao acaso; a teoria determinava a perspectivação e a ordem dos condicionamentos, estudava tal processo particular no quadro de um sistema geral em evolução (SARTRE, 1972, p. 26). Tentar analisar os elementos constitutivos de um conjunto, os elevando a importância primordial para o todo, pode ser arriscado, pois ao tratar de hipóteses particulares como único fundamento para a totalização concreta, poder-se-ia cair em uma totalização singular. Nesta perspectiva o marxismo pode se confundir com um indutivismo, algo que a ciência e ele próprio querem distância. Sartre é enfático em criticar esta posição de alguns marxistas de seu tempo, pois para ele estes intelectuais invertem a maneira de se chegar ao conhecimento. Tomam seus conceitos, que são históricos, como explicação absoluta e eterna para a experiência. Este procedimento fundado em hipótese, como construto formado por individualidades, que possuem suas significações particulares, parece se importar mais com as singularidades do que com a totalidade unificadora. Sartre reforça: Em outras palavras, dá a cada acontecimento, além de sua significação particular, um papel de revelador: já que o princÃpio que preside a pesquisa é o de procurar o conjunto sintético, cada fato, uma vez estabelecido, é interrogado e decifrado como parte de um todo; é sobre ele, pelo estudo de suas insuficiências e de suas “sobre-significações†que se determina, a tÃtulo de hipótese, a totalidade no seio da qual reencontrará sua verdade. Assim, o marxismo vivo é heurÃstico: em relação à sua pesquisa concreta, seus princÃpios e seu saber anterior aparecem como reguladores (SARTRE, 1972, pp. 26-27). O problema é querer reduzir a totalidade aos fatos corriqueiros e disso defini-la como tal. A totalidade deve conter uma unidade de todos os acontecimentos, na qual ela não deve ser entendida como uma composição apenas de elementos singulares, que se alguns forem retirados ela deixaria de existir. Ela é: uma unidade de uma multiplicidade. Neste ponto Sartre relembra a importância do conceito de análise tão destacado por 91 Lefebvre anteriormente. É por causa da análise da situação que o marxismo defende, principalmente Lefebvre, que pode se entender as totalidades, pois elas são vivas, concretas e reais. Elas são ativas no processo de estudo de si mesmas, Marx não aborda entidades, como indivÃduos singulares. Sobre este método da análise o existencialista francês salienta: É ponto pacÃfico, com efeito, que esta análise não pode ser suficiente e que é o primeiro momento de um esforço de reconstrução sintética. Mas torna-se visÃvel também que ela é indispensável à reconstrução posterior dos conjuntos (SARTRE, 1987a, pp. 122-123). Esta espécie de análise parece não solucionar todo o problema da realidade, porém, se apresentou de forma providencial para remontar os conjuntos unificadores. A grande dicotomia encontrada, segundo Sartre, é que os mesmos marxistas que enchem a boca para falar sobre a importância crucial da análise a rebaixou para mera “cerimôniaâ€. Não estudam mais os fatos em uma vertente abrangente do marxismo, eles deveriam ser um objeto de pesquisa desta teoria concreta num viés totalizador. Então notamos que alguns marxistas não encaram os fatos como ponto relevante para a pesquisa, com isto, não podemos ter um melhoramento no saber e um esclarecimento para se agir. Assim, a análise se reduz a uma espécie de ação desembaraçadora e indutivista, coagindo determinados conceitos e acontecimentos. Ela se empenha em tratar os fatos como algo não natural, se esforça em criá-los com um fundamento repousado em “noções sintéticasâ€, que nunca mudam e que são fetichizadas. Sartre expressa deste modo esta tendência de alguns intelectuais marxistas: Os conceitos abertos do Marxismo se fecharam; não mais são chaves, esquemas interpretativos: eles se põem para si mesmo como saber já totalizado. De tais tipos singularizados e fetichizados o marxismo faz, para falar como Kant, conceitos constitutivos da experiência. O conteúdo real destes conceitos tÃpicos é sempre do Saber passado; mas o marxista atual faz dele um saber eterno. Sua única preocupação, no momento da análise, será a de “colocar†estas entidades (SARTRE, 1972, p. 28). Vemos neste trecho que, para o existencialista francês, o marxismo antes era não preconceituoso, fixado no devir do real, e, nas palavras de Henri Lefebvre 29 , inclinado abertamente a levar em conta outras propostas, está se fechando em si. Parece que nesta vertente temos o caminho inverso ao proposto antes por Marx, que defende que os conceitos, referentes a determinadas coisas, são produzidos através do real e não o inverso. 