0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE CRISTINA GUIMARÃES ARANTES ARAÚJO ÉTICA NEONATAL: O RECÉM-NASCIDO PREMATURO NO LIMITE DA VIABILIDADE UBERLÂNDIA 2013 1 CRISTINA GUIMARÃES ARANTES ARAÚJO ÉTICA NEONATAL: O RECÉM-NASCIDO PREMATURO NO LIMITE DA VIABILIDADE Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, como parte das exigências para obtenção do tÃtulo de Mestre em Ciências da Saúde, área de concentração Ciências da Saúde. Orientador: Prof. Dr. Alcino Eduardo Bonella Co-orientador: Prof.Dr. Carlos Henrique Martins da Silva UBERLÂNDIA 2013 2 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil. A663e 2013 Araújo, Cristina Guimarães Arantes, 1979- Ética neonatal: o recém-nascido prematuro no limite da viabi- lidade / Cristina Guimarães Arantes Araújo. -- 2013. 100 f. : il. Orientador: Alcino Eduardo Bonella. Coorientador: Carlos Henrique Martins da Silva. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. Inclui bibliografia. 1. 1. Ciências médicas - Teses. 2. Bioética - Teses. 3. Recém-nas- cidos - Teses. 4. Neonatologia - Teses. I. Bonella, Alcino Eduardo. II. Silva, Carlos Henrique Martins da. III. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. III. TÃtulo. 2. CDU: 61 3 CRISTINA GUIMARÃES ARANTES ARAÚJO ÉTICA NEONATAL: O RECÉM-NASCIDO PREMATURO NO LIMITE DA VIABILIDADE Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, como parte das exigências para obtenção do tÃtulo de Mestre em Ciências da Saúde, área de concentração Ciências da Saúde. Uberlândia, 29 de agosto de 2013 _____________________________________________________ Prof. Dr. Alcino Eduardo Bonella - Orientador Instituto de Filosofia – UFU _____________________________________________________ Carlos Henrique Martins da Silva - Co-Orientador Pediatria – UFU _____________________________________________________ Leonardo Ferreira Almada Instituto de Filosofia – UFU- Uberlândia-MG _____________________________________________________ Marco Antônio Oliveira de Azevedo Centro de Ciências Humanas – UNISINOS-São Leopoldo, RS 4 Dedico esse trabalho a todos meus pequenos pacientes, recém-nascidos, que através das suas necessidades, me ensinaram o valor e a preciosidade de suas vidas, a individualidade de cada ser, e a importância da compaixão e do amor no relacionamento com todo ser humano. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela oportunidade de empreender esse estudo. A minha famÃlia pelo exemplo e apoio incondicional para a concretização desse empreendimento. A todos que compartilharam do meu esforço para a conclusão desse trabalho, me apoiando e colaborando direta ou indiretamente, cujos nomes não os cito aqui por medo de que um lapso na memória faça-me esquecer de alguém injustamente, porém, asseguro de que no meu coração, todos serão guardados com muito afeto, e estarão sempre em minhas orações. 6 “Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.†(Madre Teresa de Calcutá) “O conhecimento nos faz responsáveis.†(Che Guevara) 7 RESUMO Com o avanço tecnológico e do cuidado neonatal, observa-se um crescente aumento tanto das taxas de sobrevivência de recém-nascidos extremamente prematuros (RNPTe), como da prevalência de morbidades crônicas e deficiências nos sobreviventes. Os objetivos do presente estudo são a descrição crÃtica dos princÃpios éticos/bioéticos que frequentemente são invocados para a justificação de decisões relativas à reanimação e/ou continuidade do tratamento do RNPTe no limite da viabilidade e a reflexão sobre as difÃceis escolhas envolvendo o recém-nascido, sua famÃlia e a equipe médica, e a reflexão sobre diretrizes e protocolos clÃnicos de diversos paÃses. Foi realizado revisão não sistemática da literatura em base de dados Medline, LILACS e SciELO, em inglês, espanhol e português, de 2000 a 2013, e estudo de bibliografia especÃfica sobre a bioética envolvendo as questões sobre o RNPTe. Diante da crescente redução no limite de viabilidade com maior sobrevida de RNPTe embora com morbidades freqüentes, a discussão principal se encontra na zona cinzenta, entre 23 e 24 semanas de IG, com prognósticos incertos e maior risco de sequelas graves. Na zona cinzenta as questões éticas são avaliadas baseadas em pensamentos contemporâneos, como o personalismo, o utilitarismo e o principialismo que norteiam as avaliações bioéticas. Para os RNPTe são considerados o estatuto moral, o melhor interesse , a qualidade de vida, a futilidade e a participação dos pais nos processos decisórios. Diretrizes e protocolos clÃnicos surgem em diversos paÃses, com o objetivo de orientar as tomadas de decisões dentro das UTIN e são elaborados com base nas reflexões sobre as questões bioéticas envolvidas no processo decisório relacionadas ao RNPTe. Deve-se ter em mente uma conduta individualizada para cada binômio mãe/RNPTe para as tomadas de decisões no limite de viabilidade, baseada no conhecimento médico-tecnológico e nos princÃpios bioéticos envolvidos, valorizando a vida e evitando a obstinação terapêutica. Palavras-chave: Recém-nascido prematuro. Ética. Bioética. Suspensão do tratamento. 8 ABSTRACT With the technological improvement and neonatal care, there was an increasing on both survival rates of extremely premature newborns (EPN), as on the prevalence of chronic morbidity and disability in survivors. The objectives of this paper are the critical description of the ethics/ bioethics principles that are often evoked to justify the decisions on resuscitation and/or continued treatment of EPN at the limit of viability, the considerations on the difficult choices involving the premature infant, his family and health care professionals, and the consideration of guidelines in several countries. A non-systematic review was made in databases (Medline, LILACS and SciELO), 2000-2013, and on literature about bioethics issues involving EPN. In a reality of decreasing limit of viability, followed by the increase survival rates of EPN and more frequent morbidities, the main discussion is about the gray zone, which is around 23 and 24 gestational age, presently, with uncertain prognosis and high risk of serious disabilities. In that, the ethical issues are evaluated based on contemporary theories, such as personalism, utilitarianism and principlism that guide bioethics evaluations. On the decision making process for the EPN, the moral status, the best interest, the quality of life, the futility and parental participation are the points considered. Guidelines and clinical protocols arise in several countries to guide decision-making at the NICU and are developed based on bioethical questions are reflections involved in decision-making about EPN. It should be brought in mind an individualized conduct for each mother/EPN in decision making at the limit of viability, based on medical and technological knowledge and involved bioethical principles, valuing life and avoiding therapeutic obstinacy. Keywords: Premature newborn. Ethics. Bioethics. Withholding treatment. 9 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Tabela 1: Taxa de sobrevivência dos RNPTe na década de 90, nos EUA e Canadá por idade gestacional 19 Tabela 2: Regressão logÃstica multivariada ajustada para fatores de risco de deficiências graves 20 Tabela 3: Porcentagem de óbito e deficiência grave por idade gestacional 20 Tabela 4: Porcentagem de óbito e deficiência grave por peso ao nascer 20 Quadro 1: Recomendação sobre a reanimação do RNPTe: Sociedade Médica SuÃça 75 Quadro 2: Resumo das propostas do Nuffield Council of Bioethics Report 78 Quadro 3: Protocolos e recomendações de alguns paÃses estudados e relacionados no texto 82 Quadro 4: Direcionamento dos principais protocolos 84 10 LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS AAP Academia Americana de Pediatria APH Associação Pediátrica Holandesa BAPM British Association of Perinatal Medicine CdF Carta di Firenze DBP Displasia bronco-pulmonar DUM Data da última menstruação EPICure Population based studies of survival and later health status in extremely premature infants GMFCS Gross Motor Function Classification System HIC Hemorragia Periventricular IC Intervalo de confiança IG Idade gestacional LCM PV Leucomalácea periventricular LET Limitação do Esforço Terapêutico MACS Manual Abilities Classification System NBC National Bioethics Committee NCB Nuffield Council on Bioethics NICHD National Institute of Child Health and Human Development NRN Neonatal Research Network OR Odds ratio PC Paralisia Cerebral PN Peso ao nascer QALYS Quality Adjusted Life-Years QV Qualidade de vida QVRS Qualidade de vida relacionada à saúde RBPN Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais RCPCH Royal College Paediatrics Children Health RN Recém-Nascido RNPT Recém-Nascido Pré-Termo RNPTe Recém-Nascido Pré-Termo Extremo RNT Recém-Nascido a Termo ROP Retinopatia da prematuridade SG Semanas gestacionais UNICEF União das Nações Unidas para a Infância USG1T Ultrassonografia de 1º trimestre UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal 11 SUMÃRIO 1 PENSAR A ÉTICA DO CUIDADO AO RECÉM-NASCIDO NO LIMITE DA VIABILIDADE ......................................................................................................... 12 2 O CONTEXTO DA NEONATOLOGIA................................................................ 15 3 A AVALIAÇÃO BIOÉTICA DO PROBLEMA................................................... 29 4 PROTOCOLOS E FUNDAMENTAÇÃO ............................................................. 60 5 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 85 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 88 ANEXO A - Protocolo de Groningen para Eutanásia em Neonatos ................... 98 12 1 PENSAR A ÉTICA DO CUIDADO AO RECÉM-NASCIDO NO LIMITE DA VIABILIDADE 13 A Neonatologia é uma disciplina que se desenvolveu no mundo, nos últimos 50 anos, dentro de um contexto de grande avanço tecnológico. Inúmeros recém-nascidos foram atendidos em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), e resgatados de situações de extrema gravidade, alcançando adequada recuperação e um saudável desenvolvimento, em longo prazo (PHIBBIS; SCHIMIT, 2006). Com o avanço nas diversas áreas do conhecimento nos últimos anos, pesquisas cientÃficas na área da neonatologia, em especial da tecnologia e dos cuidados, têm proporcionado a redução mundial da mortalidade infantil e a crescente sobrevivência de crianças nascidas extremamente prematuras. Algumas terapias desenvolvidas recentemente, nesta área, têm provocado um grande impacto na sobrevivência de neonatos prematuros, e como exemplos, podem ser citados: o suporte de ventilação mecânica, a nutrição parenteral e o uso do corticoide pré-natal. Porém, a prematuridade ainda é a maior causa mundial de mortalidade neonatal e a segunda causa entre os menores de cinco anos. Há uma grande variação entre os paÃses, contudo, é um problema de saúde pública que afeta ricos e pobres, mesmo dentro do próprio paÃs. Nos Estados Unidos, observa-se um aumento da taxa de prematuridade em 2010, e uma variação de 17,5% entre a população negra para 10,9% entre os brancos. Em alguns paÃses do norte europeu, a taxa de prematuridade fica em torno de 5%, já em Malawi, na Ãfrica Oriental, a prematuridade atinge até 18% dos nascimentos. O Brasil está entre os 10 paÃses com uma maior taxa de nascimentos prematuros (BLENCOWEet al., 2012). A sobrevida desses pequenos bebês está relacionada, consequentemente, a uma maior prevalência de morbidades crônicas e deficiências que acompanham tais sobreviventes ao longo de toda sua vida e de sua famÃlia. Desta situação advêm as questões éticas, sociais e legais que estão diretamente ligadas ao tratamento médico que estas crianças irão receber (BLENCOWE et al., 2012). Dentro desse universo de questões que podem ser levantadas, a reflexão sob a luz da bioética das questões que envolvem os cuidados com os recém-nascidos extremamente prematuros é o nosso objetivo neste trabalho. Situações que envolvem o limite da viabilidade do recém-nascido na condição de extrema prematuridade implicam na discussão de várias questões éticas de decisão médica. Torna-se imprescindÃvel o conhecimento da realidade que envolve o cuidado desses bebês, frente à s decisões com que a equipe de saúde venha a se deparar, decisões tais como: Quando e em quais RN devemos iniciar as manobras de reanimação? Quem deve receber suporte avançado à vida? Quem deve participar das decisões a serem tomadas? Qual o peso das decisões e escolha dos pais sobre as ações médicas? Como realizar o esclarecimento aos pais? 14 Em qual situação deve ser sugerido não iniciar o tratamento ou suspendê-lo? Quando o tratamento é considerado fútil? (TYSON; STOOL, 2003). Diante desses dilemas éticos, é fundamental o aprofundamento nas questões chaves do pensamento da Bioética, que, segundo Goldim (2006), mais que resposta para problemas, amplia sua abrangência ao refletir proativamente sobre novas situações, utilizando um amplo referencial teórico para dar suporte à s suas discussões. As incertezas que envolvem todas as decisões em torno do tratamento e reanimação do RN no limite da viabilidade constituem a motivação para a discussão deste tema neste trabalho. O objetivo aqui é refletir sobre quais os conceitos da Ética podem balizar as decisões frente aos dilemas que se apresentam com relação à reanimação e continuidade do tratamento do RN no limite da viabilidade. Em relação ao caminho metodológico, foi realizada uma revisão não sistemática da literatura em livros especÃficos sobre a situação do prematuro extremo no limite da viabilidade. E também, no perÃodo de 2000 a 2013, pesquisamos em bases de dados (Medline, LILACS, SciELO),em inglês, espanhol e português, usando os descritores “recém-nascido prematuroâ€, “ética médicaâ€, “bioéticaâ€, “suspensão do tratamentoâ€. Foram considerados os nascidos com menos de 28 semanas de idade gestacional, sobre os aspectos éticos e bioéticos envolvidos na decisão de reanimar ou não o recém-nascido prematuro extremo (RNPTe) no limite de viabilidade, como o estatuto moral do RNPTe,o valor da vida humana, o principialismo e outras formas de justificação moral, teoria do melhor interesse e os aspectos relacionados com o conceito de qualidade de vida. Também foram feitas revisão e análise dos protocolos existentes na literatura, relacionados com a reanimação e continuidade do tratamento do prematuro extremo, no limite da viabilidade; assim como, uma reflexão sobre essas teorias dentro da realidade dos paÃses em desenvolvimento, em particular no Brasil. 15 2 O CONTEXTO DA NEONATOLOGIA 16 A Neonatologia dedica-se, em particular, ao cuidado das crianças desde o nascimento até 28 dias de vida. Esse é perÃodo muito especial da Pediatria, de grande vulnerabilidade, pois as crianças estão sujeitas, frequentemente, a complicações relacionadas a eventos perinatais como asfixia perinatal, malformações congênitas e prematuridade (BARTON; HODGMAN, 2005). O recém-nascido (RN) é classificado pela sua maturidade (idade gestacional) e pelo peso ao nascer. Quanto à idade gestacional (IG), os RN são classificados como: termo (RNT) (IG entre 37 e 42 semanas); pré-termos (RNPT) (IG abaixo de 37 semanas completas) e pós- termo (IG acima de 42 semanas completas). Os RNPT são subclassificados em: RNPT moderado e tardio (IG entre 32 e 36 semanas); RNPT muito prematuro (IG entre 28 e 31 semanas) e RNPT extremo prematuro (RNPTe) (IG abaixo de 28 semanas) (WHO, 2012). Os critérios que definem a IG variam quanto à sua precisão e confiabilidade. O critério mais preciso e confiável é o que utiliza a data da última menstruação(DUM) e o exame de ultrassonografia do primeiro trimestre gestacional(USG1T), realizado antes de 13 semanas de gestação (NATIONAL COLLABORATING CENTRE FOR WOMEN‟S AND CHILDREN‟S HEALT - NICE,2008). Quando esses dados não são disponÃveis, utiliza-se a avaliação clÃnica da maturidade do RN, por meio de métodos como o Capurro e o New Ballard. Esse último é mais preciso para a classificação de pré-termos, no entanto apresenta margem de variação de 1,3 a 3,1 semanas, respectivamente para a IG de 28 a 22 semanas avaliada pela data da última menstruação. Portanto, quanto menor a idade gestacional, maior a imprecisão dos métodos de classificação (BALLARD, 1991). Quanto ao peso ao nascer (PN) os RN são classificados como: baixo peso (PN < 2.500g); muito baixo peso (PN<1.500g) e extremo baixo peso (PN<1.000g). (HORBAR et.al, 2012). O peso do RN isoladamente não define de forma precisa a maturidade do RN, já que se relaciona também com o crescimento intrauterino e fatores nutricionais, portanto não é considerado fator prognóstico isolado (PIGNOTTI, 2010). A IG é um fator importante e determinante, porém não absoluto, para definição de prognóstico confiável para tomadas de decisões nos casos de RNPTe. Tyson (2008) e Grinswold e Fanaroff (2010) consideram que o resultado da avaliação prognóstica é multifatorial e igualmente complexo como a determinação do limite da viabilidade. Além da IG e PN, são relevantes as questões de exposição antenatal ao corticoide, sexo, número de conceptos na gestação e vitalidade ao nascimento, entre outras. Cada uma dessas caracterÃsticas favorável à chance de sobrevida e ausência de sequelas no RNPTe, por 17 exemplo, o uso do corticóide antenatal, equivale ao ganho de uma semana gestacional (TYSON, 2008). Em alguns momentos, os limites de viabilidade do RNPTe podem ser bem evidentes para profissionais comprometidos com as melhores práticas de cuidados neonatais. Considera-se um erro submeter a tratamento de reanimação avançada, como intubação e massagem cardÃaca, um RNPTe sem chance de sobrevivência, mesmo diante da insistência dos pais, como, por exemplo, pré-termo com 22 semanas de IG ou com peso ao nascer de 350g. Além de certos limites, a chance de sobrevida é tão baixa que o direito da criança à misericórdia supera a autonomia dos pais. Por outro lado, parece errado a omissão de reanimação e tratamento a uma criança com boas chances de sobrevida sem graves deficiências, mesmo que os pais recusem o tratamento, por exemplo, em RNPTe nascido em UTIN de nÃvel terciário, com mais de 25 semanas de IG e peso ao nascer acima de 750g, sem malformações graves. A dificuldade, contudo, reside em estabelecer o limite preciso de viabilidade. Convencionou-se chamar de zona cinzenta, situações em que o prognóstico e o caminho certo a seguir quanto ao limite de viabilidade parecem obscuros, onde resta aos médicos oferecer aos pais informações mais esclarecidas possÃveis para que eles possam se orientar melhor quanto à decisão a ser tomada (MERCURIO, 2009). Para Seri e Evans (2008) a zona cinzenta refere-se à queles pacientes, RNPTe, nascidos entre 23 0/7 semanas de IG e 24 6/7 semanas de IG e PN entre 500g e 599g. Esses pré-termos têm altas taxas de mortalidade e morbidade. No entanto, em casos especÃficos, pode ocorrer desfecho favorável em condições excepcionais, sobretudo na dependência da maturidade individual. Nestes casos, existe uma linha divisória muito tênue entre a autonomia do paciente (ou de seu representante legal) e a futilidade ou obstinação terapêutica. Segundo recomendações de instituições americanas e da maioria dos paÃses europeus, pré-termos com IG abaixo de 23 semanas e com peso ao nascer inferior a 500g são tão imaturos que o razoável é prover cuidados de conforto (paliativos). Já os nascidos com IG acima de 25 semanas e peso ao nascer igual ou superior a 600g apresentam maturidade suficiente para que seja garantida intervenção imediata e inÃcio de cuidados intensivos. Entre esses dois limites, está a zona cinzenta, onde as decisões médicas devem ser cautelosas, baseadas na avaliação cuidadosa das condições pré-natais e clÃnicas ao nascimento. Os pais devem participar ativamente da tomadas de decisões, inclusive das reavaliações, conforme a resposta do paciente ao tratamento intensivo oferecido (SERI; EVANS, 2008). A maioria dos grupos internacionais não aconselha a reanimação dos RNPTe com menos de 23 semanas de IG, ou seja, com 22 semanas e seis dias, e indicam a reanimação 18 para os maiores de 25 ou 26 semanas de IG (LORENZ,2003; LUI et al.,2006; MAcDONALD, H.; HUGH; AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS, COMMITTEE ON FETUS AND NEWBORN, 2007;NUFFIELD COUNCIL ON BIOETHICS - NCB, 2006). Nesse intervalo de zona cinzenta os questionamentos sobre os benefÃcios e danos causados pelos cuidados intensivos são comuns e as condutas muito variáveis. Isso se deve a fatores como imprecisões quanto à s taxas de sobrevida e de morbidade, bem como a complexidade da avaliação da qualidade de vida futura dos pré-termos e dos valores morais, culturais, religiosos e sociais envolvidos (LORENZ, 2003). É essencial refletir sobre os limites de viabilidade dos RNPTe para as tomadas de decisões. Esses limites, contudo, não são facilmente determinados, e requer grande empenho de toda a equipe de obstetras, neonatologistas, enfermeiros e demais membros da equipe de saúde no estabelecimento de linhas de atenção para cada local em particular. Para tal, é imprescindÃvel que haja conhecimento e disponibilidade de dados a serem analisados sobre as condições de cada serviço, sob pena de ficarmos presos a profecias vazias, que não correspondam à nossa realidade, e perdermos a chance de investir na melhora da atenção e cuidados a quem realmente tem chances de sobrevida com um mÃnimo de bem-estar (CARRAPATO; MENEZES,[2009]). Alguns métodos foram avaliados, mas não se chegou a um instrumento definitivo e eficaz que consiga oferecer um prognóstico individualizado preciso. Meadow (2007) sugere a composição de um escore de gravidade e a intuição dos profissionais cuidadores, o que adiciona um componente subjetivo, mas que tem relativa eficácia em predizer desfechos como morte ou graves deficiências. É também questionável a conduta comum de se aguardar as condições de nascimento do RNPTe para então decidir sobre medidas de reanimação. Singh e outros (2007) observaram que as condições de nascimento do RNPTe (dados vitais imediatos) não apresentam correlações significativas com risco de morte e sequelas futuras. Observou-se, ao longo das últimas três décadas, aumento progressivo das taxas de sobrevivência de recém-nascidos cada vez mais prematuros (Tabela1). Há relatos na mÃdia de sobrevida de bebês extremamente prematuros como o caso do considerado “o menor bebê do mundoâ€, nascido nos Estados Unidos (Iwoa) em 2007, com idade gestacional de 21 semanas e seis dias e peso ao nascer de 284g (BBC BRASIL.COM,2007). A taxa de mortalidade de RNPTe com peso ao nascer abaixo de 1000g reduziu de 99,3%, em 1960, para 55%, em 1983. Nos anos 90, a taxa de sobrevivência de RNPTe com peso ao nascer abaixo de 750g foi de 39% e, entre 750g e 1000g, de 77% segundo o National 19 Institute of Child Health and Human Development(NICHD)e Neonatal Research Network (NRN) (LORENZ, 2000). Tabela 1: Taxa de sobrevivência dos RNPTe na década de 90, nos EUA e Canadá por idade gestacional Idade gestacional (semanas) 22 23 24 25 26 27 28 Allen e col. (1993) 0% 17% 56% 79% Kramer e col. (1998) 19% 48% 74% 75% 71% Hack e col. (1995) 4% 7% 40% 62% 77% 83% Lefebvre e col. (1996) 33% 71% 84% Kilpatrik e col. (1997) 49% 78% 83% Batton e col. (1998) 41% 24-25/68% Fanaroff e col.(1995) 25% 47% 68% 83% 84% 91% Battin e col. (1998) 0% 5% 45% 60% 81% 88% 87% Hussain e col. (1998) 0% 27% 57% 64% 87% 87% Stevensone e col. (1998)  24% 68% Fonte: Adaptado de Lorenz (2000). A Rede Vermont-Oxford de pesquisas neonatais congrega várias UTIN vinculadas ou não vinculadas a hospitais universitários e tem como metas melhorar a qualidade de vida e a segurança dos cuidados médicos para os RN e seus familiares. As publicações dessa Rede refletem os protocolos de cuidados neonatais e registram as taxas de morbidade e mortalidade dessas UTIN. Além disso, a Rede mantém um projeto de acompanhamento de RNPTe com PN entre 400g e 1500g. Mercier (2010) avaliaram RNPTe com idade entre 18 e 24 meses de vida, nascidos com PN entre 401g e 1000g, em 33 centros participantes da Rede entre 1998 a 2004. Várias diferenças foram encontradas entre os centros participantes. De 8636 RNPTe nascidos entre 1998 a 2003, 8,8% faleceram e 91,2%, foram admitidos na UTIN. Desses, 21,2% morreram durante a internação. Entre 18 a 24 meses, foram constatados 88 óbitos (1,4%). A taxa de mortalidade durante os seis anos de estudo variou de 16,7 a 51,7% (média de 28%), sem variação significativa ao longo dos anos. Aos 18 e 24 meses de vida, os RNPTe sobreviventes apresentaram alto risco para o desenvolvimento de deficiências graves, variável conforme a presença de fatores de risco como leucomalácea periventricular, malformações congênitas e hemorragia intracraniana, entre outros (Tabelas 2, 3 e 4). 