29 Cf. (LEFEBVRE, 2011, p. 10) “Na concepção marxista do mundo, a ação se define racionalmente em contato com o conjunto doutrinário e dá lugar, abertamente, a um programa polÃticoâ€. 92 Conceitos e significação das coisas não devem ser tratados como eternos e imutáveis, e, também como fundamento primeiro da vivência. É ela que fundamenta a construção dos conceitos e não o contrário. Esta deturpação do marxismo por alguns marxistas desorienta a principal virtude que Marx defendia em seu marxismo, a saber, a verdade é movimento, enquanto devir. Alguns de seus seguidores dogmáticos a transforma em Verdade a priori e absoluta. Distorcem o princÃpio de adquirir conhecimento pelo fato de constituÃ-lo em Saber absoluto 30 . Posto isto, parece que a vivência social e histórica foge ao Saber. Existem conhecimentos especificistas, que são muitos, da realidade que não possuem embasamento coeso, não têm fundamento teórico que valide suas concepções e tentam disfarçar suas imprecisões parciais e incompletas. E o marxismo, como age? Sartre (1987a, p. 123) responde de seu modo: “Quanto ao marxismo, tem fundamentos teóricos, abarca toda a realidade humana, mas não sabe mais nada: [...] seu objetivo não é mais o de adquirir conhecimentos, mas o de construir-se a priori em Saber absolutoâ€. Sartre sugere uma resposta para esse “imbróglioâ€: Ao contrário, o existencialismo e Marxismo visam o mesmo objeto, mas o segundo reabsorveu o homem na idéia e o primeiro procura-o por toda parte onde ele está, no seu trabalho, em sua casa, na rua. Não julgamos certamente – como fazia Kierkegaard – que o homem real seja incognoscÃvel. Dizemos somente que ele não é conhecido (SARTRE, 1972, p. 29). Então, se algumas “doutrinas†não possuem base teórica para justificar racionalmente suas posições, a que possui (marxismo), tende a se fundamentar como Verdade absoluta da realidade concreta, de maneira a priori e convicta. Já o existencialismo, do mesmo modo que o marxismo, procura a mesma coisa, só que por meios diferentes, enquanto o marxismo subsumiu o homem à ideia, o existencialismo busca o ser humano em todo lugar, situado em sua época e sociedade. Se a princÃpio o homem é marginal ao conhecimento concreto isso se deve ao fato de que, até então, só temos definições idealistas dele, que parecem ser parciais e abstratas, não correspondem ao homem real e mundano. Este idealismo marxista parece “amarrar†o homem comunista em sua condição determinista, não o possibilitando tomar consciência de si mesmo. Em outras palavras, este marxismo reproduz todos seus erros e problemas nas lutas 30 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 123) “A pesquisa totalizadora deu lugar a escolástica da totalidade. O princÃpio heurÃstico: ‘procurar o todo através das partes’ tornou-se esta prática terrorista: ‘liquidar a particularidade’. Não é por acaso que Lukács, que violou tantas vezes a história – encontrou em 1956 a melhor definição deste marxismo cristalizado. Vinte anos de prática lhe dão toda a autoridade necessária para chamar esta pseudofilosofia de um idealismo voluntaristaâ€. 93 conflituosas dos seres humanos. O existencialista francês expõe assim: É verdade também que a prática marxista nas massas não reflete ou reflete pouco a esclerose da teoria: mas justamente o conflito entre a ação revolucionária e a escolástica da justificação impede o homem comunista, nos paÃses socialistas como nos paÃses burgueses, de tomar uma clara consciência de si: um dos caráteres mais marcantes de nossa época é que a história se faz sem ser conhecida (SARTRE, 1987a, pp. 122-123). O grande problema é quando alguns intelectuais marxistas se valem de conceitos antes postos pelo próprio “marxismo tendencioso†a condicionar, em prol de crenças polÃticas, grupos ou pessoas a seguirem suas predicações. Isto quer dizer que, os conceitos antes eficientes em situações concretas ou reais, podem vir a ser usados, em um anacronismo completo, temporal e espacial, para sanar as contradições de outro tempo futuro. O marxismo de Marx é uma teoria e uma prática, que está ainda em pleno vigor, no começo de seu desenvolvimento. É a filosofia a ser superada, pois sua época ou suas situações, que foram substrato para edificação, ainda estão aÃ. Todo pensamento de nosso tempo presente tem influência marxista, mas podemos cair em uma dicotomia, se não formos coerentes e expansivos a outras posições teóricas, Sartre afirma que podemos nos perder num niilismo teórico ou regredirmos a posições impróprias. O filósofo francês descreve assim tal orientação em relação ao marxismo: Ele permanece pois a filosofia de nosso tempo: é insuperável porque as circunstâncias que o engendraram não foram ainda superadas. Nossos pensamentos, quaisquer que sejam, não podem se formar se não sobre este humo; eles devem conter-se no quadro que ele lhes forneceu, perder-se no vazio ou retroceder (SARTRE, 1972, p. 30). Se o marxismo é a filosofia insuperável de nosso tempo, pois tenta entender a realidade por e nela mesma. O existencialismo percorre o mesmo caminho. Se esforça em compreender a concretude humana em sua realização, buscando nela mesma sÃnteses concretas, que são fundamentos para uma totalização em pleno devir dialético, que podemos chamar de história. O mundo é o princÃpio primeiro de toda e qualquer filosofia, mesmo que, aceita como abstrata, metafÃsica ou qualquer outra doutrina tida ou encarada como irreal – aqui, relembrando, Sartre não aceita a noção de filosofia como teoria axiomática e eterna. O existencialista francês aponta assim esta estreita relação entre o existencialismo e o marxismo: O existencialismo, como o marxismo, aborda a experiência para nela 94 descobrir sÃnteses concretas, não pode conceder estas sÃnteses senão no interior de uma totalização em movimento e dialética que nada mais é do que a história ou – do ponto de vista estritamente cultural em que nos colocamos aqui – do que o “tornar-se-mundo-da-filosofia†(SARTRE, 1987a, p. 124). Então, o existencialismo defende uma verdade que emerge da realidade. É uma filosofia que aborda uma totalização em constante devir, que não termina ou perdura para sempre, é situada. Não devemos nos ater somente a fatos singulares, pois isolados eles não possuem significação completa de si mesmos, se assim procedermos cairÃamos num relativismo conceitual, não terÃamos nem o verdadeiro nem o falso. Esta indefinição se refere a uma noção de parcialidade. Ela só terá sentido se for comprovada diante de uma totalização unificadora. Por mais que, diversas teorias defendam uma segregação do conhecimento, na qual cada especialidade trata de determinado assunto ou tema, Sartre defende, assim como Marx, uma concepção totalizadora da realidade, esta cosmovisão seria a verdade de determinado tempo histórico, no qual ela está presente. O existencialismo é: Para nós a verdade torna-se, ela é e será devinda. É uma totalização que se totaliza sem cessar; os fatos particulares nada significam, não são nem verdadeiros nem falsos enquanto não forem referidos pela mediação de diferentes totalidades parciais à totalização em curso (SARTRE, 1972, p. 30). Postas todas essas reflexões e interpelações de Sartre ao marxismo e aos marxistas “dogmáticosâ€, ele mesmo afirma que tal teoria é a teoria a ser superada, então por que ele não se assume como um marxista “desconfiadoâ€? O existencialista francês propõe e recolhe-se numa humildade filosófica, ou seja, uma filosofia para ultrapassar o marxismo deve dar ao homem uma liberdade que supera o produzir de si próprio em seu meio. Tal filosofia parece ainda não existir e pontua: Logo que existir para todos uma margem de liberdade real para além da produção da vida, o marxismo deixará de viver; uma filosofia da liberdade tomará seu lugar. Mas não temos nenhum meio, nenhum instrumento intelectual, nenhuma experiência concreta, que nos permita conceber esta liberdade ou esta filosofia (SARTRE, 1987a, p. 126). Como vimos até então, Sartre não aceita uma defesa da filosofia como ciência eterna e axiomática. O conhecimento ou verdade está sempre por se fazer. Se a filosofia ou o saber são históricos, não é prudente defender princÃpios abstratos, imóveis e eternos. O que chama a atenção do francês em todo o percurso de Questões de método é a sua aproximação do marxismo com ressalvas, como observado recorrentemente até agora. 