20 Tabela 2: Regressão logÃstica multivariada ajustada para fatores de risco de deficiências graves CaracterÃstica OR 95% IC Leucomalácea periventricular 5,56 3,76 8.22 Malformações congênitas 3,15 1,55 6.40 Hemorragia intracraniana grave 3,05 2,45 3,79 Retinopatia da prematuridade grave ou cirurgia 1,59 1,23 2,04 Oxigenioterapia com 36 semanas de IG 1,53 1,28 1,84 NÃvel escolar do cuidador < 3º grau 1,49 1,27 1,75 Sexo masculino 1,82 1,50 2,22 Massagem cardÃaca na sala de parto 1,83 1,49 2,25 Diminuição do peso ao nascer por intervalo de 100g 1,26 1,17 1,36 Fonte: Adaptado de Mercier (2010). OR=odds ration; IC = intervalo de confiança Tabela 3: Porcentagem de óbito e deficiência grave por idade gestacional Idade gestacional (semanas) Nascimentos n Óbitos n (%) Sobreviventes avaliados/total n (%) Deficiência grave n (%) <23+0 528 504 (95,5) 15/21 (71,4) 11/15 (73,3) 23+0 – 23+6 916 567 (61,9) 2140/298 (71,8) 112/214 (52,3) 24+0 – 24+6 1452 535 (36,8) 531/737 (72,0) 234/531 (44,1) 25+0 - 25+6 1581 371(23,5) 698/965 (72,3) 261/698 (37,4) TOTAL 4477 1977(44,2) 1458/2021 (72,1) 618/1458 (42,4) Fonte: Adaptado de Mercier (2010). Tabela 4: Porcentagem de óbito e deficiência grave por peso ao nascer Peso ao nascer (g) Nascimentos n Óbitos n (%) Sobreviventes avaliados/total n (%) Deficiência grave n (%) 401-500 719 549 (76,4) 96/131 (73,3) 57/96 (59,4) 501-600 1331 721 (54,2) 342/493 (69,6) 160/342 (46,8) 601-700 1557 519 (33,3) 582/828 (70,3) 236/582 (40,6) 701-800 1723 362 (21,0) 772/1066 (72,4) 277/772 (35,9) 801-900 1637 202 (12,3) 771/1098 (70,2) 207/771 (26,9) 901-1000 1669 171 (10,2) 758/1108 (68,4) 199/758 (26,3) TOTAL 8638 2524 (29,2) 3321/4724 (70,3) 1136/3321 (34,2) Fonte: Adaptado de Mercier (2010). Há uma nÃtida correlação entre peso ao nascer e idade gestacional com risco de morte ou de deficiência grave. Para cada decréscimo de 100g do peso ao nascer e de uma semana 21 gestacional, há um acréscimo na chance de deficiência grave, respectivamente, em 31% (OR = 1,31; 95% IC = 1,24 - 1,38) e 35% (OR = 1.35; 95% IC = 1,18 – 1,54) entre os sobreviventes. A taxa de mortalidade e a frequência de deficiência grave entre 18 e 24 meses de idade corrigida foram de 29,2% e 34,2%, respectivamente. Embora mudanças em algumas condutas clÃnicas tenham ocorrido neste perÃodo, como o uso do corticóide pré e pós-natal, não houve diferença significativa nessas taxas ao longo dos anos do estudo (MERCIER,2010). Não se observou, entre 2000 e 2009, redução expressiva da taxa de mortalidade e de morbidade entre RN com PN entre 501g a 1500g. Ao final da primeira década do século 21, 89,2% e 49,2% dos RN com peso ao nascer entre 501g e 750g ou abaixo de 1500g morreram ou sobreviveram com alguma morbidade grave, respectivamente (HORBARet al.,2012). Na Inglaterra, o estudo EPICure (Population based studies of survival and later health status in extremely premature infants) (MOORE et al., 2012) verificou que, de 1995 a 2006, houve 11% de aumento da sobrevida de RNPTe livres de morbidades com idade gestacional entre 22 a 26 semanas. Contudo, não se observou mudança na frequência de morbidades graves como displasia broncopulmonar (DBP), lesões cerebrais graves identificadas na última avaliação ultrassonográfica (ventriculomegalia, infarto hemorrágico de parênquima cerebral ou cistos parenquimatosos) e retinopatia da prematuridade (ROP) grau 3 ou maior ou com necessidade de procedimento cirúrgico. Houve aumento na sobrevida de 44% em 1995 para 53%, em 2006, sobretudo na primeira semana de vida, o que parece ser atribuÃdo à instituição de melhores práticas imediatas ao parto prematuro, baseadas em evidência. Esse estudo registrou, no momento da alta hospitalar, sobrevida livre de morbidades graves de 41%. Por outro lado, aumentou o número de sobreviventes com necessidades especiais de saúde, educação e serviços sociais (COSTELOE et al., 2012). Existem grandes diferenças entre os vários centros de cuidados neonatais que interferem nas taxas de mortalidade e morbidade, tanto em paÃses desenvolvidos como em desenvolvimento, decorrentes de vários fatores como diversidade demográfica, intervenções antenatais, neonatais e pós-natais. As estatÃsticas variam conforme polÃticas ou estratégias de investimento no tratamento dos RNPTe no limite da viabilidade (VOHR; MSALL, 1997). Zlatohlávková, Kytnarová e Kubena (2010) descrevem a evolução de RNPTe em UTIN de um hospital regional da República Tcheca que, desde 1990, assumiu polÃtica de intervenção ativa nos nascimentos no limite de viabilidade, com admissão em UTIN de todas as crianças nascidas vivas com 24 semanas de IG ou superiores, e cuidados intensivos no caso de sinais de vitalidade para RNPTe entre 22 e 23 semanas de IG. Entre 1999 e 2003, as taxas 22 de sobrevida (até cinco anos) foram de 76% e 64% para crianças nascidas com IG entre 22 e 25 semanas de IG admitidas na UTIN e com 22 semanas de IG, respectivamente. Por outro lado, a taxa de sobrevida ou sobrevida sem morbidades graves para nascidos com 26 a 27 semanas de IG ou superior foi próxima de 80%. Portanto, a zona cinzenta na qual a tomada de decisão sobre a retirada do cuidado intensivo se justifica, neste serviço, está entre as idades gestacionais de 22 a 24 semanas de IG, em conformidade com outros autores (PIGNOTTI; DONZELLI, 2008). Segundo o autor, as únicas condições relevantes que justificam as tomadas de decisões de suspender a reanimação e cuidados intensivos dos bebês nascidos no limite de viabilidade são a taxa alta mortalidade e a sobrevida com deficiências maiores, ou seja, quando a morte é inevitável e a sobrevida pode ser acompanhada de uma condição de morbidade inaceitável ou quando o prognóstico é incerto, mas, frequentemente, muito pobre e a sobrevida pode estar associada a uma baixa qualidade de vida como definido pelo Comitê do Feto e do Recém Nascido da Academia Americana de Pediatria (AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS - AAP,2007). No Brasil, a prematuridade é um dos fatores mais importantes da mortalidade infantil. Em 2010, 7,2% dos nascidos vivos foram pré-termos, com variações conforme a região, por exemplo, nas regiões Norte (5,6%) e Sudeste (8,2%). Os nascidos com peso menor que 1.500g representam de 1% (Norte) a 1,4% (Sudeste) dos nascidos vivos. Embora essa prevalência não seja alta, o peso ao nascer menor que 1.500g representou 27,9% e 42,1% dos óbitos na faixa etária pediátrica nas regiões Norte e Sul, respectivamente (BRASIL, 2012). A UNICEF (2013) publicou, no relatório anual de 2012, uma taxa de mortalidade infantil em menores de cinco anos no Brasil, em 2010, de 16,2 óbitos por 1000 nascidos vivos, o que significou uma queda de 39% nos últimos 10 anos, porém com grande variação regional e elevada prevalência de óbitos no perÃodo neonatal. A marcante variabilidade das taxas de mortalidade de RNPTe ressalta as diversas realidades existentes no nosso paÃs quanto ao cuidado intensivo neonatal. Entre 2004 a 2005, Almeida e outros (2008) analisaram nascidos com IG entre 23 e 33 semanas e peso ao nascer entre 401g a 1500g admitidos em UTIN de hospitais terciários e universitários no Brasil. A taxa de mortalidade neonatal precoce foi de 16% (variação = 5% a 31%), menor que a taxa geral registrada no paÃs em 2004, para a mesma faixa de peso (56%). Os resultados desse estudo indicam diferenças substanciais entre as unidades, que persistem mesmo após o controle de fatores associados ao óbito neonatal. Na análise da mortalidade de RNPTe, identificou-se 26 semanas de IG como o limite de viabilidade. 23 A Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais (RBPN) apresenta dados de dezesseis centros universitários brasileiros de referência para o atendimento do RN de risco, relativos a bebês nascidos com menos de 1500g em 2011. Foram avaliados 1557 RN apresentados as taxas de sobrevida, excluindo as malformações congênitas e os óbitos em sala de parto, comparando a sobrevida por faixa de PN e IG, com média, mediana e os quartis. A IG foi calculada com base na melhor avaliação entre a disponibilidade da DUM, USG1T e a realização do exame New Ballard ao nascimento. A análise dos dados dos centros de referência brasileiros permite concluir que as taxas de sobrevida de RNPTe próximos ao limite de viabilidade são inferiores aos registrados nos centros internacionais. Apenas RNPTe nascidos com 27 semanas de IG ou superior ou com peso acima de 750g têm chance maior de 30%, em média, de sobreviverem, embora seja grande a variação entre os centros estudados. Dos RNPTe nascidos com IG abaixo de 24 semanas, somente 62 bebês sobreviveram (média = 8,7%), e dos com menos de 500g, apenas 45 sobreviveram (média = 17,6%). A Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais, assim como a Sociedade Brasileira de Pediatria, representada pelo Grupo de Reanimação Neonatal, recomenda, para o atendimento de RNPTe nascidos entre 23 e 30 semanas de IG, treinamento continuado em reanimação neonatal na sala de parto, integração entre as equipes de obstetrÃcia e neonatologia, com o objetivo de diminuir a necessidade de reanimação avançada em sala de parto. Para os RNPTe com 23 a 30 semanas de IG que permanecerem com bradicardia prolongada a despeito da ventilação pulmonar adequada, recomenda-se, em sala de parto, a continuidade das manobras de reanimação avançada, realizada por pessoas treinadas nos procedimentos (ALMEIDA; GUINSBURG,2013; REDE BRASILEIRA DE PESQUISAS NEONATAIS,2011). Estudos recentes indicam aumento de RNPTe sobreviventes com melhor Ãndices de desenvolvimento e alterações neurológicas. No entanto, não se observa alteração na frequência de morbidades graves (MOORE et al., 2012). De fato, o nascimento prematuro está associado, além de elevadas taxas de mortalidade neonatal, à s preocupantes morbidades crônicas, consideradas essenciais nas considerações sobre as tomadas de decisões para os RNPTe no limite de viabilidade. Embora os atuais conhecimentos médicos favoreçam melhores prognósticos, ainda é muito difÃcil prever e, portanto, informar aos pais, com precisão, a respeito do estado de saúde do seu filho, sobretudo desfechos com morbidades graves, após a alta hospitalar (NCB, 2006). Essas morbidades são mais frequentes e graves quanto menor a idade gestacional e as principais são a displasia broncopulmonar (DBP), os problemas no neurodesenvolvimento (paralisia cerebral, déficit mental, de aprendizado e 24 alterações de comportamento) e os déficits neurossensoriais (retinopatia da prematuridade e o déficit auditivo). Elas são classificadas de várias formas em diferentes situações e usando instrumentos diferentes de aferição, como grave, moderada e leve ou ausente, segundo a gravidade (COSTELOE et al.,2012; MARLOW et al.,2005; MOORE et al.,2012; VOHR; MSAU, 1997; VOSS et al., 2012) dificultando muitas vezes a comparação entre elas. A DBP é uma doença crônica pulmonar que acomete o RNPTe ainda com patogênese não totalmente esclarecida. A DBP é definida mais recentemente como dependência de oxigênio suplementar após 36 semanas de idade pós-menstrual, em RNPTe com peso ao nascer entre 500g e 1500g, que resulta, entre outros fatores, da imaturidade no desenvolvimento do parênquima pulmonar do prematuro, de processo inflamatório/infeccioso perinatal, e persistência do canal arterial. A forma clássica se relaciona com a toxicidade do oxigênio e trauma mecânico do parênquima pulmonar, por ventilação mecânica e ao uso de oxigênio prolongado, por mais de 28 dias (BANCALARI; CLAURE; SOSENKO, 2003). A gravidade da DBP é variável de acordo com os critérios escolhidos, como para Costeloe e outros (2012), que a classificam como grave, quando requer uso de ventilação mecânica continuada e uso de fração inspirada de oxigênio maior que 30%. A DBP é considerada a morbidade de maior frequência entre os prematuros e é considerado um fator de risco independente para agravos neurocognitivos (PORTHRAST et al., 2013). Sua incidência varia conforme a definição e gravidade, mas, segundo a Rede de Pesquisa Neonatal NICHD, ocorre em 3% a 43% dos nascidos entre 500g e 1500g de peso ao nascer (BANCALARI, 2006). Os agravos no neurodesenvolvimento são comorbidades que preocupam muito médicos e pais dos RNPTe e que podem ter várias manifestações, entre elas, a paralisia cerebral, déficits neurossensoriais (auditivo e visual) e distúrbios cognitivos ligados à memória, coordenação visual-motora, atenção, reconhecimento de emoções, dificuldade de aprendizado e comportamental (PORTHRAST et al., 2013). O córtex cerebral humano começa a se desenvolver a partir da sexta semana gestacional, na linha germinativa do sistema ventricular. A migração neuronal acontece progressivamente até 24 semanas de idade gestacional, quando se dá o aumento rápido da maturação e organização neuronal. No segundo trimestre da gestação, aumenta a conectividade celular e o peso cerebral. Há uma mudança no comportamento fetal e, nesse perÃodo, ocorre o desenvolvimento da sensibilidade e a densidade de receptores de neurotransmissores são fortemente influenciados pela natureza dos estÃmulos e experiências. Eventos adversos podem afetar tanto a migração neuronal quanto a conectividade cortiço- cortical e alterar a cito e a quimioarquitetura do córtex cerebral (ALS; GIKERSON, 1997). 25 O cérebro de um pré-termo com 24 semanas de IG ainda é pouco desenvolvido e a arquitetura cortical e subcortical não totalmente formada. Neste perÃodo, os axônios dos tratos cortico-espinhais alcançam a medula espinhal cervical baixa e progressivamente irão inervar a substância cinzenta, inclusive os neurônios da placa motora, até o nascimento. Projeções cortico-moto-neuronais monossinápticas funcionais podem ser neurofisiologicamente demonstradas com 26 semanas de IG. Estudos demonstram que esse processo se relaciona com o envolvimento cortical na maturação de centros motores espinhais e favorecem tanto o desenvolvimento quanto a regeneração de vias sinápticas lesionadas, precocemente no perÃodo perinatal (EYRE; MILLER; CLOWRY, 2000). Há inúmeros agravos que ocorrem neste perÃodo, quando o bebê prematuro encontra-se dentro do ambiente de uma UTIN, tais sejam: fatores externos de alteração na temperatura corporal, ruÃdos, estÃmulos dolorosos, manuseio excessivo, e outros, levando a alteração do meio interno. Dentre essas, podem ser citadas: alteração da pressão arterial, mudança dos nÃveis gasosos e metabólicos, reações inflamatórias e maior susceptibilidade a complicações infecciosas, capazes de causar danos em graus variados no desenvolvimento neuropsicomotor do RNPTe (ALS; GILKERSON,1997). As lesões no cérebro do prematuro dividem-se entre as hemorrágicas e não hemorrágicas. As hemorrágicas podem ser intraventriculares ou acometer a matriz germinal com infarto hemorrágico periventricular, cujas formas graves (grau III ou IV, segundo a classificação de Papille), ocorrem em cerca de 5% dos RNPTe. As lesões não hemorrágicas, como a leucomalácea periventricular cÃstica ou não cÃstica, comprometem a substância branca cerebral, tálamo, gânglios da base, córtex cerebral, tronco e cerebelo e resultam em déficit neuronal/axonal. Por meio de métodos de imagem (ressonância magnética), as lesões não hemorrágicas podem ser identificadas em até 50% dos RNPTe (VOLPE,2009). As lesões cerebrais resultam em agravos variados, nem sempre com correlação clinico-patológica identificável. Entre eles destaca-se a paralisia cerebral, encefalopatia crônica não evolutiva da infância, de etiologia, manifestações clÃnicas e gravidade variadas. Há, caracteristicamente, predomÃnio do comprometimento motor (ROTTA, 2002) e sua classificação é determinada pelo grau de independência funcional motora, como “Gross Motor Function Classification System†(GMFCS) e o “Manual Abilities Classification System†(MACS) (PALISANOet al., 1997). A leucomalácea periventricular cÃstica com frequência resulta em diplegia espástica e a não cÃstica, em deficiências cognitivas, sem comprometimento motor associado, observadas mais tardiamente. A maioria dos déficits cognitivos (de atenção, comportamentais e de socialização) está relacionada com o 26 comprometimento neuronal/axonal e inclui deficiências de inteligência, memória, funções executivas, controle de impulsos, e algumas caracterÃsticas de desordens do espectro autista (VOLPE, 2009). Vários estudos mostram impacto negativo na percepção de bem estar de RNPTe com paralisia cerebral (VIEIRA; LINHARES,2011), bem como de seus cuidadores (MORALES, 2007). A Retinopatia da Prematuridade (ROP) é a principal causa de cegueira em crianças, tanto em paÃses desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento. O tratamento cirúrgico dos casos avançados pode melhorar em até 25% a acuidade visual, mas o prognóstico permanece desfavorável. O RNPTe nasce com uma vascularização da retina incompleta e com uma zona avascular periférica, conforme o grau de maturidade. Com o nascimento, o crescimento dos vasos cessa e há uma perda dos vasos já desenvolvidos (ROP fase 1). Com a maturidade da criança, a retina transforma-se em altamente ativa metabolicamente e hipóxica. Essa hipóxia induz a neovascularização da retina (ROP fase 2) que ocorre entre 32 e 34 semanas pós- menstruais. A neovascularização da retina é induzida pela prematuridade e hiperoxia e mediada pelo IGF-1 (Fator de Crescimento insulina-like) e pelo VEGF (Fator de Crescimento Endotelial Vascular) (SMITH, 2003). Sua gravidade é variável, e em estágios mais leves, as lesões são reversÃveis e podem resultar em déficits de refração corrigÃveis. As de maior gravidade, resultam em cegueira ou comprometimento grave da visão em até cerca de 9% dos RNPTe (JARY; KMITA; WHITELAW, 2011; MARLOW et al., 2005). Outra perda neurossensorial grave do RNPTe é a auditiva que pode ser moderada, quando dependente aparelhos auditivos, e a grave, não responsiva a aparelhos, que ocorre em até 3% dos RNPTe (JARY; KMITA; WHITELAW, 2011). Os critérios para definição de deficiência grave associada à prematuridade em si ou ao tratamento recebido são variáveis e utilizam-se de diferentes parâmetros. Eles são importantes na orientação esclarecida aos pais e nas tomadas de decisões frente aos dilemas morais que envolvem os RNPTe no limite de viabilidade. Costeloe e outros (2012) avaliaram a evolução dos RNPTe a curto-prazo e definiu como morbidade grave a alteração grave do sistema nervoso central, identificada por ultrassonografia transfontanelar, a DBP dependente de oxigênio com 40 semanas de IG e a necessidade de tratamento da ROP. Sobrevida sem morbidade maior foi definida como ausência, no momento da alta hospitalar, de: lesões graves identificadas na ultrassonografia transfontanelar (ventriculomegalia, infarto hemorrágico parenquimatoso, porencefalia e leucomalácea periventricular); DBP grave; ROP estágio 3 ou superior, enterocolite necrosante com necessidade de intervenção cirúrgica. Marlow e outros (2005) classificaram as crianças em estágios funcionais de deficiência (leve, moderado e 27 grave) e a paralisia cerebral, foi classificada independentemente do grau de deficiência, retrospectivamente. Foi definida como grave a deficiência que resulta em grande dependência do cuidador e inclui portador de paralisia cerebral que não deambula, escore de coeficiente de inteligência abaixo de 3 desvios-padrão da média, deficiência auditiva grave e/ou cegueira. Moore e outros (2012) classificam os graus de deficiências conforme definições dos domÃnios motor, desenvolvimento, sensorial e de comunicação. Uma deficiência grave compreende pacientes com paralisia cerebral não-deambulante (GMFCS nÃvel 3 a 5), cegueira, perda auditiva neurossensorial grave (não responsiva a aparelhos auditivos) ou coeficiente de desenvolvimento 3 desvios-padrão abaixo da média para idade. Com a compreensão das inúmeras morbidades que atingem o RNPTe, há uma constante preocupação com a qualidade de vida destas crianças ao longo da vida. Alguns estudos avaliaram a qualidade de vida do RNPTe nas diferentes fases de vida: pré-escolar, escolar, adolescente e adulto (ZWICKER; HARRIS, 2008). É imprescindÃvel o conhecimento das repercussões dos comprometimentos fÃsicos, mentais, emocionais e comportamentais na vida futura dos RNPTe, como o impacto na qualidade de vida relacionada à saúde, para melhor programação dos cuidados e melhor orientação dos profissionais e pais nas tomadas de decisões frente ao RNPTe no limite da viabilidade (VAN LUNENBURG et al., 2013). Quanto à definição de qualidade de vida relacionada à saúde, podemos entendê-la em duas perspectivas. A primeira, adotada pela Organização Mundial de Saúde, entende saúde como “um estado de completo bem-estar fÃsico, mental e psicossocial, e não somente a ausência de doençaâ€, e qualidade de vida relacionada à saúde segundo a percepção de bem estar multidimensional relacionado a estados de saúde, sob a perspectiva do próprio indivÃduo. Na segunda abordagem leva-se em conta medidas de saúde utilitárias, que avalia as preferências individuais por determinados estados de saúde (ZWICKER; HARRIS, 2008). Segundo esses autores, qualidade de vida implica na satisfação de necessidades humanas básicas: biológicas, relacionamento afetivo agradável, ocupação produtiva e experiências prazerosas. Identificam, ainda, como caracterÃsticas essenciais do conceito de qualidade de vida relacionada à saúde o seu caráter multidimensional e sua aferição por meio de informações objetivas das percepções de bem estar individuais (ZWICKER; HARRIS, 2008). A maioria dos estudos que tratam da qualidade de vida relacionada à saúde de RNPTe parecem sinalizar que há uma melhora progressiva da auto-percepção de bem estar ao longo do tempo (RAUTAVA et al., 2009). Não se observa diferenças na qualidade de vida futura relacionada à saúde entre RNPTe (com ou sem deficiências grave) e RNT, na percepção dos 28 RNPTe e RNT. Entretanto, na perspectiva dos pais ou cuidadores, há registros de maior impacto negativo na qualidade de vida relacionado à saúde de RNPTe que sofreram múltiplos agravos (RAUTAVA et al., 2009; SAIGAL et al., 2006; STAHLMANN et al., 2009; VAN LUNENBURG et al., 2013; ZWICKER; HARRIS, 2008). Pais e cuidadores de RNPTe parecem atribuir maior valor à s deficiências fÃsicas dos seus filhos em relação à s outras dimensões da qualidade de vida (SAIGAL et al., 2006). Embora os RNPTe tivessem frequentes limitações funcionais e deficiências complexas, a maioria significativa avaliou positivamente sua qualidade de vida relacionada à saúde. É provável que, apesar das grandes dificuldades e obstáculos enfrentados durante a infância e adolescência, a maioria dos RNPTe alcança a idade adulta com significativos ajustes e adaptações à sua condição de vida, ou seja, com maior capacidade de resiliência, o que parece conferir-lhes melhor bem estar, se não tanto fÃsico, pelo menos emocional (ZWICKER; HARRIS, 2008). Diante dessa problemática apresentada, a definição de viabilidade perinatal não é única e estática. Múltiplos fatores devem ser levados em consideração. A idade gestacional pode ser considerada um bom fator preditivo para maturidade fetal, porém não isoladamente, pois carece de exatidão. O peso ao nascer é um importante fator prognóstico, porém não expressa maturidade e também não pode ser aferido com uma precisão antes do parto. Condições pré-natais da gestação (qualidade de vida intrauterina) devem ser consideradas, pois são determinantes das suas condições de nascimento. Fatores sociais e econômicos são também relevantes na determinação da viabilidade do RNPTe, dado o constante avanço tecnológico que cada vez mais oferece sofisticadas oportunidades de cuidado intensivo neonatal. Por último, estudos de qualidade de vida de RNPTe sobreviventes podem auxiliar a reflexão acerca da viabilidade perinatal e dos problemas morais decorrentes (PIGNOTTI, 2010). . 