95 Um marxista, em especial, mereceu a reverência de Sartre. Seu nome, não por acaso, é Henri Lefebvre, que aferiu ao método dialético uma importância e simplicidade racional. Ele não despreza, pelo contrário, eleva a noção de contradição a um patamar de extrema relevância no tocante a possibilidade de entendimento crÃtico, racional e lógico. Assim, Lefebvre se destaca pela sua moderação perante a teoria marxista. Ele, ao contrário de alguns intelectuais marxistas, busca estabelecer seu marxismo sobre os primórdios do marxismo originário. Tais fundamentações recaem no movimento histórico contÃnuo, no devir permanente da vida e da história humana. Aqui, temos a defesa de uma concepção de mundo aberta, despreconceituosa e flexÃvel. Assim, Sartre expressa o seu respeito à Henri Lefebvre: “Para estudar, sem aà se perder, uma tal complexidade (ao quadrado) e uma tal reciprocidade de inter-relações. Lefebvre propõe ‘um método muito simples’, utilizando as técnicas auxiliares e comportando vários momentos†(SARTRE, 1972, p. 47). Os distintos momentos 31 descritos por Lefebvre, a saber, demonstram-se na exposição, que é devinda da pesquisa ou análise e é a posteriori. Já a análise dialética é um método que fixa o estudo da realidade na história. Neste sentido, relembrando Lefebvre e discordando de muitos marxistas ortodoxos, devemos primeiro perceber a realidade, a experiência, para depois produzir conceitos referentes a ela. Expor ou apresentar estes dados é um passo derradeiro. Não é possÃvel exibir um conceito sem antes tê-lo originado em uma práxis, circunstância situada. Por fim, Sartre repreende aos marxistas ortodoxos e dogmáticos, aqueles que pregam um idealismo marxista fundado em ideais já postos, se valendo de um indutivismo conceitual, ou seja, se um procedimento teórico funcionou bem em determinada circunstância podemos torná-lo aplicável a todas as situações semelhantes, isto é, a impressão de que um conceito foi aplicado de forma satisfatória pode ser utilizado em atitudes análogas, se tornando verdade eterna, sem verificar tal acontecimento em sua realidade. Finalizando, Sartre é enfático em seu posicionamento: Assim, a autonomia das pesquisas existenciais resulta necessariamente da negatividade dos marxistas (e não do marxismo). Enquanto a doutrina não reconhecer a sua anemia, enquanto fundar seu Saber sobre uma metafÃsica dogmática (dialética da Natureza), em lugar de apoiá-la na compreensão do 31 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 134) “a) Descritivos. – Observação, mas com um olhar informado pela experiência e por uma teoria geral... b) AnalÃtico-regressivo. – Análise da realidade. Esforço no sentido de datá-la exatamente... c) Histórico-genético... – Esforço no sentido de reencontrar o presente, mas elucidado, compreendido, explicado. (Henri Lefebvre: “Perspectives de sociologie ruraleâ€. Cahiers de Sociologie, 1953)â€. 96 homem vivo, enquanto rejeitar em nome de irracionalismo as ideologias – como fez Marx – querem separar o ser do Saber e fundar, em antropologia, conhecimento do homem sobre a existência humana, o existencialismo prosseguirá suas pesquisas (SARTRE, 1987a, p. 126). O existencialismo continuará existindo sempre que os marxistas persistirem no erro de tentar se basear em conceitos apriorÃsticos os elevando a um nÃvel de eternos, imutáveis e indubitáveis. Enquanto isto tudo não for revisto eles vão continuar segregando o ser (existência concreta) do Saber (conhecimentos da humanidade). E mais, no existencialismo, Isto significa que ele tentará esclarecer os dados do Saber marxista com os conhecimentos indiretos (isto é, como vimos, com palavras que denotam regressivamente estruturas existenciais) e engendrar no quadro do marxismo um verdadeiro conhecimento compreensivo que reencontrará o homem no mundo social e o seguirá em sua práxis ou, se se preferir, no projeto que o lança em direção dos possÃveis sociais a partir de uma situação definida (SARTRE, 1972, p. 148). Então, a filosofia sartreana 32 visa entender os dados concretos do conhecimento marxista (Lefebvre e Marx) no núcleo da realidade social humana. Tecer ao lado de Marx um conhecimento verdadeiramente dialético e construÃdo, como afirma o marxista francês, na vivência humana contraditória fundada no método dialético e na razão dialética. A harmonia não passa de um conceito abstrato que não se encontra na sociedade, que é fundada sob o solo da contradição. 32 Cf. (SARTRE, 1987a, p. 123) “Há, pois, duas concepções que se deve evitar confundir: a primeira, a de numerosos sociólogos americanos e de alguns marxistas franceses, substitui tolamente os dados da experiência por um causalismo abstrato ou algumas formas metafÃsicas ou conceitos como os de motivação, de atitude ou de papel, que só têm sentido associados a uma finalidade; a segunda reconhece a existência de fins em todo lugar em que se encontram e limita-se a declarar que alguns deles podem ser neutralizados no seio do processo de totalização histórica. É a posição do marxismo real e do existencialismo. O movimento dialético que vai do condicionamento objetivo à objetivação permite, com efeito, compreender que os fins da atividade humana não são entidades misteriosas e acrescentadas ao próprio ato: representam simplesmente a superação e a manutenção do dado num ato que vai do presente em direção ao futuro; o fim é a própria objetivação, na medida em que constitui a lei dialética de uma conduta humana e a unidade de suas contradições interioresâ€. 97 CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluindo, as crÃticas postas a Sartre parecem não serem verdadeiras. Se observarmos bem, quando os marxistas dizem que esta teoria sartreana defende uma subjetividade pura , o cogito cartesiano – no qual o homem se isolaria em si do mundo exterior e dos outros –, tal crÃtica não é procedente. Como vimos, a subjetividade defendida por Sartre se baseia na relação necessária do eu com o outro, pois a minha existência somente é aferida pelo exame do outro. Nesta perspectiva, o outro é condição para minha existência de forma plena, visto que, eu existo enquanto consciência reflexiva e como um ser humano para o outro. Assim, temos a intersubjetividade humana. Em outras palavras, o homem reconhece seu ser na relação direta com os outros, há a definição, ao mesmo tempo, de mim e do outro. O mesmo se aplica ao problema da liberdade. Então, quando Lefebvre critica o existencialismo de ser uma concepção individualista do mundo não é direcionado a Sartre, como observamos, pode ser à Jaspers, que defende um existencialismo subjetivista. Somente sou livre se todos os outros são da mesma forma. A liberdade humana é concreta, não é abstração ou transcendência, “ela é situada no mundoâ€. Se, como vimos, o ser humano é totalidade (unidade) de consciência e corpo, ele deve agir em sua própria realidade, no mundo como um todo. A liberdade então é realizada diante de obstáculos postos ao longo da vida, é a facticidade. Sem tais adversidades, o homem não passaria de um cumpridor de tarefas já dadas. SerÃamos como um animal dentro de um corredor sem barreiras, no qual só seguirÃamos o caminho delimitado pelas paredes, sem ter que ultrapassar nenhum tipo de obstáculo. Aqui Sartre e Lefebvre se aproximam. O marxista francês defende uma verdade, seja ela do conhecimento ou no tocante a moral, provinda da realidade e contradições presentes na vida concreta humana. Para ele, não devemos tenta resolver os problemas conceituais ou éticos nos valendo de uma enganadora harmonia. As contradições ou obstáculos estão aÃ, não importa que teorias digam o contrário, devemos tentar superá-las e não nos apoiar em uma tendenciosa e ideológica conformidade. O mundo é conflituoso. Todo e qualquer ser humano exerce uma determinada ação visando realizar sua liberdade em ato. É neste momento que eu descubro que minha liberdade está ligada aos outros homens, que, por conseguinte, têm suas liberdades relacionadas ao modo de como sou livre. Com isso, quando todos exercem suas escolhas livres é que exerço minha liberdade e escolha também. Assim sendo, existe a relação de compromisso, pois sou forçado a realizar a 98 minha liberdade em congruência com a dos outros. Posto isto, notamos que é só em liberdade que o homem pode estabelecer a relação humana de conduta e de existência, e, a minha liberdade só será considerada como um fim se for considerada a de todos como fim também. A partir disto, caÃmos na moral. Ela está fundada na liberdade, pois é por ela que o ser humano inventa seus valores e sua conduta. Neste ponto também aparece Lefebvre que aprova as ideias de Marx, o qual afirma que não se encontra, ao longo de toda a história, uma moral que abrangesse, ao mesmo tempo e de maneira igualitária aos