29 3 AVALIAÇÃO BIOÉTICA DO PROBLEMA 30 Diante dos dilemas éticos na condução dos problemas relacionados ao limite da viabilidade dos RN, é fundamental a avaliação bioética para nos orientarmos sobre o que se deve fazer. A Bioética é um termo cunhado há algum tempo, desde Fritz Jahr em 1927(GOLDIM, 2009), como o reconhecimento de obrigações éticas, não apenas com relação ao ser humano, mas para com todos os seres vivos. Posteriormente, segue a definição de Potter em 1970, como a bioética de ponte, que estabelece uma preocupação interdisciplinar de todas as questões que envolvem o homem, incluindo os fatores ambientais que afetam a sua saúde, estabelecendo uma ética que se relaciona com fenômenos da vida humana no seu mais amplo sentido, incorporando questões biomédicas, sociais e ambientais. Concomitante, em 1978, o Instituto Kennedy de Ética deu novo significado ao termo, redirecionando-o para os problemas relacionados à s questões biomédicas, em especial sobre reprodução humana e o Relatório Belmont, documento elaborado por uma comissão nacional de especialistas dos Estados Unidos, e posteriormente publicado por Tom Beauchamp e James Childress, em 1979, estabelecendo os quatro princÃpios de Georgetown: Autonomia, Beneficência, Não maleficência e Justiça. Mais tarde, em 1988, Potter renova e reforça suas ideias de maior abrangência, passando a denominá-la de Bioética Global, que abrange além das questões biomédicas e sociais iniciais, as relações destas com fenômenos ligados ao meio ambiente e a sustentabilidade do planeta, portanto ecológicas (GARRAFA; KOTTOW; SAADA, 2006, p.284). Muitos estudiosos do assunto vêm construindo modelos para elaborar propostas, baseados em conceitos éticos, cada qual com seu referencial teórico. Devemos buscar agora, então, entender melhor esses conceitos, buscando nas teorias éticas filosóficas as respostas para análise das situações práticas sobre a vida moral e as justificações de formas especÃficas de conduta e julgamentos e consequentemente, nos basearmos nelas para a tomada de decisões frente aos dilemas médicos. Esta é uma forma de ética prática, que traduz o sentido principal da Bioética (SINGER, 2002). A ética biomédica incorpora um número grande de teorias éticas normativas que discordam no modo de relacioná-las ao tratamento de conflitos éticos correspondentes. Em muitas situações não chegaremos a um consenso, porém cada uma dessas teorias pode agregar pontos positivos e de força moral diferente que nos levem a considerar princÃpios coerentes e justificados em problemas diversos (ORZELLAZI; CUTTINI, 2011). Com relação ao dilema do que fazer frente ao RN em situação crÃtica do limite da viabilidade, algumas questões éticas vêm à tona a todo o momento. Trata-se de questões sobre 31 o valor da vida humana, especificamente do recém-nascido extremamente prematuro (RNPTe) e seu status moral; da relação entre sacralidade da vida e qualidade de vida; da avaliação sobre o melhor interesse do bebê; dos efeitos que os protocolos adotados têm sobre os bebês, os pais e a sociedade; dos direitos de quem deve decidir as condutas a serem tomadas, entre outros(ORZELLAZI; CUTTINI, 2011). Para compreendermos os problemas das tomadas de decisões baseados nos conceitos bioéticos e como são elaborados os protocolos norteadores das ações das equipes de saúde envolvidas com o cuidado do RNPTe devemos, antes, entender as teorias normativas que influenciam o pensamento bioético contemporâneo e as justificações de formas especÃficas de conduta e julgamentos e, consequentemente, nos basearmos nelas para esclarecermos a tomada de decisões frente aos dilemas médicos. As teorias se dividem grosso modo, em duas correntes, a teleológica, ou baseada nos fins, e cuja expressão mais cabal é o utilitarismo ético e a deontológica ou baseada nos deveres, cuja expressão principal é a ética kantiana. O utilitarismo sustenta que as ações são certas ou erradas de acordo com as consequências boas ou más que resultam para todos os afetados pela decisão. A ação é considerada correta quando produz o melhor resultado para o bem-estar de todos os afetados. O único princÃpio fundamental é o da utilidade, ou seja, as ações humanas devem ser moralmente avaliadas nos termos da produção do máximo bem, dentre as alternativas (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). A ética kantiana sustenta que são determinadas caracterÃsticas da ação que tornam a ação certa ou errada, e não apenas as consequências da mesma. Moldada pelo pensamento ético do filósofo Immanuel Kant, a ética Kantiana afirma que devemos agir não somente de acordo com, mas em nome da obrigação. Para ter valor moral, o motivo da ação de uma pessoa tem de provir de um reconhecimento de que ela deseja aquilo que é moralmente exigido e o que é moralmente exigido resulta da razão prática moral, que avalia nossos preceitos pela sua capacidade de serem universais. Kant estabelece os preceitos como imperativos categóricos que se transformam em cânone da aceitabilidade das regras morais, como: “Age somente de acordo com a máxima que possas ao mesmo tempo querer que se transforme em lei universal.†e ainda “Age de tal modo que trate todas as pessoas como um fim, e nunca simplesmente como um meio.†Várias teorias contemporâneas desenvolveram uma construção kantiana, como Alan Donagan, e John Raws. Kant e Raws exigem que nos concentremos na justiça e na equidade, antes da utilidade das ações (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). 32 Desde o Relatório Belmont, em 1978, resultado do trabalho de especialistas convocados para avaliar problemas com a experimentação humana, e após a publicação de Beauchamp e Chidress (2002), em PrincÃpios de Ética Biomédica, denominou-se de Principialismo a um tipo de teoria kantiana combinada com utilitarismo, em que quatro princÃpios norteadores são formulados para a bioética clÃnica. Embora não sejam suficientes para a resolução de todas as questões bioéticas contemporâneas, os princÃpios são ainda uma base para organização das ideias e discussão dos problemas. São eles: Autonomia, Não Maleficência, Beneficência e Justiça. Segundo Beauchamp e Childress(2002), a Autonomia é tida como o princÃpio do respeito pelas pessoas. Através da Autonomia, a ação autônoma em termos de intencionalidade livre é analisada, com entendimento e esclarecimento dos fatos envolvidos e sem a influência controladora de terceiros que determine a ação. As ações, portanto, podem ter diferentes graus de autonomia, de acordo com a satisfação desses itens acima. A Autonomia não é inconsistente com a autoridade. O indivÃduo pode escolher livre e autonomamente qual protocolo irá seguir, baseando-se em princÃpios morais e prudenciais que tenham autoridade sobre as nossas vidas. O respeito pela autonomia implica tratar as pessoas de forma a capacitá-las a agir autonomamente, enquanto o desrespeito envolve atitudes e ações que ignoram, insultam ou degradam a autonomia dos outros, e, portanto, negam uma igualdade mÃnima entre as pessoas. Tanto os utilitaristas como os deontólogos apoiam o respeito à autonomia e defendem que a pessoa deve ser tratada como um fim e não como meio. Segundo Kant, o respeito à autonomia origina-se do conceito de que todas as pessoas têm valor incondicional e de que todas têm capacidade de determinar o próprio destino. Violar sua autonomia é tratá-la como um meio, de acordo com os objetivos de outros; é uma violação moral, pois as pessoas autônomas são fins em si mesmos. J.S. Mill, utilitarista, argumentou que se deveria permitir que as pessoas se desenvolvessem de acordo com as suas convicções pessoais, desde que não interferissem na expressão dos outros. O princÃpio da Autonomia deve ser entendido enquanto estabelecendo um firme direito de autoridade para o controle do próprio destino pessoal, mas não como a única fonte de obrigações e direitos morais. São tidos como prima-facie, não como absolutos ou como único valor moral. Se a pessoa é considerada não autônoma, como no caso de crianças, alguém deve ser investido da autoridade de substituÃ-la nos processos decisórios. No caso de crianças, especificamente os RNPTe, a escolha do modo de decisão substituta deve ser feita pelo melhor interesse da criança, e consideram, na maioria das vezes, os pais como os principais indicados para tomar decisões em favor do melhor interesse de seus filhos. O 33 decisor deve determinar o maior benefÃcio entre as opções possÃveis, atribuindo diferentes pesos aos interesses que o paciente, no caso a criança, tem em cada opção e subtraindo os riscos e os custos inerentes a cada uma. O emprego do termo melhor implica na obrigação de não agir de modo maleficente e de maximizar os benefÃcios por meio de avaliação comparativa de alternativas de ação, levando em conta a dor e o sofrimento e avaliando o restabelecimento e a perda de funções. Portanto, é indispensável o critério de qualidade de vida. E como a avaliação comparativa sobre a qualidade de vida tem de ser considerada, a autonomia substituta tem necessidade de um julgamento baseado no valor da vida e no valor da qualidade de vida ou na falta dela para aquela pessoa que irá vivê-la e não, no seu valor social. Isto impõe que em casos difÃceis, a decisão deve ser tomada em função do bem-estar e do melhor interesse do paciente naquele momento, e não pensando naquilo que ele teria escolhido imaginariamente. Os melhores interesses devem ser considerados de forma prática e realista, como sofrimento fÃsico e diagnósticos médicos, e à luz de uma avaliação sobre a Beneficência e Não Maleficência. Os pais são, na maioria das vezes, considerados os principais sujeitos nas tomadas de decisões no melhor interesse de seus filhos, tanto legal quanto moralmente. O princÃpio da Não Maleficência exprime a exigência de não causar danos intencionalmente ao paciente. Suas origens se confundem com o dito hipocrático, Primum non nocere. Neste princÃpio em particular, segundo Beauchamp e Childress, incluem-se distinções como: distinção entre matar e deixar morrer, entre tencionar e prognosticar resultados danosos, entre evitar iniciar e interromper um tratamento de suporte à vida já iniciado, e entre tratamento comum e tratamento especial. Como principais aspectos dos dilemas em torno de situações de limite de viabilidade e terminalidade da vida dos RNPTe, essas questões são primordiais para a avaliação do melhor caminho a seguir, pesando os malefÃcios e benefÃcios para cada paciente. Os autores insistem no julgamento sobre a qualidade de vida como forma de aceitar ou recusar determinados tratamentos, depois de devida avaliação das chances e riscos de cada alternativa. Para Beauchamp e Childress não há distinção moral entre algumas situações frequentemente consideradas como diferentes, por exemplo, entre abstenção (o não dar inÃcio) e a interrupção (a suspensão) dos tratamentos. Essa distinção não é moralmente sustentável, a interrupção do tratamento pode se dar tanto na forma de abstenção como da retirada de um tratamento. Estas ações seriam justificadas moralmente, na dependência de cada situação, pois as duas ações podem causar a morte do paciente, e ambas podem ser exemplo de deixar morrer. 34 Da mesma forma a distinção entre meios comuns e especiais de tratamento não se justifica moralmente, a não ser quando considerados individualmente, avaliando sempre em termos de benefÃcios proporcionados quanto à esperança razoável de melhor qualidade de vida e os danos e desvantagens em termo de dor ou sofrimento infringido, sem uma razoável expectativa de melhora. Considerando o dever prima facie do médico em tratar o paciente, deve se levar em conta a distinção entre tratamentos obrigatórios e opcionais somente do ponto de vista do balanço entre vantagens e desvantagens, custos e benefÃcios ao paciente. Para a discussão bioética, em alguns casos, oferecer o tratamento seria totalmente contrário aos interesses do paciente, como quando a dor e as restrições fÃsicas forem tão insuportáveis que superam os benefÃcios do prolongamento curto da vida, portanto violando o princÃpio da Não Maleficência. Portanto este tratamento não é considerado obrigatório por ser inútil e desproporcionado (BEAUCHAMP; CHILDRESS,2002). Nas situações em que se caracterizam estes tratamentos como uma futilidade terapêutica ou um tratamento desproporcionado, são definidos como o tratamento que não traz benefÃcio fisiológico ao paciente, quando sua eficácia é altamente improvável e os resultados esperados não contribuem para o bem do paciente ou, ainda, quando o tratamento é mais penoso do que o benefÃcio que poderia advir do seu uso. Como exemplo de tratamento desproporcionado ou fútil, podemos citar o tratamento intensivo e invasivo a um neonato considerado inviável, ou sem chance de sobrevida por tempo razoável, devido à doença congênita como a SÃndrome de Edwards. Cabe aqui uma discussão sobre como qualificar o tratamento e definir critérios para o julgamento de um tratamento como fútil. Segundo os autores, o termo futilidade envolve um julgamento combinado cientÃfico e de valor, embora muitos o considerem, equivocadamente, como valorativamente neutro. Como em casos de RNPTe que evoluem com grave comprometimento neurológico por hemorragia intracraniana em grau avançado e sinais de falência de múltiplos órgãos, a continuidade do tratamento de nutrição parenteral envolve o julgamento cientÃfico de baixa probabilidade de sobrevida e graves sequelas e o valor da famÃlia em relação à que probabilidade deve se esperar para continuar o investimento em salvar a vida. Para a equipe médica pode ser considerado tratamento fútil, mas para a famÃlia uma esperança de vida. As decisões sobre interromper um tratamento médico já iniciado ou recusar iniciar um tratamento são sempre extremamente difÃceis, pois muitas vezes podem implicar na manutenção da vida ou na morte do paciente. Contudo, quando as desvantagens excedem aos benefÃcios do tratamento, o melhor interesse do paciente, principalmente daqueles em situações de vulnerabilidade, deve ser bem ponderado e analisado, e as condições de 35 benefÃcios e futilidade do tratamento ser devidamente pesadas. Esses julgamentos baseiam-se na qualidade de vida do paciente e requerem justificações do que sejam os benefÃcios e os danos para o paciente, a fim de que não haja apenas um julgamento pessoal e da valoração social do paciente. O caso de crianças com doenças ou deficiências graves oferece grandes obstáculos e avaliações difÃceis sobre essas questões acima citadas. Para alguns, a justificação do tratamento ou não, baseia-se em não causar danos. Para outros, a sequência de tratamento só se justifica na ausência de três condições: “impossibilidade de sobreviver à infância, impossibilidade de viver sem dores muito fortes e incapacidade de participar, ao menos de um modo mÃnimo, da experiência humanaâ€, condições em que deveria prevalecer o princÃpio da Não Maleficência. É aceitável a conclusão de que o controle não agressivo de gestações de alto risco e a permissão da morte de recém-nascidos seriamente comprometidos são, em algumas circunstâncias, ações moralmente permissÃveis, pois não violam obrigações de não maleficência e satisfazem outras condições de justificação. Quando a qualidade de vida é considerada tão baixa que continuar o tratamento seria considerado extremamente danoso ou doloroso ao feto ou recém-nascido, é justificável a interrupção ou não iniciar o tratamento. (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Há duas considerações divergentes: a avaliação se faz entre considerações sobre qualidade de vida ou julgamentos médicos razoáveis?Ambas contêm ideias valorativas. Em concordância com argumentos anteriores, os autores consideram que no caso de pacientes que nunca foram capazes, como os bebês recém-nascidos, o modelo mais apropriado seria o do melhor interesse, julgado pelos melhores benefÃcios que se podem alcançar pelo tratamento, concluindo pela legitimidade de se julgar um tratamento como obrigatório ou opcional pelo que seria a melhor opção. Esses julgamentos sobre qualidade de vida precisam ser restringidos por critérios justificáveis para a determinação de custos e benefÃcios, a fim de que não se reduza a qualidade de vida a critérios arbitrários e parciais fundados em preferências pessoais ou no valor social de uma criança. A discussão sobre a distinção entre o ato de matar e deixar morrer é bem mais controversa. Beauchamp e Childress consideram que não há diferenças conceituais relevantes entre matar e deixar morrer, mesmo quando se considera situações de abstenção de tratamento a pacientes ou pelos pacientes, tanto podendo ser considerado como suicÃdio, homicÃdio ou não maleficência médica. Consideram que como o ato de matar é consideravelmente repugnante dentro da área da medicina, que em situações onde se encontra justificação moral para tal morte, como em casos de dor insuportável, a omissão ou retirada do tratamento passa 36 a ser considerada como deixar morrer, já que seria a condição preexistente à causa natural da morte. Concluem então, que a distinção entre matar e deixar morrer ainda não está bem esclarecida, nem bem estabelecida eticamente, podendo ser conveniente evitar o uso de tais termos em situações de conflito. Considerando os princÃpios como prima facie, tanto o ato de matar quanto o ato de deixar morrer podem ser justificados em determinadas circunstâncias se for ato ético. Para julgar a moralidade do ato é preciso conhecê-lo detalhadamente, levando em consideração a motivação do autor, o desejo do paciente e as consequências do seu ato, avaliando os benefÃcios e as desvantagens para o paciente. Os autores Beauchamp e Childress também consideram justificados atos excepcionais de assistência médica na morte, a um grupo restrito de pacientes gravemente enfermos e à beira da morte, quando solicitados pelos mesmos ou seus representantes. A maioria absoluta dos profissionais de saúde é contrária a qualquer envolvimento com esse tipo de procedimento, e os códigos de ética médica em geral são contrários ao ato intencional de interrupção da vida do paciente. Embora os autores sustentem que não há diferença justificada moralmente entre matar e deixar morrer em algumas circunstâncias tais que seria também justificada a intervenção piedosa ativa por parte do médico no término da vida do paciente, eles entendem que haveria uma quebra de confiança entre o médico e seus pacientes se fosse permitida a eutanásia ativa. Também consideram que, “justificar um ato é diferente de justificar uma prática ou uma polÃticaâ€. Algumas ações não poderiam ser amplamente divulgadas mesmo que moralmente justificáveis, pelo risco de ocorrência de abusos e os danos serem maiores que os benefÃcios. Questões sobre a ladeira escorregadia são amplamente discutidas, considerando que a permissão ou justificação de uma ação que isoladamente é moralmente aceitável, transformada em protocolo público e polÃtica comum, pode desencadear uma cascata de ações totalmente inaceitáveis. Essas ações podem acarretar resultados imprevisÃveis uma vez que os conceitos e distinções de regras morais podem ser vagos e indefinidos e podem ser usados como interpretações pessoais e subjetivas. Do ponto de vista psicossocial, a ladeira escorregadia se apoia na consideração do risco de discriminação aos deficientes e todos os grupos de vulneráveis, se a eutanásia ativa fosse legalizada, pela lógica de se estender as decisões de término da vida a todos os grupos de pacientes que, por motivo ou outro, estão debilitados e gravemente doentes e representem fardos financeiros e emocionais para a famÃlia e sociedade. Porém, entre as razões mais fortes para se ajudar alguns pacientes a morrer, por compaixão, está a de libertá-lo de sofrimentos e dores insuportáveis e intratáveis, onde a morte parece ser em benefÃcio do paciente. Nesses casos, o tratamento alternativo tem 37 que ser estimulado, como o tratamento analgésico intensivo, que em algumas situações podem até apressar a morte do paciente, mas em doses adequadas ao paciente e ao seu processo doloroso, é uma ação aceitável. Os autores sustentam muitas considerações prós e contra, a respeito do julgamento de tais ações. Também sustentam a necessidade de modificar as atitudes dos profissionais de saúde frente à assistência na morte, como forma de cuidar do paciente. O princÃpio da Beneficência, para Beuchamp e Childress, refere-se ao ato de fazer o bem aos outros. Envolvem ações de compaixão, bondade e caridade, amor e humanidade. Refere-se à obrigação moral de pensar o bem do outro, inerente à natureza humana e meta da própria moralidade. É o ponto central de teorias como a da utilidade. As discussões sobre a moralidade da Beneficência gira em torno da obrigatoriedade da mesma e até onde vai a exigência da benevolência, se para com todos ou se há um limite a ser estabelecido, como para conhecidos, familiares e pessoas a que se têm responsabilidades definidas. A Beneficência, no caso da medicina, está no compromisso de promover o bem- estar dos pacientes. Na medicina em geral, os médicos incorporaram o conceito hipocrático de: “Em casos de enfermidades, faça de duas coisas um hábito: ajudar ou, ao menos, não causar danoâ€. Porém, confrontados com as reivindicações dos direitos à autonomia, surge a preocupação com o paternalismo, isto é, com as decisões tomadas pelos médicos ou equipe de saúde em detrimento da escolha do paciente, seja ele considerado capaz ou não. Com relação à s polÃticas públicas e institucionais, devemos considerar o princÃpio da Beneficência também com relação aos custos e riscos. São várias as formas moralmente justificadas e necessárias de análise das relações custo-benefÃcio e risco-benefÃcio. Várias estratégias foram desenvolvidas para auxiliar na análise e tomada de decisões acerca dos custos, riscos e benefÃcios, sejam eles fÃsicos, psicológicos, financeiros ou legais. Esses termos implicam em valoração, ou seja, qual o peso que daremos a cada um. Dessa definição dos valores é que faremos as análises de quando os benefÃcios superam os riscos e os custos, ou não. Uma objeção a essas considerações é a questão moral de atribuir um valor à vida humana. Para os deontólogos, a pessoa tem uma dignidade e não um preço; os utilitaristas embora centrados nas consequências, também questionam a definição do valor econômico da vida, mas tentam comparar vidas através de alguma medida do valor da vida e do desvalor da morte. Isso torna complicada a análise do valor da vida. Considera-se que as controvérsias em relação ao valor da vida estão em torno das análises custo-benefÃcio, e as controvérsias com respeito ao valor da qualidade de vida giram 38 em torno das análises de risco-benefÃcio. Atribuir um valor à vida humana é sempre extremamente controverso, mas foram desenvolvidos métodos que atribuem seu valor, como o cálculo do quanto poderia esperar que as pessoas que correm o risco de ter uma doença ou de sofrer um acidente ganhariam caso sobrevivessem. Porém, para soluções na área da saúde pública e na assistência, pode-se considerar o ganho em anos de vida ou em anos de vida com qualidade. A análise custo-eficácia objetiva maximizar os anos de vida com qualidade. Por isso busca-se a qualidade de vida para uma vida que valha a pena ser vivida, que enfoca o bem da pessoa e não apenas a longevidade. O Quality-Adjusted Life-Years(QALYS)considera que se um ano a mais de expectativa de vida saudável (com qualidade de vida) vale um, então um ano a mais de expectativa de vida sem saúde (com baixa qualidade de vida) deve valer menos que um. Representa, portanto, um equilÃbrio entre quantidade e qualidade de vida e pode medir a eficácia final das atividades e programas de saúde. Então, propõe-se medir a qualidade de vida relativa à saúde, através de instrumentos desenvolvidos baseados na preferência das pessoas em relação à qualidade e quantidade de vida, com base no QALYS. Os autores Beauchamp e Childress apresentam crÃticas a esse processo de análise custo-eficácia baseado na noção do QALYS, para sua aplicação em polÃticas de assistência à saúde. Há problemas metodológicos relacionados à priorização dos anos de vida em vez de vidas individuais, levando a considerar os investimentos baseados na beneficência menos importante que a razão custo-utilidade, não se considerando a distribuição dos anos de vida salvos. No QALYS, salvar um maior número de vidas é menos importante que maximizar o número total de anos de vida salvos e a qualidade de vida é mais importante que a quantidade de vida. Numa análise mais cuidadosa, contudo, não há uma exigência absoluta, pela beneficência, que se faça todo o possÃvel, independentemente dos custos, para salvaguardar a vida humana, que mesmo possuindo um caráter sagrado, não possui valor absoluto. Não é necessário atribuir especificamente um valor econômico à vida humana, para se estabelecer medidas de polÃticas públicas de redução de riscos e minimização dos custos. Os questionamentos sobre quais valores devem ser levados em conta na análise custo-benefÃcio, custo-eficácia e risco-benefÃcio e quem irá decidir esses critérios, se os especialistas ou a comunidade a que se referem, enfatizam