anseios, tanto de dominados, quanto de dominantes. A sobreposição das morais elitistas sempre foi notória, defendiam uma exploração, que se refinou e melhorou com o passar do tempo, em moldes legais e religiosos. O marxismo tenta esclarecer que o erro da moral, que se fundamenta em princÃpios abstratos e ideológicos, está em um processo constante. Determinada moral nasce na sua antecessora e as incertezas podem vir a ser reproduzidas ou não, dependendo do caminho tomado. Estas morais que se pautam por tais meios são ferramentas de dominação, se valem de princÃpios sobrenaturais para oprimir os proletariados. A crÃtica dialética propõe um esclarecimento deste erro contÃnuo e irracional. O materialismo dialético não se posiciona de forma cÃnica perante o problema dessas morais já estabelecidas, ele apenas as recusa e não assente tais normas como o caso a ser seguido. Lefebvre defende uma moral do progresso, só poderemos ter uma ética, propriamente dita, se todos os homens forem iguais – a noção de dominação deve ser excluÃda da vivência humana – e possuÃrem identificação e participação em seus produtos. Dito de outro modo, deve ser superada a alienação. Para o marxista, esta nova moral deve vir de uma classe excepcional. Tal classe é o proletariado, pois somente ela pode ultrapassar esta alienação moral imposta por seus dominadores, visto que, é quem sente na pele a opressão e a exploração e que pretende e deseja mudar tal situação. Para que isto seja possÃvel, o trabalhador deve se “desamarrar†(liberdade) e, do mesmo modo, soltar todos os seus semelhantes. O homem pode até exercer suas ações levando em conta uma moral abstrata, porém, a decisão final sobre o que fazer é de inteira responsabilidade sua. Neste sentido, ele escolhe sua moral. Diante de todos os conflitos que aparecem na vida, o ser humano tem que escolher, mesmo que não escolha, ele escolheu não escolher. Nota-se, assim, que a escolha tem um caráter de comprometimento humano-temporal, visto que, a escolha de um está ligada aos outros por meio da responsabilidade inerente a ela e a escolha é válida para todo tempo presente. 99 A escolha, então, se torna auto-valorativa, pois se escolho tal caminho, o fiz perante um número considerável de possÃveis e em coerência, responsabilidade e comprometimento com a humanidade, em autenticidade e boa fé. Do contrário, quem nega e se esconde da liberdade, da responsabilidade perante a si e todos, está agindo de má-fé. Este momento é quando uma pessoa tenta se livrar da necessidade de escolher e se apresenta da maneira como o outro deseja. Já para Lefebvre, nesta nossa sociedade opressora, a escolha está diretamente ligada à alienação a qual o homem sofre. Escolho aquilo que me é determinado, pois sou alienado e explorado, me vendo, não somente como força de trabalho, mas também como ser humano. Não me reconheço em minhas criações, estou sempre exaurido e desgostoso. Se lembrarmos bem, mesmo neste meio inóspito, Sartre ainda dá uma autonomia ao ser humano, por mais que esteja condicionado por inúmeras imposições é o ser humano, dentro de seu campo de possibilidades, que se faz e escolhe suas ações. Contrariamente, o agente de má-fé afirma que existem valores pré-estabelecidos, tenta justificar suas ações em algo que não eles próprios. Isto é, agindo de forma errônea, inautêntica, já implica uma ação de inteira má-fé. Relembrando, todas as justificações e desculpas – religiosas, psicológicas, teóricas, cientÃficas ou ideológicas – são a tentativa de recusar a liberdade e a responsabilidade referente a seus atos. Aqui também notamos a presença de Henri Lefebvre, ele também rejeita valores morais fundamentados em metafÃsica e/ou ideologias. Seguir valores abstratos traz duas consequências negativas, uma que não possui uma congruência com o real e outra que serve, que o digam os burgueses, de instrumentos de dominação – a moral é aquela que o dominante segue, que prega a obediência à s “regras†para um bom trabalho (que dignifica o homem). Devido a esta intensa responsabilidade diante de todos, o homem se depara com a angústia. Ela não é um divisor entre o ser humano e sua escolha, ou seja, ela não é fundamento para se escolher algo, ela faz parte da relação entre liberdade, escolha e responsabilidade. Não se pode escolher tendo como ponto de partida a angústia, pois ela é contemporânea à escolha e não princÃpio. Somente na má-fé pode-se atribuir à angústia um caráter de fundante da escolha. Não notamos diretamente a má-fé em Lefebvre, mas ela poderia ser uma justificativa, burguesa, para os valores postos em uma sociedade. Não há uma racionalidade metódica que valide uma moral fundada em princÃpios idealistas e/ ou metafÃsicos, pois eles podem não ser aplicáveis ao real concreto. Por exemplo, quando se defende valores provindos de Deus, que é sumamente bom e onipotente, parece que nessa realidade alienada e conflituosa não notamos 100 tais valores, eles são ideias perfeitas e não ações humanas do concreto, fica tudo muito “suspensoâ€. Não é verdade também a crÃtica Cristã ao existencialismo. Sartre parte da concretude humana e ateÃsmo por posição filosófica e não meramente por um ceticismo. A “existência precede a essênciaâ€, pois primeiro o homem existe, toma consciência de si, para depois sim se definir (essência). Tal definição não ocorre de modo instantâneo, só depois que for se realizando a si próprio ao longo de sua existência. Sendo assim, não existe natureza humana e nem valores morais pré-estabelecidos por um Deus, visto que ele não existe para realizá-los. Lefebvre também quer escapar do cristianismo, que segundo ele, favorece politicamente quem mais lhe convém. Os grandes sacerdotes, pensadores cristãos, fazem acordos com aqueles que mais lhes dão proveitos. A posição polÃtica é definida diante de anseios previamente atendidos. A polÃtica aqui é base para a teoria e não produto de uma metódica decisão coerente e racional. Os possÃveis “ideais†que os homens podem vir a seguir são criados por eles próprios, pois o homem é quem inventa seus valores e eles não lhes são superiores. Isto é, a existência de Deus - como uma idealização humana - não muda o fato de que o homem é o único responsável por suas ações, sua existência e essência. Nisto nos parece que os dois pensadores estão de acordo. Nota-se que é possÃvel julgar o outro baseando-se na noção de má-fé, pois quando se age de tal modo contrariamos a coerência e a responsabilidade humana. Os valores são inventados, mas com comprometimento total da humanidade, não é algo licencioso, pois tenho que conviver com os outros, com isso, não se pode fazer o que quiser. As ações humanas são de responsabilidade dos próprios homens, deve-se, então, afirmá-la. E sobre o existencialismo ser pessimista, é algo que não deve ser levado em conta. Sartre define o homem por sua ação, “o homem é a totalidade de suas açõesâ€, o ser humano que é covarde o é por suas ações covardes e nada mais. Assim, esta teoria é ativa e concreta e não imobilista. Pelo contrário, uma pessoa, para ser, tem de agir em sua realidade e não se baseando em um postulado a priori. O existencialismo é um humanismo porque ele possibilita ao homem ser o próprio detentor de seu “destinoâ€, é ele que se define como ser. O homem sempre está por se fazer ao longo de sua existência, ele nunca está pronto e acabado. Sua essência é definida por ele próprio, suas ações constituem seu ser. Nesta perspectiva, o homem define seu mundo através de suas ações e de sua consciência, é ele que atribui significado à s coisas e principalmente determina seus valores e conduta. 101 O ser humano, ao escolher suas ações, vai construindo simultaneamente uma imagem que ele entende ser a melhor em seu caso. Porém, como a teoria sartreana é concreta e ativa, o homem pode mudar de escolha, por algum motivo que tenha comprometimento autêntico consigo e com os outros, ele pode ser outra coisa. Em suma, o ser humano é livre para escolher, mas não de forma individualista, ele tem responsabilidades para com os outros e a angústia decorrente desta circunstância é inerente a ele. A conduta moral humana parece ser necessária, pois minha existência só é confirmada de modo pleno por meio do outro. Esta inter-relação humana não é harmoniosa, mas é necessária para que eu me torne eu e o outro se torne ele mesmo. Então, a moral só pode vir desta relação conflituosa e concreta, a saber, eu-outro. O método marxista, abordado por Lefebvre, traz à tona o conflito inserido em uma análise minuciosa da realidade, a tensão entre elementos, entre o positivo e o negativo, entre o proletariado e a burguesia (o que sempre se ressaltou como a força motriz do movimento histórico de Marx), assim se desenha