a necessidade de participação de todos os envolvidos. As técnicas formais, usadas para o cálculo de valores quantificáveis, são importantes como métodos auxiliares para aqueles que decidem, mas corre-se o risco de ignorar os valores não quantificáveis, como o alÃvio da dor e do sofrimento e o significado simbólico das ações e polÃticas. Outras preocupações pertinentes são sobre o possÃvel impacto 39 das técnicas analÃticas sobre os valores, as perspectivas e atitudes individuais e sociais, além do quanto afetaria a linguagem moral tradicional da relação médico-paciente, em especial pela análise custo-benefÃcio e a pressão sofrida para a contenção dos custos. Portanto, é importante dedicar atenção especial aos custos sociais dessa abordagem e aos limites do uso das técnicas analÃticas impostos pelo respeito à autonomia e pela justiça. Já o princÃpio da Justiça, refere-se ao tratamento igualitário, equitativo e apropriado oferecido a quem é de direito. A Justiça Distributiva refere-se a essa distribuição dentro da sociedade, determinada por normas justificadas que regem aquela mesma. Há várias formas de abordagem das questões de justiça ligadas a diferentes perspectivas sobre a sociedade e seus objetivos (utilitarismo, liberalismo-igualitário, libertarianismo e comunitarismo). As principais divergências encontram-se no plano da alocação de recursos limitados. Espera-se, no mÃnimo, o direito obrigatório a um mÃnimo digno de assistência à saúde, dentro de uma estrutura de alocação que incorpora de modo coerente padrões utilitaristas e igualitários, que são tidos como os mais adequados eticamente para tratar com as contingências das doenças e problemas médicos e sua implicação na vida das pessoas e suas famÃlias. Apesar desse consenso sobre o direito mÃnimo de saúde pública, na alocação de recursos para a saúde, enfrentamos problemas de ordem teórica e prática, com relação à alocação social mais justa e mais justificada em uma dada nação concreta. Na macroalocação de recursos, definem-se as verbas e para onde e como vão ser distribuÃdas. Na microalocação de recursos, cuida-se sobre quem irá receber os recursos em casos especÃficos, sendo que os dois nÃveis estão frequentemente interagindo. Considerando necessário um mÃnimo digno de abrangência universal e que as necessidades e os desejos na área médica são quase ilimitados, a escassez de recursos é praticamente universal e a necessidade de se definir prioridades é legÃtima, tendo de ser determinada sob o princÃpio da Justiça. Um ponto importante do Principialismo de Beauchamp e Childress, é que também aborda a influência das virtudes e do caráter nas relações entre a equipe médica e os pacientes. A moralidade vai além das obrigações e princÃpios. Na resolução dos conflitos éticos, os traços de caráter dos julgadores são essenciais e influenciam na forma de agir de cada um. Destaca-se a importância das obrigações com a veracidade, confiabilidade e fidelidade ao paciente para que a relação se estabeleça de forma a respeitar os melhores princÃpios. Para que o profissional seja reconhecido por excelência, nem sempre é suficiente o seguimento de regras e princÃpios. É indispensável um caráter justo, bom senso moral e sensibilidade emocional. Geralmente esses traços de caráter já estão diretamente ligados à s atribuições 40 profissionais. Dos profissionais de saúde, geralmente esperam-se virtudes que estejam relacionadas, na prática, com os relacionamentos que se desenrolam na assistência à saúde, sejam elas: compaixão, discernimento, confiabilidade e integridade; ainda mais a coragem e comedimento. As ideias do Principialismo de Beauchamp e Chidress são particularmente bem conhecidas entre o meio médico e da saúde como um todo, porém a base desses pensamentos e suas controvérsias contemporâneas ainda requerem maior reflexão. Peter Singer, filósofo da atualidade, apresenta em sua teoria sobre ética, seu pensamento sobre o que há de errado em matar, em sua publicação Ética prática (SINGER, 2006), considerando que nas decisões sobre vida e morte são mais complexas as discussões sobre os princÃpios de igual consideração dos interesses. Considera como unanimidade, atualmente, a impropriedade moral de princÃpios que restringem o respeito à vida a grupos definidos e levanta dúvidas sobre a linha demarcatória de nossa espécie humana como um limite defensável para o cÃrculo de proteção, denominando-o de especismo. Questiona, portanto, o conceito e a crença de santidade da vida dos membros da espécie humana, Homo sapiens. Para Singer, existe um valor especial na vida de uma pessoa, considerando como tal o ser racional e autoconsciente, em relação a um ser senciente, seja ele humano ou não. Embora para alguns, o direito à vida seja considerada mais absoluto do que sugere o utilitarismo tanto clássico como o preferencial, não sendo permutável em desejos e preferências, ou prazeres de terceiros, Singer reporta-se a Tooley, o qual afirma que os únicos seres a terem direito à vida são aqueles que podem se conceber como entidades distintas que existem no tempo, portanto, ditas pessoas (seres autoconscientes e racionais). A existência contÃnua não pode estar entre os interesses de um ser que nunca foi capaz de conceber-se existindo no tempo, como é o caso dos fetos e recém-nascidos. A teoria kantiana considera o respeito à autonomia, entendida como a capacidade de escolher e tomar decisões, como um princÃpio moral básico. Já o utilitarista não concorda com o respeito como um princÃpio moral básico, embora o considere questão importante. Sobre o valor da vida, Singer conclui quatro razões que sustentam a diferença do valor da vida de uma pessoa e um ser senciente: a) a clássica preocupação utilitarista com os efeitos do assassinato sobre os outros, que teriam medo de também serem mortos; b) a preocupação do utilitarismo preferencial com a frustração dos desejos e planos futuros da vÃtima; 41 c) o argumento de que a capacidade de conceber-se existindo no tempo é a condição necessária para que se tenha direito à vida; d) respeito pela autonomia. Essas considerações se refletem em uma extrema influência na análise sobre a viabilidade dos RNPTe, visto que o recém-nascido, assim como o feto são considerados seres sencientes, embora conscientes, mas não autoconscientes. Portanto, o autor considera que na morte de bebês recém-nascidos até uma idade ainda não delimitada, para o utilitarismo preferencial, não se aplica os motivos para não matar pessoas; e para os clássicos, a razão utilitarista não se aplica, pois a morte de bebês não ameaçaria outras pessoas adultas. Pelo direito à vida, o RN não tem a capacidade de querer continuar vivo ou de ver-se como um sujeito mental contÃnuo. O RN não é um ser autônomo capaz de fazer escolhas. Feto e RN estão em uma mesma condição de igualdade e então existem menos razões contra matar bebês e fetos do que contra matar aqueles que são considerados pessoas. Para Singer existe uma razoabilidade do ponto de vista legal, para se estabelecer o limite do nascimento para a lei do homicÃdio de crianças, por segurança na esfera polÃtica e do direito público, mas por razões puramente éticas, não considera comparável o assassinato de um RN e de um adulto. Ele leva em conta o conceito de Hare (2003) que estabelece uma distinção entre nÃveis crÃticos e intuitivos do raciocÃnio moral, no qual o juÃzo ético que se estabeleceu só se aplica em termos da moralidade crÃtica; para as tomadas de decisões no cotidiano, deverÃamos agir como se uma criança tivesse o direito à vida desde o momento que nasce. Devem-se estabelecer condições rigorosas quanto ao infanticÃdio, pois na grande maioria das vezes, matar um bebê significa infringir uma terrÃvel perda aos que o amam e aà está o erro. Entre os vários autores que discutem a morte no limite da viabilidade está Jeff McMahan (2011), que faz uma extensa discussão sobre o estatuto moral e metafÃsico do feto e embrião humanos e consequentemente, por extensão, aos bebês recém-nascidos e lactentes. Segundo o autor, para se entender porque consideramos, intuitivamente, que a morte de fetos e bebês é “menos ruim†do que a morte de uma pessoa adulta, McMahan faz um questionamento sobre o que há de ruim em morrer, e correlaciona isso à s perdas sofridas pelo indivÃduo que morre. O autor também rejeita a situação de que o pertencimento à espécie humana confira status moral diferenciado aos seres humanos em relação a outros animais. Pela abordagem comparativa seria de se esperar, que as perdas de um ser mais jovem, ou um bebê, seria, comparativamente, maiores do que as perdas de um indivÃduo mais velho. Mas 42 não é isso que comumente vemos ser considerado. Portanto, o autor considera que devemos adotar uma visão que relativize a ideia da morte em relação ao estado do indivÃduo no momento da morte. Essa seria a forma de abordagem do interesse temporalizado para o que há de ruim na morte. Essa visão avalia o ato de matar com base nos seus efeitos sobre o interesse temporalizado da vÃtima em continuar vivendo. Considera uma abordagem superior da moralidade do ato de matar. Ela preserva o espÃrito da abordagem baseada no dano, mas rejeita a suposição de que a identidade seria a base da preocupação egoÃsta, ou do senso de autopreservação. Com relação aos indivÃduos com capacidades cognitivas diminuÃdas, como os bebês, considera-os seres em situações marginais, e que não possuem a mesma condição de unidade prudencial, ligando-as a si mesmo no futuro, e que teriam as pessoas mais velhas, portanto tenta se estabelecer os limites da dignidade à qual eles teriam direito de serem tratados com a mesma consideração de uma pessoa mais velha, quanto à situação de morte. O limite depende de saber qual é a base da dignidade que exige respeito, segundo o próprio autor. O autor McMahan propõe defender a permissibilidade de determinados atos de matar pessoas, dirigidos a seres abaixo do limite, e mostrar que alguns atos de matar pessoas não são de todo errados, pois são compatÃveis com aquilo que é exigido pelo respeito. Então, qual o critério para se determinar o limite? Para Kant todo ser humano com capacidade para a racionalidade e autonomia é um ser provido de dignidade, e para J. Raws, a personalidade deve ser entendida como propriedade de base geral pela qual toda pessoa com um mÃnimo de personalidade moral mereça todas as garantias de justiça, com base na igualdade de direitos. O limite da moralidade divide-se em dois nÃveis: acima deste limite estão as “pessoas moraisâ€, ou seja, aquelas com a capacidade para a personalidade moral, e abaixo deste limite estão os animais, que não têm direito à justiça, dignidade, mas pela capacidade de desfrutar dos sentimentos de prazer e dor, impõem deveres de compaixão e de humanidade, neste caso o tratamento estaria no âmbito do interesse. Por definição, McMahan incluiria neste segundo grupo os bebês, em particular os RNPTe, como abaixo do limite de respeito, e, então, considerados no âmbito do interesse. Porém há argumentações de que somente a potencialidade deles para a autonomia já os tornaria dignos de respeito e que as dificuldades em estabelecer os limites de quando se atinge tal autonomia, por exemplo, após os dois anos de idade, já garantiriam o beneficio do respeito, ou ainda, lhes garantiriam um estatuto intermediário. Para McMahan, os recém-nascidos encontram-se na mesma posição moral dos fetos mais desenvolvidos, ou seja, um indivÃduo que não tem certas capacidades cognitivas 43 necessárias para incluÃ-lo na moralidade do respeito e as suas relações prudenciais com ele mesmo no futuro são de fraca intensidade, portanto o seu interesse temporalizado em continuar vivendo seria relativamente fraca. Porém o senso comum não comunga com essa mesma ideia, julgando na maioria das vezes, muito pior matar um recém-nascido do que um feto, mesmo que aquele, quando muito prematuro, encontre-se em uma situação de desenvolvimento muito aquém em relação ao feto tardio, bem desenvolvido. Isso pode ser justificado por uma questão de grau, em que o interesse temporalizado do recém-nascido é pouco maior em relação ao feto, considerando que o nascimento, por si só, proporciona estÃmulos para um maior desenvolvimento psicológico em relação ao feto, e por último, o recém-nascido cria maiores vÃnculos com os que o rodeiam, participando das relações dos outros. Por essa análise, ele conclui que o ato de matar um bebê recém-nascido é devidamente regido pela abordagem do interesse temporalizado do ato de matar, e pode ser medido e avaliado contra o interesse temporalizado de outros, da maneira aprovada pelos consequencialistas. A morte de um recém-nascido é menos condenável que a morte de uma pessoa, se as demais variáveis forem mantidas. A questão, então, concentra-se em saber quando o interesse temporalizado de outras pessoas sobrepõe o próprio interesse temporalizado do bebê em continuar vivendo, seja essa vida considerada digna ou não de ser vivida. A ponderação dos interesses temporalizados concorrentes é questão de bom senso. Não há um cálculo exato para quantificar tais interesses. Em situações, cujas perspectivas de vida do bebê são ruins, o interesse temporalizado em continuar vivendo é mais fraco que o usual, o que favoreceria sua ideia de aprovação da eutanásia não voluntária para indivÃduos que nunca foram pessoas, como os recém-nascidos, embora considere ainda, nestes casos, uma justificação cheia de ambiguidades. Portanto, nas situações de decisão sobre os RNPTe, para McMahan, deve ser ponderado entre o interesse temporalizado do bebê em continuar vivendo, que é fraco, principalmente se as condições atuais forem de dor e sofrimento, e as perspectivas de vida futura forem de comprometimento com sequelas graves, e confrontando com o interesse temporalizado dos pais e de outros relacionados com o caso (McMAHAN, 2011). Uma corrente filosófica-moral diferente está defendida por D. Elio Sgreccia, Diretor do Centro de Bioética da Universidade Católica do Sacro Cuore, Itália, descrita em Manual de Bioética. Nesta obra, Sgreccia (1996) defende o modelo Personalista ontológico para fundamentar a objetividade dos valores, que é baseada na unidade corpo-espÃrito. Sgreccia acredita que, no homem, a personalidade subsiste na individualidade constituÃda por um corpo 44 animado e estruturado por um espÃrito. O eu não é redutÃvel a cifras, números, átomos, células e neurônios. A pessoa humana é uma unidade, um todo e não uma parte de um todo. É fim e fonte para a sociedade. Para os cristãos, a Revelação com a verdade da criação, da Redenção e da comunhão do homem com Deus oferece uma ampliação dos horizontes e valores: cada homem é a imagem de Deus. Mesmo na reflexão laica, racional, a pessoa humana apresenta- se como o ponto de referência, o fim e não o meio, a realidade transcendente para a economia, o direito e a própria história. Não se trata de pura abstração filosófica, pois, tanto a vida quanto a medicina existem e têm por destinação o homem, e este deve ser considerado em sua plenitude de valor. O personalismo afirma a própria razão do homem e de sua liberdade. O homem é pessoa porque é o único ser que em vida, torna-se capaz de reflexão sobre si, de autodeterminação, capaz de captar e descobrir o sentido das coisas e de dar sentido à s suas expressões e linguagem consciente. “Razão, liberdade e consciência representam uma criação emergente irredutÃvel ao fluxo das leis cósmicas e evolucionistas†(POOPER, 1982 apud SGRECCIA, 1996, p. 79). A pessoa é uma unitotalidade de corpo e espÃrito, que representa o seu valor objetivo, pelo qual a subjetividade se responsabiliza em relação à própria pessoa e em relação à pessoa do outro. Os aspectos objetivos e subjetivos estão mutuamente implicados. O valor ético de um ato deve ser considerado sob o perfil subjetivo da intencionalidade e do seu conteúdo objetivo e suas consequências. A certeza deve procurar cada vez mais a verdade. O autor não concorda com a visão inconciliável da distinção em que a ética laica funda-se na razão e nos valores e, a ética católica, em dogmas e na fé. Antes, acredita que a visão personalista não prescinde da justificação racional dos valores e das normas, e a fé apenas a reforça. A comparação deve ser feita com base na antropologia de referência e no problema da fundação do juÃzo ético. A bioética personalista deduz alguns princÃpios próprios como essenciais: o da defesa da vida, como fundamental da própria pessoa, porém não o único; é coessencial. Defender ativamente, respeitar e promover a vida. O princÃpio da liberdade com responsabilidade pela vida própria e com a do outro. Para ser livre é preciso estar vivo. Com relação ao Principialismo, o autor sugere uma hierarquização desses princÃpios para uma efetiva aplicação e solução prática de conflitos e para se evitar o relativismo. É necessária a sistematização fundamentada ontológica e antropologicamente: benefÃcio, autonomia e justiça, nesta ordem respectivamente. Considera o benefÃcio acima da autonomia, pois do contrário não se garante a própria autonomia do sujeito, especialmente quando o sujeito- doente não é capaz de exercer a autodeterminação ou quando a autonomia do médico contrasta com a do paciente. Para a conciliação, é importante encontrar o verdadeiro bem da 45 pessoa. A ciência ética e o exercÃcio das virtudes éticas têm seu significado a partir da necessidade de resolver os conflitos éticos dentro da necessidade do paciente, levando em conta os valores em questão, de forma hierarquizada e harmônica. Com relação ao embrião, feto e recém-nascido, o autor considera que: o recém-concebido tem sua realidade biológica própria e bem determinada: é um indivÃduo totalmente humano em desenvolvimento, que, autonomamente, sem descontinuidade alguma, constrói a própria forma, executando, por uma atividade intrÃnseca, um desenho projetado e programado de seu próprio genoma (SERRA,1987 apud SGRECCIA, 1996, p. 353). E ainda declara que essa atividade intrÃnseca desenvolve-se por um determinismo orientado para um projeto bem preciso e finalizado que acontece em todas as fases de formação do recém-concebido, desde o instante da fertilização até o nascimento e, em todo o processo de crescimento e de desenvolvimento. Com essa afirmação, o autor define o estatuto do recém- nascido, em qualquer fase de desenvolvimento, inclusive os RNPTe, de modo igual a toda pessoa humana, com a mesma dignidade, tendo a vida como bem essencial e fundamental que deve ser respeitada e defendida por todos. Com base nesse pensamento, define-se a forma como lidar com os limites da viabilidade dos RNPTe. Respeitar a vida da pessoa no momento da vida nascente, proporcionando que ela aconteça plenamente e em sua fase final, recusando qualquer forma de antecipação da morte, recusando a eutanásia, ou alguma forma de tirania biológica através da insistência ou obstinação terapêutica. Sgreccia refere-se a alguns princÃpios para esclarecer a morte com dignidade, considerando, quando não dá a entender formas veladas de eutanásia, o que se estabelece na forma da intencionalidade e ação, exprime uma condição aceitável e necessária. Considera o direito à morte como o direito de morrer com serenidade e dignidade humana e cristã. O uso proporcionado dos meios terapêuticos tem sua fundamentação na necessidade em estabelecer critérios para o uso de tecnologias cada vez mais avançadas, correndo-se o risco de se tornarem abusivas e formas de prolongamento do sofrimento. A base para decisão, atualmente, encontra-se, não exclusivamente no meio utilizado, mas no resultado terapêutico que dele se espera. O autor cita a Declaração da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé como referência para avaliar os meios cientÃficos a serem usados, comparando o tipo de terapia, os riscos, as dificuldades e os custos para famÃlia com o resultado esperado para a recuperação do paciente. A Declaração (IGREJA CATÓLICA, 1980) é bastante especÃfica e detalhada sobre algumas situações bastante particulares, a saber: considera lÃcito recorrer a 46 tratamentos experimentais disponÃveis na medicina avançada, mesmo com alguns riscos, na falta de outros tratamentos eficazes; também é lÃcito suspender tais tratamentos, quando os resultados não forem os esperados, devendo levar em conta o justo desejo dos pacientes, de seus familiares e o parecer de médicos competentes; é sempre lÃcito contentar-se com os meios normais de tratamento que a medicina oferece, não podendo obrigar ninguém a submeter-se a tratamentos que, mesmo de uso frequente, não está isento de riscos, ou seja, muito oneroso ao paciente; é lÃcito recusar um tratamento que ofereça um prolongamento da vida de forma precária e com sofrimento desproporcionado, em especial, na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, sem interrupção, todavia, dos cuidados habituais devidos aos pacientes. Neste último item, há uma recusa a, assim chamada, insistência ou obstinação terapêutica e à distanásia. Norman M. Ford (2002), também defensor da teoria personalista, em sua publicação The Personal Person considera essencial para teoria ética a definição filosófica de pessoa humana, uma vez que é ela, a pessoa, que a justifica. A sua definição de pessoa humana resume-se em “um ser vivente individual com a natureza racional humanaâ€. Ele avalia a pessoa como o sujeito de sua existência, em virtude de sua própria natureza humana e racional. Há milhões de pessoas humanas, em cada qual, a mesma natureza humana é individualizada. Em uma avaliação subjetiva da pessoa, a identidade própria do indivÃduo (com todas as suas experiências e sensações, a autoconsciência e a consciência do outro, o seu senso de liberdade e responsabilidade moral intrÃnseco) está fundamentada em sua natureza humana, única e individual, existente desde o inÃcio da vida. Em uma avaliação objetiva, Ford (2002) considera que as capacidades inerentes do ser humano devem-se a essa própria natureza humana. A interação mente-corpo ou a unidade psicossomática distingue o ser humano e lhe confere essa individualidade. Ao contrário de alguns filósofos seculares, Ford acredita que alguma força fundamental de entendimento e intelecto seja necessária para o tÃpico conhecimento humano. Tradicionalmente chamada de alma espiritual (imaterial), é ela que anima todo o corpo e também pode ser chamada de princÃpio de vida pessoal; não deriva da matéria nem possui evidência empÃrica, mas é criada quando o indivÃduo é formado e, portanto, constitui o ser humano. Desta teoria deriva o conceito da inviolabilidade do estatuto moral de ser humano, desde a concepção, nascimento, independente de malformações congênitas ou deficiências e sequelas futuras. Não ser autoconsciente e racional não significa que não seja possÃvel a um indivÃduo ter uma natureza racional antes que uma ação racional possa ser realizada. Não 47 parece correto exigir as mesmas condições existenciais de uma força racional como é exigido para todo senciente. Esta analogia não se aplica pelo fato de que a razão não é resposta de um órgão corporal. Parece que antes do nascimento, um feto humano já é uma pessoa humana, dotada com uma natureza racional porque o desenvolvimento e crescimento, sozinhos, conduzem a um posterior uso da capacidade natural de realizar ações racionais e morais. Fetos e crianças gradualmente realizam sua própria e inerente atividade potencial natural de tornarem-se mais completos do que eles já são, são pessoas com potenciais e não potencialmente pessoas. A ética, para o autor, é definida pelo comportamento das pessoas e não dos animais. É entendido como definitiva, sem ambiguidade e dependente da verdade. Uma obrigação moral é universal desde que, se refira a todas as pessoas, situações e culturas. Assim está essencialmente relacionada com o núcleo da nossa personalidade onde se origina a dignidade e solidariedade humana. Pela perspectiva da ética, todas as pessoas são iguais e devem ser tratadas como tal, sem qualquer discriminação. A avaliação ética das ações humanas pode ser expressa em verdadeira ou falsa. Para isso ser feito é importante considerar o objeto da ação que é livremente escolhido, a intenção ou o motivo do agente, e outras circunstâncias relevantes. O imperativo moral existe, mas, o pivô para ética, ou seja, julgar a ação boa ou mal, é o significado de bom. O bom é aquele que todos desejam, um fim ou um propósito. Este conceito é básico e primário e o primeiro princÃpio formal é: “o bem deve ser feito e o mal evitadoâ€. Segundo o Papa João Paulo II (IGREJA CATÓLICA, 1995, p. 80): um ato é bom se o seu objeto está em conformidade com o que é bom para a pessoa em relação aos bens morais relevantes para elaâ€. [...], “a ética cristã [...] não se nega a considerar o conteúdo da teleologia (ou seja, propósito e a finalidade) dos atos, contanto que sejam direcionados a promover o bem das pessoas, mas reconhece que isso só é alcançado quando os elementos essenciais da natureza humana são respeitados. Contrariamente ao Utilitarismo, o autor acredita que o critério primário da moralidade está relacionado com a dignidade e o verdadeiro bem da pessoa antes de qualquer cálculo sobre os efeitos benéficos de uma ação em relação aos outros. A obrigação ética pessoal para com os outros é baseada no dever de ser verdadeiro consigo mesmo como um agente moral. A verdade moral deve ser considerada antes do balanço sobre os interesses próprios e dos outros. 48 No caso de bebês RNPTe, Ford (2002) considera que a ética requer que tudo o que for necessário e razoável deve ser feito no melhor interesse do RN para preservar a vida e restaurar sua saúde. O problema não é dizer que uma vida é pior que outra, nem guiar-se somente por critérios vagos de qualidade de vida. Ao médico cabe a árdua tarefa de determinar quando os benefÃcios do tratamento sobrepõem à dificuldade esperada e aos riscos de graves danos. Os tratamentos médicos devem servir ao verdadeiro bem das pessoas e não somente prolongar suas vidas. Não há obrigação de prolongar a vida de RN que não possam alcançar um mÃnimo de condição para compartilhar alguns benefÃcios do ser humano, como o amor e os relacionamentos. Aliviar o sofrimento é uma prioridade em neonatologia, mesmo que doses elevadas de analgésicos exigidas possam levar à parada respiratória e encurtar sua vida, desde que a única intenção de aplicação da medicação seja aliviar a dor e o sofrimento do RN em situação terminal. A equipe médica responsável pelo RN com graves problemas de saúde deve decidir sobre as opções de tratamento a ser recomendadas aos pais, tendo em mente as condições disponÃveis para o cuidado médico do bebê. Os diferentes tratamentos que podem ser recomendados para casos semelhantes, justificam-se pelas diferentes circunstâncias em que são considerados e não necessariamente contrários a valores éticos. Nem sempre é possÃvel ter imediata noção sobre o verdadeiro prognóstico do RNPTe; nestes casos de dúvidas, o tratamento intensivo deve ser iniciado até que o correto esclarecimento e acurado diagnóstico e prognóstico seja estabelecido. Em casos de prognósticos fatais, não seria ético prover tratamento fútil que poderia causar à criança dor e sofrimento intratável. Segundo o autor, “a vida para o RN é um presente e não uma sentençaâ€. Nestes casos, a decisão por não tratar não deve ser igualada à conduta de matar o paciente. Os pais devem ser acompanhados e esclarecidos, para entenderem essa diferença ética e ficarem em paz com sua consciência. Quando os pais não estão presentes a tempo de consentirem com o tratamento, e o caso requer medidas de salvamento urgentes, estas devem ser instituÃdas pelos médicos de imediato, em virtude de sua responsabilidade profissional. Se os pais se recusam a aceitar o tratamento necessário e razoável para salvar a vida da criança, os médicos devem proceder ao tratamento e não somente instituir cuidados paliativos, uma vez que sua principal obrigação é para com a criança, seu paciente, e não com os pais. Deve-se providenciar uma tutoria legal. Normalmente esses problemas podem ser evitados com uma boa comunicação entre os médicos e familiares (FORD, 2002). Ford ao referir-se ao tratamento especÃfico de bebês de muito baixo peso (menores de 1500g) declara que é imprescindÃvel a internação da mãe em situação de risco, em unidade de nÃvel terciário para tratamento adequado e retardar ao máximo o nascimento prematuro. Uma 49 consideração justa é a de que RNPTe devem ser tratados em terapia intensiva a menos que uma avaliação apropriada determine que eles não tenham condição de sobrevida, que o tratamento prolongue o processo de morte, resultando em sofrimento intratável, ou pode ser considerado fútil sem qualquer esperança de se manter respiração espontânea permanente. Enquanto a determinação de não reanimar sem boas razões pode ser injustificada, não há nenhuma obrigação ética de reanimar uma criança ao nascimento, quando está claro que o prognóstico é ruim e que tal ação levará a sofrimento e dor intratável. Nestes casos, a presença do pediatra se faz necessária para proporcionar cuidados paliativos de conforto até a sua morte natural. Os pais devem ser incansavelmente informados e receber apoio, compartilhando das decisões sobre o tratamento de seus bebês, uma vez que nessas situações, a morte ou a vida com graves sequelas é um desfecho frequente. Decisões sobre continuar ou interromper o tratamento intensivo devem ser tomadas no melhor interesse da criança e com a consulta aos pais. Sempre que houver dúvidas sobre a continuidade ou não do tratamento, a decisão deve ser feita em favor da vida. A continuidade do tratamento pode não ser eticamente necessária se, segundo o Papa João Paulo II (IGREJA CATÓLICA, 1995, p. 94) forem identificadas situações: [...] inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para a sua famÃlia. Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência „renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida‟ [...] e impõe-se avaliar se os meios terapêuticos à disposição são objectivamente proporcionados à s perspectivas de melhoramento. Ford (2002) conclui que a avaliação do limite de viabilidade e a decisão de terapia intensiva para o RNPTe devem ser feitas caso a caso, com a combinação: maturidade, peso, condição, solidez e uso pré-natal de corticoide. Atravessar a linha do limite de viabilidade de peso e idade gestacional em que a terapia intensiva pode, mas não necessita de ser usada; e por outro lado, decidir quando a terapia intensiva deve ser usada como forma de salvar vidas. É considerada uma área cinzenta onde a avaliação dos neonatologistas pode divergir. É necessária uma cuidadosa avaliação clÃnica para determinar se há garantia de benefÃcios suficientes e proporcionais para esses RNPTe, à luz de probabilidades de sobrevida e das sequelas severas comuns de acontecer ao longo dos anos. Ford (2002) cita um trabalho em que um levantamento sobre a atitude de neonatologistas revelou que um terço deles, como 50 pais, não dariam a seus próprios bebês RNPTe o mesmo tratamento agressivo que eles, como médicos, dariam a outros RNPTe; isso poderia sugerir que o tratamento de alguns bebês RNPT está sendo desproporcional. Para Ford (2002), RNPTe com 22 semanas de IG completas e PN menor de 400g não deveriam ser reanimados uma vez que sua perspectiva de sobrevida seria extremamente baixa. Em geral no caso de RN com 23 semanas de IG completas e PN entre 400g e 500g poderia ser eticamente permissÃvel, mas não necessário, iniciar tratamento intensivo. Depois da avaliação e consulta aos pais, a decisão de continuar ou não o tratamento intensivo deve levar em conta a pequena perspectiva de sucesso diante da baixa taxa de sobrevida e as sequelas graves frequentes. Com 24 semanas de IG completas e PN de 500g a 600g, o autor acredita que deve- se presumir a obrigação de reanimar e prover terapia intensiva, a menos que seja confirmado, por avaliação rigorosa, que o bebê não está respondendo bem e os pais estão de acordo com a conduta médica. Onde as UTIN estão disponÃveis, para bebês com 25 semanas de IG completas e PN maior de 600g, salvo outras complicações, seriam eticamente necessários a reanimação e o tratamento de todos os RN em terapia intensiva, sob a perspectiva de melhores taxas de sobrevida para essa população. Com respeito à alocação de recursos, governos e administradores devem decidir sobre o nÃvel de financiamento público das UTIN e outras terapias para RN e da avaliação comunitária sobre as prioridades em cuidados de saúde e outros investimentos orçamentários, especialmente nos paÃses em desenvolvimento, onde os recursos destinados à saúde são escassos (FORD, 2002). Leo Pessini, bioeticista brasileiro, apresenta, em sua publicação “Eutanásia _Por que abreviar a vida?†(PESSINI, 2008), as considerações sobre as atuais circunstâncias sociais de enfrentamento das situações de morte e de sua transformação ao longo dos séculos. De uma situação pública, em que o moribundo era o senhor de sua própria morte, junto com seus familiares e pessoas próximas, para uma situação totalmente contrária, inaceitável e cheia de tabus, quando os doentes terminais são afastados da convivência dos seus entes próximos, negando e escondendo a situação de finitude da vida, trancados em hospitais e vistos somente cientificamente, e onde a morte é vista como o fracasso da ciência. Em outra publicação, “Distanásia - Até quando prolongar a vida?â€, Pessini (2007) apresenta seu estudo sobre a situação da distanásia e os conceitos envolvidos. Considera a distanásia como prolongamento exagerado da agonia, do sofrimento e o adiamento da morte de um paciente. Também empregado como tratamento fútil e inútil, que leva a uma morte medicamente lenta e prolongada, acompanhada de sofrimento. Na Europa, é chamada de 51 “obstinação terapêutica†(L’acharnement thérapeutique), nos Estados Unidos de “futilidade médica†(medical futility), “tratamento fútil†(futile treatment) ou simplesmente “futilidade†(futility). Entre a distanásia e o outro extremo, que seria a eutanásia (abreviação de vida), encontra-se uma condição que honra a dignidade humana e preserva a vida, chamada de ortotanásia, sensÃvel ao processo de humanização da morte, ao alÃvio das dores, sem prolongamentos abusivos com a aplicação de meios terapêuticos desproporcionados, que só aumentariam o sofrimento. Em hospitais de paÃses mais desenvolvidos, já ocorre uma consciência mais real dos limites a serem empregados na fase de final da vida, com relação à alta tecnologia, sem o risco de ser confundido com a prática da eutanásia ou com omissão de socorro e situações ilÃcitas. No contexto macrossocial da América Latina, onde predomina uma situação de exclusão e desigualdade, e que se clama “por viver com dignidadeâ€, o processo de morrer constitui-se numa abreviação coletiva da vida, cunhada como mistanásia, a reflexão se faz para a promoção da saúde e vida digna, em especial, para os mais vulneráveis (PESSINI, 2007). É nesse contexto de avaliação do momento de final de vida que o autor analisa a situação e questiona, em relação ao RN com problema, todas as circunstâncias atuais complexas que envolvem o problema: Deve ser feito tudo o que for possÃvel para ressuscitar um RN, independente da situação médica e das consequências em relação ao seu futuro desenvolvimento? É permitido interromper a reanimação ou mesmo terminar a vida de um RN que se tornou competente em termos de respiração, mas está com o cérebro seriamente danificado? Quem pode avaliar e decidir em tais circunstâncias? Com base em que competência e em qual critério? Como ficam os parentes, equipe médica e de enfermagem uns em relação aos outros? (PESSINI, 2007). Considera que as respostas devem ser analisadas na perspectiva de dois imperativos: as complicações neonatais devem ser prevenidas ao máximo e quando não for possÃvel evitá-las, após todo esforço despendido, deve-se agir com toda compaixão e humanidade. E ainda, que independente de idade, estado de saúde e deficiências da pessoa, a dignidade humana e seu valor devem ser respeitados. Cita o Comitê Nacional de Ética da França que em seu relatório sobre ética e pediatria, ressalta a importância de tratar a criança como qualquer outro ser humano (NATIONAL BIOETHICS COMMITTEE- NBC, 2008). Todas as determinações feitas com relação ao final da vida devem ser retomadas neste contexto do RN com problemas. A principal discussão ética, então, é sobre a distanásia. O princÃpio de não causar dano é aplicável nesta situação como forma de rejeitar qualquer terapia agressiva que possa ser considerada fútil e causar danos irreversÃveis ao RN. 52 Juntamente com a implementação prática desse princÃpio, na atividade médica neonatal, estão várias particularidades especÃficas de cada caso. A participação dos pais, nas discussões e decisões a serem tomadas, é essencial, sempre tendo em mente o esclarecimento, o tempo necessário para a real assimilação do problema, o cuidado para não projetar o peso da culpa de decisões sobre eles e não eximir os profissionais de assumirem as responsabilidades sobre as decisões profissionais a serem tomadas. O conflito entre as posições de sempre salvar a vida da criança e a preocupação com as futuras deficiências e a qualidade de vida desfavorável é agravado pela difÃcil decisão, não exclusivamente entre vida e morte, mas entre a certeza da morte e a incerteza sobre a futura condição da criança. Pessini discorre sobre as considerações atuais, à s vezes ambÃguas, da definição de dignidade humana, que em muitas situações se emprega o termo com sentido diferente e contraditório, como nas discussões sobre eutanásia, para se defender posições carregadas de valores: “pró-escolha†versus “pró-vidaâ€; “respeito pela dignidade humana†versus “respeito pelo direito de morrer com dignidade†(PESSINI, 2007). Ele entende a dignidade humana considerando antes a definição de pessoa, não com sentido exclusivo biológico cientÃfico, mas como sujeito racional, livre, autônomo e responsável, sem qualquer reducionismo antropológico com valorização excessiva da autonomia, mas privilegiando a dimensão relacional e a solidariedade, inerente à essência do ser humano. Por isso considera a ascrição, ou seja, a atribuição por extensão de uma qualidade eminente, uma forma de estender as propriedades da dignidade humana à s pessoas em situações desfavoráveis, marginalizadas, e vulneráveis, como os fetos, embriões e recém-nascidos, excluÃdos da “famÃlia humana†pelos pensamentos seculares. (PESSINI, 2007). O autor faz uma crÃtica aos extremos do pensamento. Por um lado há uma valorização excessiva da liberdade e autonomia pessoal, sendo a pessoa a única responsável pela sua condição humana e sua dignidade, ressaltando o conceito de qualidade de vida, entendendo que não é qualquer vida que vale a pena ser vivida. De outro lado, está a visão cristã em que a dignidade humana se apoia no conceito transcendente da pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus. A partir do conceito de sacralidade da vida a dignidade humana não se perde em situações limites, onde não há sinais de racionalidade ou autonomia. Ocorre o sentimento de “intangibilidade†da vida humana. A radicalização destes conceitos vai levar a posições intolerantes, que não favorecem o pleno equilÃbrio entre a graça de Deus e a autodeterminação humana. É essencial que se avalie as realizações humanas na perspectiva dos avanços tecnológicos, para que elas não resultem em 53 desrespeito à dignidade humana, principalmente em situações crÃticas de final de vida, não abreviando prematuramente a vida de pessoas e também não sendo justificativa para a obstinação terapêutica. Pessini entende que não há oposição entre o caráter sagrado da vida e qualidade de vida, antes, porém, são complementares. Na visão cristã, a absolutização da sacralidade da vida e da dimensão corpórea do ser humano levará à intervenção fútil e à distanásia. A vida humana é um bem fundamental, mas não um valor absoluto. Citando Gracia (1998), Pessini refere que o princÃpio da sacralidade da vida é absoluto, porém formal, e o que varia são os conteúdos materiais do respeito aos seres humanos. Isso é definido como qualidade de vida e dividido em dois nÃveis: um público que define a ética civil ou dos mÃnimos, e se expressa nos princÃpios da Não Maleficência e da Justiça; outro nÃvel é o privado, que define a ética pessoal ou de máximos em que são destacados os princÃpios da Autonomia e Beneficência. Os princÃpios e normas pretendem ser universais, mas não absolutos. Por isso as exceções a esses princÃpios são possÃveis, considerando as consequências e circunstâncias concretas, que não seria um bem, mas um mal menor. Neste caso, a qualidade de vida requer uma análise entre a condição médica e a possibilidade de integridade fÃsica do paciente com relação aos seus valores materiais, morais, espirituais e sociais (PESSINI, 2008). O autor considera que a decisão crÃtica do cuidado do RN com problema se estabelece no momento inicial de se definir sobre a reanimação. Esta decisão pode levar à sobrevida, mas assume o risco de permitir que uma deficiência aconteça. Se um neonato restabelece a autonomia respiratória enquanto dependente de cuidados intensivos, mas com comprometimento grave e permanente de outros sistemas, como por exemplo, o neurológico, tal fato é uma consequência direta da decisão inicial de tentar resgatar (reanimar) a qualquer custo. Seria ético interromper a reanimação sistemática do RN em sofrimento vital para se evitar uma decisão posterior de suspender o suporte vital? Em casos de reanimação, o autor considera que não há diferença moral entre ação e omissão, uma vez que o resultado final é a morte do indivÃduo. Portanto, iniciar a reanimação sistemática de um RN cuja chance de sobrevida sem deficiência seja considerada nula remete à consideração sobre terapia fútil e só seria justificada quando essas chances não fossem ausentes ou se não pudessem ser avaliadas com relativa certeza naquele momento. Nestes casos, permanece a situação de que não se justifica a obstinação terapêutica. Quando se decide por iniciar a reanimação e posteriormente se avalia um mau prognóstico de sobrevida ou de sequelas graves e persistentes, a interrupção da reanimação é o equivalente a descontinuar terapia fútil e agressiva (PESSINI, 2007). 54 Em outra opinião, quando uma vida sobrevive somente por meio do tecnicismo (isto é, ressuscitação) e, além disso, não oferece o mÃnimo de vitalidade exigida para, até mesmo, uma existência limitada, colocar fim a este tecnicismo não é interromper a vida, é simplesmente interromper a suspensão artificial da morte (GOUJARD et al.apud PESSINI, 2007, p. 427). É importante a consideração de que os cuidados paliativos são essenciais ao RN em situação terminal que ainda vive, como em qualquer outra idade, e que segue naturalmente a sequência de todos os outros cuidados iniciados anteriormente com o objetivo de curar. Em concordância com o Comitê Francês, o autor ressalta que para se enfrentar tais situações extremamente conflitantes e dilemáticas, quando os recursos terapêuticos disponÃveis para o benefÃcio do paciente podem levar a danos e a possibilidade de intervenções fúteis, as decisões devem estar baseadas em responsabilidade, discernimento e humanidade. A responsabilidade da equipe médica está desde a decisão de iniciar, persistir ou interromper a reanimação. A seguir, o discernimento de prosseguir ou não o tratamento, compartilhando essa decisão com a famÃlia do paciente, que são seus principais guardiões, de forma humanizada, com a participação de profissionais de outras áreas das ciências humanas, para garantir que estejam presentes os valores de compaixão e solidariedade. É o fator humano que dá sentido ao uso de tecnologias avançadas, que não pode alimentar a distanásia e que procura defender a dignidade da pessoa (PESSINI, 2007). Para as soluções de dilemas médicos frente ao RNPTe, pudemos acompanhar o grande número de considerações a serem analisadas, apenas confirmando o caráter complexo da maioria das decisões éticas nesta área. Com certeza, o Principialismo de Beauchamp e Childress pode propiciar um caminho mais abrangente para uma análise inicial de cada problema a ser considerado, com relação ao RNPTe. Cada princÃpio, Não Maleficência, Beneficência, Autonomia e Justiça, pode ser exaustivamente analisado no contexto da neonatologia e em relação ao RNPTe, como fizemos acima. A hierarquização de tais princÃpios, como sugerem alguns autores (FORD, 2002; PESSINI, 2007) pode ser uma forma de administrar os dilemas surgidos ao longo dos processos. O Relatório do Nuffield Council on Bioethics(NCB, 2006) conseguiu concentrar seus posicionamentos baseados em conceitos éticos nem sempre unânimes, mas justificados por 55 teorias, que embora divergentes em alguns pontos, estabelecem pontos cardinais para as tomadas de decisões relacionadas aos RNPTe e outros RN com graves problemas. Confrontando as teorias de vários autores, o Relatório propõe diretrizes práticas embasado em questões éticas, sociais e legais de amplo espectro. Estas questões envolvem as decisões a serem tomadas em cuidados crÃticos em medicina neonatal, e podem interferir nas decisões de pais e profissionais frente a dilemas éticos criados por incertezas médicas, certos de que nem sempre é possÃvel encontrar uma resposta inequÃvoca sobre o que deve ser feito em situações particulares. As questões éticas principais levantadas pelo Relatório NCB foram consideradas em conformidade com a lei e a sociedade inglesa, porém, diante da globalização vivenciada, embora com particularidades, podemos incluir tais considerações em nossas reflexões, dentro da realidade de cada serviço. No Relatório NCB, foram discutidas as questões, a saber, o status moral do feto e do RN; o valor da vida humana nestes momentos; os conceitos de santidade da vida e qualidade de vida; os critérios de avaliação do melhor interesse; as diferenças entre suspender ou não iniciar o tratamento e se há casos em que é permitido deliberar sobre o término da vida do RN ativamente, além das considerações sobre as ações de duplo efeito. Sobre o valor da vida humana, o Relatório NCB discutiu as várias realidades de conceitos baseados na fé ou intuição moral, desde as que consideram que a vida humana se inicia na concepção até as que consideram que o limite se relaciona com determinados estágios do desenvolvimento neurológico. Não houve consenso sobreo status moral do embrião e feto. Porém foi acordado no grupo que estabelecer um ponto após o nascimento seria muito variável e de difÃcil avaliação. O grupo de trabalho que elaborou o Relatório do Nuffield Council of Bioethics elegeu, portanto, o nascimento, ponto considerado mais objetivo, independente do grau de amadurecimento, como ponto moral e legal para o julgamento sobre o direito e o dever da preservação da vida e pleno status moral. Com relação ao princÃpio da santidade da vida, não o considerou como absoluto, entendendo que, em algumas circunstâncias, preservar a vida somente conduzirá a uma existência intolerável e desumana. Para se definir quando o grau de sofrimento supera os benefÃcios do tratamento imposto, levando a um sofrimento atual ou futuro considerado intolerável, o Relatório adotou as considerações do Royal College Paediatrics Children Health (RCPCH): “sem chanceâ€, “sem propósito†e “insuportável†(conforme citado em página 76). Com relação à qualidade de vida, há controvérsias de como ela deve ser entendida. Como forma da utilidade, em que a avaliação está relacionada à s condições de bem estar de 56 uma vida que valha a pena ser vivida, ou do ponto de vista relacional, relacionados aos valores da dignidade humana. O Relatório não encontrou diferença moralmente relevante entre crianças e adultos com ou sem deficiências, devendo ser dado a todos a mesma consideração. Recomenda-se que ninguém envolvido no processo decisório relativo ao RNPTe sinta-se pressionado a permitir que um bebê morra por causa do risco de deficiências. Em todos os casos, o melhor interesse do bebê é o principal norteador das decisões, e seu principal interesse é evitar sofrimentos prolongados, desnecessários e desproporcionados. O melhor interesse do RN é central nas tomadas de decisões e deve ter o maior peso, embora também devam ser considerados os interesses dos familiares que irão conviver e se responsabilizar pelos cuidados com a criança. Para o julgamento sobre o melhor interesse da criança pode haver divergência entre os julgamentos. O Relatório sugere um roteiro de questões a serem consideradas: ï‚· Qual o grau de dor, sofrimento e stress mental o tratamento infringirá à criança? ï‚· Qual o benefÃcio futuro que a criança receberá com o tratamento: capaz de sobreviver independente de suporte à vida; capaz de estabelecer algum tipo de relacionamento com as pessoas; capaz de experimentar algum tipo de prazer? ï‚· Qual o tipo de suporte está comumente disponÃvel para prover um bom cuidado a esta criança? ï‚· Quais são os sentimentos e o entendimento dos pais com relação aos interesses do seu bebê? ï‚· Por quanto tempo estima-se a sobrevida se o tratamento suporte for mantido? O melhor interesse da criança constitui a forma mais adequada de decisão substituta para casos em que, como os RN, o indivÃduo nunca apresentou capacidade de decisão. Este também é um consenso entre os autores, independente das opiniões a respeito de status moral e inÃcio da vida. A decisão no melhor interesse do RN é tomada com base na dor e no sofrimento que ele poderá sofrer, na probabilidade de sobrevida e de sequelas graves e permanentes que poderá apresentar, portanto, está relacionada com a qualidade de vida atual e futura. Sobre a diferença entre não iniciar e interromper o tratamento já iniciado não foi considerado diferença moral significativa, uma vez que as ações são motivadas individualmente, com relação ao melhor interesse da criança. 