a “Luta de Classes†como o cerne da realidade, da história. A contradição se expõe como algo que não pode ser ignorado. A realidade passa a ser vista de forma diferenciada, como um contexto em movimento. Tal movimento é dilacerado, quando separam-se os elementos, os traços a serem analisados, as conexões entre eles e investiga-se isoladamente. Aqui se destaca uma peculiaridade da teoria marxista, a pesquisa não impede a reconstituição do todo, do movimento, da realidade. O método de Marx demonstra um traço singular, a originalidade de cada objeto estudado. Individualmente o objeto exprime suas qualidades e diferenças, exprime sua contradição. Isso não distancia o marxismo de um âmbito universal, as diferenças são destoantes umas das outras, mas não se desligam de uma universalidade, de uma racionalidade. Sartre se aproxima assim de Lefebvre porque este não rompe com o marxismo de Marx. Devemos nos ater ao fato de que a filosofia é histórica, assim como os seus conceitos. Um conceito é válido e aceito em sua época e tentar transferi-lo para outra é, no mÃnimo, perigoso. O que fica nesta breve relação lefebvriana e sartreana é a importância de se ter um método dialético – Análise, racional e metódica da realidade e sua exposição como forma de remontar o todo – do qual possa ser produzido um conhecimento racional e histórico. Para isto, deve-se pensar numa realidade, necessariamente, conflituosa, na qual desenvolvem-se a vida e as relações humanas. É do conflito e condicionamentos que podemos refletir uma moral propriamente concreta. Somente deste modo. 102 Com isto Sartre se opõe não ao marxismo e sim a alguns marxistas. Pois estes tentam transformar o marxismo num dogmatismo teórico, eternizando os conceitos marxistas, construÃdos dialeticamente e situados, em Verdades Absolutas. Com isto podem cair no mesmo erro dos idealistas, duplicar a realidade, uma para o ser e outra para o saber, tornando o marxismo abstrato. Assim este marxismo dogmático deve se atualizar, acompanhar as novidades da sociedade e de seu tempo. O marxismo deve se reinventar, não pode ficar se autodeterminando como A Teoria, pois esta não existe, como vimos, existem as filosofias, que são frutos de seu tempo e a totalização do saber de uma determinada época. O idealismo pode sim contribuir com alguns conceitos, mas que se não forem congruentes com o real se tornam vazios e sem sentido. Então não devemos excluir radicalmente qualquer teoria, pois esta é a totalização do conhecimento de seu tempo que um pensador se torna um agente transformador. Porém, o que faz a vida e o conhecimento são as pessoas, em sua vivência concreta e real. Então, o existencialismo e o marxismo lefebvriano defende uma verdade que emerge da realidade. São filosofias ou concepções de mundo que abordam uma totalização que está em constante movimento, que não cessa ou perdura para sempre, é situada. Não devemos nos ater somente a fatos singulares, pois, isolados, eles não possuem significação completa de si mesmos, se assim procedêssemos adotarÃamos um relativismo conceitual, não terÃamos nem o verdadeiro nem o falso. Temos que entender o todo em suas relações. Por fim, este trabalho não tem a mÃnima pretensão de ser uma resposta cabal, pronta e acabada sobre o tema, pretendemos que seja um caminho possÃvel para se entender este assunto. Marxismo e existencialismo podem sim coexistirem, pois os dois buscam a verdade provinda da vida concreta e moral da igualdade e liberdade. Tentar ser a Verdade absoluta e imutável é ir contra este princÃpio do movimento histórico do Ser. Deste modo, este texto também é uma invenção histórica e situada, e, não A Resposta. 103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS Bibliografia primária LEFEBVRE, Henri. Marxismo. Tradução William Lago. Porto Alegre: L&PM, 2011. SARTRE, J. P. O Existencialismo é um humanismo. São Paulo: Nova Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores). ______. O Existencialismo é um humanismo; A imaginação; Questão do método/ Jean- Paul Sartre. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha; Traduções de Rita Correia Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987a. ______. O Existencialismo é um Humanismo. Traduções e notas de VirgÃlio Ferreira. 4. ed. Lisboa: Editorial presença, 1978. ______. 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