57 O Relatório rejeita o argumento de que a ações de eutanásia, tidas como ações de retirada intencional da vida, sejam moralmente equivalente a ações de suspensão ou não inÃcio do tratamento em situações consideradas como futilidade. Considera que é dever da equipe de saúde defender e proteger a vida, tendo uma relação de confiança com seus pacientes, que pode ser comprometida diante deste agravo de tirar a vida, mesmo em situações de sofrimento intolerável. Porém, o relatório concorda com que a escolha do tratamento quando feita em função do melhor interesse do bebê, é moralmente aceitável mesmo quando correm o risco de encurtar a vida do paciente, se a intenção é de aliviar a dor insuportável. Chama-se isso de ação de duplo efeito. Podemos ter em mente que para o prematuro no limite da viabilidade, assim como para outros RN com problemas graves, atenção especial deve ser dada a Não Maleficência, pois é consenso da maioria dos autores que o primeiro interesse do bebê é não sentir dor ou sofrimento. As decisões a serem tomadas devem ser claramente compartilhadas pelas partes principais envolvidas, a famÃlia e a equipe médica, e a nÃvel macro, com decisões compartilhadas com a sociedade, que define o rumo de polÃticas públicas e distribuição e alocação de recursos. Os pais são considerados representantes legais e morais dos filhos e por isso, na maioria das vezes, são os mais indicados a responder no melhor interesse do bebê. Mas para que isso aconteça, a humanização do trabalho médico se faz mister, uma vez que o conhecimento técnico dos problemas médicos enfrentados pela criança, as possibilidades de sobrevida e desenvolvimento são, muitas vezes, desconhecidos pelos pais. Além de que momento favorece conflitos e desequilÃbrios emocionais, que prejudicam uma decisão sensata, livre de culpas e interferências externas, essencialmente voltadas ao melhor interesse de seu filho. Por isso, os pais necessitam de amparo, apoio e esclarecimentos claros e objetivos sobre a real situação. É imprescindÃvel que se crie um ambiente de pertença à equipe, onde sua opinião seja valorizada como membro participante que constrói as decisões à medida que os fatos se desenrolam, pois não há uma solução pronta que sirva para todos. Cada um é um ser humano individual, com todas as particularidades, inclusive da famÃlia ao seu redor. Já o pensamento construÃdo por pesquisadores da América Latina (AL) e outros paÃses em desenvolvimento propõe uma expansão do pensamento bioético para além dos conceitos disciplinares estanques, propondo uma leitura da realidade latino-americana mais ampla e politicamente mais engajada. Levando-se em conta a realidade socioeconômica e cultural, com uma enorme desigualdade evidente em todos os âmbitos, parece difÃcil se estabelecer um 58 princÃpio ético único, de abrangência geral. Kotow (2006 p.42-43) considera que o Principialismo não é capaz de atender todas as demandas da AL, visto a sua falta de universalidade, e como fruto da fase pós-industrial, trata-se de uma teoria estranha ao nosso meio. Além disso, como a desigualdade é marca forte em nosso meio, os postulados essenciais aqui são a busca da justiça e o exercÃcio da proteção. Desenvolve-se a partir daÃ, a Bioética da Proteção, baseada em um contexto de resolução de situações de crises e conflitos ligados à saúde e à qualidade de vida das populações em situações biopsicossociais muito desfavorecidas e de grandes desigualdades, em paÃses em desenvolvimento, em relação aos paÃses desenvolvidos. A Bioética da Proteção foi pensada para proteger aqueles em situações de vulnerabilidade social e de saúde, que não têm garantido, pelas polÃticas públicas de saúde, o mÃnimo para exercer suas potencialidades e projetos moralmente legÃtimos de dignidade (SCHRAMM, 2006). Para esta realidade concreta em nosso meio e na maioria das sociedades democráticas contemporâneas, é essencial considerarmos a necessidade de valorizar o pluralismo cultural, religioso e de valores morais dessas comunidades, ressaltando relevância de priorizar o pluralismo razoável ou tolerante, proporcionando uma coexistência harmoniosa e pacÃfica destas diferenças (MÖLLER, 2008). Para podermos balizar as tomadas de decisões dentro das UTINs podemos considerar a Teoria da Justiça. Segundo John Rawls, com relação à Teoria da Justiça, são necessárias duas condições para aplicação deste conceito, sendo eles, a escassez de recursos e o pluralismo. Se não há escassez de recursos a serem definidos em sua aplicação, não existem dilemas com relação à justiça. A existência de uma diversidade de comunidades morais, religiosas, orientações éticas que muitas vezes são totalmente divergentes entre si, por isso haverá divergências sobre as questões de como atender à s necessidades de cada população (RIBEIRO; REGO, 2008). A teoria da Justiça, segundo Raws, refere-se à maneira pela qual se distribuem direitos e deveres fundamentais que determinam a divisão de vantagens comunitárias, baseado na condição de equidade. Primeiro garantindo igualdade na distribuição de deveres, liberdade e direitos básicos. A seguir, refere-se ao acesso equitativo à s oportunidades, garantindo uma noção de maximização do minimum e a discriminação positiva, que prioriza os menos favorecidos, os excluÃdos e os mais desafortunados da sociedade, garantindo, assim, a equidade (FORTES, 2008). Ribeiro e Rego (2008) consideram que, baseados na teoria da proteção e na teoria da Justiça Distributiva, podemos avaliar três grupos que podem ser beneficiados na UTIN. O primeiro grupo daqueles RN com perspectiva de sobrevida, embora com algum 59 comprometimento fÃsico ou mental, mas com condições para uma vida humana digna. Em uma visão macro teremos um alto investimento em tecnologia e recursos, que poderiam ter sido investidos, preventivamente em um pré-natal adequado e um sistema de atenção à saúde integrado e hierarquizado que contemplasse uma maior cobertura de assistência, inclusive em medicina intensiva neonatal, atendendo aos RN em diferentes nÃveis de gravidade. Num segundo grupo, encontram-se os RN sem esperança de sobrevida apesar da intervenção médica, com patologias congênitas e sÃndromes genéticas incompatÃveis com a vida, ou com imaturidade a nÃvel biológico abaixo da possibilidade de sobrevida com condições mÃnimas necessárias à dignidade. Nestes casos, a limitação do esforço terapêutico é a atitude eticamente correta, evitando qualquer tipo de tratamento fútil. O terceiro grupo encontra-se entre os dois primeiros. Trata-se de RN que podem viver, caso o tratamento seja instituÃdo, porém a perspectiva das condições de vida futura é muito comprometida, com graves restrições fÃsicas, de consciência e de relação com o outro, impondo grande sobrecarga à famÃlia e à sociedade. Tais situações levam à discussão sobre a distribuição justa de recursos entre os diferentes grupos de RN, avaliando suas reais necessidades entre aqueles que sobreviverão em condições boas ou razoáveis e aqueles com condições muito restritas. É avaliado qual RN apresenta maior vulnerabilidade e a quem compete o poder da decisão, à autoridade técnica ou à autoridade moral, e baseada em que parâmetros a decisão de investimento de recursos públicos deve ser realizada. Os autores concluem que, como o conhecimento é sempre probabilÃstico e os estudos de acompanhamento são escassos em nosso meio, os investimentos em reconhecer a realidade própria da nossa região é imperiosa, visto que mesmo em regiões onde se investe inclusive em pesquisas baseadas em evidência, os resultados mostram a necessidade de avaliações sempre individuais de cada caso (RIBEIRO; REGO, 2008). Com bom senso e conhecimento na análise de toda essa problemática complexa que envolve o nascimento do RN com problema, em especial o RNPTe, podemos evitar que tratamentos extremos aumentem ainda mais o sofrimento extremo a que o bebê já esteja submetido. Deve-se afastar a possibilidade de exposição desta população em condição de extrema vulnerabilidade a uma obstinação terapêutica, assim como ter a certeza de que os investimentos na vida digna sejam sempre respeitados por condição de máxima justiça. A visão da morte está sempre diretamente relacionada com a realidade da vida que se impõe a cada sociedade. Essa reflexão nos leva a dar sentido tanto à morte quanto à vida em realidades atuais, em seu devido momento e lugar, ressaltando a vivência digna para todos. (BARCHIFONTAINE, 2001). 60 4 PROTOCOLOS E FUNDAMENTAÇÃO 61 Diante da problemática analisada anteriormente, constatamos, pela revisão bibliográfica, a existência de inúmeros protocolos que norteiam as tomadas de decisões em UTIN em diversos nÃveis, sejam nacionais ou regionais, levando em consideração fatores múltiplos, como a diversidade de valores culturais, religiosos, econômicos e de desenvolvimento tecnológico das instituições. Várias correntes filosóficas parecem exercer influência na construção de determinados protocolos, atualmente os paÃses de lÃngua inglesa estão fortemente marcados pelo Principialismo de Beauchamp e Childress (2002), que também influencia alguns paÃses latinos. Nesta perspectiva, há um forte componente consequencialista e uma valorização da ideia de qualidade de vida do RN, alguns paÃses parecem influenciados pelo Personalismo e pela visão de sacralidade da vida, havendo um forte componente deontológico. No Canadá, em 1994, a Fetus and Newborn Committee , Canadian Paediatrics Society and Maternal-Fetal Medicine Committee, Society of Obstetrician and Gynecologists of Canada elaboraram um Guideline com orientações para equipe de saúde, referente à condução da mãe em trabalho de parto prematuro eminente e RNPTe entre 22 e 26 semanas de IG. Neste trabalho, foram levantados os princÃpios para buscar o melhor interesse para a mãe e para o neonato: Autonomia, Beneficência e Não Maleficência além do PrincÃpio da Justiça Distributiva. Foram considerados: a idade gestacional, as taxas de sobrevida para determinadas faixas e os dados sobre o neurodesenvolvimento em longo prazo. Levou-se em conta o manejo da mãe e do RNPTe: a) RN < 22SG(semanas gestacionais) (até 21SG e 6 dias): decisões baseadas na saúde materna; o feto é considerado inviável, e deverão ser oferecidas medidas de conforto e cuidados paliativos; todavia poderá ser oferecido tratamento ativo se o neonatologista considerar a viabilidade da criança e que a IG do RN foi subestimada; b) RN de 22SG completas (22SG a 22 e 6 dias): decisões tomadas primariamente baseadas na saúde materna; uma vez que a sobrevida destes bebês é considerada baixa, à maioria serão oferecidos cuidados paliativos e medidas de conforto, a não ser que a famÃlia, devidamente esclarecida, optar por tratamento ativo, ou que a IG tenha sido subestimada; c) RN de 23 a 24SG completas (24SG e 6 dias): o tratamento inicial deve ser concordante com a vontade dos pais devidamente esclarecidos, sendo que para a maioria dos casos é indicado reanimação, mas com contÃnua discussão com a 62 famÃlia, e com flexibilidade nas decisões de iniciar ou manter tratamento de reanimação, dependendo das condições de vitalidade ao nascimento; d) RN com 25 a 26SG completas (26SG e 6 dias): decisões a respeito do parto devem ser baseadas no melhor interesse para a mãe e a criança, com o consentimento dos pais; a reanimação deve ser realizada em todos os neonatos nesta IG que não tenham anomalias fatais. Um trabalho realizado em 2007 no Canadá mostra que a maioria dos neonatologistas segue o protocolo de 1994, e alerta para a necessidade de reavaliação, devido à s discrepâncias de condutas existentes, principalmente na faixa de 24 e 25 semanas de IG, influenciada por diferenças sociodemográficas e culturais, em acordo com trabalhos dos EUA e alguns paÃses europeus. E sugere que isso acontece devido à grande incerteza de evolução prognóstica, própria deste perÃodo de idade gestacional (LAVOIE; KEIDAR; ALBERSHEIM, 2007). Em 2012, a Canadian Pediatric Society através da Fetus and Newborn Committee publicou a recomendação sobre os cuidados com as mães e RNPTe entre 22 e 25 e 6/7 semanas de IG: a decisão dos pais deve ser amparada pela equipe médica, com adequado esclarecimento; a consulta e transferência para um centro terciário de assistência são importantes para mãe e feto; antes das 22 semanas de IG, como a sobrevida é incomum, a abordagem de não intervenção é recomendada; entre 23,24 e 25 semanas de IG as decisões devem ser individualizadas para cada paciente e sua famÃlia, analisando todos os fatores que influenciam o prognóstico. Todo RNPTe que não for reanimado ou que não teve sucesso na reanimação deve receber cuidados paliativos de conforto (JEFFERIES et al., 2012). Nos EUA, berço do Principialismo, atenção é dada ao princÃpio de Beneficência e em especial da Autonomia, conforme citado em vários trabalhos (FINE et al., 2005; MacDONALD; HUGH AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS; COMMITTEE ON FETUS AND NEWBORN,2002; ORZALESI,2010). O National Institute of Child Health and Human Development (NICHD, 2012) Neonatal Research Network (NRN, 2013) disponibiliza 1 , um algoritmo com base na IG, peso do feto estimado por USG fetal, sexo fetal, nascimento único e uso antenatal do corticoide, com finalidade de informar aos profissionais da área da saúde e familiares sobre as possibilidades de evolução do RN no limite da viabilidade, a fim de auxiliar nas decisões a serem tomadas frente ao nascimento de um neonato extremamente prematuro (TYSON et al., 2008). 1 Cf. www.nichd.nih.gov/neonatalestimates. 63 Porém, segundo o NRN, deve-se ter em mente que todo RN deve ser considerado individualmente, e que outros fatores podem ser considerados no momento da tomada de decisão. Skupskie e outros (2010b) concluem que o algoritmo é impreciso para predizer a evolução do feto antes do nascimento, pela incerteza e variabilidade do processo ao nascer. O estudo de novos algoritmos com evolução em conjunto de dados obstétricos e neonatais pode ser importante para predizer a sobrevida e as morbidades dos RN e, portanto, importante nas tomadas de decisões. A Committee on Fetus and Newborn da AAP (2007) tendo como base, o princÃpio da Autonomia e o melhor interesse do RN, em casos de ameaça de parto prematuro, recomenda: a) decisões considerando todos os aspectos do manejo do nascimento e cuidados pós-partos baseados em frequentes reavaliações do prematuro, das condições de nascimento do RN e seu potencial prognóstico, sendo feito conjuntamente com pais e equipe médica; b) pais devem receber informações apropriadas a respeito do risco materno associado à s opções de parto, sobrevida neonatal, e riscos adversos do desenvolvimento da criança; c) respeitar as escolhas dos pais, com relação ao manejo do parto e subsequente cuidado com o neonato, dentro dos limites da viabilidade e conduta médica adequada; d) conhecimento por parte da equipe médica, sobre os dados dos centros de referência local e nacional, a respeito da sobrevida e evolução em longo prazo, relacionados ao nascimento de RNPTe; e) investigação prévia sobre o manejo do parto e cuidados com RNPTe, incluindo avaliação da sobrevida e neurodesenvolvimento em longo prazo. Na Itália, Pignotti (2010) relata a experiência de um grupo de trabalho, formado por profissionais de saúde interessados em revisar a literatura sobre a evolução de RNPTe e discutir a questão da falta de regulamentação e diferença de atitudes entre profissionais de diferentes instituições. Refere-se à especial preocupação dos profissionais em despertar a reflexão sobre a regulamentação dos cuidados neonatais com RNPTe e na indesejável interferência da polÃtica na autonomia profissional dos médicos. O grupo elaborou a Carta di Firenze (CdF) em 2006, que resume: a) o papel da IG na tomada de decisão sobre o tratamento: IG é crucial para o prognóstico, embora outros fatores também sejam relevantes (peso de nascimento, gravidez de múltiplos, crescimento intrauterino, gênero) 64 b) sugestões práticas para tratamento neonatal e materno: ï‚· </=22SG: são de alto risco e devem ser conduzidas, exclusivamente, baseadas na saúde da mãe; o RNPTe deve receber cuidados de conforto e nenhum tratamento de prolongamento da vida; ï‚· 23SG: parto cesárea por indicação fetal não está recomendado; a viabilidade do RNPTe deve ser avaliada ao nascimento, e a reanimação iniciada somente se o neonato apresentar capacidades vitais e com aprovação ou solicitação dos pais; em casos de sério comprometimento das condições clÃnicas do neonato, o médico em consulta aos pais, deve considerar a abstenção de tratamentos de prolongamento da vida, mantendo cuidados de conforto; ï‚· 24SG: parto cesárea pode ser considerado em algumas situações; tratamento de suporte à vida deve ser usualmente indicado e pode ser administrado baseando-se na condição clÃnica do neonato; ï‚· 25SG ou mais: parto cesárea está recomendado; o neonato deve receber reanimação e cuidados intensivos, a menos que suas condições clÃnicas sejam precárias, e que a sobrevida não pareça possÃvel; c) inclusão dos pais no processo de decisão: recomenda que os pais devam ser sempre incluÃdos no processo; o médico não deve nunca impor sua opinião; d) cuidados pós-reanimação: se a decisão foi de ressuscitar, considerar a alta incidência de comprometimento no neurodesenvolvimento do prematuro e providenciar um programa adequado de seguimento do neonato e sua famÃlia, incluindo suporte no aprendizado escolar; após a decisão de não reanimar, o neonato deve receber cuidados de conforto adequados e a famÃlia integrada ao processo; e) o documento questiona a regra sobre ressuscitar sempre conforme proposto pelo Ministério da Saúde Italiano, o que não colabora com a difÃcil tomada de decisão ética de médicos e familiares em lidar com circunstâncias de prolongamento da vida de RNPTe, apenas postergando o problema para dentro das UTIN. Considera que esta situação pode ir contra o melhor interesse da criança e de seus pais e contra a autonomia profissional médica. Já a National Bioethics Committe (NBC, 2008), órgão ligado ao Ministério da Saúde Italiano, fez considerações e apontamentos em ressalva aos propósitos da CdF. Considerando 65 a importância do assunto e a grande vulnerabilidade caracterÃstica do RN, expressa as seguintes posições: a) o princÃpio fundamental a ser seguido é o de que, em geral, os critérios para reanimação do RNPTe devem ser os mesmos usados para as crianças maiores ou mesmo adultos. b) os méritos da CdF são os de chamar atenção da opinião pública e administração para a questão dos problemas da neonatologia; insiste na importância dos cuidados paliativos para RNPTe e do direito de ter adequada analgesia e morte digna; importância do preparo, quando possÃvel, dos pais e familiares para o nascimento, habilitando-os a compreender o tratamento oferecido à mãe e ao bebê, estando abertos ao diálogo. c) o Comitê considera que o RNPTe não deve ser reanimado, se essa prática se caracterizar uma obstinação terapêutica, mesmo se o prolongamento do tratamento médico seja solicitado pela ansiedade e afetação dos pais. Contudo, não se pode considerar como obstinação terapêutica, o simples fato de que o RNPTe seja submetido a cuidados intensivos logo após o nascimento. Seria inaceitável qualquer caso em que se exige a determinação de um tempo limite para se recusar, a piori, qualquer esforço na reanimação; d) é opinião do Comitê que simplesmente a hipótese de mau desenvolvimento do RNPTe, mesmo que grave, mas compatÃvel com a vida, não pode justificar a interrupção do tratamento, exceto nos casos em que o médico, em acordo com suas considerações profissionais e sua consciência, considerar ser obstinação terapêutica em virtude de sua futilidade ou sua inadequação. e) o Comitê também considera que os pais devem sempre ser envolvidos diretamente nas decisões a respeito do inÃcio do tratamento e também chamados a dar consentimento a tratamentos experimentais que possam ser desenvolvidos com suas crianças. Além dessas hipóteses e em casos de obstinação terapêutica (tratamentos desnecessários ou eticamente injustificados), em casos raros e extremos, de desacordo entre a opinião dos pais e a avaliação dos médicos em favor da reanimação do RNPTe, é da opinião do Comitê, que a opinião do médico deve prevalecer; assim também, não deve ser procedido qualquer tratamento ou reanimação do RNPTe, considerando somente a opinião positiva do pai e da mãe; 66 f) em acordo com relato anterior, o Comitê salienta que, pelo nascimento, todo recém-nascido, mesmo o prematuro extremo, adquire o status jurÃdico de pessoa e a responsabilidade do direito legal ao tratamento é reconhecido para todos na Constituição Italiana, a despeito de idade, sexo, raça, opinião polÃtica e religiosa e qualquer outra condição pessoal ou social. É inaceitável qualquer tipo de discriminação em relação ao tratamento médico do RNPTe, somente baseado na decisão superior do médico ou da decisão e consentimento dos pais; g) o Comitê recomenda como essencial que o suporte aos pais, do ponto de vista psicológico, ético e espiritual seja incrementado dentro das UTIN do Sistema Nacional de Saúde, em particular nas situações crÃticas, em que as decisões têm de ser tomadas com respeito aos RNPTe, alguns estendidos até e após a alta da criança. h) o Comitê, informado dos atuais avanços cientÃficos, expressa a necessidade de intervenção nacional e regional para promover pesquisas cientÃficas sobre as causas e prevenção da prematuridade por meio de financiamento adequado; i) o Comitê pontua com relação à sobrevida, embora rara, de RNPTe de 22 semanas de IG, para repensar com respeito à s técnicas usadas para o aborto tardio, em acordo com Act194/1978, sendo necessário aventar a possibilidade da sobrevida deste feto, fora do ventre materno. Turillazzi e Fineschi(2009) também refletiram sobre florescimento de vários debates no cenário italiano, destacando a insistência que acontece neste cenário, em estabelecer regulamentação judicial das práticas de reanimação neonatal e o esclarecimento do papel dos pais em decisões a respeito do tipo de assistência. Ele afirma que os médicos não necessitam de guidelines restritivos, referências padrão, baseadas na IG e regras autoritárias. Para a difÃcil tomada de decisão a respeito de RNPTe no limite da viabilidade, é necessária a avaliação realÃstica das condições clÃnicas da criança, baseada em seu melhor interesse, com clÃnicos e familiares em uma interação de “parceria de cuidadosâ€. O autor considera a CdF como uma referência de dados epidemiológicos do Estudo de EPICure, definido como incerteza da vitalidade de prematuros entre 22 e 25 semanas de IG e classificando as terapias administradas aos RNPTe neste perÃodo como terapias intensivas extraordinárias, e dentro da futilidade. Um intenso debate se travou entre vários segmentos da sociedade italiana (NBC, 2008; PIGNOTTI; MORATTI, 2010; TURILLAZZI; FINESCHI, 2009). A National Bioethics Committee (NBC, 2008) considerou ética e cientificamente inaceitável a presunção de se 67 identificar um limite temporal abaixo do qual se possa recusar, a priori, qualquer atenção à reanimação neonatal. E ainda que este é o ponto crÃtico da CdF, ou seja, há dificuldade em estabelecer parâmetros realmente verdadeiros, os quais possibilitariam uma certeza no prognóstico dos RNPTe ao nascimento. Por isso, a avaliação das condições vitais ao nascimento não pode ter um valor prognóstico rigoroso e não pode justificar, a priori, a decisão de desistir da terapia. Finalmente, é da opinião da National Bioethics Committee que a possibilidade do RN reanimado desenvolver deficiências de maior ou menor gravidade não significa que o tratamento instituÃdo possa ser considerado fútil, simplesmente por prolongar uma vida, considerada por alguns, de baixa qualidade. Em oposição a alguns autores, consideram que a futura qualidade de vida do RN deve ser levada em conta nas decisões sobre o melhor tratamento do neonato muito doente. A National Bioethics Committee sugere igualdade de tratamento para os RNPTe assim como para qualquer pessoa com limitações, independente da idade. Uma vez que qualquer pessoa necessitada de assistência, o RNPTe tem o direito a receber todo tratamento apropriado para garantir sua sobrevivência. A CdF , devido à s incertezas sobre o prognóstico desses neonatos, parece inverter esse princÃpio, com relação aos nascidos entre 22 e 23SG, os quais parecem ser dignos das práticas de reanimação apenas excepcionalmente, quando houver evidências de bom prognóstico.Essa inversão não é considerada eticamente aceitável pelo Comitê.Outro ponto de fundamental importância é a centralidade dos pais nos processos decisórios a respeito das terapias administradas aos seus RN. Quando os pais discordam dos médicos, sendo contra os procedimentos de reanimação, a decisão dos médicos deve prevalecer. Em fevereiro de 2008, foi publicada a “Carta di Romaâ€, assinada por Diretores de ClÃnicas Ginecológica e Obstétrica e neonatologistas de quatro Faculdades Médicas de Universidades de Roma. Ela sugere que se deve encaminhar o tratamento dos RNPTe, como no caso de qualquer pessoa em condição de risco e assisti-los de maneira adequada, a despeito de sua idade gestacional, sugerindo, então uma abordagem que não é baseada em critérios estatÃsticos, como taxa de sobrevida ou deficiências, mas, individualizada (TURILLAZZI; FINESCHI, 2008). A Italian Superior Council of Health (ITALIAN SOCIETY OF GYNAECOLOGY AND OBSTETRICS – SIGO, 2008) expressa a opinião a respeito da conveniência em identificar protocolos para tratamento perinatal de RNPTe, para definir a abrangência temporal e modalidades de assistência mais apropriadas para garantir a segurança da saúde e 68 dignidade do neonato e de sua mãe, de acordo com mais recentes evidências cientÃficas. Nas recomendações finais, lê-se: [...] levando em conta que o tratamento médico e de reanimação não pode estar confinado a rÃgidos esquemas, mas requer uma avaliação cuidadosa e individualizada das condições clÃnicas ao nascimento... depois de uma avaliação de suas condições clÃnicas... os procedimentos de reanimação apropriados [devem ser] garantidos ao neonato, com o objetivo de revelar capacidades vitais potenciais, as quais poderão predizer as possibilidades de sobrevida quando em tratamento intensivo (SIGO, 2008, p. 13). Se a evolução do tratamento não se mostrar eficaz, deve-se evitar manter tratamentos intensivos transformados em obstinação terapêutica. As terapias administradas ao neonato devem sempre respeitar a dignidade natural da pessoa, garantindo a intervenção mais apropriada para proteger seu potencial de desenvolvimento e a melhor qualidade de vida possÃvel. Os pais devem receber as melhores informações e esclarecimentos a respeito das condições de seu filho e sua expectativa de sobrevida, com apoio psicológico sempre que possÃvel. Em situações de conflito entre as solicitações dos pais e as decisões dos médicos, uma solução compartilhada deve ser buscada, levando sempre em conta a segurança e proteção da vida do feto, do recém-nascido e sua saúde. A Sociedade Italiana de Ginecologia e ObstetrÃcia, segundo Turillazi e Fineschi(2009), ressaltam que ao nascimento é impossÃvel a certeza prognóstica somente com base na IG e no peso do neonato, sendo necessário considerar cada caso individualmente, baseado também, na vitalidade do RN, suas reações à estimulação, e seu desenvolvimento. Também é recomendado como necessário, uma concordância com os pais sobre as intervenções ao neonato, provendo-os com informações adequadas. A reanimação neonatal preparada, compartilhada por equipe multidisciplinar, oferece recursos progressivamente aperfeiçoados nos cuidados ao RNPTe. Alguns experts em Ética Católica sustentam, com particular ênfase, que a santidade da vida humana é fundamental e professa claramente posições a respeito da CdF, enfatizando o fato que, naquele documento, o direito à vida da lugar a sua qualidade. A um aumento no número de nascimentos prematuros corresponde uma constante tendência a não ressuscitar os casos mais graves, a despeito da possibilidade de sobrevida destes. Contra essa tendência, sustenta-se uma abordagem baseada no respeito à pessoa e na adequação dos meios empregados de modo a evitar qualquer forma de obstinação terapêutica, a qual, de forma alguma pode considerar a futura qualidade de vida do neonato. Turilazzi conclui que o 69 foco da discussão está na admissão de guidelines que especifica quais RNPTe não devem ser reanimados. Em nenhuma outra área da medicina tem-se focado como polÃtica ou diretriz, semelhante limitação do tratamento. Pelo contrário, em outras áreas, os guidelines são mais abrangentes e gerais, com mais espaço para julgamentos clÃnicos individuais e discernimento profissional. Muitos autores consideram que as polÃticas para RN são muito diferentes das feitas para outras faixas da população. Muitas situações crÃticas agravadas por alta morbidade e mortalidade, o baixo percentual de sobrevida ou mesmo a previsão de sequelas graves e incapacitantes, certamente não levam a abstenção de procedimentos de reanimação estabelecidos rigorosamente por protocolos e guidelines. Na Holanda, segundo Verhagen e Sauer (2005), como em qualquer outro paÃs, terminar com a vida de um ser humano é considerado assassinato, exceto em condições extremas. A eutanásia em adultos é regulamentada na Holanda desde 2002, já para o perÃodo neonatal ainda não foi legalizada. O controle legal da eutanásia em neonatos é baseado no relatório do próprio médico, seguido por uma avaliação da promotoria pública criminal. Para prover todos os dados necessários e evitar questionamentos das autoridades, foi elaborado um Protocolo de Groningen (VERHAGEN; SAUER, 2005), para casos em que a decisão é por término da vida do neonato. Essa situação pode ser dividida em três categorias: a) crianças sem nenhuma chance de sobreviver; consiste em crianças que vão morrer logo após o nascimento, a despeito do melhor tratamento disponÃvel local que receber; essas crianças têm problemas graves, incompatÃveis com a vida, como hipoplasia renal; b) crianças que tenham prognóstico muito ruim, e são dependentes de cuidados intensivos prolongados; crianças que podem sobreviver após um perÃodo de tratamento intensivo, mas as expectativas a respeito de suas condições futuras são inexoráveis; são aquelas com lesões cerebrais graves, causadas por malformações ou lesões por hipoxemia grave; quando sobrevivem elas têm um prognóstico reservado e uma baixa qualidade de vida; c) crianças com prognóstico grave, onde os pais e médicos estimam um sofrimento insuportável; embora haja dificuldade em definir e quantificar tal fato abstrato, esses incluem pacientes que não são dependentes de terapia intensiva, mas é estimada uma qualidade de vida muito ruim com grande sofrimento. Dilemas a respeito das decisões de terminar com a vida do neonato com baixa expectativa de qualidade de vida e presumÃvel sofrimento intratável sem perspectiva de 70 melhora ou resolução do problema são compartilhados por médicos em todo o mundo. Decisões sobre o não iniciar ou a retirada de tratamento intensivo em recém-nascidos sem chances de sobrevida é considerada como boas práticas por médicos da Europa e aceitáveis por médicos americanos. Neonatologistas, na Holanda e na maioria dos paÃses europeus, estão convencidos de que o tratamento intensivo não é um fim em si mesmo. O objetivo não é apenas a sobrevida, mas uma qualidade de vida aceitável. O Protocolo (Anexo A) contém um guia geral e requerimentos especÃficos a serem relatados a respeito da decisão sobre a eutanásia e sua implementação. Devem ser completamente preenchidos cinco requerimentos médicos e outros critérios de suporte, designados a clarear a decisão e facilitar a avaliação. O seguimento do protocolo não garante que o médico não vá ser processado. Na Holanda, o relatório baseado em um protocolo e subsequente avaliação da eutanásia no neonato é obrigatório, e contribui para clarear o processo decisório. Segundo Verhagen e Sauer (2005), este conjunto de abordagem está em acordo com a cultura social e legal do paÃs, mas não está claro em qual extensão poderia ser transferida para outras culturas. Desde 2007, o Ministério da Saúde da Holanda faz uma reavaliação de todos os casos antes que a promotoria pública tome sua decisão. Segundo Cuttini e outros (2009), muitas reações negativas têm surgido por parte de médicos e bioeticistas, com relação ao Protocolo de Groningen, questionando a interpretação de falta de esperança e sofrimento intratável em neonatos que estão recebendo tratamento analgésico adequado e expressam uma preocupação de que a eutanásia não voluntária possa estar substituindo os cuidados paliativos. Embora não se questione a intenção do autor do protocolo em agir no melhor interesse do RN, considera que se espalha o sentimento de que uma “linha fronteiriça maior†foi ultrapassada e que este passo é inaceitável. Apesar das controvérsias, a partir de 2005, o Protocolo foi adotado pela Associação Pediátrica Holandesa (APH) como um guideline nacional. Neste mesmo momento, houve uma revisão do guideline a respeito da reanimação neonatal em RNPTe, recomendando um maior manejo ativo para os neonatos entre 24 e 25 semanas de IG que não era muito frequente na Holanda (CUTTINI et al.,2009). Manejo corrente para RNPTe, na Holanda, orientada pela APH (VERLOOVE- VANHORICK, 2006): ï‚· <24SG: não recomendado transferência para nÃvel terciário, cesárea somente por indicação materna; não indicado corticoide antenatal ao nascimento; garantir cuidados de conforto; 71 ï‚· 24 SG: transferência intrauterina pode ser aconselhada; cesárea por indicação materna, corticoide antenatal é viável; ao nascimento garantir medidas de conforto, porém cuidados intensivos podem ser considerados, como exceção; ï‚· 25SG: sempre indicado transferência intrauterina e corticoide antenatal; cesárea por indicação materna; a indicação fetal como exceção; terapia intensiva está indicada a menos que o RNPTe requeira cuidados de conforto; ï‚· 26SG: indicação de transferência intrauterina, corticoide antenatal, cesárea e terapia intensiva neonatal indicada para o feto e RNPTe. Na França, em 1995 o Código Deontológico enfatizou a obrigação do médico de aliviar a dor e incluiu a preocupação contra tratamentos agressivos inadequados (McHAFFIE,et al. 1999). Posteriormente, como reflexo do projeto EURONIC, 1996, novos protocolos e orientações foram desenvolvidos, solicitando um maior envolvimento dos pais nas tomadas de decisões com relação ao tratamento dos neonatos nas UTIN, em especial pelo Comitê Nacional de Ética, também expressando preocupação com casos de obstinação terapêutica e com a prática de eutanásia ativa (CUTTINI et al., 2009). Novas leis foram surgindo, como em 2002, a L.2002/303, chamada lei de Kouchner, sobre direito do paciente, a qual reafirmou o princÃpio da autonomia do paciente. Em 2005, a L. 2005/370, a lei de Leonetti, sobre os direitos do paciente terminal, que proibiu a obstinação terapêutica em investigações e tratamentos, e autorizou a retirada ou omissão de tratamento quando ele parecer inútil, desproporcional ou sem nenhum outro efeito que somente prolongamento artificial da vida. Quando a terapia intensiva é suspensa, deve sempre prover os cuidados paliativos e o alÃvio da dor. As novas leis reforçaram a autonomia do paciente, o qual deve ser informado e dar seu consentimento ao ato médico. Em caso de pacientes menores, os pais ou guardiões têm o direito de decidir por eles. Fora as emergências, duas outras situações ocorrem em que a autoridade dos pais pode ser substituÃda pela autoridade médica: quando as opiniões de ambos são discordantes e tal desacordo pode levar a consequências graves para a saúde da criança e quando a decisão de renunciar ao tratamento está em jogo. Neste caso, os pais têm o direito de serem informados e manifestarem sua opinião, mas seu consentimento não é necessário. Em qualquer situação, a decisão em favor de qualquer indivÃduo incompetente deve ser precedida por um procedimento colegiado, consultando a equipe médica, pelo menos um consultor externo, e uma pessoa de confiança apontada pelo paciente e a famÃlia. Um grupo de estudos multidisciplinar organizado pela Sociedade Francesa de Neonatologistas (DAGEVILLE et al.,2011) apresentou uma nova proposta com relação à s 72 tomadas de decisão na terminalidade da vida em neonatologia, revisando alguns itens do protocolo elaborado em 2001. Identificou os princÃpios correntes, nos quais se baseiam os neonatologistas para as tomadas de decisões, analisou as dificuldades na aplicação destes princÃpios e comparou com situações vividas em outros paÃses e encontradas em pesquisas empÃricas. Em conclusão: 1) Sobre a retirada ou omissão do tratamento de suporte a vida, a obstinação terapêutica insensata e o melhor interesse da criança: considera que o tratamento intensivo deve ser em todos os casos, adaptado à s condições do paciente e seu prognóstico, o que implica que a decisão de interrupção do tratamento para o paciente, mesmo se de suporte à vida, é aceitável, condenando a obstinação terapêutica; à equipe médica cabe a responsabilidade de decidir se é sensato ou não iniciar o tratamento planejado, para isso, deve ser assegurado que a decisão foi tomada, baseada no melhor interesse da criança; prover tratamento de suporte pode ser considerado insensato se o neonato não tem perspectiva de sobreviver (futilidade) ou sobreviver com graves morbidades. Então, a retirada ou omissão do tratamento deve ser considerada quando a autonomia e qualidade de vida do paciente submetido ao tratamento suporte são consideradas inaceitáveis para o paciente e, portanto, contra o seu melhor interesse. Descobrir esse limite entre o aceitável e o inaceitável torna-se um dilema. 2) Deliberação por abordagem colegiada: Organizada por dois nÃveis: a) o médico encarregado do paciente deve iniciar e formalizar um diálogo com a equipe de cuidados; em caso de desacordos é legÃtimo retardar a discussão e considerar novamente os pontos divergentes; b) o médico encarregado deve consultar a opinião de, pelo menos, mais um médico o qual não tenha algum vÃnculo hierárquico. 3) Responsabilidade Médica Individual: considerada de particular importância, pois é em virtude dessa responsabilidade, que o médico juntamente com a equipe e os pais, deve determinar, em boa fé, o melhor interesse da criança, verificar a racionalidade de cada ato médico, levando em conta a situação do paciente, baseando seu julgamento em conclusões de relevantes estudos cientÃficos, em concordância com a lei, e finalmente tomar a decisão melhor possÃvel, mesmo que essa possa resultar em morte para o 73 paciente. Não há determinação rÃgida baseada na idade gestacional ou peso de nascimento das crianças nascidas no limite da viabilidade, levando a uma avaliação individual. 4) Papel dos pais no processo decisório: pela lei, é necessário garantir informações completas sobre a saúde do neonato aos pais ou representantes; além disso, há uma obrigação moral para com o respeito à autonomia dos pais e a permitir que eles exerçam seu papel. Após informações adequadas, deve-se obter o consentimento dos pais antes de qualquer decisão sobre o cuidado com a criança, exceto em situações de emergência. Contudo em situações com relação à s decisões de terminalidade da vida, a lei francesa restringe a autoridade dos pais, deliberando a decisão aos médicos; os neonatologistas franceses sugerem seguir em acordo com a legislação, mas ir além, para permitir maior participação dos pais nas decisões: primeiro, a deliberação envolvendo os pais no processo de definição do melhor interesse para sua criança em conjunto com a equipe de saúde, e ambas as partes formarem um consenso com relação ao plano a ser traçado; o médico toma a responsabilidade final para si, na tomada de decisão; por último, a implementação da decisão teria a participação dos pais no processo. 5) Transparência das decisões e motivações: pela lei, o processo e todos os elementos constitutivos da deliberação devem ser integralmente registrados no prontuário do paciente e recomenda-se que ele esteja disponÃvel para acesso à s informações, favorecendo a melhor aceitação da decisão; 6) Quanto à proteção da dignidade, qualidade do final da vida e cuidados paliativos: independentemente da idade gestacional ou peso de nascimento, todo recém-nascido é por direito, um membro integral da famÃlia humana. Com base nisso, sua dignidade deve ser mantida, como para qualquer outro ser humano; o final da vida de toda criança é parte de sua vida e os cuidados paliativos devem ser iniciados para preservar a qualidade da vida até o seu final; o principal objetivo é aliviar o sofrimento; o alÃvio da dor é imperativo, mesmo que possa levar à morte. Também objetiva, além de proteger a dignidade da criança neste momento da sua morte, prover suporte à famÃlia neste difÃcil momento. 74 7) Intenção implÃcita na ação: ao contrário da eutanásia, entendida como uma ação realizada com a intenção deliberada de causar ou apressar a morte do paciente, que é proibida pela lei na França, a retirada ou a omissão de terapia considerada fútil ou obstinada, após discussão com a equipe de cuidados e os pais, não pode assim ser considerada, uma vez que a intenção do médico é a de parar com a oposição irracional ao curso natural da doença, mesmo que isso resulte em morte do paciente e essa evolução seja totalmente previsÃvel. O que ocasionou a morte foi a evolução natural da doença que o tratamento não conseguiu superar, e não a ação do médico. Segundo a Sociedade, as decisões médicas muitas vezes precisam ser tomadas para um bebê recém-nascido, cuja sobrevida depende de cuidados intensivos, mas cuja previsão de qualidade de vida é incerta. Por hora, essa previsão nunca poderá ser dita como boa, mas espera-se que ela seja a melhor possÃvel. Geralmente elas não são baseadas em certezas absolutas, mas, por sim, em probabilidades suficientemente estimadas. Inteligência coletiva e senso moral dos profissionais de saúde devem ser mobilizados por análises colegiadas das intenções e motivações implÃcitas em todas as opções concebÃveis. Para a Sociedade Francesa, quando tudo, porém, for dito, é a responsabilidade médica que os guia, quando confrontado com dilemas. Na SuÃça, os problemas médicos raramente são motivos de avaliação pública, portanto há poucas avaliações das práticas públicas (McHAFFIE et al. 1999). Contudo o “National Board of Health†deixa claro: é da responsabilidade do médico fazer a decisão definitiva sobre o tratamento e embora a opinião de familiares deva ser considerada, eles não devem ser onerados pela responsabilidade da escolha de tratar ou não. Além disso, está expresso que em determinadas circunstâncias, o médico tem o direito de limitar o tratamento com objetivos humanitários. The Express Group, na SuÃça, (EXPRESSGROUP, 2009), avaliando a evolução a curto e longo prazo de crianças nascidas antes de 27 semanas de IG, na SuÃça, entre 2004 e 2007, observou uma sobrevida em torno de 70%, com variação de 9,8% à s 22 semanas de IG até 85% à s 26 semanas de IG, sendo a sobrevida em um ano, sem morbidades ditas maiores, de 20% à s 22 semanas de IG até 63% à s 26 semanas de IG. Ressaltando que na SuÃça, a saúde geral da população é considerada boa há mais de duas gerações e a polÃtica de saúde é igualitária (contracepção é subsidiada para adolescentes e a legislação do aborto é liberal). A aderência aos programas de saúde de cuidados pré-natais é quase universal, levando a um baixo risco de partos extremamente prematuros. Contudo o efeito sobre a melhora na 75 sobrevida do RN, uma vez nascido, ainda precisa ser avaliado melhor. Conclui-se que o manejo perinatal proativo tem, com certeza, contribuÃdo para melhor evolução do RNPTe. Contudo a limitação do tratamento do RNPTe não pode ser baseada somente na noção de sobrevida improvável. Também não significa que todo RNPTe deve ser mantido vivo a qualquer custo. O prognóstico, baseado na avaliação individual, incluindo morbidade precoce e em longo prazo, e o desejo dos pais são ainda, os fatores mais importantes nos processos decisórios. Se a sobrevida é no melhor interesse da criança e de sua famÃlia, ele deve ser continuamente reavaliado. Em 2011, as sociedades médicas suÃças (Swiss Society of Gynaecology and Obstetrics, Swiss Academy of Fetomaternal Medicine, SwissAssociation of Midwives, Swiss Society of Paediatrics, Swiss Society of Neonatology e Swiss Society of Developmental Paediatrics), validadas por Central EthicalCommittee of the Swiss Academy of Medical Sciences, fizeram uma atualização das recomendações sobre a reanimação do RNPTe: Quadro 1: Recomendação sobre a reanimação do RNPTe: Sociedade Médica SuÃça De 22-0/7 a 23-6/7 SG = cuidados paliativos; após 23SG, pode ser razoável considerar a reanimação e cuidados intensivos em casos seletos e avaliados as condições prognósticas e a decisão dos pais De 24-0/7 a 24-6/7 SG = é difÃcil a tomada de decisão; é importante a análise individual da constelação de fatores prognósticos, e em conjunto com os pais De 25-0/7 a 25-6/7 SG = a reanimação é geralmente indicada, porém a avaliação individual dos fatores prognósticos e a opinião dos pais ainda são necessárias. Fonte: Berger et al. (2011). Todas as situações de trabalho de parto prematuro de gestações com mais de 23 semanas de IG devem ser acompanhadas em unidades de nÃvel terciário de atendimento e acompanhadas por neonatologista experiente. Na dúvida sobre o prognóstico do bebê RNPTe, pode estar indicado o inÃcio do tratamento intensivo para posterior reavaliação do quadro evolutivo. O suporte à vida é mantido até onde seja razoável a esperança de vida e o ônus da terapia intensiva para criança seja aceitável. Se o prognóstico não é favorável, o tratamento é considerado desproporcional, a terapia intensiva não está justificada e, portanto, é necessário um redirecionamento do tratamento para cuidados paliativos, alÃvio da dor e dignidade no momento de morte e apoio à famÃlia. 76 Na Austrália, Wilkinson e outros (2006) publicaram um cohort realizado no Royal Children’s Hospital, comparando as mudanças em um perÃodo de duas décadas (1985-1987 e 1999-2001) sobre os cuidados no final da vida em UTIN. Considerou que na UTIN deste hospital, a limitação terapêutica é considerada quando há pequena esperança de sobrevida ou quando a qualidade de vida, em longo prazo, é considerada inaceitavelmente ruim. A decisão sobre retirada ou omissão do tratamento suporte é realizada somente após o consenso ser alcançado entre os pais, equipe médica e de enfermagem. A maioria das mortes nesta Unidade ocorreu após decisões de limitação terapêutica intensiva. Ainda na Austrália, “The Guideline for a Palliative Approach for Aged Care in a Community Settingâ€, aprovado em 2010, orienta os cuidados e a participação dos pais no processo decisório do final da vida (AUSTRALIAN GOVERNMENT DEPARTMENT OF HEALTH AND AGEING, 2011). No Reino Unido, o Royal College of Paediatrics and Child Health (RCPCH, 2004) publicou a segunda edição do “Framework for Practice†sobre a retirada ou omissão de tratamento de suporte à vida em crianças. Considera a situação nas seguintes circunstâncias: a) morte cerebral; b) estado vegetativo permanente; c) situações de “sem chances†de sobrevida; d) situações de “sem propósito†em que, continuar o tratamento, seria contrário ao melhor interesse da criança; e) situações de sofrimento insuportável. Considera que em determinadas circunstâncias, a continuidade do tratamento médico curativo é manifestação de tratamento fútil e inflige sofrimento insuportável à criança, não sendo do melhor interesse da mesma. A suspensão apropriada do tratamento dependerá de um conhecimento acurado da condição do paciente e de todo o envolvimento com as condições ao redor da criança. Os bons julgamentos, usualmente, irão requerer investigação e consultas. Os conflitos emocionais poderão afetar o equilÃbrio tanto dos profissionais quanto dos familiares e deverão ser administrados. As decisões não devem ser apressadas e devem sempre respeitar a vida da criança e a responsabilidade com o alÃvio do sofrimento. A vida daqueles com incapacidades tanto fÃsica como mental deve ser altamente valorizada. Cuttini e outros (2009) consideraram que a situação incompatÃvel com a sobrevida não resulta em controvérsias e a situação de sofrimento insuportável será definida com avaliação 77 caso-a-caso. As situações de sem propósito, porém, serão as mais controversas eticamente, pois levantam as questões sobre julgamento da qualidade de vida e discriminação aos deficientes. O protocolo reconhece explicitamente o problema, estabelecendo, contudo, que há um grau de incapacidade, a qual inclui a perda de consciência e inabilidade de interagir, a uma extensão que nenhuma pessoa racional poderia querer levar uma vida desse tipo, e nem impor como obrigação ao médico, lutar para manter tal vida. Em 2006, o Nuffield Council of Bioethics, um conselho independente que examina e publica na área de ética em biologia e medicina, cujos curadores são a Nuffield Foundation, Wellcome Trust e Medical Research Council, publicou um Relatório: “Critical care decisions in fetal and neonatal medicine: ethicals issueâ€. O Relatório foi elaborado por um grupo de trabalho (GT) composto por neonatologistas, um obstetra, um professor de enfermagem, filósofos, cientistas sociais, advogados, economistas da área da saúde e pessoas que trabalham com famÃlia de RNPTe e crianças com deficiências. Examinou os dilemas éticos, sociais e legais levantados pela medicina fetal e neonatal. O Relatório concentrou-se em como as decisões deveriam ser conduzidas e quem deveria tomar as decisões, visto que em várias circunstâncias não haverá uma resposta claramente considera certa ou errada. As diversas áreas crÃticas das decisões foram analisadas e consideradas detalhadamente. Entre as inúmeras questões éticas, foram salientadas: o valor da vida humana, considerando as teorias do estatuto moral do feto e recém-nascido, a santidade da vida e qualidade de vida; o melhor interesse; deliberações sobre o final da vida; tomadas de decisões; A recomendação final do Relatório deu especial consideração em se e quando o tratamento intensivo deve ser negado para RNPTe. Conclui que a grande incerteza na evolução destes bebês reflete que uma exclusão completa dos cuidados intensivos poderia ser contrária ao melhor interesse da criança e de seus familiares. Contudo, direcionamentos claros sobre como se oferecer cuidados intensivos ao RNPTe, contribuirão para pais e profissionais realizarem decisões, melhor informados sobre o tratamento em situações individualizadas. O protocolo proposto (Quadro 2) provê uma base para a discussão entre o corpo profissional e de familiares, e deve ser continuamente reavaliado, de acordo com as mudanças de evolução dos RNPTe: a) gestação de 25SG ou mais:cuidados intensivos devem ser iniciados e os neonatos admitidos na UTIN, a menos que seja do conhecimento prévio que ele seja afetado por alguma anormalidade severa, incompatÃvel com a vida, sem qualquer possibilidade significativa de sobrevida; 78 b) gestação entre 24 e 24 6/7SG: prática normal deve ser a de oferecer ao neonato cuidados intensivos plenos e suporte para o nascimento e admitido na UTIN, a menos que pais e médicos estejam convencidos que, à luz das condições do bebê, não é do seu melhor interesse iniciar cuidados intensivos; c) gestação entre 23 e 23 6/7SG: é muito difÃcil a previsão da evolução para cada bebê individualmente, precedência deve ser dada aos desejos dos pais.Contudo, onde as condições do neonato indicarem que ele não irá sobreviver por longo tempo, o médico não está obrigado a continuar com o tratamento, indo contra ao seu julgamento clÃnico, se ele julga que o tratamento poderia ser fútil; d) gestação entre 22 e 22 6/7SG: a prática padrão é a de não reanimar o neonato. A reanimação somente seria oferecida e cuidados intensivos iniciados seguindo a solicitação dos pais, depois de longa discussão com pediatra experiente, sobre os riscos e as possibilidades de evolução em longo prazo, e se o médico acreditar que é do melhor interesse do neonato; e) gestação antes de 22SG:qualquer intervenção nesse perÃodo é considerada experimental. Os cuidados de reanimação devem ser executados apenas como pesquisa clÃnica, que tenha sido avaliada e aprovada pelo comitê de ética e com o consentimento informado dos pais Quadro 2: Resumo das Propostas do Nuffield Council Report: SEMANAS DE SEMANAS DE GESTAÇÃO CONDUTA < 22 SEMANAS Intervenção experimental, como pesquisa, com a aprovação comitê de ética e dos pais 22 a 22 e 6/7 SEMANAS Não reanimar; a pedido dos pais, considerar após extensão discussão e no melhor interesse do RN 23 a 23 e 6/7 SEMANAS DifÃcil prognóstico; precedência deve ser dada ao desejo dos pais; não obrigado se tratamento fútil 24 a 24 e 6/7 SEMANAS Tratamento normal deve ser oferecido e admitido na UTIN; a menos que não seja do melhor interesse do RN, avaliado pelos pais e médicos > 25 SEMANAS Tratamento intensivo iniciado e admissão em UTIN, a menos que o tratamento seja considerado fútil. Fonte: Nuffield Council (2006). 79 Em 2008, a British Association of Perinatal Medicine (BAPM,2008), publicou um modelo prático de cuidados com RNPTe, menores de 26 semanas de IG, baseado no Relatório do Nuffield Council on Bioetichs e na monografia do RCPCH (2004), citada anteriormente. A partir desta prática volta-se a atenção para os Cuidados Paliativos (BAPM,2010), uma vez que a decisão de não reanimar e a retirada de tratamento já instituÃdo, não significa abandonar o paciente, mas mudar o curso do tratamento para cuidados paliativos. Na Ãndia, onde os problemas sociais, econômicos, culturais são extremos, com uma altÃssima taxa de mortalidade infantil, em especial a neonatal, o limite para iniciar e continuar o tratamento neonatal é muito mais alto quando comparado com unidades com as mesmas adequações tecnológicas nos Estados Unidos e na Europa, ficando em torno de 28 a 32 semanas de IG. Milijeteige e outros (2009) estudando as caracterÃsticas de uma UTIN acadêmica de nÃvel terciário na Ãndia consideraram que os cuidadores levam em conta em suas decisões sobre o limite de viabilidade para iniciar ou manter o tratamento, um emaranhado de fatores inter-relacionados. São considerados: o desejo de proteger a famÃlia e evitar um aumento no risco de evoluções de deficiências crônicas; abertamente consideram a escassez de recursos institucionais; são sensÃveis à dinâmica familiar local, culturalmente consolidada; dispensam atenção especial à s crianças especialmente desejadas (fertilizações in vitro, primigestas idosas e outras); sentem-se relativamente impotentes em prevenir a discriminação de gêneros. Portanto, na falta de protocolos formais, os cuidadores ajustam suas decisões sobre retirada ou omissão de tratamento, baseado em considerações pragmáticas. Na Ãfrica do Sul, embora venha acontecendo uma melhora na evolução de neonatos prematuros atendidos nas UTIN, há uma grande carência de leitos de Terapia Intensiva, e em alguns lugares mais desfavorecidos, até dois terços das crianças nascidas em hospitais do setor público ficam sem acesso a unidades neonatais. Nessa situação, crianças nascidas com peso menor de 1000g não são ventiladas rotineiramente nos hospitais da rede pública, e o médico pode ser menos agressivo do que seus pais poderiam desejar (RANCHOD et al.,2004) Na América Latina, alguns estudiosos em bioética se posicionam e publicam as opiniões dos serviços a que pertencem. Borquez, Anguita e Bernier (2004), no Chile, coloca a resolução da problemática RNPTe dentro das avaliações das tomadas de decisões sobre Limitação de Esforço Terapêutico (LET). Diante da dúvida, considera a conduta ética correta se decidir em favor da vida, mas, a duração dos tratamentos de prova deve ser por tempo razoável para não cair em situações de “Encarnizamiento Terapéuticoâ€. 80 Reyes e Andrés (2012), do Serviço de Neonatologia do Hospital San Juan de Dios La Serena-Chile, considera que a LET em neonatologia se baseia basicamente em dois critérios: ao mau prognóstico de sobrevida e a má qualidade de vida futura. Baseado nos princÃpios de Beneficência, Não Maleficência, Autonomia do paciente e Justiça, e nos conceitos de Proporcionalidade Terapêutica propõem para o neonato RNPTe: a) < 23SG: se considera não viável, cesárea só por indicação materna, e o RN só deve receber cuidados de conforto; b) 23 a 24SG: a indicação de cesárea por sofrimento fetal é muito duvidosa; o manuseio do neonato ao nascer deve ser coerente com o desejo dos pais; a reanimação e assistência intensiva são opcionais, exceto em condições de anomalias congênitas graves; se recomenda não reanimar se o feto nasce mal e os pais estiverem de acordo; em caso de dúvidas razoáveis, deve iniciar a reanimação e ter flexibilidade para o inÃcio e retirada da assistência intensiva dependendo das condições do bebê; c) 25 a 26SG: as decisões sobre a via do parto devem basear-se no melhor interesse do RN e de sua mãe; se recomenda a reanimação intensiva e imediata de todos os neonatos. Na Argentina, o atendimento dos RNPTe deve estar baseado nos princÃpios que regem as orientações da Proporcionalidade Terapêutica e LET, cujos critérios incluem inexistência de possibilidades razoáveis de sobrevivência, situação de morte iminente e tratamento que prolonga a sua agonia, baseados em critérios de probabilidade mais do que de certeza (LAZZURI,2007-2008). Grzona (2006) formulou um Score de Risco de morte do neonato, contando com seis itens que consideram: peso ao nascimento, idade gestacional, asfixia perinatal, hipotermia à chegada ao serviço de referência, apneia, bradicardia ou cianose, atendimento por neonatologista ao nascimento; baseado neste Score, igual ou maior a 12, avalia-se o risco de morte do RN com sensibilidade de 91,98% e valor preditivo de vida de 89,6%. Este Score de risco assume grande utilidade em momentos de indicar o encaminhamento para UTIN e após o ingresso, se a evolução for insatisfatória, optar-se, razoavelmente, pela LET e evitar tratamentos desproporcionados, levando em conta os princÃpios de Beneficência e Não maleficência, além de considerar o princÃpio da Justiça, uma vez que haveria prioridade de pacientes com melhor prognóstico, a serem atendidos nas UTIN, que têm sua taxa de ocupação sempre muito alta. Segundo Grzona, deve se considerar fútil as medidas de suporte vital realizadas em pacientes com previsão de sobrevida com risco de mortalidade superior a 81 95%. No caso do Score de risco neonatal de 11 ou mais, para esses bebês estaria indicado a LET, o que de nenhuma forma significa abandono do paciente. A adequação do tratamento deve se empenhar que seja em consenso com os pais. Isso requer informações detalhadas. Os cuidados com dignidade não podem ser negados a nenhum ser humano; o adequado é preservar a vida e a dignidade do paciente em sua morte. É tarefa do médico redirecionar os esforços terapêuticos desde o suporte a vida até a prescrição enérgica do tratamento que maximize o conforto e dignidade do neonato e de seus pais. No Brasil, Ribeiro e Rego (2008), discutem as tomadas de decisões em UTIN sob o ponto de vista da Justiça distributiva tendo como referenciais teóricos a Bioética da Proteção e a Teoria das Capacidades. Duas condições foram salientadas para as avaliações: a escassez de recursos e o pluralismo moral da população brasileira, como na maioria das sociedades democráticas contemporâneas. Conclui que a decisão ética será também mais qualificada quanto melhor for a informação clÃnica que estiver disponÃvel relativa ao prognóstico do RN de risco, para que se possa esclarecer adequadamente à s famÃlias e melhor envolvê-las nas tomadas de decisão clÃnica. Lago, Piva e Kipper (2005), analisando três UTI pediátricas do sul do Brasil, concluiram que a reanimação cardiopulmonar ainda é oferecida em uma frequência maior do que a descrita nos paÃses do hemisfério norte, enquanto que a LET é realizada preferencialmente através da ordem de não reanimar. Esses achados e a pequena participação da famÃlia refletem a dificuldade em relação à s decisões de final de vida enfrentadas por intensivistas do sul do Brasil. Tonelli, Mota e Oliveira (2005), simultaneamente, avaliando a morte de crianças em um hospital terciário no Brasil, concluiram que a suspensão ativa do suporte avançado de vida ainda é em número desprezÃvel. As decisões de não reanimação são geralmente tardias. Lago e outros (2007), em nova publicação sobre cuidados de final de vida em crianças no Brasil, confirmaram que as medidas tomadas com relação à LET são tÃmidas, requerendo mudança de comportamento, principalmente com relação à participação das famÃlias no processo decisório. Em 2010, Ambrósio em dissertação, estabelece proposta de recomendações para iniciar ou não os cuidados intensivos em RN no limite da viabilidade no Brasil. Após ampla consideração sobre os aspectos biológicos, bioéticos, econômicos e legais, foi proposto que devem ser oferecidas medidas de conforto aos neonatos menores de 25 semanas de IG e cuidados intensivos neonatais aos maiores dessa idade. Caso os pais, após o diálogo exaustivo e informação esclarecida a respeito dos fundamentos da recomendação médica de apenas 82 oferecer cuidados de conforto aos bebês entre 23 e 25 semanas de IG, ainda assim optarem pelo tratamento intensivo, este deverá ser oferecido e rediscutido continuamente. Em casos em que a idade gestacional é desconhecida ou incerta, deve-se dar ao bebê o benefÃcio da dúvida e reanimá-lo. O autor considera a sua proposta um ponto de partida para uma ampla discussão na sociedade brasileira, envolvendo todos os segmentos da sociedade neste processo de cuidado com o prematuro no limite da viabilidade, uma vez que não existe uma regulamentação oficial do processo. Recomenda o investimento em estudos brasileiros para melhor conhecimento da nossa realidade sobre o RNPTe, sua morbimortalidade, bem como da qualidade de vida dos sobreviventes. Em geral os protocolos tendem a um direcionamento prático de condutas em UTIN relacionados aos RNPTe partindo de princÃpios gerais para sua aplicabilidade em casos particulares. Portanto, embora cruciais, os protocolos nunca serão suficientes, isoladamente, para tomadas de decisões, considerando as ambiguidades das situações que devem ser avaliadas individualmente. Os protocolos podem considerar os neonatos inviáveis e sugerir a indicação opcional ou obrigatória de terapia intensiva, mas para isso recomenda-se que devem refletir dados recentes especÃficos de uma determinada localidade, sobre morbimortalidade dos neonatos em diferentes pesos e idades gestacionais (LANTOSet al., 1994). Decisões compartilhadas entre obstetras, neonatologistas e familiares são essenciais. Comitês de ética são mais frequentemente acionados em situações de discordância entre os participantes do processo de decisão. Situações de discordância sobre retirada ou omissão do tratamento em neonatos, estão normalmente centrados em desacordos sobre princÃpios morais ou de protocolos com sentidos amplos, pouco esclarecedores. Nesses casos, há consenso difundido que o melhor interesse da criança deve ser a consideração moral central (LANTOS, et al.,1994). Segue, no Quadro 3 e 4 alguns protocolos avaliados ao longo do estudo e definições estabelecidas por cada um. Quadro 3 : Protocolos e recomendações de alguns paÃses estudados e relacionados no texto PaÃs Ano Origem CaracterÃsticas Canadá 1994 Fetus and Newborn Committe Canadian Society Paediatrics Society Obstetricians and Gynecol of Canada Guideline 2012 Fetus and Newborn Committee Canadian Society Paediatrics Orientação EUA NICHD(National Institute of Child Health & AlgorrÃtmo 83 Human Development) 2007 Committee of Fetus & Newborn American Academy Pediatric Recomendação Itália 2006 Grupo de médicos especialistas italianos Carta di Firenzi Recomendação 2008 National Bioethics Committee Recomendação 2008 ClÃnicas Ginecológica e Obstétrica e Neonatologistas de Universidades de Roma Carta di Roma Recomendação 2008 Italian Superior Council of Health Recomendação Holanda 2005 Protocolo de Groeningen Protocolo 2005 Associação Pediátrica Holandesa Protocolo França 1995 Código Deontológico Orientações 2000 Federation Nationale des Pediatres Neonatologistes Recomendação 2002 Comitê Nacional de Ética Recomendação 2012 Sociedade Francesa de Pediatria Protocolo Suiça 1999 National Boarth of Health Recomendação 2011 Sociedades Suiça de Neonatologia, ObstetrÃcia e Ginecologia, Medicina materno-fetal e outras Protocolo Austrália 2009 The Guidelines for a Palliative Approach for Aged Care in a Community Setting Guideline Reino Unido 2004 Royal College of Paediatrics and Child Health Recomendação 2006 Nuffield Council Bioethics Relatório 2008 British Association of Perinatal Medicine Protocolo Ãndia 2009 Milijeteig, I. et al Pesquisa Africa do Sul 2004 Ranchod, T M et al Pesquisa Chile 2004 Serviço de Neonatologia Hospital San Juan de Dios La Serena-Chile Recomendação Argentina 2006 Hospital Notti Grzona, M E Score de risco de morte neonatal 2008 Lazzuri Oscar Recomendação Brasil 2011 Dissertação Ambrosio,CR Recomendação 2012 Sociedade Brasileira de Pediatria Recomendação 84 Quadro 4: Direcionamentos dos principais protocolos: PAÃS ANO NÃO REANIMA ZONA CINZENTA FAMÃLIA ÓRGÃO CANADà (Jefferies,2012) 2012 <23 Semanas 23 a 25 Semanas Participa Efetivamente (PE) Canadian Pediatrics Society EUA (AAP, 2007) 2007 <23 Semanas Individual Participa-PE AAP ITÃLIA (Pignotti,2006) 2006 <23 Semanas 23 a 24 Semanas PE Carta di Firenzi HOLANDA (Verloove,2006) 2006 <24 Semanas 24 a 25 Semanas PE Ass. Pediatrica Holandesa FRANÇA (Dagenville,2011) 2011 <22 Semanas 22 a 25 Semanas Ouvida Soc. Francesa Neonatologia SUIÇA (Berger,2011) 2011 <23 Semanas 24 a 25 Semanas PE Soc. Médica Suiça REINO UNIDO ( Nuffield,2006) 2006 <22 Semanas 23 Semanas PE Nuffield Council e British Assoc. Perinatol. Medicine 85 5 CONCLUSÃO 86 Para as soluções de dilemas médicos frente ao RNPTe, pudemos acompanhar o grande número de considerações a serem analisadas, apenas confirmando o caráter complexo da maioria das decisões éticas nesta área. O Principialismo de Beauchamp e Childress (2002) propicia um caminho mais abrangente para uma análise inicial de cada problema a ser considerado, com relação ao RNPTe, porque integra as duas abordagens em bioética de modo coerente, e sintetiza pontos práticos consensuais entre elas, como a recusa da obstinação terapêutica e a importância central do interesse do RN. Cada princÃpio, Não maleficência, Beneficência, Autonomia e Justiça, podem ser exaustivamente utilizados no contexto da neonatologia e em relação ao RNPTe, como fizemos acima. A hierarquização de tais princÃpios, como sugerem alguns autores (FORD, 2002; PESSINI,2007; SGRECCIA,1996) pode ser uma forma de administrar os dilemas surgidos ao longo dos processos, considerando que a hierarquia para o caso do RNPTe é: para os casos individuais e concretos, (1) Não Maleficência (2) Autonomia (3) Beneficência e (4) Justiça; para a adoção de protocolos e de polÃticas públicas, (1) Não Maleficência, (2) Justiça, (3) Autonomia e (4) Beneficência. Podemos ter em mente que para o prematuro no limite da viabilidade, assim como para outros RN com problemas graves, atenção especial deve ser dada a Não Maleficência, pois é consenso da maioria dos autores que o primeiro interesse do bebê é não sentir dor ou sofrimento. As decisões a serem tomadas devem ser claramente compartilhadas pelas partes principais envolvidas, a famÃlia e a equipe médica, e a nÃvel macro, com decisões compartilhadas com a sociedade, que define o rumo de polÃticas públicas e distribuição e alocação de recursos. Os pais são considerados representantes legais e morais dos filhos e por isso, na maioria das vezes, são os mais indicados a responder no melhor interesse do bebê. Mas para que isso aconteça, a humanização do trabalho médico se faz mister, uma vez que o conhecimento técnico dos problemas médicos enfrentados pela criança, as possibilidades de sobrevida e desenvolvimento são, muitas vezes, desconhecidos por eles (os pais), além do momento favorecer a conflitos e desequilÃbrios emocionais, que prejudicam uma decisão sensata, livre de culpas e interferências externas, essencialmente voltada ao melhor interesse de seu filho. Por isso necessitam de amparo, apoio e esclarecimentos claros e objetivos sobre a real situação do pequeno prematuro. É imprescindÃvel que se crie um ambiente de pertença à equipe, onde sua opinião seja valorizada como membro participante que constrói as decisões à medida que os fatos se desenrolam, pois não há uma solução pronta que sirva para todos. 87 Cada um é um ser humano individual com todas as particularidades, inclusive da famÃlia ao seu redor. Com bom senso e conhecimento aplicado na análise de toda essa problemática complexa que envolve o nascimento do RN com problema, em especial o RNPTe, podemos evitar que tratamentos extremos aumentem ainda mais o sofrimento extremo a que o bebê já está submetido, afastando a possibilidade de exposição desta população em condição de extrema vulnerabilidade a uma obstinação terapêutica. Também é importante assegurar que o progresso e a evolução na área da tecnologia e cuidados da neonatologia favoreçam a sobrevida saudável de RN cada vez mais prematuros, não permitindo que eles pereçam em função de opiniões pessoais ou protocolos extremamente rÃgidos. É imperativo que se abra uma discussão ampla entre membros da área da saúde, da ética, legislativo e autoridades e toda a sociedade civil, sobre a questão do limite da viabilidade e cuidados com RNPTe, para nortear a elaboração de um protocolo adequado à realidade brasileira, contemplando as particularidades e as grandes diferenças regionais do paÃs. E sabendo, através dos exemplos de outros estudos, como sugerem os estudos citados, que um protocolo nesta área é apenas um ponto de partida para avaliação de cada caso, justamente pela individualidade que cada binômio mãe/ feto ou mãe/neonato apresenta. Só assim, poderemos garantir que se respeite o PrincÃpio da Justiça, não permitindo a limitação de esforços terapêuticos à queles que têm condições dignas de sobrevida e, também, não se submeta RNPTe e suas famÃlias a situações de distanásia e posterior abandono à própria sorte, sem condições do apoio e seguimento adequado à s suas necessidades especiais ao longo da vida. 88 REFERÊNCIAS 89 ALMEIDA, M. F. B. de A.; GUINSBURG, R. Reanimação neonatal em sala de parto: documento cientÃfico do Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria. 1 abr. 2013. DisponÃvel em: <http://www.sbp.com.br/pdfs/PRN-SBP- Reanima%C3%A7%C3%A3oNeonatal-atualiza%C3%A7%C3%A3o-1abr2013.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2013. ALMEIDA, M. F. B. et al.Perinatal factors associated with early deaths of preterm infants born in Brazilian Network on Neonatal Research centers. J Pediatr, Rio de Janeiro, v. 84, n. 4, p. 300-307, 2008. 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Informações necessárias para suportar e esclarecer a decisão sobre eutanásia 1) Diagnóstico e prognóstico ï‚· Descrever todos os dados médicos relevantes e o resultado da investigação diagnóstica usada para estabelecer o diagnóstico; ï‚· Listar todos os participantes do processo decisório, todas as opiniões expressadas e o consenso final; ï‚· Descrever como o grau de sofrimento e expectativa de vida foi alcançado; ï‚· Descrever a disponibilidade de tratamentos alternativos, alternativas de alÃvio do sofrimento, ou ambas; ï‚· Descrever tratamento e resultados do tratamento precedente à decisão sobre a eutanásia. 2) Decisão da eutanásia ï‚· Descrever como foi iniciada a discussão sobre possÃvel eutanásia e em qual momento; ï‚· Lista de considerações que motivaram a decisão; ï‚· Listar todos os participantes no processo decisório, todas as opiniões expressadas, e o consenso final; ï‚· Descrever o caminho pelo qual o prognóstico com relação à saúde em longo prazo foi alcançado; ï‚· Descrever quais e como os pais foram informados e suas opiniões. 100 3) Entrevista ï‚· Descrever o médico ou médicos que deram uma segunda opinião (nome e qualificação); ï‚· Lista de resultados de exames e recomendações feitas pelo médico consultor. 4) Implementação ï‚· Descrever o atual procedimento de eutanásia (tempo, lugar, participantes e drogas administradas); ï‚· Descrever as razões para a escolha do método para a eutanásia. 5) Passos seguidos após a morte ï‚· Descrever os achados do médico legista; ï‚· Descrever como a eutanásia foi referida à autoridade legal; ï‚· Descrever como os pais estão sendo apoiados e consolados; ï‚· Descrever o plano de seguimento, incluindo a revisão do caso, exame pós-mortem e aconselhamento genético. Fonte: Verhagen e Sauer (2005).